ISSN 1678-1821 DesaďŹ o: R. Econ. e Adm.
Campo Grande, MS
v. 12 n. 26
p.1-120
jan./abr. 2011
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Célia Maria da Silva Oliveira Reitor
Editor Prof. Dr. Wilson José Gonçalves (UFMS)
João Ricardo Filgueiras Tognini Vice-reitor
Editores-Convidados Prof. Dr. Claudio Guimarães Cardoso (UFBA) Professor do Núcleo de Pós-Graduação em Administração (NPGA), em nível de mestrado e doutorado, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Obra aprovada pelo Conselho Editorial da UFMS Resolução n. 072, de 22 de agosto de 2006 Presidente Dercir Pedro de Oliveira Membros Antônio Lino Rodrigues de Sá Cícero Antonio de Oliveira Tredezini Élcia Esnarriaga de Arruda Giancarlo Lastoria Jackeline Maria Zani Pinto da Silva Oliveira Jéferson Meneguin Ortega Jorge Eremites de Oliveira José Francisco Ferrari José Luiz Fornasieri Jussara Peixoto Ennes Lúcia Regina Vianna Oliveira Maria Adélia Menegazzo Marize Terezinha L. P. Peres Mônica Carvalho Magalhães Kassar Silvana de Abreu Tito Carlos Machado de Oliveira
Prof. Dr. Gustavo Severo de Borba (Unisinos) Professor do Programa de Pós-Graduação (em nível de mestrado) em Design da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Prof. Dr. Jeovan de Carvalho Figueiredo (UFMS) Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGAd) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Prof. Dr. Marcos Augusto de Vasconcellos (FGV-EAESP) Professor dos cursos de mestrado e doutorado acadêmico em Administração de Empresas (CMDAE) da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV).
CÂMARA EDITORIAL Alexandre Marino Costa (UFSC) Cícero Antônio de Oliveira Tredezini (UFMS) Cleverson Renan da Cunha (UFPR) José Nilson Reinert (UFMS) Nara Maria Pimentel (CAPES) Mayra Batista Bitencourt Fagundes (UFMS) Wilson José Gonçalves - Presidente (UFMS)
Ficha Catalográfica preparada pela Coordenadoria de Biblioteca Central-UFMS Desafio : revista de Economia e Administração / Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. - n. 1 (2000)- . Campo Grande, MS : A Universidade, 2000- . v. : il. ; 21 cm. Quadrimestral 1. Economia. 2. Administração. I. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. CDD20-330
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Sumário
Geographic Proximity: Critical for Innovation or Not? A Brazilian Case Paulo Melo e Bill O’Gorman............................................................................................... 7 Envolvimento de Usuários no Processo de Inovação por Meio da WEB 2.0: Caso do Fiat Mio Sérgio Ricardo Mazini e José Alcides Gobbo Jr. ............................................................... 19 Etapas para o Alcance da Sustentabilidade Organizacional Através da Inovação: Estudo de caso da Biocar Biodiesel Manoel Domingues Moreira .............................................................................................. 33 Sustentabilidade na Gestão da Inovação: Caso Cognis Brasil Franciane Freitas Silveira, Rosária de Fátima Segger Macri Russo, Maria Carolina Machado de Matos e Roberto Sbragia .................................................... 49 Radar de Competitividade: Dois casos na indústria brasileira Luiz Carlos Di Serio, Jaci Corrêa Leite e Júlio Júlio Francisco Blumetti Facó .............. 65 Cases de Inovação em Empresas do Pólo Moveleiro da Serra Gaúcha Vanessa Neto Bischoff ........................................................................................................ 81 Inovação e a Gestão na Rede Pública de Ensino no Estado do Piauí: Caso CEFTI – Centro Estadual de Ensino Fundamental de Tempo Integral Prof. Raldir Cavalcante Bastos Fabrício Michell Soares, Adriana Alvina de Sousa Oliveira, Ana Carolina Nunes Carvalho e Daniel Barroso de Carvalho Ribeiro ............................ 95 Gestão de Projetos: Uma forma de inovação na gestão de organizações que buscam vantagem competitiva Devanildo Braz da Silva .................................................................................................. 109
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL Revisão A revisão linguística e ortográfica é de responsabilidade dos autores Editoração Eletrônica, Impressão e Acabamento Editora UFMS Revista Desafio Avaliadores dos Artigos desta Edição Profa. Dra. Adriane Angélica Farias Santos Lopes de Queiroz (UFMS) Prof. Dr. Alsones Balestrin (UNISINOS) Prof. Dr. Claude Machline (EAESP-FGV) Prof. Dr. Claudio Guimarães Cardoso (UFBA) Prof. Dr. Dario de Oliveira Lima-Filho (UFMS) Prof. Dr. Gustavo Severo de Borba (UNISINOS) Prof. Dr. Horácio Nelson Hastenreiter Filho (UFBA) Prof. Dr. Jeovan de Carvalho Figueiredo (UFMS) Prof. Dr. Luiz Carlos Di Serio (EAESP-FGV) Prof. Dr. Marcos Augusto de Vasconcellos (FGV-EAESP) Prof. Dr. Wilson José Gonçalves (UFMS)
Publicação da
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Programa de Pós-graduação Stricto Sensu Mestrado em Administração Av. Senador Filinto Müller, 1555 Cidade Universitária, Unidade 10 Fone: (67) 3345-3562 - Campo Grande-MS E-mail: revistadesafio@nin.ufms.br
Os artigos deverão ser encaminhados para o e-mail: revistadesafio@nin.ufms.br. A revista aceita permutas.
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Editorial
Esta chamada especial da revista Desafio tem como tema a Gestão da Inovação, dada a crescente relevância que este tópico tem conquistado nos últimos anos. De fato, a disputa cada vez mais acirrada das empresas por consumidores em mercados-alvo atuais ou ainda inexistentes tem demandado maior competitividade empresarial. Cada vez mais empresas têm buscado alcançar este resultado a partir da criação de incentivos internos a comportamentos favoráveis à inovação sistemática, por meio de aperfeiçoamento contínuo e da inovação radical. Desta forma, a inovação pode ser entendida como a atividade de desenvolvimento de uma nova idéia ou um novo conceito em um elemento comercialmente útil, que pode vir a ser aceito em um sistema social. Uma inovação pode ser, portanto, um novo produto, um novo processo produtivo ou ainda, uma nova forma de organização. Diante da relevância deste tema, o Fórum de Inovação da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV) criou, em 2009, o Núcleo Interinstitucional de Pesquisa em Micro e Pequenas Empresas Inovadoras. Este grupo de pesquisa, cadastrado no diretório dos grupos de pesquisa no Brasil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), conta ainda com pesquisadores das seguintes Instituições de Ensino Superior: Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Os representantes de cada uma das instituições participantes do Núcleo Interinstitucional de Pesquisa em Micro e Pequenas Empresas Inovadoras do Fórum de Inovação promoveram esta edição temática da revista Desafio. O resultado, após o processo de avaliação na modalidade blind review, foram os nove artigos que compõem este volume. 5
No primeiro deles, Paulo Melo e William O’Gorman, do Waterford Institute of Technology, discutem os efeitos da proximidade no processo de inovação. Sérgio Manzini e José Alcides Gobbo Jr. exploram, no artigo seguinte, o processo de inovação aberta do Fiat Mio, enfatizando o uso da web 2.0 neste processo. Manoel Domingues Moreira mostra em seu trabalho como a inovação pode ser um importante fator para a sustentabilidade empresarial, assim como Franciane Silveira, Rosária Russo, Maria Carolina Matos e Roberto Sbragia aproximam a inovação da sustentabilidade, relatando o caso dos motivadores e direcionadores desta união na Cognis Brasil, uma multinacional da indústria química. Também na forma de um estudo de caso, Luiz Di Serio, Jaci Leite e Júlio Facó promovem a aplicação da metodologia “Radar da Inovação” em duas empresas no país, a partir da qual demonstram os ganhos de competitividade nestas empresas proveniente da adoção da inovação. Com foco no sul do país, o trabalho de Vanessa Bischoff mostrou, de forma comparativa, como as empresas do pólo moveleiro da Serra Gaúcha têm inovado para obter novos produtos e processos. No setor da educação, o trabalho de Fabrício Soares, Adriana Oliveira, Ana Carolina Carvalho e Daniel Ribeiro mostrou como escolas públicas implementam práticas inovadoras em seus modelos gerenciais. Completa esta edição o trabalho de Devanildo Silva, que mostrou como o processo de inovação pode ser gerido nas empresas a partir da gestão de projetos inovadores. A todos, uma boa leitura!
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Geographic Proximity: Critical for Innovation or Not? A Brazilian Case Paulo Melo* Bill O’Gorman**
Abstract: The economic and social transformations in Brazil in the last twenty years have been strongly influenced by the dynamism of technological changes; however, such changes were not enough to place the country comfortably in the world scenario. The level of innovativeness of Brazilian firms is growing modestly and gradually. So, in this context, the current paper examined the importance of interactions under geographic proximity circumstance for innovation of clustered firms in two locations in Brazil. The findings showed that the fact that firms are clustered with others does not necessarily ensure any level of interaction that effectively enables the development of innovation activities within or between firms. The level of interactivity does not seem to be determined by geographic proximity, but by the quality and perception of gains or benefits of innovation sources. Keywords: innovation, local business arrangements, geographic proximity and interaction. Resumo: As transformações econômicas e sociais no Brasil nos últimos vinte anos têm sido fortemente influenciadas pelo dinamismo das mudanças tecnológicas; contudo, tais mudanças não foram suficientes para colocar o país em uma posição confortável no cenário mundial. O nível de inovacao das empresas brasileiras tem crescido modestamente e gradualmente. Assim, neste contexto, o presente artigo examina a importância das interações sob circunstâncias de proximidade geográfica para a inovação das empresas localizadas em clusters em duas localidades no Brasil. Os resultados mostraram que o fato das empresas estarem localizadas em clusters, não necessariamente assegura qualquer nível de interação que efetivamente permita o desenvolvimento das atividades de inovação dentro ou entre empresas. O nível de interatividade não parece ser determinado pela proximidade geográfica, mas pela qualidade e percepção dos ganhos e benefícios das fontes de inovação. Palavras-chaves: inovação, arranjo de negócio local, proximidade geográfica, interação.
Content: 1 Introduction; 2 Innovation: a complex phenomenon; 3 Methodology; 4 The Findings; 5 Conclusions; 6 Bibliographic Reference. *
PhD, Waterford Institute of Technology, pmmelo@yahoo.com
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PhD, Centre for Enterprise Development & Regional Economy, Waterford Institute of Technology, wogorman@wit.ie DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 7-18, jan./abr. 2011
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1 Introduction The changes in the nature of the global economy in the last 50 years have increased the focus on the role of innovation directly affecting competitiveness of organizations and countries. A new paradigm based on global market expansion, trade liberalisation, intensive international flows of goods, capital and information as well as new knowledge and advanced technologies has provoked changes in how companies compete with each other and how regions and countries experience growth and decline in the global arena. So, to cope with so many changes or to prevent collapses, companies, in particular, have promoted innovation initiatives to compete in such a dynamic and globalized market. In this new economic paradigm, the long term capability of firms to prosper and gain competitive advantage is based on the continuous improvement of innovation performance, production flexibility, and adaptability of organizational frontiers (Best, 1990). In this new economic scenario, the increase of innovation initiatives plays a central role at the heart of economic changes, keeping economies moving forward. Since the early 90’s, innovation became a buzzword and is the favourite focus of many scholars. Academics from the field of economic geography such as Lundvall (1992), Edquist (1997), Rosenfeld (1997), Porter (1998a, 1998b, 1998c and 1998d), Longhi and Keeble (2000), Simmie (2004) and Malmberg and Power (2005) as well as other authors such as Granovetter (1973), Powell, Ken8
neth and Laurel (1996), Gray (1996), Castell (1999), Ahuja (2000), Howells (2002), Abrunhosa (2003), Harryson (2008) and Svetina and Prodan (2008) have written about the theme of innovation within different contexts. Overall, these authors defended that innovation depends on many factors such as knowledge, location (including infrastructure and legal environment), availability of skilled labour force, fiscal incentives among other factors as well as the way firms organize themselves in business arrangements through collaborative networks which seem to facilitate the sharing of knowledge, technologies and information able to influence the development of firm’s innovation activities. As regards to the role of locations and spatial business arrangements, scholars from the field of economic geography use to argue that location and spatial business arrangements provide the ideal environment able to foster innovation due to the increase of interactions favoured by geographic proximity. Some authors such as Porter (1998a, 1998b, 1998c and 1998d) have drawn attention to the gains in competitiveness through firms’ improvement of innovativeness. He suggested that the generation of competitive advantage comes through innovation and differentiation and business arrangements on a geographic concentration basis provide the ideal environment able to booster innovation; therefore, according to him, firms within such arrangements are more likely to be innovative. According to Porter’s view location
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and spatial business arrangements generate competitive advantages. Location provides conditions (i.e. infrastructure, government incentives, public policies) to stimulate new innovation initiatives and spatial business arrangements, due to geographic proximity, facilitate the sharing of information, knowledge and new technologies through the increase of interactions therefore influencing the firms’ levels of innovation activities. So, in spite of this “apparent” consensus about the advantages of spatial arrangements to the development of innovation, there is a lack of updated researches and not enough critical evaluation has taken place on these studies. The sociologists, for instance, emphasize the benefits and advantages of networked environments which facilitate the exchange of knowledge, experiences and technologies which seem to impact the development of innovation activities regardless of whether firms are geographically close or not. So, the researchers decided to investigate if the theory of geographic proximity is applicable as a competitive advantage for innovation in today’s global environment. This investigation combines both arguments, investigating the interaction linkages of firms located within business arrangements on a geographic concentration basis and to what extent interactions inside these business arrangements affect the development of innovation activities. To perform the current investigation, it was decided to select Brazil as the main target. This research focused the investigation specifically in two lo-
cations: Campinas and Recife, respectively in the southeast and northeast of Brazil. The main reason for choosing these two locations is the fact that they are recognized worldwide as highly specialized technology niches of excellence. In both locations there are more than two hundred technology-based firms and a critical mass of technical expertise for high technology services, supposedly innovative. More specifically, this research is focused on a sample of micro and small firms as they are the greater majority of economic players in the country and have presented innovation rates lower than the national average, according to the Brazilian innovation survey-PINTEC undertaken by the Brazilian Institute of Geography and Statistics -IBGE since 2000. This paper is structured as follows: firstly, the Introduction, presented the main themes underpinning this paper. Section 2 presents some conceptual aspects and a brief overview of the evolution of innovation theories in the last sixty years and some considerations about the importance of locational factors and local business arrangements for innovation. Next, section 3 presents the methodology and methods adopted to perform this investigation and lastly, sections 4 and 5 respectively, present the main empirical evidence and conclusions of this investigation.
2 Innovation: a complex phenomenon Innovation is seen as a great concern among many scholars, policy-
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makers and entrepreneurs especially because of the strategic importance for firms’ and countries’ competitiveness. This section discusses the dynamism of innovation in the context of the new economic paradigm as well as how it evolved from a technology-pull strategy to a much more open concept influenced by social elements. Most of the important studies about innovation were performed in the past few decade and apparently are still accepted and influenced many policymakers around the world. Innovation may take many forms. To define innovation it is not simply a matter of finding the suitable concept that matches with the author’s understanding or perception. In fact, innovation is a broad and complex concept, allowing many interpretations. To Schumpeter (1979) innovation is as a complex mechanism of the introduction of a new product, process, service, production method, opening of a new market, new source of raw material and the establishment of new businesses. Drucker (1986) interpreted innovation as a systematic phenomenon motivated by many factors, such as: R&D, unexpected external or internal events or changes in the marketplace, some specific economic segment, demography, perceptions or the appearance of new knowledge. To Motta (1989), innovation is the final outcome of the creative process and the discovery of a new opportunity. It is the use of uncommon tools or something new, to give creative solution to problems detected. To Tidd, Bessant and 10
Pavitt (2001), innovation is a result of knowledge, experiences and abilities to create new products, processes and services. To these authors, innovation is a process that has three phases: it starts at the moment the opportunity is detected; next is the choice of the strategy to implement it and finally, when innovation is ready, it is time to introduce it to the market. Furthermore, Chesbrough (2003) argued that the innovation process combines both internal and external ideas and should be based on a landscape of abundant knowledge and cooperation. This concept is opposite to the ‘old’ model that considered the innovation process as a internal process only, and firms should not disclose their ‘secrets’ to anyone. To Holmen, Magnunsson and Mckelvey (2007), innovation is a phenomenon which is characterized by the exploitation of new opportunities regardless of whether firms use high technology or not. Those new opportunities may be new combinations of resources and market needs emerging from changes in the knowledge base and customer preferences or interrelationships of economic actors. In the past fifty to sixty years, innovation has assumed many forms and interpretations. Those innovation variances were described by Rothwell (1994) who pointed out five distinguished phases for innovation theories. According to Rothwell (1994), innovation evolved from the technology-push innovation process (mid-1960’s) to a more complex and open model with social ingredients, demanding firms
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to manage a network of interactions with different actors. This evolution required firms to become flexible enough to get information and knowledge retained by a variety of different actors (European Commission, 2004). At this point, there seems to be a relative consensus that important innovation inputs such as knowledge and information may be generated not only inside firms, universities or R&D centres, but in a wide range of different agents and locations within the economy. This has demanded firms to acquire new capabilities, competences and techniques to access those resources in different sources and different locations with invaluable gains to increase firms’ innovativeness. So, evidence exists that the innovation process is rapidly moving from a traditional closed system towards a more open and networked system (Harryson, 2008). As a result, firms must innovate systematically to sustain their competitive advantage. Nowadays, undoubtedly, the creation of a firm’s competitive advantage in large measure comes from the capacity of that firm to reach new sources of innovation and to mobilize knowledge and information to generate innovation, through new products, processes and services (Tidd, et al., 2001). This premise implies a major challenge to firms: the constant search for the identification of new sources of innovation which may have origins internally or externally to the organization. According to Longhi and Keeble (2000), the innovative process is in-
trinsically a territorial and localised phenomenon; therefore, locational factors have a significantly positive impact on both firm performance and innovativeness (Eickelpasch, A., Lejpras, A. and Stephan, A., 2007). They claimed that in the context of global competitiveness, locational factors such the proximity of external agents (i.e. competitors, clients, suppliers, consultants, government agencies, universities and research centres) become important sources to new solutions for organizational or operational problems. The process of influence of innovative ideas from external sources comes from different origins. To many scholars such as Porter (1998b), Malmberg and Maskell (2001) and Malmberg and Power (2005) local business arrangements (LBAs) facilitate innovation by enhancing learning processes and stimulating interactions between firms and other economic agents, creating a local innovation system able to stimulate the overall improvement of the level of firms’ innovativeness. These factors suggest that innovation is not only an economic phenomenon, but it is equally conditioned to cultural, political, institutional and social factors.
3 Methodology Every research is based on assumptions about how the world is perceived and understood (Trochim, 2006). In this particular context, some would say that there are many paths to explain a
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certain phenomenon, but to determine the most suitable methodology, the researcher should base his/her decision predominantly on the understanding and perceptions of the problem as the choice of the research’s stances leads to practical implications for conducting and designing the research (Creswell, 2007). To Saunders, Lewis and Thornhill (2007), in spite of there being many tools of research strategy, such as: experiment, survey, case study, action research, grounded theory, ethnography and archival research, the choice that the researcher makes should be guided by: i) the research question and objectives, ii) the extent of existing knowledge, iii) time and resources available and iv) researcher’s own philosophical beliefs. In the current study, the researchers considered that the “survey” tool was the most suitable to answer the research question. Aspects such as: capture of people’s perceptions, possibility to administer structured questionnaires and to collect data faster and economically, were the main reasons which led the researchers to decide to adopt the survey strategy to approach this investigation. To perform this investigation, the researchers selected Brazil as the focus of this investigation. The country is undertaking many efforts to increase the innovativeness of Brazilian firms; however, it is not doing enough to leverage the overall country’s innovation performance neither in the speed to enable firms to compete efficiently in the international field nor to bring eco12
nomic and social benefits to Brazilian society. Based on investigations using different sources such as specialized magazines, internet, books and inputs from academics, two locations were selected: Campinas and Recife. Two of the most advanced technology-based poles in Brazil are located in both of these cities. The investigation period for this study comprised of firms’ innovation activities during the years 2007 to 2008. Overall thirty two clustered firms (micro and small sized firms) were surveyed and entrepreneurs and senior executives from these firms were interviewed across both locations: nineteen entrepreneurs were interviewed in Campinas and thirteen were interviewed in Recife. Each interview was one hour duration on average and every interview was recorded, either on paper or tape. The total number of interviews represented 14% of the total population. The sample technique used was purposive sampling whereby interviewees were selected based on prior knowledge of the interviewee or by introduction by relevant managers of enterprise support agencies, supporting firms, in Recife and Campinas. As a data collection strategy, face-toface interviews were conducted by the researchers. The interviews were based on a structured questionnaire (closedended questions), which allowed a logical sequence of conversation. The interviews were conducted based on a questionnaire, which according to Sekaran (1992), is the most suitable technique to approach survey research.
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The questionnaire technique allows the investigator to obtain data more efficiently in terms of time, energy and cost. The questionnaire administered in the current investigation was designed in line with the recommendations of
the Oslo Manual methodology (OECD/ Eurostat, 2005) for innovation surveys. The questionnaire is structured according to the following dimensions and respective variables as shown in Table 1.
Dimensions
Variables
Firm’s characteristics
• Year started the operation • Number of employees • Main activity
Respondent’s characteristics
• Respondent’s position • Level of education • Age
Firm’s innovation performance
• Product, process and organizational/marketing innovations implemented during the period of 2007 and 2008 • Responsibility for innovation • Types of innovation • Factors hampering innovation activities • Importance of innovation agents
Networking and co-operation for innovation activities
• Perception of belonging to a business arrangement • Perception of advantage in belonging to a business arrangement • Types of interaction experienced • Nature of interactions experienced within business arrangement • Types of partners and location • Factors hampering interactions
Table 1 - Research Questionnaire - dimensions and variables [Source: current research]
4 The Findings The current section describes evidence, based on this research, related to firms’ interaction behaviour and innovation performance. It is important to emphasize that this investigation only took into consideration interaction linkages that focused on innovation activities and other types of interactions (i.e. social or economic interactions
in general), unless they were aimed at contributing to firms’ capability to innovate, were not investigated. Firstly, Table 1 shows a general overview of the characteristics of both locations comprising: size of firms, corporate maturity stages and entrepreneurs’ profiles, including the amount of time spent on entrepreneurial activities as a percentage of total work time available).
