O português quinhentista

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O Português Quinhentista - Estudos Lingüísticos

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No Gráfico 02, percebe-se que os diálogos têm a mesma disposição, guardadas as devidas proporções, que é distinta da narrativa, cuja curva é muito diferente, podendo-se assegurar, a partir disso, que a natureza do texto é um dos fatores condicionantes no emprego dos demonstrativos em cada uma das funções encontradas. Os diálogos, na dêixis temporal, têm o número de ocorrências inferior ao da anáfora-dêitica, contrariamente, ao que ocorre nas Décadas, em que as ocorrências da dêixis temporal são superiores às ocorrências de anáfora-dêitica, isso mostra que em um diálogo não há tanta necessidade de se estar utilizando da função dêitica temporal, pois os interlocutores compartilham a mesma situação temporal. Já nas Décadas, o maior número de ocorrências, em relação à anáfora-dêitica, se justifica pela distância entre o espaço de tempo do narrador e o tempo dos fatos narrados, ou seja, João de Barros não é contemporâneo aos fatos que narra, levando-o a ter de valer-se da referida função. Na dêixis espacial, o número de ocorrências é igual às de dêixis temporal no Diálogo em Louvor de Nossa Linguagem, no Diálogo da Viçiosa Vergonha e, nas Décadas da Ásia, as ocorrências de dêixis espacial são três vezes superiores às ocorrências na função dêitica temporal. Isso pode ser intrigante a partir do momento em que se visualiza no Gráfico a curva parecida para os diálogos também, mas não se deve esquecer que, no caso do Diálogo em Louvor de Nossa Linguagem, é apenas uma ocorrência. Isso impede que se saiba qual seria, na verdade, a tendência curvilínea, já que esses dados mostram a manutenção em relação à dêixis temporal. A diferença entre esses dois tipos de textos faz-se realmente presente na função dêitica “am phantasma”, em que o número de ocorrências nos diálogos cresce sensivelmente, em relação à dêixis espacial, e nas Décadas ocorre exatamente o contrário, o número de ocorrências de dêixis “am phantasma” é quase duas vezes menor em relação à dêixis espacial. A partir desses dados, pode-se entrever que, na narrativa histórica, o autor tem maior cautela na utilização de dados genéricos, pois ele sabe que está escrevendo para um número muito vasto de pessoas, as quais podem não compartilhar das informações por ele utilizadas, e nos diálogos o emprego dessa função faz-se presente pelo fato de que, de alguma forma, a “presença” do interlocutor sinaliza que a referência ao genérico é possível, ou melhor, o locutor sabe quais os elementos fazem parte da memória compartilhada por ambos, precisamente, pela presença de seu receptor no momento da enunciação.9 Se se cotejar essa explicação com a dada, anteriormente, para justificar a diferença de uso na função dêitica “am phantasma” entre a Carta e as Décadas, poder-se-á chegar à conclusão que são contraditórias. Porém, fundamentam-se as duas porque, no primeiro caso, a intenção foi mostrar que, quando se tem um locutor definido e esse não compartilha das informações pelo locutor prestadas, a tendência, pelo que foi constatado, é um número baixo de dêixis “am phantasma”, mesmo que seja uma narrativa histórica. Já no segundo caso, tem-se em confronto um diálogo com uma

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