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Campinas
Recife
Nineteen firms surveyed
Thirteen firms surveyed
Mostly micro sized firms
Mostly small sized firms
Mostly star-up firms
Mostly mature firms
Mostly focused on technology sectors in general
Mostly focused on ICT sector
Most of entrepreneurs are aged between 31-50 Most of entrepreneurs are aged between 31-50 years old years old Highly specialized labor force
Highly specialized labor force
37% of respondents dedicated 50% or more of their 39% of respondents dedicated 50% or more of their time to entrepreneurial activities time to entrepreneurial activities Table 1 Overview of locations, firms and respondents’ characteristics (Source: current research)
In line with some authors such as Cortrights (2006), the research findings showed that to gain competitive advantage through innovative activities, the firms must be involved in a set of interactions linkages able to provide new innovation resources such as knowledge and technologies. Not surprisingly, the findings showed that 94% and 100% of firms surveyed in Campinas and Recife respectively, answered that interactions were of “high” or “medium” importance to innovation activities. This high percentage of responses considering interactions to be essential to innovation activities reflects the significant role of interactions to those firms in the development of innovation activities as well as the fact that firms interact because they perceive gains in the interaction process and the intensity of interactions depends on the quality and perceptions of gains and benefits of the innovation sources, regardless whether 14
partners are geographic close or not. This was made clear in some interviewees’ comments as follows: “Firms collaborate with each other because there is no other way ....in the IT business, interactions and partnerships are fundamental....” (Firm RPD30); “Interaction is about gains” (Firm RPD25) and “[co-operation] it is about interest...” (Firm RPD36). According to Huxham (1996), the perception of mutual gains and is highly motivated by self-interest, even though, it does not imply that self-interest is at the expense of others. In detail, this study investigated what types of interactions for innovation firms in both locations experienced. The findings showed that firms were very flexible in experiencing various types of interactions from exchanging ideas and information to joint projects (including R&D). These interactions were with many partners, internal and/or external to the local busi-
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ness arrangements (LBAs). As far as innovation activities are concerned, the firm’s innovation activities increases with the number of interaction linkages that firms maintain(Ahuja, 2000); so, as a consequence, new collaborative network arrangements have effectively emerged and in order to innovate, firms have nurtured interaction linkages inside and outside the LBAs. The findings also showed that firms interacted with different partners (i.e. other enterprises within their enterprise group, suppliers in general, clients and customers, competitors and other enterprises in their sector, consultants, universities or other higher education institutions, commercial labs or private R&D institutes and government agencies or public research institutes) at the same time and the most important group of partners was the group named “market” group, formed by clients, suppliers, consultants and competitors. More deeply, this study investigated where those partners were located. This was important to determine the geographic extent of the network of relationships for innovation activities and specifically whether it was inside the business arrangement or elsewhere. On average, the empirical evidence presented that 55% of innovation partners identified by firms in Campinas and 75% in Recife were located mostly outside the LBAs. As regards the level of complexity, nature, frequency and intensity of interactions within the business arrangements, the findings showed that the great majority of firms experienced “superficial or elementa-
ry” interactions in nature and reported that those used to happen “occasionally”. Superficial interactions, in particular, are characterized by informality and “ad hoc” relationships rather than structured or formal interactions. At last, the findings showed that twenty seven firms (84%) experienced interactions within the LBAs and five others (16%) did not report any interaction experience within LBAs; however, in both groups, the level of engagement in innovation activities was quiet high. In the first group, 100% of firms in Recife and 75% in Campinas were engaged in innovation activities and in the second, 100% of firms in both locations were engaged in innovation activities (implemented or in progress). This analysis is relevant because it indicates that even though firms did not experience interactions within the LBAs, they still can be innovative. To Svetina and Prodan (2008) these findings imply that the mere use of local interactions may not be sufficient in terms of innovation.
5 Conclusions The results of this study indicate that apparently, innovation is an interactive process and the level of interactivity does not seem to be determined by geographic proximity, but by the quality and perception of gains or benefits of innovation sources, regardless of whether they are close or geographically distant from the firms. Overall, the empirical evidence showed that i) firms in both locations were very pro-
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active as regards interaction is concerned and highly innovative; ii) firms used to interact with partners regardless whether they are geographic close or not; iii) for the great majority of firms which experienced interactions within LBAs, they were mostly “superficial or informal” in nature and happened occasionally. “Superficial or informal” interactions are those related to a nonformal contact with predominance of low relevance information not able to effectively impact the development of firm’s innovation activities; therefore, interactions within the LBAs (favoured by geographic proximity) were important but not crucial for the development of innovation; iv) even firms which did not experience interactions within the LBA were still innovative and v) the main innovation partners were those identified in the group of “market” (i.e. suppliers in general, clients and customers, competitors and other enterprises in their enterprise sector and consultants) and were mostly located outside of LBAs. These findings are in line with Svetina and Prodan (2008), who argued that with globalization and advances in information and communication technologies, the geographic scope of the
interactions is widening and the use of local knowledge sources and partners may be insufficient in terms of innovation. Also, this investigation reinforces and amplifies the understanding of the OECD (2007) that in contemporary economies, innovation is not a scientific or technological phenomenon alone, but definitively also a social process in which different actors interact through a network of relationships with constant flows of exchanging knowledge and information. This study, however, does not neglect the overall importance of local business arrangements for the development of innovation activities. On the contrary, the research shows that they are essential to the development of innovation initiatives, especially for micro and small sized firms. Spatial arrangements such as local business arrangements attract skilled labour forces and important innovation agents such as universities and research centres; it usually offers special fiscal and tax incentives policies, modern infrastructure and marketing advantages such as a positive image and a reputation of niche of excellence in certain areas which can be translated into competitive advantages.
6 Bibliographic Reference ABRUNHOSA, A. The National Innovation Systems Approach and the Innovation Matrix, proceedings of the DRUID Summer Conference 2003 on creating, sharing and transferring knowledge, Copenhagen, Denmark, 2003. AHUJA, G. Collaboration networks, structural holes and innovation: a longitudinal study. Administrative Science Quarterly, v. 45, p.425-455, 2000.
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Envolvimento de Usuários no Processo de Inovação por Meio da WEB 2.0: Caso do Fiat Mio Sérgio Ricardo Mazini* José Alcides Gobbo Jr.**
Resumo: Atualmente as organizações estão inseridas em um ambiente de extrema competição, onde a inovação se torna fator essencial para obtenção de vantagens competitivas. A busca por fontes externas de conhecimento, capazes de contribuir com o processo de inovação vem se tornando uma constante entre as organizações e um dos principais atores envolvidos nessa busca são os usuários que frequentemente desempenham um papel importante no desenvolvimento de novos produtos e que uma fração significativa das inovações dentro da indústria são diretamente iniciadas por solicitações e necessidades dos usuários. Desta forma, a presente pesquisa tem por objetivo central entender como as organizações se estruturam para o envolvimento dos usuários nas diversas fases do processo de inovação, através da Web 2.0. Busca-se ainda identificar quais os modos de envolvimento dos usuários no processo de inovação e as ferramentas disponíveis na Web 2.0. A abordagem metodológica utilizada foi o estudo de caso, realizado em uma empresa do setor automobilístico que desenvolveu um projeto de construção de um carro conceito envolvendo os usuários através da Web 2.0. Os resultados obtidos na pesquisa demonstram quais os modos de envolvimento, grau de participação e ferramentas existentes para cada uma das fases de desenvolvimento de novos produtos. Palavras-chaves: Inovação Aberta, Inovação dirigida por usuários, Web 2.0, Fiat Mio.
Abstract: Nowadays, the organizations are inserted into extremely competitive environments, in which innovation becomes essential to the obtainment of competitive advantages. The search for outer sources of knowledge – capable of contributing to the innovation process – has been presented as an important aspect in the organizations. One of the main actors involved in this search is the user, who frequently performs an important role in the development of new products. Also, a significant share of industrial innovations is directly initiated by requests and needs from users. This study is basically intended to explain how such organizations are structured, in order to involve the users in the several steps of the innovation process, through the Web 2.0. This study tries to identify as well the involvement modes of the users in the innovation process and the tools available in the Web 2.0. The methodological approach utilized was the case study, performed in a car company. It developed a car
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Mestrando em Engenharia de Produção pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). sergiorm@ feb.unesp.br **
Universidade Estadual Paulista (UNESP). gobbo@feb.unesp.br
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construction project involving the users through the Web 2.0. The results obtained demonstrate the involvement modes, the degrees of participation and the tools available for each one of the development steps of new products. Keywords: Open Innovation, User innovation, Web 2.0, Fiat Mio.
Sumário: 1 Introdução; 2 Referencial Teórico; 2.1 Inovação Aberta; 2.2 Inovação Orientada pelos Usuários; 3 Método Utilizado na Pesquisa; 4 Estudo de Caso Fiat Mio; 5 Análise dos Resultados; 6 Conclusão; 7 Referências.
1 Introdução A inovação tornou-se um dos principais diferenciais das economias, com impactos no seu nível de desenvolvimento, índices de crescimento e dinamicidade. Além disso, a inovação destaca-se um dos grandes responsáveis pelos ganhos de competitividade de países e empresas (ARRUDA; ROSSI, 2009). A atividade inovadora não diz respeito somente a novos produtos, mas também a novos serviços, novos métodos de produção, abertura de novos mercados, novas fontes de fornecimento, e novas formas de organização. Com isso, a busca por fontes externas de conhecimento e informação estão entre o maior número de recursos disponíveis para as atividades de inovação das empresas. A inovação aberta tem se tornado um conceito abrangente para prover a busca de recursos de conhecimento externos. O conceito introduzido por Henry Chesbrough (2003) discute um novo caminho para a inovação através da colaboração de diversos atores na cadeia de valor para a busca de novos conhecimentos e tecnologias. É um conceito relativamente novo, o qual tem atraído a atenção de grande 20
quantidade de pesquisadores e empresas (RYZHKOVA, 2009). A inovação aberta sugere que as empresas devem abrir suas fronteiras em atividades de inovação, com o objetivo de tirar o máximo proveito das oportunidades provenientes de colaborações com parceiros externos (CHESBROUGH, 2003). A co-criação distribuída, ou inovação aberta, não quer dizer apenas terceirização das competências externas necessárias para o desenvolvimento inovador, mas a ampliação dos limites da atuação da organização. As palavras de ordem no processo de inovação aberta são a criação e a captura de valor para a empresa, fatores essenciais na inovação e que possibilitam ganhos de competitividade (ROSSI, 2009). A colaboração dos usuários no processo de inovação é um conceito mais antigo na história do que o conceito de inovação aberta. A inovação para os usuários foi identificada a décadas atrás quando o papel influenciador dos usuários no processo de desenvolvimento de novos produtos foi evidenciado, graças ao trabalho de von Hippel (1986). No entanto, o paradigma da inovação através dos usuários está
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começando a ficar cada vez mais eminente, graças a expansão das tecnologias de informação e comunicação da chamada Web 2.0, que facilitam a troca de informação e conhecimento entre os usuários e as empresas (RYZHKOVA, 2009). Portanto, as organizações estão percebendo a importância da colaboração para criar e sustentar uma vantagem competitiva. Mais recentemente, estudiosos em estratégia e marketing, tem focado na colaboração com clientes para a co-criação de valor. Enquanto a colaboração com os clientes pode abranger vários processos, um dos mais importantes está na colaboração para criar valor através da inovação de produtos. Os ambientes virtuais possibilitam incrementar e acelerar a participação e colaboração dos clientes neste processo (SAWHNEY et al., 2005). Dentro deste contexto, o objetivo deste trabalho é analisar os modos de envolvimento dos usuários no processo de inovação por meio da Web 2.0, contrapondo o que está prescrito na bibliografia com as práticas identificadas no estudo de caso. Nesse contexto, se propôs a seguinte questão de pesquisa: Como as organizações se estruturaram para envolver os usuários no processo de inovação, através das tecnologias e ferramentas Web 2.0? Nos próximos tópicos apresentamos a contextualização teórica, em seguida o método de pesquisa adotado, finalizando com a apresentação e discussão dos resultados.
2 Referencial Teórico 2.1 Inovação Aberta Evidências em estudos acadêmicos (Drucker, 1988; Christensen, 1997), identificam a inovação como o principal direcionamento para as empresas prosperarem, crescerem e sustentar um lucrativo crescimento. O modelo de inovação aberta proposto para a gestão da inovação é baseado na necessidade das empresas abrirem seus processos de inovação e combinar desenvolvimentos internos e externos de tecnologia para a criação de valor nos negócios. O termo Inovação Aberta foi primeiramente proposto por Henry Chesbrough (Chesbrough, 2003) e se refere à capacidade das organizações de buscarem idéias, informações e conhecimento fora do ambiente organizacional. Segundo Chesbrough (2003), o processo de inovação de muitas empresas intensivas em tecnologia estão mudando do modelo de “inovação fechada” para o modelo de “inovação aberta” e muitas pesquisas tem sido feitas nessa área. A inovação aberta enfatiza a importância do uso de conhecimento externo para o sucesso da inovação. No paradigma anterior de inovação fechada, as empresas aderiram a filosofia de que, uma inovação para ser bem sucedida requer controle. Em outras palavras, as empresas devem gerar suas próprias idéias e em seguida desenvolve-las para o mercado, conforme a Figura 1.
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Figura 1 - O Modelo de Inovação Fechada (CHESBROUGH, 2003)
Pode-se notar na Figura 1 que os projetos de pesquisa estão restritos as fronteiras da empresa e seguem um fluxo contínuo, até atingirem o mercado. Neste modelo a interação com agentes externos e com a empresa praticamente não existe. Até então, a lógica da inovação fechada, foi tacitamente realizada para ser auto-suficiente no “caminho certo” para trazer de nova idéias para o mercado e todas empresas de sucesso jogavam por algumas regras implícitas. Elas investiram mais pesadamente em pesquisa e desenvolvimento que seus competidores e contrataram os melhores e mais brilhantes. Graças a estes investimentos, as empresas estavam habilitadas a descobrir o melhor e maior número de idéias, fazendo com que chegassem ao mercado primeiro. Para a maior parte do século XX, este foi o modelo e trabalhava bem. 22
No final do século XX, entretanto, uma combinação de fatores, desestruturou os fundamentos da inovação fechada nos Estados Unidos. Talvez o principal entre esses fatores foi o dramático aumento em número e mobilidade dos trabalhadores do conhecimento, fazendo com que as empresas tivessem uma dificuldade incrível para controlarem suas idéias proprietárias. Outro importante fator foi a crescente disponibilidade de venture capital privado, o qual ajudou a financiar novas empresas e seus esforços em comercializar idéias que estavam surgindo fora dos laboratórios de pesquisas corporativos. Agora, quando avanços ocorrem, os engenheiros e cientistas que os realizaram, tem uma opção que anteriormente não tinham. Neste novo modelo de inovação aberta, as companhias comercializam suas próprias idéias bem como idéias de outras empresas e buscam trazer as
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idéias de casa para o mercado para o desenvolvimento de caminhos externos ao negócio, como mostra a Figura 2. Pode-se notar que na Figura 2 que os projetos de pesquisa já não estão restritos as fronteiras da empresa, inclusive muitos deles sendo originados de agentes externos a empresa. Neste modelo a interação com agentes externos a empresa é uma constante. Desde que Chesbrough publicou seu livro em 2003, o conceito de inovação aberta recebeu uma quantidade considerável de atenção de profissionais e pesquisadores. Um grande número de estudos (Christensen et al., 2005; Dogson et al., 2006; Gassmann, 2006; Vanhaverbeke, 2006; West e Gallagher, 2006) estão adotando este termo para descrever o fenômeno onde as empresas dependem cada vez mais de fontes externas de inovação e demonstram a importância de investigar como as empresas po-
dem, na realidade, implementar a inovação aberta, salientando a importância de terem as “condições adequadas” (em termos de estratégia da empresa, capacidades, fatores organizacionais, ferramentas gerenciais, etc) para implementar uma abordagem aberta com êxito. Por exemplo, Lazarrotti e Manzini (2009) identificam quatro modos básicos de inovação aberta onde duas variáveis que representam o grau de abertura de uma empresa são representados: o número e tipo de parceiros com os quais a empresa colabora e o número e tipo de fases do processo de inovação que a companhia abre a colaborações externas.
2.2 Inovação Orientada pelos Usuários Em seu livro As Origens da Inovação, von Hippel (1988), descreve a im-
Figura 2 - O Modelo de Inovação Aberto (CHESBROUGH, 2003) DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 19-32, jan./abr. 2011
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portância da interação com clientes no desenvolvimento de novos produtos. Ele descreve que usuários de produtos e serviços – empresas e consumidores individuais – estão cada vez mais capazes de inovar para si. O processo de inovação centrado no usuário oferece grandes vantagens sobre o processo de inovação centrado na manufatura, sistema de desenvolvimento que tem sido o esteio do comércio por centena de anos. Usuários que inovam podem desenvolver exatamente o que eles querem, tanto que confiam na fábrica para agir como seus agentes. Neste contexto, von Hippel (1986;1989) define uma categoria especial de usuários chamada de usuários líderes e que se diferenciam de usuários comuns em dois aspectos: usuários líderes buscam suas necessidades me-
ses ou anos antes da massa de consumidores do mercado buscarem e eles se beneficiam significativamente de obter uma solução para aquelas necessidades e estão muito motivados e engajados no esforço para a inovação. Os clientes podem ser envolvidos não somente na geração de idéias para novos produtos, mas também na co-criação com as empresas, em testes finais de produtos e providenciando suporte a usuários finais. Existe uma variedade de papéis que os clientes podem atuar na inovação de produtos e criação de valor, segundo a Tabela 1 (NAMBISAN, 2002). O desenvolvimento de inovações por parte dos usuários, promovidas pelas tecnologias da informação e comunicação, resultam na existência de
Papel dos Clientes no Novo Desenvolvimento de Produtos
Cliente como recurso
Ideação
• Apropriação dos clientes como fonte de inovação • Seleção de clientes inovadores • Necessidade de vários incentivos aos clientes • Infra-estrutura para capturar o conhecimento dos clientes • Papéis diferenciados de clientes existentes e potenciais
• Desenvolvimento em uma ampla gama de tarefas de desenho e desenvolvimento • Natureza do contexto de novo processo de desenvolvimento: produtos Cliente Desenho e industriais/consumo como Desenvolvimento • Entrosamento com times internos de novo processo de desenvolvimento co-criador de produtos • Gerenciamento das incertezas dos projetos • Reforço do conhecimento dos clientes em produtos/tecnologias Cliente como usuário
Teste de Produtos Suporte de Produtos
• Atividades programadas • Assegurar diversidade de clientes • Atividades contínuas • Infra-estrutura para suportar interação entre clientes
Tabela 1 - Papel dos Clientes no Novo Desenvolvimento de Produtos (NAMBISAN, 2002)
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vários tipos de relacionamento entre empresas e clientes onde os clientes possuem diferentes papéis no processo de inovação. Três modos de participação dos clientes no desenvolvimento de novos produtos (NPD) podem ajudar a compreender os diferentes papéis que levam os clientes a colaborarem com as empresas (PILLER; IHL, 2009): Modo 1: Design para consumidores. Em um primeiro contato, os produtos são feitos de acordo com preferências dos consumidores. A empresa usa informações adquiridas por vários meios, como feedback de vendas e grupos que pesquisam as necessidades do consumidor. Esse seria o primeiro processo de uma cadeia de três, os quais são necessários para uma inovação com sucesso. Modo 2: Design com consumidores. Além da informação adquirida, um
diferente estágio é mostrar soluções e conceitos diferentes para consumidores, então eles podem reagir propondo outras soluções de design. Modo 3: Design pelos consumidores. Neste modo, os consumidores são envolvidos no design e no desenvolvimento do produto, geralmente com ajuda de ferramentas e tecnologia providenciadas pela empresa, ou por eles mesmos. Muitas empresas buscam o conhecimento dos clientes para auxiliar e suportar o processo de inovação no desenvolvimento dos produtos. As novas tecnologias de informação e comunicação têm criado novas oportunidades para a integração com os clientes. As ferramentas baseadas na Web podem simplificar a integração com os clientes e a absorção dos conhecimentos a um baixo custo (PRANDELLI et al., 2006).
Figura 3 - Mecanismos de colaboração baseados na Internet (SAWHNEY et al., 2005) DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 19-32, jan./abr. 2011
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Os mecanismos de colaboração baseados na Internet podem ser mapeados para a utilização no novo processo de desenvolvimento de produtos em duas importantes dimensões – a natureza do envolvimento do cliente que é necessária, e o estágio no NPD o qual o cliente é envolvido. A Figura 3, mostra a variedade de mecanismos baseados na Internet classificados nas duas dimensões: front-end e back-end (SAWHNEY et al., 2005).
dos, estruturou-se um roteiro que serviu de base para uma entrevista não estruturada (que foi gravada para aumentar a confiabilidade do estudo) com o vice-presidente de operações da Agência Click de São Paulo, agência de mídia digital que participou do projeto do Fiat Mio. Também foram coletados dados nas mais variadas fontes como: livros, revistas, além do acesso ao site sobre o projeto (http://fiatmio.cc) onde pode se interagir com a plataforma Web.
Nota-se na Figura 3 duas variáveis principais nos mecanismos de colaboração baseados na Internet: primeiro é a natureza da colaboração e segunda a fase de desenvolvimento do produto (front-end e back-end). De acordo com essas variáveis, alguns mecanismos e ferramentas são mais apropriados do que outros.
Na fase de análise dos dados, o estudo em questão foi avaliado de acordo com a literatura existente sobre o envolvimento de usuários no processo de inovação, por meio da Web 2.0, onde foram constatadas convergências e relações de causa e efeito.
4 Estudo de Caso Fiat Mio 3 Método Utilizado na Pesquisa Esta pesquisa analisa o projeto do Fiat Mio através de uma pesquisa longitudinal do desenvolvimento do novo carro conceito da Fiat, o FCCIII. O método utilizado nessa pesquisa foram as etapas formais do estudo de caso onde analisou-se o processo de inovação orientada pelos usuários, por meio da Web 2.0. Definiu-se uma estrutura conceitual-teórica que serviu de base para a realização da revisão bibliográfica sobre os temas: inovação aberta, envolvimento de usuários no processo de inovação e Web 2.0. A partir desta revisão de literatura, para a realização da coleta de da26
A Fiat desenvolveu um carro junto com seus consumidores, e esse desenvolvimento foi conduzido no mercado Brasileiro (http://fiatmio.cc). O Fiat Mio (o nome do carro) significa “meu Fiat” em italiano e no site aparece o convite: “A Fiat convida você a criar um carro. Um carro para chamar de seu.” O Brasil foi escolhido por ser um mercado digitalmente sofisticado e inovador, e o maior para a companhia italiana. A Fiat é a maior indústria automobilística no Brasil, com 24.80% do mercado, e a quinta maior anunciante no país, com gastos aproximadamente de U$$ 80 milhões de dólares por ano (WENTZ, 2010). O envolvimento de usuários por meio da Web 2.0 começou em 2006,
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quando a Fiat completou 30 anos no Brasil. Em vez de relembrar a história das últimas três décadas de presença em território brasileiro, a Fiat optou por comemorar a presença no país convidando as pessoas a pensarem o futuro, com a campanha “Fiat 30 anos, convidando você para pensar o futuro”, que tinha como protagonistas crianças e jovens, que falavam das suas visões sobre o novo tempo. Na internet, as pessoas puderam participar de uma experiência interativa num exercício que apontava o que os internautas de diferentes regiões, idades e classes sociais esperam dos próximos 30 anos. No site www.fiat30anos.com.br milhares de brasileiros deixaram suas impressões sobre o futuro (em vídeo, áudio ou texto) e também discutiram o mundo em que viveremos. Continuando esse processo, no mesmo ano, a Fiat apresentou sua primeira criação 100% brasileira no 24º Salão Internacional do Automóvel, o Fiat Concept Car I (FCC I), um cupê de inspiração Adventure desenvolvido pelo Centro Estilo Fiat do Brasil. A partir daí, os estudos continuaram, porém com outro foco: criar um veículo sobre o conceito Enviroment & Fun, ou seja, um carro ecologicamente correto, que proporciona prazer ao dirigir. O resultado deste esforço foi o Fiat Concept Car II (FCC II), o carro conceito apresentado no Salão Internacional do Automóvel em 2008. Desenvolvido no Pólo de Desenvolvimento Giovanni Agnelli, em Betim (MG), o FCC II é mais do que um carro conceito. Ele foi construído com componentes extremamente corretos e ecológicos. Trata-se
de um laboratório de pesquisas na busca de novas tecnologias, o ponto de partida para a adoção de novas soluções de mobilidade com materiais alternativos, reutilizáveis e não poluentes. Após os projetos do FCC I e FCC II, a empresa continuou pesquisando e desenvolvendo novas tecnologias e permanece atenta às tendências e ao comportamento do consumidor para se relacionar cada vez mais e melhor com aqueles que se identificam com a marca. Por isso, a Fiat buscou trabalhar também com as idéias de seus consumidores no projeto do Fiat Mio. A montadora convidou as pessoas a participarem da idealização e criação do protótipo FCC III, o terceiro Fiat Concept Car a ser criado no Centro Estilo Fiat Brasil e que foi apresentado no Salão do Automóvel em outubro de 2010, em São Paulo. Desde sua inauguração, em 2003, o Centro Estilo sempre foi a área mais bem guardada da unidade brasileira da Fiat, localizada em Betim, nos arredores de Belo Horizonte. Apenas 45 designers e engenheiros têm acesso ao galpão onde são desenhados os novos modelos da marca no país. O mais recente trabalho do grupo é o novo Fiat Uno, lançado na Bahia, produto cujo desenvolvimento consumiu três anos de pesquisa e investimento de 600 milhões de reais. Segundo Peter Fassbender, gerente do Centro Estilo Fiat no Brasil, o projeto Fiat Mio, é uma quebra de paradigma no setor automotivo, porque nenhuma montadora até o momento abriu o processo de desenvolvimento de um carro. Trabalhando com a Agência Cli-
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ck, agência digital da Fiat há oito anos, baseada em São Paulo, a Fiat iniciou o site no mês de agosto de 2009, solicitando idéias para o desenvolvimento do Fiat Mio (WENTZ, 2010). Para Cláudio Souza, o vice-presidente de operações da Agência Click de São Paulo, a indústria automotiva é uma indústria que sempre foi muito fechada e o projeto do Fiat Mio trouxe uma experiência de envolvimento do usuário que foi fundamental para o sucesso do projeto. Muita das tecnologias, teste de novos conceitos e novos materiais que são aplicados em carros de produção em série vem das aplicações feitas em carros conceito. Nos projetos do FCC I e FCC II a empresa já vinha detectando o envolvimento de usuários por meio da internet e algumas novas experimentações de envolvimento do consumidor foram feitas, quando a Fiat lançou o Fiat Linea onde foi desenvolvido um blog contando o processo de desenvolvimento desse produto no Brasil, a chegada do produto e inclusive o lançamento do produto, e também foi antecipado o lançamento já envolvendo os usuários, um mês ou 40 dias antes do carro realmente ser lançado. Para que todo o processo do Fiat Mio fosse possível, a montadora criou um framework de desenvolvimento do projeto respeitando o framework de desenvolvimento interno de como é a criação de um carro conceito e também elaboraram uma pergunta chave que iria motivar e definir qual seria o input para a construção do carro. Para isso foi realizado um workshop com todas as áreas da Fiat, inclusive com a par28
ticipação do presidente da Fiat, um dia todo de discussões e essa pergunta chave seria a base para iniciar as discussões na Internet. Assim foram criadas novas áreas no framework de desenvolvimento para que as fases do projeto caminhassem juntamente com as fases de desenvolvimento do protótipo. A Agência Click foi a responsável pelo desenvolvimento da plataforma colaborativa, além de ser também a responsável pela gestão operacional e por toda estratégia de comunicação digital. A colaboração foi aberta aos consumidores, formadores de opinião, especialistas, acadêmicos, para que surjam contribuições de todos os tipos, técnicas ou não e coube a Fiat organizar um processo de aproveitamento e solução para cada tema proposto pelos internautas. O projeto contribuiu para o posicionamento de inovação e tecnologia da Fiat, sendo a interação uma das mais fortes características da comunicação da Fiat com o consumidor. O Fiat Mio será o primeiro carro feito em Creative Commons que são licenças que permitem padronizar a criação e distribuição de conteúdos livres, ao contrário do Copyright, elas facilitam o compartilhamento de conteúdo entre os usuários. O projeto utilizou essas licenças para agregar e propagar as idéias enviadas pelos consumidores para o site (http://fiatmio.cc) e através delas, juntamente com as equipes de engenharia e estilo da Fiat, foi produzido um carro conceito, o primeiro carro do mundo criado pelos e para os usuários. A Fiat acredita que o conhecimento gerado neste projeto deve ser propagado sem
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restrições, podendo ser utilizado por simples usuários ou até mesmo engenheiros e outros fabricantes de veículos. As principais fases do projeto foram estruturadas de acordo com os tópicos abaixo: • Mapeamento de cenários: nesta fase foram exploradas temáticas contemporâneas que inspiram a definição de um questionamento fundamental que possa orientar a busca por idéias para o carro do futuro. • Pergunta-Chave: no futuro que queremos ter, o que um carro deve ter para que eu possa chamar de meu, sem deixar de servir ao próximo? • Exploração de Idéias Conceito: nesta etapa, a partir da pergunta-chave, foi promovido a livre troca de referências abertas entre a equipe Fiat e o público em geral. • Briefing: as melhores referências auxiliaram a composição do briefing, um documento multidisciplinar que inspirou o desenvolvimento do carro. • Design Coletivo: nesta etapa, foi fomentada a participação criativa do público na proposição de soluções para o carro conceito de acordo com o briefing divulgado. • Fiat Concept Design FCC III: o novo Fiat Concept Car foi desenvolvido pela equipe da Fiat a partir do briefing proposto e com o auxílio das propostas oferecidas do público.
• Especificação Creative Commons: as melhores propostas geraram as especificações para o carro do futuro em um formato aberto, gratuito, e livre para a utilização por quaisquer indivíduos ou instituições. No projeto do Fiat Mio, notamos alguns dos principais elementos que compõe este novo paradigma do envolvimento dos usuários por meio da Web 2.0 no processo de inovação: • Inovação Aberta: a empresa optou em buscar fontes de externas de conhecimento, proporcionando assim um maior envolvimento por parte dos usuários finais no processo de inovação e desenvolvimento de um novo carro conceito. • Modos de Envolvimento dos Usuários: no projeto podemos notar que o envolvimento dos usuários seguiu em todas as fases de desenvolvimento do carro conceito, onde a participação foi essencial para o bom andamento do projeto. • Ferramentas Web 2.0: as diversas tecnologias disponíveis, como redes sociais, twitter, fóruns de discussões, enquetes, votações e vídeos foram utilizadas ao longo do projeto, o que proporcionou o envolvimento de um número significativo de usuários e especialistas não somente do Brasil, mas também de outros países.
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5 Análise dos Resultados A análise desse estudo de caso junto com os conceitos da revisão de literatura prévia resultou em uma análise dos diferentes modos de envolvimento dos usuários por meio das ferramentas Web 2.0. Os gestores do projeto Fiat Mio têm enfrentado nos últimos dois anos vários tipos de desafios e desenvolveram rotinas e práticas para lidar com esses desafios. De acordo com o papel dos clientes no desenvolvimento de novos produtos, proposto por Nambisan (2002), identificou-se no projeto do Fiat Mio que os internautas tiveram participação ativa como recurso na geração e seleção de idéias e também como co-criadores no design e desenvolvimento do novo carro conceito da montadora, inclusive interagindo com a equipe de desenvolvimento da montadora, através das ferramentas Web 2.0 disponíveis no site do projeto: fóruns, enquetes, votações, vídeos. Diferenciam-se três tipos de envolvimento de usuários por meio das ferramentas de Web 2.0, conforme proposto por Piller e Ihl (2009): Modo 1) Design para usuários; Modo 2) Design com usuários e Modo 3) Design pelos usuários. O projeto do Fiat Mio se enquadrou no modo de envolvimento 2, pois a empresa pode adquirir informações e idéias dos internautas e também mostrar soluções e conceitos diferentes para os consumidores, que puderam então interagir propondo outras soluções a montadora. O grau de participação dos usuários no processo de desenvolvimento do 30
novo produto foi bastante alto e ocorreu através das ferramentas de colaboração disponíveis. Os usuários também tiveram um alto grau de liberdade para sugerir as idéias ou mesmo para votar e expressar suas opiniões. Conforme proposto por Lazarrotti e Manzini (2009), além do número e tipo de parcerias com os quais a empresa colabora, outra variável importante é o número e tipo de fases do processo de inovação que a empresa abre a colaboração externa e neste caso, a montadora teve a preocupação de envolver os usuários em todas as fases de desenvolvimento do carro, proporcionando o acompanhamento necessário através de vídeos que eram postados no site. Já as ferramentas Web 2.0, conforme proposto por Sawhney et al. (2005), disponíveis no projeto foram indispensáveis para o envolvimento em massa dos usuários nas várias fases de construção do carro, principalmente nas fases de front-end onde foram colhidas idéias e conceitos para a criação dos protótipos posteriormente apresentados aos internautas pela montadora. Outra ferramentas, como fóruns, enquetes, votações, vídeos e o próprio ambiente do site que foi criado como uma rede social onde os internautas criam um perfil e conseguem colaborar com os demais usuários, seja comentando suas idéias ou mesmo votando nas melhoras sugestões, fez o projeto ser colaborativo e participativo. Outro fator importante foram as constantes ativações feitas pela empresa, através do site ou redes sociais como Twitter e Facebook, com
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o objetivo de envolver e estimular a participação dos usuários.
6 Conclusão Cada vez mais, as organizações estão buscando fontes externas de conhecimento para a utilização em seus vários processos organizacionais, inclusive no processo de inovação. Neste contexto, os usuários de produtos e serviços se destacam como peça chave no processo de inovação e para que esse envolvimento possa ser feito em larga escala e sem fronteiras, as tecnologias e ferramentas Web 2.0 são fundamentais. O Fiat Mio é um estudo de caso inédito e pioneiro na indústria automobilística e demonstrou o envolvimento dos usuários em várias etapas do processo de inovação, como a geração e seleção de idéias, análise e avaliação de protótipos. Todo esse envolvimento foi possível graças ao site (http:// ww.fiatmio.cc) desenvolvido para o projeto, que utilizava várias tecnologias e ferramentas da Web 2.0, como fóruns, enquetes, votações e vídeos. Nota-se que os modos de envolvimento dos usuários por meio da Web 2.0 requerem cada vez mais recursos virtuais a medida que se caminha para o modo 3 de Piller e Ihl (2009). Outra questão relevante é a forma com que os usuários são envolvidos e mantidos no projeto. Deve-se estudar de que forma manter os participantes motivados, e ao mesmo tempo a medida que idéias são propostas, como selecioná-las sem que
idéias potencialmente radicais sejam dispensadas. As organizações envolvidas no projeto precisaram estruturar-se de maneira a conseguir interagir com os internautas nas diversas fases de desenvolvimento do carro, de acordo com o processo de desenvolvimento interno da montadora. O processo de inovação da empresa também precisa estar maduro o suficiente para poder implementar o novo paradigma da inovação aberta, na qual novas competências e conhecimentos são integrados aos atuais. Um ambiente organizacional participativo e uma cultura voltada ao processo de inovação e utilização de novas tecnologias também contribuiu na estruturação das empresas para este projeto inovador. Outros fatores importantes a serem questionados é que nem todas as organizações podem de uma hora para outra iniciarem na causa da inovação aberta, pois elas precisam antes conseguir fazer a inovação dentro de casa e para isso devem entender a inovação como um processo organizacional estruturado. Alem disso, as organizações precisam identificar quais competências precisam ter para conseguir analisar e avaliar as melhores idéias sem deixar que idéias radicais sejam descartadas e que idéias sem valor sejam agregadas ao novo produto. A comunicação e integração entre a equipe da organização também precisa ser repensado, pois o processo colaborativo que se instaura através da inovação aberta exige uma comunicação intensa entre os vários setores da organização e dela com os usuários.
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Etapas para o Alcance da Sustentabilidade Organizacional Através da Inovação: Estudo de caso da Biocar Biodiesel Manoel Domingues Moreira*
Resumo: O setor produtivo brasileiro, após a saída do cenário econômico relativamente protegido que existia até os anos 90, evoluiu substancialmente no que tange à inovação nas suas indústrias, contudo ainda é expressiva a defasagem, especialmente quando comparado com países como a China ou Índia. Para que o Brasil possa superar esse quadro, é necessária a concentração de esforços para o alcance da sustentabilidade, principalmente através da diversificação e aumento do valor agregado de seus produtos e commodities, em setores nos quais já apresenta vantagens competitivas. Este trabalho pretende apresentar as etapas e tipos de inovação pelas quais a maioria das empresas passa para se tornarem sustentáveis e, a partir desse conhecimento, buscar relacioná-las através de um estudo de caso com as práticas inovadoras da Biocar Biodiesel. As informações servirão de apoio à tomada de decisões estratégicas e como referência para análises e diagnósticos em outras organizações. Palavras chave: inovação, etapas da inovação, práticas inovadoras, sustentabilidade.
Abstract: The Brazilian productive sector, after leaving the relatively protected economic context that existed until the year 1990, has evolved substantially in terms of innovation in their industries, but the gap is still significant, especially when compared with countries like China or India. For Brazil to overcome this situation it is necessary to focus efforts to achieve sustainability, first through diversification and increase of value-added products and commodities, in sectors where it already has competitive advantages. This work presents the steps and types of innovation through which most companies passes by to become sustainable, and from this knowledge, seek to relate them through a case study of innovative practices of Biocar Biodiesel. The information will be used to support strategic decision making or as a reference for analysis and diagnosis in other organizations. Keywords: innovation, stages of innovation, innovative practices, sustainability.
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MBA em Administração de Empresas (Centro Universitário Maringá). Instituto Euvaldo Lodi (IEL).
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1 Introdução Mato Grosso do Sul é um estado relativamente novo, completa 34 anos em 2011. Até 2005 a sua planta industrial não possuía grande representatividade, em virtude de sua base econômica estar apoiada no segmento primário da economia, principalmente o agronegócio. O período de 2004 a 2005 foi marcado por uma grande crise agropecuária, fazendo com que o Estado se visse obrigado a acelerar a diversificação da sua matriz produtiva. O setor primário da economia viu cair sua participação no PIB estadual de 24,72% em 2003 para 14,53% em 2006. No mesmo período, o setor secundário elevou sua participação de 15,70% para 18,46% (SEMAC, 2010). Como motivador principal para a crise agropecuária, no âmbito conjuntural, houve a estratégia macroeconômica do Governo Federal de juros altos e câmbio baixo, em meio a um cenário de recuo dos preços mundiais das commodities agrícolas. Desde então, a infraestrutura e incentivos fiscais para atrair novos empreendimentos do setor secundário passaram a ter prioridade na política econômica, sendo possível destacar que esse cenário positivo contribuiu para a instalação de novas plantas produtivas no Estado. Como resultado, na média dos três últimos anos disponíveis, o PIB Industrial do Estado têm sido superior ao PIB da agropecuária em quase meio bilhão de reais (FIEMS, 2010). Novas indústrias se instalaram no Estado, com o desafio de inovar e tornarem-se sustentáveis no mercado de competição acirrada. 34
Este artigo tem por objetivo apresentar o processo de incorporação de inovações na Biocar Biodiesel, empresa de médio porte do segmento industrial, e identificar o nível de inovação para a sustentabilidade no qual se encontra atualmente. Serão discutidos os conceitos de inovação, sustentabilidade e as etapas inovadoras pelas quais a maioria das organizações que buscam a sustentabilidade passa. Finalmente será apresentado um quadro comparativo que busca relacionar as práticas inovadoras da Biocar com as etapas mencionadas, procurando diagnosticar sua situação atual no que tange à inovação para a sustentabilidade.
2 Revisão da literatura 2.1 Inovação nas organizações A inovação relaciona-se ao novo que, embora não seja obrigatoriamente original, seja o novo no contexto da empresa; adotado em determinado processo, área, gestão ou por toda a organização. A inovação aplicada ao contexto das atividades organizacionais é apresentada pelo Manual de Oslo (2005) como inovação organizacional e abrange a introdução de um novo método nas práticas de negócios da empresa, na sua estrutura de trabalho, em suas relações externas e no estabelecimento de novos tipos de colaborações com organizações de pesquisa, fornecedores ou consumidores, para citar alguns exemplos. Neste sentido, Drucker (1989) diz que a inovação é o incremento no potencial gerador de riqueza de recursos já existentes. Da
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mesma forma, Damanpour (1991 apud MACHADO, 2007) defende que uma empresa considerada inovadora não necessariamente é criadora de produtos, processos ou serviços originais.
2.2 A sustentabilidade dos processos produtivos e das organizações Empreendimentos e processos produtivos sustentáveis são aqueles que utilizam os recursos naturais para a satisfação de necessidades presentes sem comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras, como afirma a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987). Apesar de muitas empresas ainda considerarem a sustentabilidade como um custo inerente ao fato de se fazer negócios, algumas poucas têm começado a tratá-la como uma oportunidade de negócios onde, através da inovação, a diminuição de custos e riscos e a elevação da rentabilidade são alcançadas. Hart e Milstein (2003), na sua apresentação dos quatro conjuntos de motivadores globais da sustentabilidade, afirmam que a sustentabilidade global é um conceito complexo, multidimensional, que não pode ser alcançado por meio de uma única ação corporativa, sendo primeiramente necessária a busca pela eficiência dos recursos e a prevenção de poluição, cruciais para o desenvolvimento sustentável. O crescimento da atividade industrial produziu enormes benefícios econômicos, mas em contrapartida gerou efeitos irre-
versíveis sobre o ambiente global, aí incluindo impactos sobre a biodiversidade, ecossistema e climáticos, além de consumir matérias-primas naturais, recursos e combustíveis fósseis a uma taxa constantemente crescente. Um segundo conjunto de motivadores relaciona-se à disseminação da informação, através da Internet e outras tecnologias de informação. Organizações não governamentais (ONGs) e outros grupos da sociedade civil, cada vez mais têm assumido o papel de monitores e, em alguns casos, de aplicadores de padrões sociais e ambientais, fazendo com que o desenvolvimento sustentável passe a ser um desafio para as empresas, sendo estas obrigadas a funcionarem de uma maneira transparente, responsável, tendo em vista a existência de uma bem informada e ativa base de stakeholders, que tornam cada vez mais difícil a operação velada de governos, corporações e grandes instituições. Como terceiro conjunto de motivadores, aparecem a inovação e as transformações tecnológicas. Primordiais para a busca do desenvolvimento sustentável, as tecnologias emergentes oferecem soluções revolucionárias, tornando obsoletas as bases produtivas de muitas das atuais indústrias que usam energia e matérias primas de forma intensiva, alcançando uma redução drástica do impacto ambiental. Finalmente, as empresas podem buscar a sustentabilidade com a proposta de atender às necessidades da classe localizada na parte inferior da
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pirâmide global de renda, aproximadamente 58% da população mundial, facilitando a criação de valor e renda e sua distribuição de forma inclusiva.
2.3 Etapas inovadoras da busca pela sustentabilidade Nidumolu, Prahalad e Rangaswami (2009) afirmam que a maioria das empresas passa por cinco etapas no caminho inovador, até alcançarem a sustentabilidade. O Manual de Oslo (2005) igualmente divide o caminho em cinco etapas, enquadradas em quatro tipos. Para melhor entendimento das abordagens a seguir quanto às etapas, a primeira sempre trará o pensamento dos primeiros autores; as demais serão referendadas. Nas explanações serão utilizadas algumas de suas características para a sustentação da análise. As empresas, em uma primeira etapa desse caminho, devem buscar a capacidade de enxergar o cumprimento de normas regulatórias e de mercados como oportunidades para a inovação. Devem ser capazes de se antecipar a essas normas e a habilidade para trabalhar em parceria com outras empresas, mesmo que concorrentes, para implementar soluções criativas. Porter e Linde (1995) defendem que a existência e obediência à regulação servem para criar uma pressão que motiva as empresas a inovar, fazendo com que a inércia organizacional seja superada e o pensamento criativo seja estimulado, alertando e educando quanto às potenciais melhorias tecnológicas que impactam no aproveitamento dos recur36
sos, para que seja alcançada uma melhor produtividade com maior probabilidade de que as inovações de produtos e de processos sejam ecologicamente corretas e com qualidade ambiental. A regulação ainda busca garantir que posições de mercado não sejam galgadas negligenciando os investimentos em tecnologias ambientalmente corretas. A criação de demanda por melhorias ambientais faz com que empresas e clientes sejam capazes de reconhecer e mensurar os recursos que são ineficientes e pioram os resultados ambientais. O Manual de Oslo (2005) considera esta etapa como científica, já que existe a busca por soluções inovadoras através de pesquisa e desenvolvimento – P&D, utilizando seu corpo de pesquisadores ou buscando parcerias para suprir eventuais deficiências por falta de especialistas. No que tange ao tipo, trata-se da busca por uma inovação de produto, já que pode utilizar os novos conhecimentos ou tecnologias para o alcance dos resultados esperados através da entrada em novos mercados, regulados ou não por normas específicas. Na segunda etapa, as empresas estarão aptas a criar cadeias produtivas sustentáveis, e ainda capazes de adquirir experiência, por exemplo, em técnicas como manejo de carbono e avaliação do ciclo de vida dos seus produtos, bem como a capacidade de aumentar a eficiência das suas operações para usar menos insumos não renováveis ou que agridam o meio ambiente, e ainda produzir menos emissões e gerar menos resíduos. Hart e Milstein (2003) enfatizam a importância dos stakeholders
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neste momento, onde uma forte interação da empresa com terceiros externos, tais como fornecedores, clientes, órgãos de regulação, comunidades, organizações não-governamentais e mídia, oferece a possibilidade de uma análise crítica às suas práticas. Os impactos ambientais ao longo da cadeia de valor são, então, legitimados e essa construtiva interação eleva a confiança externa nas suas atividades, ajuda a otimizar a reputação e catalisa a disseminação de outras práticas sustentáveis dentro do sistema de negócios como um todo. As proposições do Manual de Oslo (2005), neste sentido, afirmam ser possível enquadrar suas práticas inovadoras como sendo uma etapa tecnológica, onde são buscadas soluções através de tecnologias desenvolvidas ou incorporadas. Ocorrem inovações do tipo de processos, através da introdução de métodos produtivos ou de distribuição novos ou
significativamente modificados, que podem visar o aumento da eficiência de suas operações e a redução de custos de produção ou distribuição. Na terceira etapa, as empresas devem passar a desenvolver produtos sustentáveis ou reformular os existentes, tornando-os eco-friendly, e procurar incorporar habilidades e conhecimentos sobre fontes sustentáveis de insumos e quais de seus processos e produtos são os mais hostis ao meio ambiente. Buscam, ainda, alcançar o apoio do público para suas práticas produtivas e produtos, de modo que não sejam consideradas falsas organizações verdes. Uma melhoria ambiental no que se refere à produção, na visão de Porter e Linde (1995), irá beneficiar a produtividade dos recursos, trazendo vantagens para o processo produtivo e para os produtos, como apresentado no quadro 1.
BENEFÍCIOS PARA O PROCESSO
BENEFÍCIOS PARA O PRODUTO
• Economia de materiais resultante da transformação mais completa, substituição, reutilização ou reciclagem de insu- • Maior qualidade e produtos com maior conformidade. mos de produção. • Aumento de rendimento do processo. • Redução dos custos de produção (por exemplo, através da substituição de • Menos tempo de inatividade através de mais cuidadoso monitoramento e manutenção dos equipamentos da produção. materiais). • Redução com custos com embala• Melhor aproveitamento dos subprodutos. gens. • Conversão de resíduos em produtos com valor. • Consumo de energia mais baixo durante o processo de pro- • Utilização mais eficiente dos recursos por produto. dução. • Redução de armazenamento de matéria prima e de custos • Produtos mais seguros. • Redução dos custos líquidos de entrecom manutenção. • Redução de custos através de condições de trabalho mais ga dos produtos aos clientes. • Maior valor de revenda de produtos e seguras. • Eliminação ou redução dos custos das atividades envolvide sucatas (resíduos). das nos descartes ou tratamento de resíduos, transporte e destinação. • Melhorias no produto como um subproduto das mudanças de processo (tais como melhor controle do processo). Quadro 1 - Benefícios para o processo de produtos, a partir da melhoria ambiental. Fonte: adaptado de Michael E. Porter and Claas van der Linde (1995).
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Considerando a visão do Manual de Oslo (2005) e pelas características da primeira e segunda etapas anteriormente abordadas, é possível constatar que, nessas condições, as empresas estarão vivenciando as etapas científica e tecnológica de forma simultânea, e implementando inovações dos tipos produto e processo. A inovação do tipo marketing pode ser também identificada nestas etapas, pois as empresas buscam o seu reconhecimento como sendo ambientalmente corretas. Na quarta etapa, alcançam o desenvolvimento de novos modelos de negócios, para encontrar novas formas de distribuição e captação de valor e ainda entender que é necessário descobrir novas maneiras de atender às necessidades dos clientes e de que forma os parceiros podem contribuir para agregar valor ao negócio. Novamente a presença dos stakeholders, agora aqueles anteriormente ignorados pelas empresas, como por exemplo, os ambientalistas radicais, moradores de favelas e população pobre das áreas rurais de países em desenvolvimento e na forma de um diálogo colaborativo em duas vias, pode ajudar na abertura de novos caminhos para o crescimento em mercados anteriormente não atendidos, como defendem por Hart e Milstein (2003). É possível enquadrar esta etapa como sendo financeira na visão do Manual de Oslo (2005), e de dois tipos: organizacional, alcançada pela inovação nas suas relações externas; e de marketing, caso as novas maneiras de atender às necessidades dos clientes, por exemplo, crie novos canais de vendas. 38
Finalmente, em uma quinta etapa, criam plataformas de melhores práticas, questionando a sustentabilidade do seu modelo de negócio atual e buscam conhecer como os recursos renováveis e não renováveis utilizados no sistema produtivo afetam o negócio. Uma empresa sustentável, na visão de Hart e Milstein (2003) é aquela que, através da sua operação, gera simultaneamente benefícios econômicos, sociais e ambientais, o que consideram serem os três pilares da sustentabilidade. O Manual de Oslo (2005) trata esta etapa como sendo organizacional e ao mesmo tempo financeira. É possível sua tipificação, como na etapa anterior, como inovação organizacional, quando são identificadas inovações nas práticas de negócios e de compartilhamento do aprendizado e conhecimento no interior da empresa. O quadro 2 resume o exposto até aqui, além de apresentar de forma resumida o alinhamento entre a visão de Nidumolu, Prahalad e Rangaswami (2009) e do Manual de Oslo (2005). Após a apresentação das etapas e tipos pelas quais as empresas inovadoras passam, é possível observar que seus objetivos e resultados conduzem, ou visam conduzir, ao alcance da sustentabilidade.
3 Metodologia O método utilizado para o desenvolvimento deste trabalho é o estudo de caso, que pode ser visto como o exame ou estudo de uma unidade ou fenôme-
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Quadro 2 - Relações entre as etapas e tipos de inovação, segundo Nidumolu, Prahalad e Rangaswami (2009) e o Manual de Oslo (2005). Fonte: Elaborado pelo autor.
no contemporâneo e deve ser realizado em uma entidade bem definida, sendo neste caso uma empresa do segmento industrial: a Biocar Indústria e Comércio de Óleos Vegetais e Biodiesel ltda. Escolhida por ter inscrito, através do apoio do Instituto Euvaldo Lodi – IEL, suas ações inovadoras na etapa Centro Oeste do Prêmio FINEP de Inovação 2010, foi finalista na categoria Média Empresa Inovadora.
confrontar a situação com outras já conhecidas e com as teorias existentes. Ainda pode ajudar a gerar novas teorias e novas questões para futura investigação. É ainda uma estratégia preferida quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real, permitindo uma investigação para se preservar as características significativas dos acontecimentos, como defende Yin (2005).
É uma investigação que se debruça sobre uma situação específica, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e característico. Trata-se de um tipo de pesquisa que tem um forte cunho descritivo onde o pesquisador não pretende intervir sobre a situação, mas trazê-la ao conhecimento tal como ela lhe surge. O estudo de caso pode
À luz dos dados primários e com o apoio do referencial teórico apresentado, será montado um quadro final comparativo que busca elucidar a seguinte questão: em qual etapa do processo da inovação para a sustentabilidade a Biocar se encontra atualmente? Para elaborar o quadro final comparativo entre as principais práticas
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inovadoras da Biocar e o referencial teórico, será considerado somente o pensamento de Nidumolu, Prahalad e Rangaswami (2009).
4 Análise e discussão dos dados 4.1 Potencial mercado do biodiesel no mundo O biodiesel foi introduzido na matriz energética brasileira através da lei 11.097/2005, tendo sido fixado o volume mínimo obrigatório de sua adição ao óleo diesel comercializado ao consumidor final em qualquer parte do território nacional em 5%. A evolução de sua adição ao óleo diesel foi prevista no mesmo marco regulatório e pode ser vista no quadro 3, onde também é apresentado seu mercado potencial no Brasil.
O cenário potencial de consumo de biodiesel no mundo para 2012 chega a aproximados 46 bilhões de litros/ano, como apresentado no gráfico 1. As duas projeções não têm a pretensão de esgotar as características do mercado brasileiro e mundial do biodiesel, mas sim demonstrar o seu tamanho potencial e sua tendência de crescimento num futuro próximo. Servem, ainda, para apresentar o potencial mercado para o biodiesel produzido pela Biocar, provocando uma reflexão no sentido de que o resultado de suas ações inovadoras voltadas para o mercado possa colocá-la em um patamar de destaque nesse cenário.
4.2 Estudo de caso: Biocar Biocombustíveis Os dados e informações apresentados neste trabalho são o resultado de
Quadro 3 - Evolução da adição de biodiesel ao óleo diesel no Brasil, segundo a lei 11.097/2005. Fonte: Adaptado de MDIC/IEL NC, 2006.
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Gráfico 1 - Projeção do consumo mundial de biodiesel. Fonte: COELHO, Armando Guedes. X Seminário Nacional de Biocombustíveis no Brasil, Senado Federal – Brasília, 06 de Agosto de 2009.
duas entrevistas realizadas através de visitas à empresa, que serviram para conhecer com profundidade seu trabalho e as suas práticas produtivas. A partir daí foi produzido um relatório pelos empresários que, depois de analisado e refinado com base nas informações coletadas, serviu de base para a apresentação do estudo de caso. As informações disponibilizadas para a inscrição das ações inovadoras da empresa na edição 2010 do Prêmio FINEP de Inovação também foram levadas em consideração. Uma entrevista posterior com um de seus proprietários, realizada fora das dependências da empresa, serviu como oportunidade para esclarecer melhor alguns pontos referentes às suas estratégias de trabalho quanto aos seus fornecedores de insumos produtivos.
A Biocar Indústria e Comércio de Óleos Vegetais e Biodiesel ltda. foi fundada em 2006 e instalada na cidade de Dourados, no Estado de Mato Grosso do Sul, e cresceu rapidamente apoiada na inovação. Sua implantação foi calçada em análise do seu mercado de atuação e da sua região de influência, bem como no levantamento de tecnologias mais adequadas para sua operação, apoiadas por adequados softwares de controle de processos e produção. Sua planta industrial está habilitada a produzir biodiesel de gorduras animais e de vários vegetais oleaginosos principalmente soja, girassol e algodão. Outro insumo do qual a Biocar extrai o biodiesel é o óleo residual de fritura, o que permite o desenvolvimento de projetos socioambientais na região e sendo este um importante diferencial da empresa. A produção da Bio-
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car é de 180.000 litros/dia e sua planta produtiva está apta a chegar a 396.000 litros/dia. Após a obtenção das licenças necessárias ao seu funcionamento e conclusão da montagem da planta produtiva inicial, uma fase de testes fez parte do desenvolvimento do projeto e foi essencial para a avaliação correta dos métodos previstos e da tecnologia escolhida para o processo produtivo. A partir desse momento foram levantadas e executadas as correções necessárias ao projeto inicial, buscando o atendimento às normas reguladoras brasileiras e visando a inserção de seus produtos no mercado, inicialmente, nacional. Superada essa fase e já em produção comercial, a planta de produção de biodiesel foi modernizada em 2009, tendo recebido novos equipamentos que permitiram a utilização de matéria prima reciclada no seu processo produtivo, buscando alcançar a sustentabilidade do mesmo. A possibilidade de utilização do óleo residual de fritura oriundo de outras indústrias, estabelecimentos comerciais e residenciais, como comentado anteriormente, ainda oferece uma possibilidade de destinação correta ao mesmo, contribuindo para a redução da degradação do meio ambiente e dando início à construção da imagem de organização que produz respeitando o meio ambiente. Parcerias estratégicas para o desenvolvimento de novos insumos, tecnologias e profissionais colaboradores sempre foi o foco da Biocar. É possível destacar aquelas de grande importância para suas atividades inovadoras, como a que foi firmada em 2008 com o Cen42
tro Universitário da Grande Dourados - UNIGRAN, com foco no desenvolvimento de novas culturas oleaginosas para biodiesel, principalmente a cultura do pinhão manso. Em 2009 foram firmadas parcerias com a Universidade Federal de Uberlândia – UFU e com a Fundação Mineira de Educação e Cultura - FUMEC, para o fornecimento de duas micro unidades de produção de biodiesel – micro usinas, o que levou à recomendação de novos processos e controles produtivos para o aumento da produtividade e ao aperfeiçoamento da qualidade dos produtos da Biocar. Ainda em 2009, uma parceria com a Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, focando o intercâmbio de informações e convênio de estágio, possibilitou o estágio de alunos de graduação em química na Biocar. Esta parceria qualificou acadêmicos e formou profissionais que hoje estão atuando na empresa e no mercado. Como parceria que possibilita a inclusão social e geração de renda para as comunidades de pequenos produtores da região de atuação da Biocar, é possível destacar o convênio firmado em 2009 com a Fundação MS, instituição tecnológica sediada no município de Maracaju – MS, que tem como missão a pesquisa, consultoria e difusão de tecnologias agropecuárias. A Biocar participou do estudo do Crambe - Crambe Abyssinica, planta da família das brassicaceae, cuja cultura é ainda pouco difundida no Brasil, mas que surge como grande potencial para a produção de matéria-prima para biodiesel, com ciclo produtivo baixo – 90 dias,
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pouco suscetível a pragas e podendo ser cultivada em condições adversas em função de sua grande tolerância à seca. Sua semente possui uma notável produtividade de óleo com qualidade e ponto de congelamento em torno de dez graus Celsius negativos, o que permite ao biodiesel produzido a possibilidade de ser utilizado em quaisquer regiões do mundo que possuam a incidência de temperaturas adversamente baixas. O convênio previu ainda a contratação de agricultores familiares para o plantio do Crambe, sua qualificação e profissionalização, para fornecerem matéria prima para a Biocar processar a extração do biodiesel a partir dessa variedade. É importante o destaque ao aprimorando da qualidade do biodiesel produzido no Brasil que pode ser alcançado através desse trabalho. Ainda em parceria com a Fundação MS, a Biocar possibilitou o trabalho de técnicos para apoio aos produtores rurais e fornecedores de sementes da região, visando qualificá-los tecnicamente. Palestras para divulgação e desenvolvimento da cultura do Crambe foram feitas em diversos municípios de Mato Grosso do Sul, ensinando seu correto plantio, formação, etapas de colheita, armazenamento e controle da qualidade dos grãos. Pequenos e médios produtores foram apoiados com a iniciativa e, como resultado dessa ação, alcançaram em 2010 significativos avanços em qualidade, produtividade e consequente abertura de novos mercados para sua produção, já que muitos deles eram monocultores de soja e suas terras permaneciam improdutivas entre
uma safra e outra. A menor dependência da Biocar por insumos oriundos de outras regiões do Estado e do país foi também uma vantagem alcançada com essa iniciativa. No âmbito das parcerias para a coleta e processamento do óleo residual de fritura, contando com o aval do Instituto de Meio Ambiente da Cidade de Dourados - IMAM, a Biocar firmou convênios com empresas da região, como supermercados, Shopping Centers, restaurantes e lanchonetes, onde foram montados pontos de coleta de óleo vegetal usado. Os parceiros foram instruídos como coletar e armazenar de forma adequada o óleo residual, e receberam recipientes para o armazenamento correto do produto a ser descartado e enviado para o processamento e transformação em biodiesel. Atualmente mais de 700.000 litros de óleo vegetal usado oriundos dessas parcerias são corretamente destinados, sendo parte processada pela Biocar. Outra parte de óleo residual de fritura utilizada no processamento de biodiesel é trazida de outros estados, principalmente da Bahia, através de parcerias firmadas nas localidades. O investimento para esta e as outras iniciativas da Biocar citadas anteriormente contou com recursos 100% próprios. A Gestão é outro diferencial das organizações que alcançam bons resultados oriundos de práticas inovadoras e sustentáveis. A Biocar tem implantada uma estrutura de departamentos cuja gestão está dividida em Direção, Departamentos de Projetos, Produção e Qualidade, além de Administrativo,
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Financeiro e de Pessoal. Essa divisão facilita ações voltadas à estratégia de negócio, envolvendo os diversos departamentos e colaboradores, o que não impede que o detalhamento dos projetos e metodologias de trabalho e produção sejam apresentados e discutidos com todos os níveis hierárquicos, permitindo que o conhecimento individual e olhar dos colaboradores sobre as estratégias da Biocar tragam melhorias substanciais, que eventualmente passariam despercebidas pela sua direção e gerência. O aproveitamento se dá sob a forma de sugestões, ideias inovadoras e até críticas, captadas e avaliadas para a melhoria das ações da empresa. As colaborações consideradas pela Direção como significantes têm o apoio da equipe de P&D para avaliação e geração de novos produtos ou a incorporação e melhoria de projetos em andamento. Há ainda ações que independem da constante da gestão sobre os colaboradores, que são facilitadas pela autonomia concedida, como o banco de idéias e a identificação do conhecimento individual de cada colaborador pelas chefias de departamentos, para o aproveitamento maximizado de seu trabalho e identificação de eventuais conhecimentos inexistentes, mas necessários no quadro, que são alcançados através de capacitações. Os indivíduos inovadores e suas iniciativas são reconhecidos e premiados. Há ações para a medição do nível de satisfação e empenho de cada departamento e seus colaboradores, contando com parcerias com o Serviço Social da Indústria - SESI e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI. 44
Mesmo os colaboradores indiretos participam dos incentivos, cujos reconhecimentos são definidos através de pesquisas constantes, onde a gerência busca conhecer as suas necessidades e interesses para definir os prêmios que serão oferecidos em cada campanha. Essa ação potencializa a satisfação dos premiados e estimula a participação de um número maior de colaboradores. A perspectiva de futuro da Biocar passa pelo alcance do mercado internacional para seus produtos. Para tanto, ações como a busca por certificações de produtos e métodos produtivos, além do alcance de níveis de qualidade compatíveis com a exigência dos principais mercados globais estão em andamento. É possível destacar a busca por maior eficiência e qualidade na produção de biodiesel além da redução da utilização de insumos agressivos ao meio ambiente no processo produtivo, onde uma parceria de P&D com a empresa White Martins, busca a substituição dos ácidos por gases na sua linha de produção. Novas rotas de tratamento de efluentes foram desenvolvidas em parceria com a empresa MCE Empreendimentos, buscando isentar a Biocar de resíduos produtivos que possam agredir o meio ambiente. Resultados importantes foram alcançados através das ações apresentadas até aqui: seu faturamento bruto anual, apesar de ser uma empresa relativamente nova, a coloca hoje entre as médias empresas industriais de Mato Grosso do Sul, tendo alcançado em 2009 mais de 11 milhões de reais de faturamento, resultado que é 10 vezes
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maior do que aquele alcançado no ano anterior. Seu número de colaboradores diretos também teve crescimento significativo no mesmo período, passando de 23 para 59, com destaque para os Bolsistas e Pesquisadores dedicados à P&D. Em 2007 seu quadro dedicado à pesquisa contava somente com um colaborador, a partir de 2009, passou a
contar com 5 profissionais. Os resultados das ações para a internacionalização da Biocar geram uma expectativa de que 10% de sua receita bruta total sejam oriundos da atuação nesse mercado a partir de 2011. Após apresentado o estudo de caso, onde são contempladas as práticas ino-
4.3 Quadro final comparativo
Quadro 4 - Relações entre as etapas para o alcance da sustentabilidade segundo Nidumolu, Prahalad e Rangaswami (2009) e as práticas inovadoras da Biocar. Fonte: Elaborado pelo autor.
vadoras da Biocar, foi possível montar um quadro que as relaciona com os requisitos de cada uma das etapas pelas
quais a maioria das empresas passa no caminho para a sustentabilidade: os dados são mostrados no quadro 4.
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As principais práticas inovadoras da Biocar, apresentadas neste trabalho através do estudo de caso, levam à conclusão que foram cumpridas as três primeiras etapas de ações inovadoras para a sustentabilidade. Apesar de sua ordem cronológica de introdução nas atividades da empresa não obedecer a sequencia das etapas conceituadas, o considerável crescimento no resultado das suas operações é a forma de mensurar a sua assertividade até este ponto. Fica o alerta para a necessidade de ações inovadoras que atendam aos requisitos relacionados com as duas últimas etapas da inovação para a sustentabilidade. Por se tratar de uma empresa relativamente nova, essa ausência poderia ser considerada compreensível, mas a velocidade da inovação e do aumento da concorrência no mercado de atuação da Biocar, impulsionados pelo cenário mundial positivo para o biodiesel que foi apresentado de forma resumida anteriormente, requer esforços inovadores constantes, visando a conquista de um novo patamar de diferenciação no mercado. As suas premissas por trás das práticas de negócio atuais devem ser questionadas, para que seja possível mudar os paradigmas existentes e alcançar um novo patamar de inovações que levem a Biocar à fase final da inovação sustentável.
5 Conclusão O biodiesel é um tema de referência no Brasil, à medida que adquire ra46
pidamente condições de ser um novo referencial mundial, como é o etanol. Além de ser possível vislumbrar o combustível como futura commodity, o biodiesel apresenta a perspectiva de inclusão social por meio da agricultura familiar, em regiões castigadas pela má distribuição de trabalho e renda e ainda pelo clima adverso. O cenário de constante inquietação causado pela dependência energética mundial do petróleo e sua escassez futura, tende a transformar os programas de biodiesel no mundo em programas de segurança energética, reforçados pelo apelo ambientalista de peso considerável. As projeções crescentes de consumo do biodiesel a nível mundial reforçam a necessidade de investimentos constantes em inovação em toda a sua cadeia produtiva. A sustentabilidade não é um peso a ser transportado como custo para o balanço. Pelo contrário: ser ambientalmente correto, e consequentemente sustentável, é um marco positivo para a diminuição de custos e aumento da rentabilidade, a partir do reconhecimento público da empresa, não só como preocupada com as questões ambientais e de sustentabilidade da sua cadeia produtiva, mas que aplica práticas eficazes nesse sentido. Somente aquelas organizações que tiverem como meta a sustentabilidade alcançarão reais vantagens competitivas, então, novas tecnologias, processos e modelos de negócios devem ser pensados de modo radicalmente diferente, para que as suas ações possam abrir novos horizontes de negócio para organizações
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como a Biocar, garantindo sua sustentabilidade e diferenciação no mercado
daquele que é o seu principal produto: a inovação.
6 Referências COELHO, Armando Guedes. Responsabilidade Social Ambiental, Competitividade, Produtos e Tecnologias. In: X SEMINÁRIO NACIONAL DE BIOCOMBUSTÍVEL NO BRASIL8, 2009, Brasília, Anais eletrônicos... Brasília: AGÊNCIA DE INTEGRAÇÃO À SAÚDE, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO BRASIL. Disponível em <http://www.integrabrasil.com.br/seminario agosto 1.htm>, acesso em 12 fev. 2011. DRUCKER, Peter. F. Inovação e Espírito Empreendedor. São Paulo: Pioneira, 1986. FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL - FIEMS. Perfil, Indicadores, Sondagem. Campo Grande, 2010. 115 p. HART, Stuart l.; MILSTEIN, Mark B. Criando Valor Sustentável. Academy of Management Executive, North Carolina, Maio, p. 56-69, 2003. MANUAL de Oslo: diretrizes para a coleta e interpretação de dados sobre inovação. 3.ed. Paris: OECD, [2006]. Disponível em: < http://www.oei.es/ salactsi/oslo2.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2011. MACHADO, Denise D.P. Neto. Organizações Inovadoras: Estudo dos Fatores que Formam um Ambiente Inovador. RAI - Revista de Administração e Inovação, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 05-28, 2007. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC / INSTITUTO EUVALDO LODI – IEL/NÚCLEO CENTRAL. O futuro da indústria: biodiesel: coletânea de artigos. Brasília: MDIC-STI/IEL, 2006. 145p. NIDUMOLU, Ram; PRAHALAD, C.K.; RANGASWAMI, M.R. There’s no Alternative to Sustainable Development. Harvard Business Review, Harvard, September, p. 57-64, 2009. PORTER, Michael E.; LINDE, Claas van der Linde. Green and Competitive: Ending the Stalemate. Harvard Business Review, Harvard, September-October, p. 120-133, 1995. PRÊMIO FINEP DE INOVAÇÃO 2010. Objetivo. Disponível em <http://www2.finep.gov.br/premio>, acesso em 01 fev. 2011. SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE, DO PLANEJAMENTO, DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Dados Estatísticos de Mato Grosso do Sul. Campo Grande, 2010. 102p. World Commission on Environment and Development. Our common future. Oxford: Oxford University Press, 1987. p. 8. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman. 2005. 212 p.
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Sustentabilidade na Gestão da Inovação: Caso Cognis Brasil Franciane Freitas Silveira* Rosária de Fátima Segger Macri Russo** Maria Carolina Machado de Matos*** Dr. Roberto Sbragia****
Resumo: Nos últimos tempos, uma mudança de visão da sociedade tem impelido às empresas a atenderem as diferentes exigências e necessidades dos consumidores e, consequentemente, novas preocupações começam a surgir. Uma delas é a preocupação com a sustentabilidade, que, a partir dessa nova visão, deveria permear todo o processo de gestão da empresa, inclusive a gestão de inovação. Assim, é importante identificar quais são os motivadores e os direcionadores, relacionados à sustentabilidade, que permeiam a gestão da inovação nas empresas. Para essa avaliação foi feito um estudo de caso na subsidiária brasileira da Cognis – uma multinacional da indústria química, desenvolvido por meio de entrevistas com um vice-presidente e diretores de tecnologia, além de documentação sobre a empresa e seu processo de desenvolvimento de novos produtos obtidos em várias fontes. A cultura de sustentabilidade parece fazer parte do dia a dia da organização, a começar por seus valores e princípios, portanto ser reconhecida pelo mercado por sua preocupação com o meio ambiente é o principal motivador, inclusive para adicionar valor aos seus produtos. Critérios ligados a questões sociais e, principalmente, ambientais estão presentes nas diversas etapas do processo de gestão da inovação. Contudo, observou-se a necessidade de uma maior formalização dos requisitos de sustentabilidade no processo de inovação, o que provavelmente aperfeiçoaria o processo e, possivelmente, os resultados nas inovações. Palavras-chave: Gestão da inovação, Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos, sustentabilidade.
Abstract: In recent times a change of view of society has driven companies to meet the different demands and needs of consumers and, consequently, new concerns are beginning to emerge. One is the concern for sustainability, which, from that new point of view should permeate the whole process of managing the company, including innovation management. It is therefore important to identify which are the motivators and drivers related to sustainability that permeate the innovation management in enterprises. For that reason, a case study in the Brazilian subsidiary company of Cognis - a multinational chemical industry was carried out, developed through interviews with the vice president and chief *
Doutoranda em Administração, Universidade de São Paulo (USP). ane.silveira@usp.br
**
Doutoranda em Administração, Universidade de São Paulo (USP). rmrusso@usp.br
***
Especialista, Fundação Getúlio Vargas (USP). carolinadematos@hotmail.com
****
Universidade de São Paulo (USP). rsbragia@usp.br
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technology officers, and information about the company and its process of developing new products obtained from various sources. The culture of sustainability seems to be part of the everyday life of the organization, beginning with its values and principles, so that, being recognized by the market through its concern for the environment which is the primary motivator, also adding value to their products. Criteria related to social issues and especially environmental considerations are at various stages of the process of innovation management. However, there is a need for a greater formalization of sustainability requirements in the innovation process, which probably would improve the process and, possibly, results in innovations. Keywords: Innovation Management, Development Process New Products, Sustainability.
Sumário: 1 Introdução; 2 Revisão Bibliográfica; 3 Caso Cognis; 4 Desenvolvimento e Melhoria de Produtos; 4.1 Gestão da Carteira de Projetos; 4.2 Tipos de Projetos; 4.3 Processo de Desenvolvimento de Produtos ; 5 Lições Aprendidas (segundo a perspectiva dos atores envolvidos); 6 Futuras Ações; 7 Avaliação dos Motivadores e Direcionadores e Recomendações; 8 Conclusão; 9 Referências.
1 Introdução A inovação tem sido ao longo de muitas décadas, uma das condições sine qua non para a sobrevivência de muitas empresas. A sociedade se modifica, as tecnologias evoluem, a concorrência busca o seu aprimoramento, as necessidades dos clientes passam por constante evolução e as empresas que não acompanham essas mudanças, ou não se antecipam a elas, correm o risco de desaparecerem. Mais recentemente, a inovação passou a considerar a sustentabilidade como um dos seus principais direcionadores. De um tema marginal passa a ser tema central na estratégia de negócios de muitas empresas. Isso ocorre porque a questão começa a ser tratada como fonte de oportunidades e não de risco para o negócio; ao contrário de ser vista como um fator interno de aumento de custos, a sustentabilidade começa a ser vista como requisito para o atendimento das preferências ou exigências dos consumidores, bastante comum 50
hoje em dia, por produtos ambientalmente responsáveis e socialmente justos. Dessa forma, a sustentabilidade é integrada à atividade de gestão da inovação - desenvolvimento de novos produtos (DNPs), processos e modelos de negócios - com uma substituição, ainda lenta, porém consistente, da visão meramente compensatória para uma visão de valor adicionado. Para ilustrar um processo de inovação com a inclusão dos elementos de sustentabilidade como indicadores, sobretudo relacionadas ao meio-ambiente, será detalhado o DNPs da empresa Cognis Brasil na unidade de negócios Functional Products. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi o de identificar os direcionadores/motivadores que explicam as iniciativas de uma empresa da indústria química na busca de inovações, principalmente de produtos e processos, que tenham a preocupação com a sustentabilidade. Interessa saber também como os direcionadores de sustentabilidade permeiam os projetos de inovação e as
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questões-chave com as quais a empresa deveria lidar no futuro próximo diante desse novo desafio. Para efeitos metodológicos, o método de pesquisa utilizado foi o estudo de caso único. Para Yin (2005), ele é indicado para pesquisas qualitativas, baseando-se em várias fontes de evidência, quando não exigir controle sobre eventos comportamentais e focalizar acontecimentos contemporâneos. A coleta dos dados foi feita por meio de um roteiro de entrevista semi-estruturado com os responsáveis pela gestão de novos produtos da subsidiária brasileira Cognis Brasil. Foi realizada uma entrevista inicial com o vice-presidente da Cognis, e, na seqüência, foram realizadas mais três entrevistas, a primeira com o vice-presidente e diretor de tecnologia de uma das unidades de negócios da empresa no Brasil e as demais com o diretor de tecnologia, a fim de detalhar a gestão de novos produtos. A escolha desses entrevistados justifica-se por estarem diretamente ligados ao processo de gestão de DNP na empresa. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. Após a elaboração do relatório, os autores o enviaram aos entrevistados de forma a garantir a fidedignidade do conteúdo. Além disso, foram coletados dados secundários, por meio de documentos internos e do site oficial da empresa, além de relatórios públicos.
2 Revisão Bibliográfica Ao longo das últimas décadas, o ciclo de vida dos produtos tem se
tornado cada vez mais curto, conseqüentemente, seu sucesso parece estar intrinsecamente ligado ao tempo em que este é empreendido na empresa. Para trabalhar com prazos progressivamente reduzidos e ao mesmo tempo atender satisfatoriamente aos requisitos do mercado e às especificações do produto, sem sacrificar sua qualidade, o processo de DNPs deve ser preciso e sistematizado. Em decorrência dessa necessidade prática, a literatura da área traz diversos modelos de referência com vistas a organizar, controlar e avaliar essa complexa função empresarial (CLARK; FUJIMOTO, 1991; CLARK; WHEELWRIGHT, 1993; COOPER, 1983). Em geral, os modelos possuem vários pontos em comum. Consideram no início os aspectos estratégicos do negócio, seguido do desenvolvimento propriamente dito e, por fim, da estratégia de produção e comercialização dos produtos no mercado. Um dos modelos bastante citados na literatura corrente é o de Cooper (1983) que representa o processo de DNPs por meio de etapas interpostas por gates ou etapas de decisão, conforme descrito a seguir: • Geração de ideia representa a materialização de alternativas tecnológicas identificadas para atender a expectativas da demanda em um determinado mercado; • Investigação preliminar representa a busca por informações preliminares nas esferas técnica e de mercado, partindo de dados internos e externos secundários;
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• Investigação detalhada na qual é desenvolvido o plano de negócios, com o objetivo de definir detalhadamente o escopo do novo produto, qual o seu mercado-alvo e como podem ser posicionados vis-à-vis os segmentos existentes e produtos concorrentes; • Desenvolvimento resulta em um protótipo ou amostra do produto, com maior envolvimento de recursos técnicos das áreas de pesquisa e desenvolvimento, Engenharia e Design, paralelamente ao plano de marketing desenvolvido pela área de marketing; • Teste e validação que representa a fase de validação do design e características do produto, de acordo com o que foi especificado, por meio de protótipos ou amostras do produto; • Produção e lançamento no mercado inclui a partida da produção em capacidade plena ou escala comercial e a implementação do plano de marketing no mercado-alvo. Apesar de ser um modelo clássico cujos ditames guiaram (e ainda guiam) o desenvolvimento da metodologia de novos produtos em inúmeras empresas mundo a fora, o clássico modelo de Cooper (1983) não contempla os requisitos do desenvolvimento sustentável. Tal preocupação só passa a fazer parte do processo de DNPs mais recen-
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temente, quando os projetos passaram a adicionar aos objetivos tradicionais de desempenho (aumento de confiabilidade e qualidade, redução de custo, tempo e risco) os objetivos de eficiência ambiental, tais como aumento da eficiência energética e da reciclagem, redução de riscos ambientais e redução de uso dos recursos não renováveis. Essa nova concepção tem sido chamada pela literatura de ecodesign – um método de DNPs que objetiva a redução do impacto ambiental (KARLSSON; LUTTROPP, 2006) e teve início na década de 1990 nos EUA liderada pela indústria eletrônica que procurava mitigar os impactos causados ao meio ambiente decorrente de sua atividade (BORCHARDT et al, 2007). Atualmente, tem sido mais frequente a incorporação, nas empresas, de práticas de sustentabilidade. A Lucent Technologies é um exemplo disso (DONNELLY et al, 2004). Ela introduziu em seu DNP uma abordagem chamada PBEMS - Produto baseado no sistema de gerenciamento ambiental, que formalmente endereça os impactos que os seus produtos podem causar ao meio ambiente em todo o seu ciclo de vida, ou seja, vai além dos impactos eco-ambientais causados pela manufatura, preocupando-se também com a função dos produtos, seu uso pelos consumidores, disposição final, reuso e reciclagem ou descarte final (Ibid, 2004). O processo da Lucent é apresentado na Figura 1 e consiste nas seguintes fases:
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Início
Definição
Viabilidade
Conceito
1
Oportunidade
Eco-roadmap
3
2
Requerimentos
Requisitos Eco-ambientais
Implantação
Desenvolvimento
5
4
Desenvolvimento
Checklists
Avaliação do Ciclo de Vida
Maturidade
Gestão de Mudanças
Descotinuidade do Produto
Gestão de Mudança
Re-uso Reciclagem
Requisitos de Sustentabilidade
Figura 1 - Desenvolvimento de Produto baseado no sistema de gerenciamento ambiental Fonte: Donnelly et al (2004)
• Conceito: as informações são coletadas com vistas a determinar se o conceito do produto está relacionado a uma oportunidade de mercado. Drivers tecnológicos e de sustentabilidade são entradas para esta fase. Para subsidiar o primeiro gate de decisão, a empresa usa como ferramenta de suporte um eco-roadmap que alimenta o processo com a análise de questões legais, regulatórias e requisitos dos clientes. Posteriormente os resultados do eco-roadmap são traduzidos em requisitos de produtos. • Viabilidade: nessa fase são definidos os requisitos do eco-roadmap que são aplicáveis (executáveis) ao produto; • Definição: os requerimentos eco-ambientais são traduzidos em re-
quisitos específicos, sendo incorporados ao design do produto, na documentação de especificação; • Desenvolvimento: nessa fase acontece a aplicação dos princípios ecológicos visando (i) minimizar os impactos de todo o ciclo de vida do produto; (ii) incrementar a produtividade do uso dos recursos e (iii) incrementar a eco-eficiência do produto; • Implantação: nessa fase os produtos são testados, instalados, operacionalizados; o impacto ambiental é calculado e comparado com o projeto (idealizado) e finalmente os resultados são compartilhados com a equipe de planejamento. • Maturidade: fase de captura da aprendizagem; aperfeiçoamento
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do processo e adição de novas características ao projeto inicial. Importante notar que o ecodesing pode contribuir para que a empresa implemente os requerimentos de sustentabilidade, porém não é a única forma de fazê-lo, já que a definição de solução sustentável é muito mais ampla e pode, dessa forma, abranger inúmeras atividades empresariais. Para Manzini e Vezzoli (2005), uma solução sustentável deve atender aos seguintes requisitos: i) basear-se fundamentalmente em recursos renováveis; ii) otimizar o uso dos recursos não-renováveis (ar, água, território); iii) não acumular resíduos que o ecossistema não seja capaz de reabsorver; e iv) fazer com que indivíduos e comunidades das “sociedades ricas” permaneçam nos limites de seu espaço ambiental e que indivíduos e comunidades das “sociedades pobres” posam gozar efetivamente do espaço ambiental ao qual potencialmente têm direito. Em suma, para que a sustentabilidade realmente possa ser considerada atendida, além das dimensões econômica e ambiental, também se deve considerar a dimensão social.
Seu foco é buscar soluções inovadoras com amplo uso de matérias primas naturais e renováveis, com conhecimentos em especialidades químicas, especialmente em surfactante e tecnologia de superfície. No ano de 2009, foi lançado o programa greenovating que representa sete dimensões de sustentabilidade nas quais todos os seus produtos devem estar alinhados: • Aplicação: Alavancar a usabilidade dos produtos nas aplicações comerciais e cotidianas; • Saúde: Aumentar a proteção da saúde das pessoas que entram em contato com os produtos da organização ou os seus vestígios; • Segurança: Aumentar a segurança no trabalho e no uso diário do produto; • Biodegradabilidade: Aumentar a biodegradabilidade dos produtos;
3 Caso Cognis O grupo Cognis atua há 160 anos, com sede mundial em Monheim na Alemanha. A Cognis Brasil produz substâncias químicas especializadas e ingredientes nutricionais, com foco no bem-estar e na sustentabilidade, sendo esta sua estratégia organizacional. Sua 54
fábrica no Brasil está localizada em Jacareí, São Paulo, no Vale do Paraíba; a empresa também possui um escritório central, na cidade de São Paulo. O faturamento no ano de 2008 foi de R$ 362,6 milhões, com um lucro líquido de R$ 6,5 milhões, se destacando em 10° lugar em Giro do ativo em seu setor (EXAME, 2009).
• Toxicidade: Redução de conteúdos nocivos; • Eficiência: Melhorar a eficiência dos produtos em uso, conseguir mais com menos; • Rotulação: Ajudar os clientes a melhorar a compatibilidade am-
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biental de seus produtos e rotulá-los de acordo. A empresa possui três unidades de negócios que correspondem às áreas de atuação especificas que são definidas e integradas globalmente: i) Care Chemicals, com produtos para cuidados com o cabelo, pele e corpo, além de detergentes e limpadores domésticos e industriais; ii) Nutrition & Health: especializada em ingredientes funcionais naturais e soluções para indústria farmacêutica; iii) Functional Products: soluções voltadas para setor de agricultura, tintas, lubrificantes e mineração.
tão são regionais. Dessa forma, cada região além de trabalhar em projetos regionais, trabalha também em alguns dos projetos do pipeline global. Para que um projeto seja aprovado e inserido no pipeline, é necessária a aprovação das áreas de marketing, vendas e dos clientes que discutem sobre a avaliação da nova oferta e do seu potencial de compra. Também é imprescindível que atenda às sete dimensões de sustentabilidade (greenovation). No Brasil, o trabalho com o pipeline nesse formato teve seu início no ano de 2008.
4.2 Tipos de Projetos 4 Desenvolvimento e Melhoria de Produtos Este estudo focou no processo de inovação (desenvolvimento de produtos) na unidade de negócios Functional Products e sua integração com as outras subsidiárias e matriz do grupo. Esta área é responsável por 30% das inovações da empresa, dividida em 5 regiões (Alemanha e Europa, NAFTA, Mercosul e Ásia).
4.1 Gestão da Carteira de Projetos Para gerenciar as inovações da empresa de forma sistêmica e operacionalizar a gestão dos projetos globais, a Cognis criou o pipeline de projetos (ou carteira de projetos) cuja amplitude global permite a participação ativa de todas as regiões. Apesar de o pipeline ser global, sua alimentação e ges-
A área de Functional Products possui três tipos de projetos: desenvolvimento de produtos, que inclui o desenvolvimento e lançamento de novos produtos no mercado; suporte aos negócios, que atuam na melhoria dos produtos já existentes; pesquisa básica que suportam as atividades estratégicas e permitem obter novas formas para se utilizar os elementos fundamentais dos produtos em carteira ou dos novos produtos, de forma a agregar valor. Estes últimos são desenvolvidos, em sua maioria, na Europa. A seguir será detalhado o processo do desenvolvimento de produtos, destacando-se seus requisitos de sustentabilidade.
4.3 Processo de Desenvolvimento de Produtos O processo, além de incluir matriz e subsidiárias, pode também incluir a participação dos clientes e de
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fornecedores, com quem trabalham de maneira colaborativa. Os novos desenvolvimentos podem surgir por meio de diversas fontes. Com base nas atividades de busca de mercado realizada pelas áreas de vendas, marketing ou desenvolvimento, por meio da solicitação explícita dos clientes ou pelo resultado das atividades de pesquisa. Além disso, as ideias também podem partir da troca de conhecimento com terceiros (universidades e fornecedores). Depois de levantada a necessidade de um novo desenvolvimento, o trabalho pode ser iniciado por meio de duas atividades distintas: pesquisa exploratória, com testes laboratoriais realizados para identificar o potencial técnico e comercial de um novo produto ou de uma nova aplicação para um produto já existente ou a abertura de projeto, realizada quando já existam informações técnicas suficientes para o preenchimento do plano do projeto e desenvolvimento ou após os resultados da pesquisa exploratória. O DNP na Cognis é composto por três etapas, sete etapas e seis gates (estágio de decisão), muito próximo da estrutura idealizada por Cooper (1983), conforme Figura 2. A primeira etapa, Conhecimento do mercado, visa levantar oportunidades de produtos no mercado, principalmente junto a clientes existentes. Na segunda etapa, Inovação, ocorre o levantamento de informações para a eliminação de incertezas comerciais e técnicas. Na etapa Desenvolvimento, os produtos são desenvolvidos, testados na Cognis, testados pelo cliente e aceitos, ou não 56
por ele. Produtos aprovados entram no portfólio de produtos da empresa. As etapas são realizadas por meio de atividades multidisciplinares e simultâneas que são finalizadas por meio dos gates. Nesses gates, os critérios de controle previamente estabelecidos, para cada etapa, são avaliados para decidir dentre três possibilidades de resultado: aprovação para a fase seguinte, sugestão de ajustes ou o cancelamento do projeto, ainda que temporário. Etapa 1: Abertura do Projeto O projeto é iniciado a partir do momento em que existe a evidente sinalização, interna ou externa, de que o produto ou processo em desenvolvimento apresenta potencial de comercialização ou implantação. A abertura oficial do projeto pode ocorrer por dois motivos: (i) quando evidenciar-se que o novo produto está pronto para passar pelo processo de avaliação e validação de cliente; (ii) quando o produto em desenvolvimento provindo da pesquisa exploratória ou já conhecido, necessitar de uma etapa de testes em escala industrial. O resultado dessa etapa deve conter os atributos do produto (inclusive ambientais) e todos os esclarecimentos necessários para a execução do projeto. GATE 1: Aceitação do Projeto Para que o projeto passe para a segunda etapa é necessário estar alinhado
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Etapa de Inovação
Conhecimento de Mercado
Etapa de Desenvolvimento
Checagem de sinergias das tecnologias
Abertura do projeto
Viabilidade
Revisão do progresso
Planejamento
Desenvolvimento
Teste
ção Construção
Gate 1
Gate 2
Gate 3
Gate 4
Gate 5
Gate 6
Aceitação do projeto
Viabilidade Técnica / é Comercial
Priorização dos Projetos
Aceitação Interna do Protótipo
Aceitação do Cliente
Aceitação da Manufatura
Avaliação Final
Requisitos de Sustentabilidade
Figura 2 - Processo de inovação na Cognis Fonte: Adaptado de Cognis (2010)
às estratégias da empresa, atender aos requisitos de orçamento e rentabilidade; atender às necessidades de um ou mais clientes específicos; e aos requisitos das sete dimensões de sustentabilidade.
Etapa 2: Viabilidade Nessa etapa são realizadas as análises de viabilidade comercial e técnica do produto. Na primeira, os gerentes de marketing e vendas avaliam a viabilidade comercial, em conjunto com a área técnica, com base nos atributos do produto. Na análise da viabilidade técnica, os responsáveis avaliam a existência de tecnologias mais eficientes e limpas, que sejam viáveis, buscando sempre a conformidade com a política corporativa de sustentabilidade da empresa
chamada SHEQSA (Safety, Health, Environment, Quality, Social e Accountability) que, como a própria nomenclatura sugere, foca em áreas específicas de sustentabilidade. Para os aspectos ambientais significativos identificados são elaborados controles operacionais aplicáveis ou é aberta uma ação no programa SHEQ (Safety, Health, Environment, Quality). Caso seja identificada alguma inconformidade, um plano de emergência é elaborado para conter e/ ou prevenir o impacto ambiental causado. GATE 2: Viabilidade Técnica/Comercial O primeiro driver desse gate é a identificação de barreiras contra a concorrência, como por exemplo, patentear a solução. Se isso não for possível, o projeto ganha baixa pontuação. O segundo driver é o nível de desempenho em relação ao custo benefício. O
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terceiro avalia se o produto é feito com base em um cliente específico (regional ou global), aumentando consideravelmente as chances de aprovação. Por outro lado, projetos não atrelados a demandas de clientes possuem dificuldade de aprovação.
Etapa 3: Planejamento do Projeto Essa etapa pode ser realizada paralelamente à etapa anterior. O sponsor e o líder de projeto são definidos, bem como a equipe (multidisciplinar) que irá trabalhar nas várias áreas, para definir e detalhar as atividades e orçamento.
GATE 3: Priorização do Projeto
GATE 4: Aceitação Interna do Protótipo
Trata-se de uma das principais dificuldades do processo. As decisões de priorização são tomadas por meio de consenso, sendo os principais critérios: a atratividade financeira, a lucratividade, o atendimento às práticas verdes e as chances de sucesso do projeto. Não obstante a priorização ser estabelecida, o projeto pode ser cancelado por vários motivos como: mudança de prioridade dos clientes, a mudança tecnológica, mudanças na legislação.
Etapa 4: Desenvolvimento Nessa etapa ocorrem testes internos ou testes de aplicação. São vali-
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dados os atributos do produto, definidos no plano do projeto. O protótipo é desenvolvido, podendo ser executado em laboratório ou diretamente em planta piloto ou produção, porém em qualquer dos casos a execução é registrada para garantir a rastreabilidade. As avaliações de impactos ambientais e análises de risco são realizadas antes da primeira produção em escala piloto, revisadas antes da primeira produção em escala industrial e atualizadas após a conclusão da próxima etapa (etapa experimental industrial). A viabilidade técnica do projeto pode ser reavaliada se surgirem, nos testes, situações de risco incompatíveis com os padrões SHE (Safety, Health, Environment).
Nesse gate é realizada a checagem para verificar se o projeto atingiu os atributos especificados na entrada, tanto os dos clientes, quanto os das sete dimensões de sustentabilidade.
Etapa 5: Teste Na etapa de teste em escala piloto, ou teste industrial, são fabricados cinco lotes com o objetivo de verificar o atendimento dos atributos do produto. Os resultados de cada lote produzido durante o teste são avaliados e, quando necessário, alterações e adequações são feitas para atender os atributos do produto. Também são checados se os
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requisitos de qualidade e SHE da área são atendidos. Posteriormente, é realizada produção em escala piloto de geração de três ciclos de fabricação, para assegurar que a empresa chegou no processo correto e seguro. Os dados são coletados para a transferência de conhecimento para a produção.
lecidos inicialmente nem sempre conseguem prever a situação real do produto que será gerado. Às vezes mesmo atingindo todos os atributos, o produto pode apresentar desempenho inferior, ou mesmo problemas não previstos. Se o produto não passar pelos requisitos estabelecidos, deverá ser retrabalhado com o envolvimento do cliente, para atender suas necessidades.
GATE 5: Aceitação do Cliente O produto é considerado validado se cumprir as disposições de validação planejadas podendo incluir ou não o aceite pelo cliente. Se o cliente rejeitar o projeto, nova análise crítica é executada. Quando o produto é aprovado pelo cliente, o projeto é finalizado. Em média, o nível de aceitação do produto pelo cliente é de 50%, em um primeiro momento.
Etapa 6: Construção Nessa etapa a equipe de desenvolvimento transfere o projeto para a equipe de manufatura para que seja iniciada a produção em escala. Entretanto, o novo produto só é aceito pela manufatura após passar pelo controle de qualidade dentro da margem de segurança estabelecida pelo plano do projeto.
GATE 6: Aceitação da Manufatura Mesmo com os testes de laboratórios e industriais, os atributos estabe-
Etapa 7: Avaliação Final O produto é considerado novo para empresa até completar cinco anos, a partir do seu lançamento no mercado. Durante esse período a Cognis acompanha os indicadores comerciais (volume de vendas e rentabilidade, por exemplo) e também os atributos técnicos. Esse acompanhamento gera aprendizado para a empresa. A avaliação pode concluir que um produto poderá ser utilizado em outro mercado, cliente ou aplicação, em função de seu desempenho e características levantadas no acompanhamento. São lançados em média 20 produtos por ano. Em outubro de 2009, constavam 124 projetos no pipeline, da área Functional Products do Brasil, sendo: 2 cancelados, 22 em fila (projetos que ainda estão na “etapa 1” e não entraram na etapa de viabilidade), 98 ativos e 2 concluídos. Em 2004, os novos produtos (com menos de cinco anos de lançamento) representavam 16% do faturamento. Em 2008, esse número passou para
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50%. A margem de contribuição passou de 41%, em 2006, para 56%, em 2008. Inúmeras outras ações relativas à preservação do meio ambiente são oferecidas pela Cognis, desde que solicitadas pelo cliente, tais como: literaturas técnicas dos produtos Cognis, informações de controle ou tratamento de resíduos oriundos do uso de seus produtos e destinação de resíduos. Se acordado, a Cognis recebe resíduos ou efluentes relativos aos seus produtos, incluindo embalagens usadas, para tratamento ou destinação. Se solicitado, e quando viável, a Cognis disponibiliza corpo técnico para auxílio ao cliente em suas instalações, que pode incluir treinamentos diversos relativos ao Sistema SHEQ ou referente ao uso de seus produtos. Os rótulos dos produtos Cognis, além de informações do diamante do perigo, contêm informações SHE para situações de emergência, bem como informações relativas aos cuidados com reuso, reciclagem ou destinação das embalagens.
5 Lições Aprendidas (segundo a perspectiva dos atores envolvidos) A Cognis é controlada por bancos de private equity, portanto o enfoque da gestão é financeiro, o que se constitui uma restrição para os temas sustentabilidade e inovação. A principal restrição para a inovação é o foco no curto prazo e para o desenvolvimento sustentável é a viabilidade econômica, 60
pois benefícios qualitativos não são suficientes para a viabilidade de um projeto. Não trabalham com financiamentos brasileiros, pois isso envolveria a necessária colaboração com universidades, o que hoje não faz parte da estratégia da empresa.
6 Futuras Ações As futuras ações discutidas e apresentadas pela empresa são: • Tornar os gates mais definidos e claros, melhorando os processos implantados na sua formalização e obtenção do consenso por parte de todos os envolvidos na tomada de decisão perante a aprovação de projetos; • Diminuir o nível de rejeição do cliente na etapa de testes (50%) de forma a diminuir o retrabalho, permitir um planejamento mais adequado e gerenciável do uso das equipes e conseqüentemente diminuir os custos de P&D; • Aumentar o nível de atendimento das sete dimensões, e explicitá-lo por meio da classificação de produtos. A subsidiária dos Estados Unidos, assim como a área de Customer Care já realizou este aperfeiçoamento em seu processo de desenvolvimento; • Garantir reconhecimento pelos clientes do valor agregado, gerado também pela preocupação ambiental, para assim ganhar mais mercado.
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7 Avaliação dos Motivadores e Direcionadores e Recomendações O processo de inovação da Cognis segue o modelo tradicional (COOPER, 1983). Os gates são usados como checkpoints para verificar se o novo produto atende aos princípios de sustentabilidade empregados pela empresa,
principalmente nas primeiras etapas como ocorre na Lucent (DONNELLY et al, 2007), mas sem o nível documental desta. Como podemos observar no Quadro 1, as sete dimensões da sustentabilidade, além de ser requisito básico para o desenvolvimento de produtos, também permeia todo o processo e a tomada de decisão da empresa.
Quadro 1 - Gates de aprovação do Processo de Inovação e seus principais critérios de avaliação Gate 1 Aceitação do Projeto
Gate 2 Viabilidade Técnica/ Comercial
Gate 3 Priorização dos Projetos
Sete dimensões da sustentabilidade Áreas estratégicas Potencial (estimativa) Rentabilidade (estimativa) Atender key accounts Orçamento
Rentabilidade Sete dimensões da sustentabilidade Barreiras contra a concorrência Custo-benefício Projeto com demanda pelo cliente
Atratividade financeira Sete dimensões da sustentabilidade Chances de sucesso
Com base no Quadro 1 e nas análises do processo de desenvolvimento do produtos da empresa explicitadas no tópico 4.2.3, constata-se que os direcionadores de sustentabilidade são requisito de aceitação dos gates 1, 2, 3 e 4. De fato, ao comparar o processo de inovação da Cognis com o relatado na literatura por Donnelly et al (2004), percebe-se que os requisitos de sustentabilidade da Cognis estão presentes nas etapas iniciais do projeto (gates de aceitação e de viabilidade), contudo pode-se dizer que a preocupação com a
Gate 4 Gate 5 Aceitação Interna Aceitação Protótipo do Cliente Alcance dos atributos do produto e requisitos da qualidade Sete dimensões da sustentabilidade
Aceite do cliente
Gate 6 Aceitação da Manufatura Alcance dos atributos do produto
sustentabilidade na empresa ainda está em uma fase inicial, pois não consegue dar conta de forma mais efetiva de outros itens recomendados pela literatura, tais como ações referentes à gestão de mudanças ou à avaliação de todo o ciclo de vida do produto (Ibid, 2004). Em outras palavras, a Cognis ainda não aborda de forma completa, a análise do ciclo de vida do produto (ACV) que compreende etapas que vão desde a captura das matérias-primas do meio ambiente (berço) até a disposição do produto final (túmulo) (LJUNGBERG,
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2005). Seu foco encontra-se especificamente nos atributos do produto, no seu desenvolvimento e na sua produção sempre observando as sete dimensões de sustentabilidade que faz parte da estratégia da empresa.
seus clientes de forma ativa e não apenas reativa, como vem ocorrendo, gerando nesse sentido um diferencial competitivo não apenas para a empresa, mas também a seus clientes;
Está sendo exigido dos seus fornecedores que esses possuam uma atuação que respeite o meio ambiente, em especial que atendam a certos critérios da engenharia e da química verde. A Cognis faz exigências sócio-ambientais nas suas negociações com fornecedores, porém o grande desafio é operacionalizar a fiscalização dos fornecedores para que de fato cumpram as exigências negociadas. A empresa ainda não consegue efetivamente fazer uma fiscalização adequada e estima que o nível de aplicabilidade de suas exigências deve girar em torno de 50%.
• Criar uma gestão de stakeholders com ações efetivas não só na questão ambiental, mas também na questão de responsabilidade social;
Com base na análise do caso, sugere-se a implantação de um conjunto de questões-chave que, ao serem estudadas e implantadas, poderiam aumentar a probabilidade de sucesso dos projetos sustentáveis na Cognis, são elas: • Implementar um mapa de sustentabilidade formal e amplo capaz de orienta e alimentar o processo de inovação com a análise de questões legais, regulatórias e requisitos dos clientes. • Implementar a gestão de ciclo de vida dos fornecedores, garantindo assim a origem sustentável dos produtos; • Fazer do seu conhecimento sobre sustentabilidade um serviço a
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• Ampliar o potencial de inovação, por meio do aumento de número de projetos não atrelados aos clientes atuais, aproveitando as competências internas já existentes. Isso envolve trabalhar com maior risco, por um lado, mas por outro, aumenta o retorno no longo prazo; • Trabalhar em colaboração com institutos de conhecimento globais para aumentar o potencial de inovação no longo prazo, aproveitando sua atuação global; • Incentivar seus clientes, como geradores de produtos finais, a avaliação de todo o ciclo de vida de seus produtos, por meio das associações, por exemplo, a Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas - ABRAFATI.
8 Conclusão A motivação central deste estudo foi a de identificar quais os motivadores e direcionadores que explicam as iniciativas de uma empresa da indústria
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química pela busca de inovações que tenham preocupação com a sustentabilidade. Para isso apresentou-se as ações estratégicas ligadas à sustentabilidade da Cognis no Brasil, bem como o seu processo de inovação, pontuando-se, sobretudo, as atividades que envolvem a eco-eficiência. Utilizar novas tecnologias que otimizem produtos e processos de forma sustentável, introduzidas por inovações, e ser reconhecida pelo mercado por tudo isso, gerando valor adicionado a seus produtos e clientes, são os principais motivadores da Cognis para a busca da atuação de forma sustentável. O estudo permitiu observar junto à empresa que o trabalho com a inovação de forma sistemática é uma atividade recente, considerando-se, principalmente, que a subsidiária brasileira implantou esse modelo de gestão em 2008. Constatou-se também que os direcionadores de sustentabilidade na Cognis são implementados por meio das sete dimensões da sustentabilidade que permeiam o processo de DNP, a saber: i) alavancar a usabilidade nas aplicações finais dos produtos; ii) aumentar a proteção da saúde das pessoas; iii) aumentar a segurança no trabalho e no uso diário do produto; iv) reduzir o uso de conteúdos nocivos; v) aumentar a biodegradabilidade dos produtos; vi) melhorar a eficiência dos produtos em uso; vii) melhorar a rotulação dos produtos. Tais direcionadores são operacionalizados no processo de desenvolvimento de produtos por meio dos gates de decisão 1, 2, 3 e 4.
Contudo, os direcionadores, apesar de fazerem parte da cultura da empresa e direcionarem o processo de DNP, ainda não estão traduzidos e auferidos em forma de indicadores efetivos em todas as etapas do processo de inovação. Essa informalidade ao lidar com os requisitos de sustentabilidade pode ser analisada a partir de duas perspectivas. Por um lado, a empresa deixa claro que a preocupação ambiental está enraizada na cultura corporativa da empresa, sendo independente da existência de processos para traduzi-la em ações efetivas. Mas, por outro lado, percebe-se que especificações mais detalhadas, com indicadores, para avaliar alternativas conflitantes poderiam facilitar o trabalho dos envolvidos e aperfeiçoar o processo de inovação sustentável. O resultado dessa implantação, ainda que recente no Brasil, já se mostra positivo pela avaliação de vários aspectos, como o reconhecimento de sua atuação pelos pares estrangeiros, o aumento do faturamento e da respectiva porcentagem relativa aos novos produtos. Contudo, ainda há vários desafios como o de aumentar a margem de contribuição e o de medir e divulgar o percentual de eco-eficiência dos produtos para que o mercado tenha uma melhor visão da importância desse tema para a organização. A limitação mais evidente deste estudo é que suas conclusões não podem ser extrapoladas para outros casos, tendo em vista que teve como objeto de análise apenas uma empresa. Como possibilidade de pesquisas futuras, su-
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gere-se realizar esse tipo de investigação em um número maior de empresas e de setores da indústria, visando uma comparação mais aprofundada dos processos e dos indicadores de sustentabilidade utilizados. Outro questionamen-
to que pode ser explorado diz respeito ao entendimento de como alavancar o papel da academia (universidades, faculdades e instituto de pesquisas) nesse processo para que elas se tornem mais relevante às empresas.
9 Referências BORCHARDT, M. et al. Implementação do ecodesign: um estudo de caso na indústria eletrônica. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 28, 2007, Foz do Iguaçu, PR. Anais... Foz do Iguaçu: ENEGEP. 2007. CLARK, K. B., FUJIMOTO T. Product development performance: strategy, organization, and management in the world auto industry. Boston, Mass.: Harvard Business School Press, 1991. CLARK, K. B., WHEELWRIGHT S. C. Managing new product and process development: text and cases. New York: Maxwell Macmillan International, 1993, p.731-760. COGNIS. Site: www.cognis.com. Acessado em: setembro de 2010. COGNIS BRASIL. Site: www.cognis.com.br. Acessado em: setembro de 2010. COOPER, R.G. A process model for industrial new product development. IEEE Transactions on Engineering Management, [S.I: s.n], v.EM-30, n.1, p.2-11, feb. 1983. DONNELLY et al. A product-based environmental management system. Greener Management International, v. 46, summer, 2004. EXAME. Maiores e melhores empresas do brasil, 2009. KARLSSON, R.; LUTTROPP, C. Ecodesign: what’s happening? An overview of the subject area of Ecodesign and the papers in this special issue. Journal of Cleaner Production, v. 14, p. 1291-1298, 2006. MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis - Os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: EdUSP, 2005. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Bookman, 2005.
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Radar de Competitividade: Dois casos na indústria brasileira Luiz Carlos Di Serio* Jaci Corrêa Leite** Júlio Francisco Blumetti Facó***
Resumo: Este artigo ilustra dois casos de empresas brasileiras que percorreram o caminho da inovação tecnológica em busca de incremento na competitividade. Pela aplicação de um arcabouço conceitual acerca de competitividade e inovação aos dois estudos de casos, construiu-se um novo modelo conceitual segundo o qual, para ser bem sucedida, a inovação tecnológica deve ser tratada em três eixos integrados: gestão, tecnologia e pessoas. Propõe-se ainda o “radar da competitividade”, uma metodologia de análise que permite a imediata visualização das mudanças no posicionamento estratégico. O estudo mostrou que, nos dois casos, a inovação trouxe ganhos de competitividade às empresas estudadas. Palavras-chave: Competitividade, Inovação Tecnológica, Radar de Competitividade, Indústria, Brasil.
Abstract: This article shows up two cases of brazilian companies that used technological innovation in order to increment their competitiveness. This article presents a three dimensions conceptual model based on competitiveness and technological innovation literature review concerning: business management, technology and human resources. The present study still proposes an visual analysis methodology that allows companies understand their positioning and changes on their business strategy competitiveness, called: competitiveness radar. The research showed that, innovation improved competitiveness on both cases. Keywords: Competitiveness, Technological Innovation, Competitiveness Radar, Industry, Brazil
Sumário: 1 Introdução; 2 Referencial Teórico; 2.1 Estratégia Operacional, Inovação e Fatores Competitivos; 2.2 Trajetória Rumo a Competitividade e Pressões Competitivas; 3 Metodologia e Pesquisa de Campo: estudos de casos na indústria; 4 Caso Volkswagen do Brasil (fábrica de motores 1.000cm3 em São Carlos); 5 Caso Jornal “O Estado de São Paulo”; 6 Análise visual através do “radar da competitividade”; 6.1 O “radar da competitividade” no Caso Volkswagen; 6.2 O “radar da competitividade” no Caso “O Estado de São Paulo”; 7 Conclusão; 8 Referências.
*
Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV). luiz.diserio@fgv.br
**
Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV). luiz.diserio@fgv.br
***
Universidade Federal do ABC. julio.faco@ufabc.edu.br
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1 Introdução A inovação tem se tornado a palavra de ordem para a empresa conseguir vantagem competitiva em anos recentes (Pavitt, 2006), seja através da colocação de produtos no mercado a um preço inferior ao da concorrência, seja pelo lançamento de produtos ou serviços diferenciados. De maneira complementar, a competitividade no nível da empresa pode ser definida como sua habilidade de criar, projetar, produzir ou vender produtos ou serviços de maneira superior a seus competidores, considerados atributos de preço e não-preço (D’Cruz, 1992). A competitividade também é abordada por Kim e Mauborgne (1999), que afirmam que, atualmente, a estratégia competitiva da empresa deve migrar seu foco, tirando-o da questão de superar seus concorrentes diretos para focar na expansão e/ou criação de novos mercados para seus produtos e serviços. Esta discussão a respeito das relações entre estratégia de negócios e competitividade permeia todo este trabalho, onde buscou-se explorar a questão a respeito de qual aspecto precede o outro, ou seja, se a competitividade do mercado é que pressiona as empresas para serem inovativas ou se a capacidade de inovação é um atributo típico de empresas competitivas na economia atual. O objetivo do trabalho foi identificar os efeitos da inovação e da adoção de novas tecnologias em dois casos no ambiente brasileiro, visando compreender mais claramente como estes impactos se observam no mundo real. Para medir tais efeitos, a observação e 66
análise não se restringiu apenas a aspectos tradicionais que representam um ganho de competitividade, como volume de vendas, participação de mercado e custos operacionais, mas também considera aspectos mais complexos como a capacitação da empresa em se destacar no mercado pela produção de novos produtos e serviços, ou agregar valor àqueles já existentes.
2 Referencial Teórico 2.1 Estratégia Operacional, Inovação e Fatores Competitivos Na visão de Kim e Mauborgne (1999), a ênfase do pensamento estratégico com vistas à competitividade deve estar centrado nos atributos explicita ou supostamente valorizados pelos consumidores da firma. De acordo com tais autores, dirigir a estratégia baseando-se principalmente no que os competidores realizam leva à imitação, não à inovação. Leva a um curso reativo e não proativo e, provavelmente, a empresa não será sensível às mudanças em seu mercado ou em outros mercados nos quais eventualmente poderia atuar. Segundo o modelo de Kim e Mauborgne (1999), na economia atual, idéias e conhecimento devem ser tratados como ativos tão valiosos como o capital e os recursos naturais eram até os anos setenta do antigo milênio. Não se trata apenas de enfatizar uma estratégia de preços baixos ou diferenciação, mais de obter estes dois fatores simultaneamente: o valor ao cliente ob-
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tido através da tecnologia deve chegar a ele a um preço adequado. Importante mencionar que os autores chamam de “inovação de valor aos clientes”. A empresa não precisa necessariamente ser a primeira a fazer determinada inovação tecnológica, ser um “seguidor rápido” (Vasconcellos, 1990), mas sim usar a tecnologia de forma criativa para gerar valor a seus clientes. No modelo de Slack e Lewis (2001), o sentido de estratégia competitiva sofre um desdobramento em estratégia operacional. A estratégia operacional, para estes autores compreende os padrões de decisões que moldam as habilidades e capacidades operacionais no longo prazo e, portanto, comprometem a estratégia de negócios e os objetivos mais genéricos da organização. Na visão de Slack e Lewis (2001), não se trata meramente de buscar entender e prever as necessidades e oportunidades presentes no mercado, mas também de guiar o uso dos restritos e peculiares recursos internos da empresa no sentido de seus objetivos maiores. Portanto, as decisões da estratégia operacional são ações reconciliatórias entre o que o mercado pede e os recursos disponíveis da empresa Corrêa e Corrêa (2004).
2.2 Trajetória Rumo a Competitividade e Pressões Competitivas Competitividade é um conceito multidimensional, que pode ser abordado em pelo menos três diferentes níveis: competitividade do país, do seg-
mento ou da empresa. No mercado global, onde mercadorias, pessoas, serviços, habilidades e idéias não encontram mais fronteiras geográficas, tornou-se comum descrever a força econômica de uma entidade relativamente a seus competidores (Murtha; Lenway, 1998). Para Slack (1993), a empresa precisa praticar os fundamentos e princípios da qualidade, antes de atingir e desenvolver outras dimensões da competitividade como confiabilidade, velocidade e produtividade em seus processos. Por outro lado, o modelo de Noble (1995) é construído a partir da aquisição seqüencial destas dimensões competitivas, também iniciando pela qualidade até atingir seu ápice nas competências de inovação. Importante notar que em ambos os modelos, a inovação(seja contínua ou incremental) esta presente durante todo o trajeto de amadurecimento, desde a prática de uma gestão de qualidade até se obter a competitividade em custos de forma consistente. Portanto, tanto para Slack (1993) quanto para Noble (1995) a competitividade passa pela inovação. Vale ressaltar que um contraponto a esse modelo reside na pesquisa de Flynn e Flynn (2004) que não evidenciou a natureza cumulativa destas dimensões competitivas, mas não prejudica as conclusões anteriores. Por sua vez, no modelo das cinco forças de Porter (1989) o posicionamento estratégico de uma empresa resulta da combinação de cinco forças competitivas, quais sejam: concorrentes, ingressantes, fornecedores, compradores/clientes e substitutos.
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Vários outros autores propõem modelos alternativos para entendimento da competitividade, tais como Bolwijn e Kumpe (1990), Albrecht (1995), Treacy e Wiserma (1995), Porter e Millar (1997). Optou-se por restringir a análise aos autores apresentados, dada sua maior relevância no entendimento dos casos estudados.
3 Metodologia e Pesquisa de Campo: estudos de casos na indústria Esta pesquisa é de caráter qualitativo e utilizou o método de estudo de caso na condução de sua investigação. A utilização de casos reais em estudos da área de negócios não é algo novo e a observação da realidade de organizações – seja por estudos de casos ou surveys – para suportar análises e conclusões também foi apontada em pesquisa recente realizada por Craighead e Meredith (2008).
Segundo Yin (1988), a essência do estudo de caso é “a tentativa de iluminar uma decisão ou conjunto de decisões: por que elas foram tomadas, como foram implementadas e com que resultado” (pg. 22-23). Diz o autor que um estudo de caso é uma indagação empírica que “... investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto real, quando … os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente evidentes e no qual … fontes múltiplas de evidência são utilizadas” (pg. 23). Os estudos de caso prestaram-se não só para confirmar os conceitos, mas também para revelar alguns aspectos que, à primeira vista, passariam despercebidos. A análise dos casos utilizou um modelo conceitual que vislumbra três dimensões intimamente ligadas à inovação tecnológica: gestão, tecnologia e pessoas. A mudança em qualquer um destes eixos definirá um novo posicionamento da empresa, conforme ilustrado na Figura 1.
Gestão (estratégias, políticas etc)
Tecnologia
Pessoas
Figura 1 - As três dimensões da competitividade. Fonte: proposto pelos autores
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As pessoas (não só a política de recursos humanos, como também a qualificação dessas pessoas, seu comprometimento, seus anseios, etc.) são, em grande medida, reflexo do meio ambiente: há diferenças significativas quando se passa de um país para outro, mesmo que se esteja dentro de uma mesma companhia multinacional. Por outro lado, a gestão (que engloba não só as práticas gerenciais explícitas, mas também a estratégia, as políticas, a cultura organizacional etc) também é sensível ao contexto. O uso de exemplos contextualizados à realidade brasileira mostra-se bastante oportuno, na medida em que traz para a análise detalhes que talvez passassem despercebidos num estudo de caso referente a um outro país. Uma das etapas mais complexas deste trabalho foi a identificação dos casos a serem estudados. Por um lado, havia a necessidade de que fossem empresas que não só tivessem reconhecida liderança em termos de tecnologia, como também que fossem ao menos razoavelmente conhecidas do público, pois isto ampliaria substancialmente um dos resultados esperados. Outra característica fundamental seria a facilidade de acesso às informações, não só através de publicações, mas principalmente pela abertura voluntária das portas da empresa aos pesquisadores. No desenrolar desta pesquisa, diversas empresas mostraram-se receptivas num primeiro momento; mas desistiram de participar desta empreitada ao travarem um contato mais próximo, no qual ficou clara a extensão em que se
abordariam os detalhes de sua estratégia de negócio. Nestas condições, as empresas escolhidas para essa pesquisa foram a Volkswagen do Brasil (fábrica de motores de 1000cm3 em São Carlos) e o Jornal “O Estado de São Paulo”.
4 Caso Volkswagen do Brasil (fábrica de motores 1.000cm3 em São Carlos) Em 1995, com o fim da joint venture (Autolatina) com a Ford, a Volkswagen do Brasil viu-se diante da imperiosa necessidade de viabilizar, no curto prazo, um motor de 1000cm3 para seus veículos populares. As grandes inovações, neste caso, foram as seguintes: • Engenharia por equipes virtuais: o novo motor foi projetado por equipes dispersas pelas diversas unidades da Empresa, localizadas em diferentes países. Isto exigiu o desenvolvimento de uma nova infra-estrutura de comunicações e de sistemas de informação; • Fábrica totalmente integrada à engenharia de produtos: construção, em tempo recorde, uma fábrica de motores para suprir a necessidade identificada e, adicionalmente, produzir outros tipos de motores mais potentes, para utilização em outros modelos de veículos. Há mínima intervenção humana na fábrica e elevada produtividade.
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Do ponto de vista de resultados tangíveis e de acordo com a visão de Slack (1993) e Noble (1995), a nova fábrica trouxe à Volkswagen: • Redução do ciclo de produção, com ganhos de até 3:1, ou seja, diminuição de até 65% no período decorrido desde o início até a efetiva liberação para sua instalação no automóvel; • Ganho de qualidade: a nova fábrica atingiu um padrão de classe mundial, compatível com as mais avançadas unidades de Volkswagen no exterior; • Redução de custos, principalmente em função das já citadas redução de ciclos e melhorias na qualidade. Por ser empregado num veículo de apelo popular, o custo de produção dos motores é crítico, uma vez que o consumidor é muito sensível a variações de preço;
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Em termos de estratégia de negócio, o projeto do novo motor e a construção da nova fábrica possibilitaram à Volkswagen a reconquista de um terreno que, aos olhos de um observador externo, poderia parecer perdido. Os principais aspectos a destacar, neste caso, são: • Diferenciação do produto, que reforça os laços de fidelização do cliente, em especial devido ao imediato reconhecimento das qualidades do novo motor por parte da mídia especializada, que logo o qualificou como o melhor desempenho nos veículos da categoria popular;
• Flexibilidade, uma vez que a nova fábrica produz não só motores de 1000cm3, mas toda uma linha de propulsores com capacidade até 2000cm3, incluindo-se algumas versões turbo;
• Criação de laços de dependência nos fornecedores, uma vez que todos os processos foram desenhados de forma tal que há uma significativa integração da fábrica de motores a seus fornecedores. Esta dependência (é um processo bastante simbiótico e não de domínio) é intensificada pela localização geográfica da fábrica, em São Carlos, uma vez que a maioria dos parceiros tem poucas ou nenhuma opção em termos de clientes alternativos;
• Ganhos intangíveis, ligados à imagem institucional, uma vez que a nova motorização, de melhor desempenho e economia, reposicionou os veículos da marca como líderes no segmento dos chamados carros populares, observando-se a recuperação do market-share.
• Barreira a novos ingressantes: apesar de este caso relatar uma melhoria incremental, o salto qualitativo obtido pela empresa foi tão significativo que, por vários anos, o novo motor permaneceu como referência de qualidade, desempenho e economia de combustível. Na verdade, falar de
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“novos ingressantes” no setor automobilístico requer cautela, pois a barreira já existe naturalmente, dado o imenso aporte de capital necessário para se iniciar uma operação neste segmento. Entretanto, a iniciativa relatada acaba agindo como um desestímulo para os concorrentes já existentes, especialmente no caso daqueles que ainda não atuam no segmento dos motores de 1000cm3 (caso, entre outros, da Toyota e da Honda). Importante mencionar que o relacionamento com fornecedores permaneceu virtualmente imutável, o que vem assegurando, à empresa, condições de preço favoráveis e, acima de tudo, uma intensa colaboração na busca por melhorias incrementais contínuas, que ainda vêm sendo obtidas de forma consistente.
5 Caso Jornal “O Estado de São Paulo” O caso do jornal “O Estado de São Paulo (OESP)” consiste de uma mudança significativa no processo produtivo, a qual passou a definir um novo padrão de qualidade e flexibilidade. No segmento jornalístico, a redução de ciclos é elemento capital na competitividade, uma vez que poucos produtos podem ser mais perecíveis do que a informação. Qualquer ganho que possa ampliar o horário de fechamento da edição, ou agilizar sua chegada às mãos dos leitores, tem reflexos diretos e imediatos no posicionamento perante
a concorrência. A implantação de um novo sistema de informações modificou de forma significativa o processo editorial, eliminando uma série de tarefas antes necessárias. Um ponto de destaque no caso é a mudança na tecnologia (representada pela implantação do novo sistema) associada à reorganização funcional (redefinição de processos e rotinas de trabalho), numa demonstração de que a inovação depende não só da tecnologia, mas também das pessoas envolvidas. Dentre os principais resultados obtidos pela empresa, merecem destaque: • Flexibilidade: os repórteres passam a trabalhar não mais com textos a serem posteriormente editorados, mas sim com a versão definitiva de sua reportagem, de forma que podem, instantaneamente, ajustar o conteúdo ao espaço disponível e à disposição das notícias na página. Uma vez que o sistema é eletrônico e pode ser acessado de qualquer parte do mundo, os repórteres podem agora trabalhar em conjunto com outros colegas, designers gráficos etc, sem necessidade de contato pessoal e sem o risco de seu trabalho ser descaracterizado pelo editor; • Diferenciação dos produtos: como a mesma empresa edita dois jornais, “O Estado de São Paulo” e o “Jornal da Tarde”, o novo sistema de informações desempenhou um papel crítico no estabelecimento de uma clara identidade entre estes dois produtos. Antes, a divi-
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são não era clara e freqüentemente causava uma certa confusão aos olhos do público consumidor; • Qualidade, principalmente no que tange ao conteúdo, uma vez que o processo de controle passou a ser parte integrante do próprio processo de redação; • Redução de custos, tanto pela eliminação de rotinas de trabalho desnecessárias, como pela redução de gastos com matérias-primas, decorrente da maior simplificação do processo; • Redução de ciclos, com ganho de 1 hora no prazo para fechamento da edição diária. Ainda que à primeira vista 1 hora pareça pouco, este ganho é extremamente significativo no segmento jornalístico e pode representar a diferença entre noticiar ou não um fato relevante; • Possibilidade de criar novos produtos/serviços: com o novo sistema, cria-se, a custo zero, uma base de conhecimentos com amplo potencial de comercialização. Visto que o setor jornalístico está em transformação, este benefício mostra-se estratégico, preparando o jornal para competir em novos ambientes; • Possibilidade de criar produtos mais personalizados, como por exemplo os cadernos específicos para determinadas áreas do Estado e, mais recentemente, no município de São Paulo, cadernos
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culturais e de lazer, específicos para cada região da cidade. Esta flexibilidade é significativa do ponto de vista competitivo. Charles Fine (1999) estabeleceu um modelo de engenharia simultânea em 3 dimensões (ES3D): produto, processo e cadeia de suprimentos. Estas três dimensões devem estar sincronizadas de tal forma que o conceito do projeto do produto “jornal” (modularizado em cadernos) muda de forma significativa em relação aos paradigmas anteriores. Antes, o jornal era um produto monolítico, inteiramente produzido e montado dentro da gráfica, através de equipamentos focados na produção em massa, com baixa flexibilidade e foco no ganho de escala. Atualmente, o jornal continua sendo impresso na gráfica, mas parte de sua montagem (isto é, a junção dos diversos cadernos que o compõem) é feita nas bancas de jornais. Para possibilitar esta mudança, foi necessário alterar substancialmente os processos e substituir os antigos equipamentos por novas máquinas mais flexíveis, capacitadas a produzir os cadernos sem perda de eficiência. A análise deste caso também demonstra uma clara preocupação da empresa em busca de diferenciação de seus produtos. Além disso, há um potencial ainda praticamente inexplorado, que é a constituição de uma base de conhecimentos de valor inestimável, tanto para uso interno (na medida em que alavanca a produtividade dos repórteres) como para uso externo (cedo ou tarde, esta base será oferecida a clientes, mediante pagamento). Isto
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representa, no limite, uma redefinição do negócio, antes visto como “editar jornais” e, agora mais recentemente, transformando-se em “produzir e disseminar conhecimento”. Mais que uma frase de efeito, isto representa profunda transformação nas diretrizes de negócios, com reflexos que se estendem no longo prazo. De acordo com o modelo de Porter, o Caso OESP caracteriza: • Diferenciação do produto: o novo patamar de qualidade estabelecido pela inovação tecnológica passa a ditar padrões de exigência mais elevados, fortalecendo a posição da empresa perante seus concorrentes; • Criação de dependência nos compradores: ainda que de forma sutil, a maior flexibilidade na produção de um jornal segmentado (que chega a ter cadernos diferenciados para cada região da cidade de São Paulo, seu principal mercado) acaba criando, nos leitores, uma certa relação de dependência. Embora esta palavra possa parecer pesada (muitos preferem falar em fidelização), o conceito de dependência não implica o ato de subjugar, mas sim o de criar laços - por vezes tênues - que mantenham o cliente vinculado àquela empresa. Cabe destacar que, embora à primeira vista o Caso OESP pareça ter também nuanças de criação de barreiras a novos ingressantes, isto não chega a retratar a realidade. O setor jornalístico
já é, por natureza, limitador ao ingresso de novos players. Os investimentos da empresa não chegaram a criar barreiras adicionais para os possíveis interessados em ingressar neste negócio, mas sim criaram um diferencial em relação aos concorrentes já existentes. Finalmente, um aspecto menos evidente, mas ainda assim digno de menção, é o fato de que, houve razoável mudança em termos de reengenharia de processos.
6 Análise visual através do “radar da competitividade” Antes de se entrar nas conclusões propriamente ditas, convém enfatizar que a análise a seguir representa a visão dos autores e não pretende, em hipótese alguma, esgotar o assunto. Como se verá mais adiante, esta análise tem fortes traços de subjetividade – e dificilmente poderia ser diferente, uma vez que reflete pontos de vista pessoais e, por definição, questionáveis. As empresas que foram objeto dos estudos de casos estão isentas de toda e qualquer crítica ou questionamento pelas conclusões aqui delineadas, as quais são de responsabilidade dos autores, sendo que a eles devem ser imputados eventuais erros e imprecisões. Um dos principais instrumentos de análise será o “radar da competitividade”, concebido pelos autores, o qual oferece uma representação gráfica da situação da empresa, comparada ao mercado, aos concorrentes e à percepção de seus clientes. Em cada empre-
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sa, a comparação visual analisará seu posicionamento relativo em termos de cinco dimensões: • Custo/preço: conforme se observou ao longo do texto, a introdução de novas tecnologias pode resultar em significativas vantagens em termos de redução de custos, em geral com reflexo nos preços cobrados ao cliente. Isto proporciona à empresa uma vantagem em relação a seus concorrentes, na medida em que isto amplia, do ponto de vista do cliente, a relação entre o valor percebido e o que foi pago; • Qualidade: subentende-se aquilo percebido, explicita ou implicitamente, pelo cliente de seus produtos e serviços. Conforme Slack (1993) e Noble (1995), a qualidade nos processos é um pré-requisito para progressos nas três próximas dimensões: sem ela, não há como garantir prazos, nem aumentar a velocidade e reduzir ciclos, nem assegurar a personalização dos produtos e serviços; • Prazo de entrega: está fortemente ligado à confiabilidade do processo produtivo, pois qualquer instabilidade em alguma de suas etapas tende a comprometer o todo. Assegurar prazo de entrega significa, entre outras coisas, eliminar todo e qualquer desvio que obrigue a retrabalhos (o que tende também a se refletir na redução de custos); 74
• Velocidade ou ciclo de produção: o encurtamento dos ciclos de produção também está associado à qualidade e à estabilidade do processo. Este aspecto é particularmente importante em segmentos mais dinâmicos, nos quais pequenas diferenças tendem a ser bastante significativas; • Flexibilidade: esta análise levará em conta a capacidade da empresa em termos de personalização em larga escala, ou seja, sua competência para criar produtos e serviços cada vez mais segmentados, voltados a nichos específicos. A escala de notas no “radar da competitividade”. Como este modelo conceitual é novo, é fundamental que se tenha, com clareza, qual é o conceito das notas atribuídas. Para cada uma das cinco dimensões analisadas, a nota atribuída varia de 1 a 5 e refere-se sempre a posicionamento relativo, ou seja: • Low-end: esta posição significa que, considerada a concorrência, a empresa está na posição mais desfavorável; • Média do mercado: esta posição indica qual é o padrão da concorrência mais próxima. Não se levam em conta as empresas internacionais líderes que não atuem no mercado local, bem como não são consideradas aquelas que focaram num nicho mais específico e, portanto, não podem, a rigor,
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ser consideradas concorrentes imediatos; • Benchmark (referência de mercado): esta posição indica que determinada empresa (por vezes a analisada, por vezes um de seus concorrentes) é uma referência quando comparada aos demais competidores daquele segmento de mercado. Isto não quer dizer que seja perfeita: apenas está numa posição que, naquele contexto, é o referencial crítico, o padrão perseguido por todos os participantes daquele mercado, naquele dado momento. As cinco variáveis do “radar da competitividade”. Para que se tenha uma visão clara sobre a situação da empresa, daí extraindo conclusões sobre seu posicionamento relativo em termos de competitividade, o gráfico trabalha com cinco variáveis: • Situação anterior: representa qual era, antes da inovação, o posicionamento relativo da empresa analisada no caso; • Média do mercado: como já visto no tópico anterior, a média do mercado é, por definição, uma nota 3 numa escala de 1 a 5. Não tem nenhum significado específico, implícito ou explícito, e sua única função é fornecer um referencial para a comparação visual; • Percepção dos clientes: esta variável, bastante subjetiva, procura captar como os clientes vêem a empresa depois de implantada
a inovação. Isto pode divergir significativamente da situação “após a inovação” (ver item 5 a seguir). Nem sempre os avanços são prontamente reconhecidos pelo público: não raro, o cliente final tem percepções ancoradas mais na sua experiência histórica do que na análise objetiva e isenta daquele momento específico. A percepção dos clientes é, em última instância, o mais importante indício de eventuais gaps, isto é, diferenças entre o que a empresa já atingiu e aquilo que dela se espera; • Concorrente principal: representa a organização que mais de perto compete, em termos de mercado, com a empresa analisada, sendo, portanto, sua principal referência em termos de resultados efetivamente obtidos. Em alguns casos, o concorrente principal foi identificado pela própria empresa objeto do estudo de casos; em outros, o concorrente é uma proposição dos autores; • Após a inovação: revela a situação da empresa depois da maturação dos investimentos em tecnologia relatados no estudo de caso. Importante enfatizar que a análise que se segue reflete a visão dos autores e, talvez, até mesmo as próprias empresas objeto do estudo tenham percepções diferentes com relação a seu posicionamento relativo em cada uma das dimensões consideradas. Cumpre também esclarecer que a análise quan-
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to ao concorrente principal (não mencionado nominalmente por questões éticas) é, igualmente, responsabilidade exclusiva dos autores. Procurou-se, neste caso, uma avaliação isenta, cujo único objetivo é estabelecer padrões para comparação.
na customização de seus produtos. Dados os enormes esforços empreendidos pela Volkswagen nesta área, isto atesta o quanto é difícil atingir-se a flexibilidade em processos de produção industrial.
6.2 O “radar da competitividade” no Caso “O Estado de São Paulo”
6.1 O “radar da competitividade” no Caso Volkswagen Analisando-se o “radar da competitividade” no Caso Volkswagen, mostrado na Figura 2, o que mais chama a atenção é que, a despeito de todo investimento e de todo sucesso obtido no projeto do motor de 1000cm3, ainda assim não se conseguiu chegar à flexibilidade exibida por seu principal concorrente no mercado brasileiro, o qual oferece, aos clientes, mais facilidades
Conforme já mencionado anteriormente, no caso “O Estado de São Paulo” observou-se aquilo definido por Charles Fine (1999), ou seja, o modelo de engenharia simultânea em 3 dimensões (ES3D): produto, processo e cadeia de suprimentos. A alteração de processos e a substituição dos antigos equipamentos por novas máquinas mais flexíveis teve impactos que se refletiram de forma ampla e abrangente.
Custo/Preço 5 4 3 2
Flexibilidade
Qualidade 1 0
Situação anterior Média do mercado Percepção dos clientes Concorrente principal Após a inovação
Velocid/Ciclo
Pr.Entrega
Figura 2 - O “radar da competitividade” no Caso Volkswagen Fonte: autores
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Custo/Preço 5 4 3 2
Flexibilidade
Qualidade 1 0
Situação anterior Média do mercado Percepção dos clientes Concorrente principal Após a inovação
Velocid/Ciclo
Pr.Entrega
Figura 3 - O “radar da competitividade” no Caso OESP Fonte: autores
De fato, conforme se pode observar na Figura 3, o que mais chama a atenção neste caso específico é que os ganhos em relação à situação anterior são bastante homogêneos e mostram-se em todas as cinco dimensões analisadas. Isto é uma das conseqüências diretas da ES3D, aliada aos novos recursos de software utilizados no processo de redação. Também contribuiu para isto a implantação do Document Center, que passou a oferecer recursos antes impensáveis, que em muito enriqueceram o conteúdo e a acuidade das reportagens. Também é digno de menção o fato de que, na dimensão custo/ preço, nem “O Estado de São Paulo”, nem seu principal concorrente, foram capazes de chegar à excelência, apesar de todos os avanços relatados no estudo. Note-se ainda que, num caso raro, a qualidade percebida pelos clientes
mostra-se maior do que a que foi atribuída na situação posterior à inovação. Isto ocorre, em grande parte, pelo prestígio da marca.
7 Conclusão De um modo geral, em ambos os casos estudados identifica-se claramente uma preocupação no sentido de que há outros aspectos críticos que caminham em paralelo com a inovação tecnológica propriamente dita. Conforme já mencionado, a competitividade resulta da combinação de três dimensões: tecnologia, gestão (isto é, estratégia de negócio) e pessoas. A partir do diagnóstico da situação destas três dimensões, torna-se possível planejar a melhoria da competitividade, com investimentos focalizados onde se identificam as maiores lacunas.
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A abordagem tanto de Slack (1993), quanto de Noble (1995) e de Porter (1989) foram utilizados para relacionar o estágio de desenvolvimento da gestão da OESP e da Volkswagen e mostrar o contexto concorrencial das duas empresas quando elas alcançaram um salto competitivo através da inovação tecnológica em seus processos. Particularmente no Caso Volkswagen, esta preocupação é mais explícita. Mas também nos outros três casos estudados nota-se uma atuação bem orquestrada para alinhar a inovação tecnológica aos processos de gestão e, ao mesmo tempo, integrá-la ao investimento nas pessoas cujas atividades serão afetadas pelas mudanças empreendidas. Na verdade, esta preocupação permeia a gestão de ponta a ponta: desde a própria contratação de pessoas havia um foco claramente definido no sentido de contar com quadros capacitados para tirar o máximo das inovações em andamento. Este mesmo pensamento é também identificável nos casos “O Estado de São Paulo” (em que houve um consistente investimento em qualificação, a fim de alavancar o uso do novo sistema Hermes). Especialmente importante é o reconhecimento de que a inovação tecnológica, nos dois casos, é parte integrante de um claro planejamento estratégico no sentido da tecnologia suportar a estratégia definida. A abordagem mais usual consiste em traçar-se um planejamento estratégico e, a partir daí, buscar tecnologias que o viabilizem. Esta abordagem é nítida nos casos “O Estado de São Paulo” e, em menor grau, 78
na experiência da Volkswagen. Em ambos, houve uma definição de caminhos a serem seguidos e metas a serem alcançadas para, em seguida, fazer-se a prospecção para identificar as possíveis inovações tecnológicas. Ou, em outras palavras, o uso de tecnologia é definido pela estratégia de negócio. Ainda que isto possa parecer por demais óbvio, o mundo real está repleto de exemplos em que a inovação tecnológica se faz muito mais por inércia (raciocínio na base de “todo mundo está usando”) do que como parte de um processo consciente e bem estruturado. Especialmente no caso OESP, a empresa, não apenas seguiu os concorrentes, mas, alinhado com Vasconcellos (1990), inovou e aumentou o valor entregue aos consumidores de seu jornal, através de cadernos personalizados por regiões, o que se tornou possível pelos ganhos de flexibilidade, preceito este amparado por Slack e Lewis (2001). Também inovou com um novo sistema de informações que ajudou a tornar o processo editorial mais rápido, o que permitiu a seus anunciantes mais tempo para enviar seus materiais, gerando mais uma vez, valor a seus clientes sem se basear apenas no que a concorrência vinha fazendo. Há ainda um outro ponto a destacar com relação à inovação e participação no mercado. Um dos executivos de “O Estado de São Paulo” fez, durante as entrevistas, uma afirmação intrigante: na sua visão, a empresa teria, na prática, gasto vários milhões de dólares apenas para se manter no ponto em que já estava alguns anos antes. Em outras palavras: o investimento
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não foi para ganhar, mas apenas para não perder market share. Este assunto é explorado em detalhes por Charles Fine (1999). O autor analisa a inexorável perda de competitividade num mercado de alta velocidade evolutiva, constatando que “quanto mais rápida a evolução de um setor - ou seja, quanto mais alta sua velocidade evolutiva mais temporária é a vantagem competitiva de uma empresa. A chave consiste em escolher a vantagem certa - reiteradamente” (pg. 40). Ainda abordando este mesmo problema, o autor comenta “que fatores açoitam os ventos da destruição criativa nos setores de alta velocidade evolutiva? Acredito que sejam dois os vetores principais: a inovação tecnológica e a intensidade competitiva” (pg. 36). Igualmente, Christensen (2001) constata que qualquer vantagem competitiva tende a ser, com menor ou maior facilidade, copiada pelos concorrentes. O diferencial competitivo obtido com base tecnológica parece ser um tanto quanto volátil, conforme inclusive já havia sido exposto por Hopper (1990), ao constatar que tais ganhos tendem a se deteriorar rapidamente, na
medida em que podem ser copiados pelos concorrentes. Finalizando, há uma nítida ligação entre inovação e ganhos de market share. Na realidade, a análise dos casos estudados parece mesmo confirmar a existência de uma correlação que sugere que quanto maior o grau de inovação, maior tenderá a ser o ganho de market share. Porém, esta seria uma afirmação precipitada, por dois motivos. Primeiro, porque o número de casos ora estudado não permite extrapolar esta regra aparente: por mais sensata que pareça esta idéia, a amostra é demasiadamente pequena para sustentar qualquer conclusão mais forte neste sentido. Segundo, é que nem sempre o pioneiro torna-se o maior beneficiário de sua criação. Por outro lado, os casos estudados permitem, na verdade, constatar que a inovação tecnológica é parte integrante do processo de conquista de novas fatias de mercado. Ou seja, ainda que, a partir dos casos estudados, não se possa assegurar que a inovação tecnológica trará mais market share, parece ser legítimo afirmar que, sem ela, seria substancialmente mais difícil ampliar a participação no mercado.
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Cases de Inovação em Empresas do Pólo Moveleiro da Serra Gaúcha Vanessa Neto Bischoff*
Resumo: O presente artigo apresenta o estudo de caso realizado no polo moveleiro da serra gaúcha que teve por objetivo identificar inovações implementadas por quatro empresas. A investigação delineou-se por uma pesquisa qualitativa, tendo como objeto de estudo empresas pertencentes ao citado polo moveleiro que produzem móveis residenciais de madeira - retilíneos seriados – e possuem marca própria. Este texto abarca a descrição da indústria de móveis brasileira e caracterização do segmento em estudo, referencial teórico sobre inovação e a descrição da metodologia de pesquisa. Por fim, apresenta-se a análise dos dados a cerca das inovações implementadas nas empresas pesquisadas e no segmento. Palavras-chave: Inovação, Setor moveleiro, Móveis residenciais de madeira.
Abstract: This article presents a case study realized at the Rio Grande do Sul Sierra’s furniture pole, with the objective to identify innovations implemented by four companies. The research was outlined by a qualitative study, where the object of study were companies in the furniture industry that produce residential furniture, wood - rectilinear, in series - and have their own brand. This text includes a description of the Brazilian furniture industry and characterization of the sector that was studied, theoretical description on innovation and of the research methodology. Finally, we present the analysis of data about the innovations implemented in the surveyed companies and in the segment. Keywords: innovation, furniture sector, residential wood furniture.
Sumário: 1 Introdução; 2 Setor Moveleiro no Brasil; 3 Inovação; 4 Metodologia de Pesquisa; 5 Inovação no Segmento de Móveis Residenciais de Madeira do Pólo Moveleiro da Serra Gaúcha; 6 Conclusão; 7 Referências.
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Mestre em Design pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). vanessa@vanessabischoff. com.br DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 81-94, jan./abr. 2011
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1 Introdução Inovar fundamenta-se em uma série contínua de eventos por meio dos quais indivíduos interagem com o intuito de gerar, desenvolver e implementar ideias em um contexto institucional. De acordo com a definição do Fórum de Inovação da FGV/EAESP1, inovação compreende a geração e a exploração de ideias dentro de um processo no qual as mesmas são implementadas a fim de resultar em melhorias, ganhos ou lucros para a organização (BARBIERI et al., 2009). Visto dessa forma, os processos de inovação envolvem mudanças empreendidas e adotadas pela empresa (TAKAHASHI e TAKAHASHI, 2007; TIDD et al., 2008). Podem ser mudanças relacionadas (i) ao produto ou serviço oferecido, (ii) ao processo pelo qual esse produto ou serviço é criado, produzido ou entregue ao consumidor, (iii) às estratégias de marketing ou (iv) à estrutura organizacional, no que se refere às práticas de negócios, local de trabalho ou relações externas (Manual de Oslo, 2005). Desse modo, a inovação pode ser percebida como a busca de uma vantagem competitiva sustentável – seja através da construção de uma marca forte, da definição de estratégias mercadológicas, da gestão do processo de desenvolvimento, da pesquisa de ten-
dências ou de investimento em novos produtos, ou ainda, por meio de serviços e tecnologias que atendam diretamente a necessidade do mercado. O presente artigo relata parte de uma pesquisa realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Design - Mestrado - da Universidade Vale do Rio dos Sinos. A citada pesquisa apresentou as contribuições do design estratégico para o fomento de inovações no segmento de móveis residenciais de madeira – retilíneos seriados – do polo moveleiro da serra gaúcha. A investigação desenvolveu-se através de um estudo de caso com quatro empresas desse segmento, abarcando: (i) análise de ambiente organizacional aberto a mudanças e processos de inovação implementados; (ii) uso e percepção do design e (iii) análise do processo de desenvolvimento de novos produtos. Dessa forma, com o presente texto objetiva-se apresentar inovações implementadas por empresas do pólo moveleiro da serra gaúcha que fabricam móveis residenciais de madeira retilíneos seriados e possuem marca própria.
2 Setor Moveleiro no Brasil A indústria moveleira do Brasil é bastante diversificada, tanto no que se refere aos processos de produção – que envolvem diferentes matérias-primas,
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O Fórum de Inovação da Escola de administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas – FGV/EAESP – foi criado com a missão de “estimular a pesquisa e a disseminação de conhecimentos sobre organizações inovadoras, com ênfase na sua aplicação à realidade brasileira”. Fonte: Barbieri et al., 2003, p. 21.
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tecnologias empregadas e grande diversidade de produtos finais – quanto no que tange aos aspectos mercadológicos e de comercialização de móveis. A cadeia produtiva de móveis de madeira inicia no setor madeireiro e nos outros setores industriais (plástico, metal, vidro, químico, têxtil, etc.), que fornecem os insumos para a produção de móveis. E, após passar pela indústria moveleira propriamente dita, a fase final da cadeia produtiva ocorre na distribuição e na comercialização dos móveis. O setor madeireiro, fornecedor do principal insumo para a produção de móveis, é formado por três cadeias principais: (i) cadeia produtiva da madeira industrial – papel, painéis de alta densidade, painéis aglomerados, painéis de MDF (Medium Density Fibreboard, painel de fibras de madeira de média densidade), painéis de MDP (Medium Density Particleboard, painel de partículas de madeira de média densidade) e painéis de OSB (Oriented Strand Board, painel de tiras de madeira orientadas); (ii) cadeia produtiva da madeira para energia – lenha e carvão – e (iii) cadeia produtiva do processamento mecânico – peças e painéis serrados, painéis compensados e lâminas de madeira. A distribuição e a comercialização dos móveis variam de acordo com o porte das empresas e o mercado consumidor a ser atingido – interno ou externo, pequeno ou grande
varejo, canais próprios ou distribuidores, etc. (GARCIA, MOTTA, 2007). De acordo com a classificação do IBGE2, o setor moveleiro pode ser segmentado a partir dos materiais com que os móveis são confeccionados (madeira, metal e outros) e de acordo com o uso aos quais são destinados (residenciais, para escritório e outros). Além disso, as empresas podem ser classificadas conforme com os ambientes aos quais os móveis são destinados (cozinha, banheiro, sala, quarto e outros) e se especializam conforme o tipo de móveis que produzem (armários, estofados e outros), devido aos aspectos técnicos e mercadológicos. Na segmentação por matéria-prima, os móveis de madeira (incluindo vime e junco) constituem a principal parcela da indústria de móveis brasileira, com 91% dos estabelecimentos, 83% do pessoal ocupado e 72% do valor da produção. Os móveis de metal, com 4% dos estabelecimentos, 9% do pessoal ocupado e 12% do valor da produção. O restante refere-se a móveis confeccionados em plástico e artefatos do mobiliário, incluindo colchoaria e persianas, conforme dados apresentados por Rosa et al. (2007). Em relação às categorias de uso, de acordo com os dados divulgados no Panorama do Setor Moveleiro no Brasil, em dezembro de 2006 pela ABIMÓ-
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O Instituto Brasileiro de Geofrafia e Estatística – IBGE – é uma instituição da administração pública federal subordinada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Tem como missão: “Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento da sua realidade e ao exercício da cidadania”. Fonte: http://www.ibge.gov.br/ DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 81-94, jan./abr. 2011
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VEL3, os móveis residenciais correspondem a 60% da produção nacional; os móveis para escritório correspondem a 20% da produção nacional; e os móveis institucionais, escolares, médico-hospitalares, para restaurantes, hotéis e similares correspondem aos 20% restantes. A partir dos dados acima apresentados, percebe-se que o segmento de móveis residenciais de madeira detém uma expressiva parcela do valor total da produção moveleira nacional. Garcia e Motta (2007) afirmam que esses móveis são classificados, de acordo com os processos de produção e quanto aos aspectos estéticos do produto final, em dois tipos: (i) Torneados – apresentam detalhes mais sofisticados de acabamento, misturando formas retas e curvilíneas, têm como principal matéria-prima madeira maciça (de lei ou de reflorestamento), mas também são utilizados painéis de MDF, passíveis de serem usinados; (ii) Retilíneos – lisos, com desenhos simples de linhas retas, têm como principal matéria-prima painéis de madeira em geral (compensados, aglomerados, MDF, MDP, OSB, etc.). Os segmentos de móveis retilíneos e torneados são subdivididos, de acordo com seu processo produtivo, em seriados e produzidos sob encomenda. O segmento de móveis torneados sob encomenda é formado por uma multiplicidade de micro e pequenas
empresas, que utilizam madeira compensada e madeiras nativas como matéria-prima básica. A maior parte dessas empresas, em geral marcenarias, dispõe de equipamentos e instalações deficientes e ultrapassados, utilizados em um trabalho predominantemente impreciso e artesanal que resulta em produtos destinados, predominantemente, ao mercado doméstico (GORINI, 2000). O segmento de móveis seriados, principalmente os retilíneos, é formado por empresas de médio e grande portes, que utilizam como matéria-prima os painéis de madeira. Essas empresas produzem em grande escala através de tecnologias mais avançadas e utilizam, como distribuidores, as redes atacadistas nacionais. Rosa et al. (2007) descrevem que o processo de fabricação dos móveis torneados seriados envolve etapas diversas, tais como secagem da madeira, processamento secundário, usinagem, acabamento, montagem e embalagem. Já o processo de fabricação dos móveis retilíneos seriados é mais simplificado, pois abarca a produção em grande escala e em poucas etapas (corte dos painéis, usinagem e embalagem). Exige, porém, um grau mais alto de especialização, segundo os autores. Os móveis retilíneos seriados, também classificados como modulares, são produzidos em módulos adaptáveis a diversas composições. Gori-
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A Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário – ABIMÓVEL – é uma entidade do setor moveleiro que congrega fabricantes de móveis e fornecedores de insumos para a cadeia moveleira nacional. Tem como objetivo o crescimento e o desenvolvimento da indústria moveleira do Brasil. Fonte: http://www.abimovel.org.br/
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ni (2000) salienta que esses móveis reúnem qualidade e funcionalidade a um custo reduzido, pois permitem que o consumidor aproveite melhor o espaço físico disponível, utilizando o produto em módulos pré-montados e adaptados a um determinado projeto. A comercialização dos móveis modulares, através de pontos de venda exclusivos, foi adotada a partir do final da década de 1980. Atendendo a uma crescente demanda de consumidores de classe média, as empresas deixaram de fornecer seus produtos para grandes magazines e lojas multimarcas e buscaram esse novo posicionamento mercadológico. Nessas lojas especializadas, o consumidor recebe atendimento personalizado e um projeto adequado ao seu ambiente. Conforme visto, a indústria brasileira de móveis compreende padrões tecnológicos diversos, que variam de acordo com o tipo de móvel produzido e o porte das empresas. O grau de tecnologia também varia de polo para polo. As empresas líderes de Bento Gonçalves, São Bento do Sul e Grande São Paulo, por exemplo, apresentam níveis de atualização tecnológica similares aos internacionais, de acordo com Coutinho et al. (2001). Além disso, a indústria moveleira é considerada por Garcia e Motta (2007) parte do setor tradicional da economia, pois o padrão tecnológico é determinado pelos fornecedores de máquinas e equipamentos. A Alemanha e a Itália são os principais países fornecedores desses maquinários e, também, são grandes produtores e consumidores mundiais de móveis.
Dessa forma, a estreita cooperação entre as indústrias brasileiras e as indústrias desses países permite constante incremento tecnológico. As indústrias químicas, petroquímicas e madeireiras – que fornecem insumos para a indústria moveleira – também são fontes de inovação para o setor, através de novos materiais. Na indústria moveleira, a competitividade não depende apenas da eficiência dos processos produtivos, mas também de qualidade, conforto, facilidade de montagem e, sobretudo, do design de móveis, de acordo com Gorini (2000). Nesse caso, o design do produto é mais que um avanço na estética, pois significa também o aumento da eficiência global na fabricação do produto, incluindo práticas que minimizam a agressão ao meio ambiente, conforme descreve a autora. Dessa forma, as principais inovações na indústria moveleira focam no produto, são tecnológicas e incrementais. A indústria de móveis no Brasil, de acordo com a ABIMÓVEL – nos dados divulgados no Panorama do Setor Moveleiro no Brasil, em dezembro de 2006, conta com aproximadamente 16 mil empresas formais, que geram mais de 206 mil empregos diretos. Assim como em outros países, o setor moveleiro brasileiro caracteriza-se pela organização em pólos regionais, sendo que os maiores polos produtores estão em São Paulo (Grande São Paulo, Votuporanga e Mirassol), Minas Gerais (Ubá), Paraná (Arapongas), Santa Catarina (São Bento do Sul) e Rio Grande do Sul (Bento Gonçalves).
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Conforme material divulgado pela Movelsul Brasil4 (2008), o setor moveleiro representa, no Brasil, 1,3% do PIB. No Rio Grande do Sul, onde se concentra o maior número de empresas (2.205), o setor representa 3,1% do PIB do estado. Representando mais de 25% da produção nacional e 28% da exportação, o Rio Grande do Sul é o segundo maior estado produtor de móveis no Brasil. O polo moveleiro de Bento Gonçalves5 abrange municípios como Flores da Cunha, Farroupilha, Caxias do Sul, Antônio Prado e outras cidades da serra gaúcha. Tendo sua origem no início do século XX, esse pólo foi um dos pioneiros no Brasil, definindo-se quando os primeiros marceneiros – em geral imigrantes italianos – começaram a produzir móveis. Segundo Coutinho et al. (2001), a atividade moveleira foi contemporânea do contexto industrial embrionário – de formação do mercado interno baseado no trabalho assalariado – e do incremento do movimento imigratório que se delineava. Na década de 1950, a produção de móveis em série foi iniciada. O pólo moveleiro da serra gaúcha teve sua consolidação na década de 1960 e tem apresentado elevadas taxas de crescimento. De acordo com Coutinho et al. (2001), as empresas desse pólo moveleiro estão entre as maiores e mais
modernas do país, em particular as produtoras de móveis seriados retilíneos de madeira, seguidos pelos móveis de pínus e dos móveis tubulares metálicos. Nesse contexto, insere-se a pesquisa apresentada neste artigo, que tem como objeto de estudo quatro empresas do pólo moveleiro da serra gaúcha, produtoras de móveis residenciais retilíneos seriados. As empresas pesquisadas foram fundadas entre as décadas de 1960 e 1970, por descendentes de famílias italianas que imigraram para o Brasil na segunda metade do século XIX. De acordo com Garcia e Motta (2007) e Rosa et al. (2007), estão entre as oito principais organizações do segmento de móveis residenciais de madeira do polo moveleiro da serra gaúcha. Além disso, as empresas possuem mais de 180 funcionários, exportam mobiliário para outros países e comercializam seus móveis em pontos de venda exclusivos da marca.
3 Inovação O Manual de Oslo6 (2005) apresenta o conceito de inovação como A implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou
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A Movelsul Brasil é uma feira bienal de móveis sediada na cidade de Bento Gonçalves, RS, organizada pelo Sindmóveis – Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves. Fonte: http://www. movelsulbrasil.com.br/ 5
O polo moveleiro de Bento Gonçalves refere-se ao pólo moveleiro da serra gaúcha.
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O Manual de Oslo: diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação foi desenvolvido com o objetivo de “oferecer diretrizes para a coleta e a interpretação de dados sobre inovação e de
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um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas (Manual de Oslo, 2005, p.55). Essa definição contempla diferentes tipos de inovação e enfatiza que a novidade ou a melhoria significativa deve ser implementada para ser considerada inovação. Da mesma forma, através da equação expressa por “inovação = ideia + implementação + resultados” (BARBIERI, ÁLVARES, 2003, p.45), o Fórum da Inovação da FGV/EAESP definiu inovação, considerando que é necessário haver todos os termos do segundo membro da equação para que exista uma inovação. Os autores ressaltam que os resultados, tais como lucratividade, crescimento e diversificação, variam de acordo com os objetivos das organizações; em algumas situações, os resultados são pouco visíveis, porém são positivos em relação aos objetivos propostos. O produto, processo, método de marketing ou método organizacional ser novo ou significativamente melhorado para a organização é o requisito mínimo para que a inovação ocorra, de acordo com o Manual de Oslo (2005). Para tanto, consideram-se situações nas quais a empresa é pioneira, assim como circunstâncias em que a empresa adota produtos, processos e métodos de
outras empresas ou organizações. De acordo com os conceitos apresentados, para que a inovação ocorra, deve ser implementada durante um determinado período. Desse modo, segundo o Manual de Oslo (2005), para desenvolver um produto novo ou melhorado, é necessário sua introdução no mercado. E para implementar um novo processo ou método é necessário que o mesmo seja colocado em prática. As teorias sobre inovação tiveram relevante influência de Schumpeter, que distingue cinco diferentes formas de inovação ou novas combinações (COSTA, 2006): • Inovação em produtos – ocorre através da introdução de um novo bem (produto ou serviço) inédito aos consumidores ou uma nova característica, ainda não conhecida, de um bem já conhecido; • Inovação de processos – ocorre através da introdução de um novo método de produção ainda não experimentado em determinado ramo da indústria de transformação; • Inovação no mercado – ocorre através da abertura de um novo mercado, no qual o produto de determinada indústria de transformação não tenha acessado anteriormente, mesmo que esse mercado já tenha existido;
disponibilizar indicadores para cotejar o desempenho nacional com as melhores práticas existentes”. (Fonte: Manual de Oslo, 2005, p.19) A primeira versão foi editada em 1997 por OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Em 2005, a Finep – Financiadora de Estudos e Projetos – traduziu e publicou a terceira edição (em português), disponível em http://www.finep.gov.br/ imprensa/sala_imprensa/oslo2.pdf DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 81-94, jan./abr. 2011
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• Inovação de materiais – ocorre através da conquista de uma nova fonte de matérias-primas ou de bens semimanufaturados, independentemente dessa fonte já existir, ou não; • Inovação na gestão – ocorre através do estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação ou fragmentação de uma posição de um monopólio. Outras formas de classificar tipos de inovação são descritas pelo Fórum de Inovação da FGV/EAESP e por Tidd et al. (2008). Simantob (2003) apresenta a categorização do Fórum de Inovação da FGV/EAESP nas categorias: (a) Inovação de produto, (b) Inovação de processo, (c) Inovação na gestão e (d) Inovação de negócios. E Tidd et al. (2008) classifica os tipos de inovação como: (a) Inovação de produto, (b) Inovação de processo, (c) Inovação de posição e (d) Inovação de paradigma. Para Barbieri et al. (2009), todos os processos de inovação são originados por uma ideia, permeados por ideias em todas as suas etapas e, mesmo após a finalização da inovação e conclusão de seu objeto, novas ideias seguirão aperfeiçoando o seu ciclo de vida. Por isso, caracterizar-se como um ambiente criativo – no qual o comprometimento, a motivação e a criatividade de todos é estimulada - é uma das características essenciais de uma organização inovadora, enfatizam Tidd et al. (2008). Por considerarem a criatividade como um atributo que todas as pessoas 88
possuem, Tidd et al. (2008) e Barbieri et al. (2009) julgam necessário que o comportamento criativo seja estimulado na empresa para que todos manifestem suas ideias. Pois a geração de ideias, desafiadoras ou de caráter incremental, pode contribuir positivamente para o desenvolvimento de inovações. Dessa forma, os programas ou sistemas de sugestões podem ser eficazes meios de incentivo à geração de ideias e, consequentemente, propulsores de inovações. A inovação, segundo Tidd et al. (2008) e Barbieri et al. (2009), é um processo fundamentado no conhecimento. Visto que novas possibilidades são criadas a partir da combinação de diferentes conjuntos de conhecimento. Sejam conhecimentos (i) relacionados a uma resolução técnica ou uma necessidade manifestada, (ii) já existentes em nossa experiência ou que exijam um processo de busca, (iii) explícito ou tácito (TIDD et al., 2008). O conhecimento tácito caracteriza-se por ser subjetivo, difícil de formalizar e visualizar. No entanto, para Drucker, Nonaka, Takeuchi e Krogh (BARBIERI et al.,2009), o conhecimento tácito individual representa uma importante fonte de inovação, pois é a origem da criação de novos conhecimentos. Dessa forma, um ambiente, espaço ou infraestrutura, que fomente a troca de conhecimento tácito entre diferentes setores da organização, pode constituir um meio de estímulo a processos de inovação. Porter (1986) destaca a importância da inovação como fator determinante
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para a competitividade. De acordo com o autor, para que a empresa consiga manter a vantagem competitiva, a inovação se torna indispensável, tanto no que se refere à inovação nos seus serviços e produtos, bem como nos procedimentos. Além disso, na dinâmica atual dos negócios, é fundamental o desenvolvimento de características que incentivem a prática da inovação entre gerentes e funcionários nos ambientes corporativos (SIMANTOB, 2003). Pensamento estratégico, gerenciamento da criatividade, integração, times de trabalho e liderança são alguns dos processos de inovação que podem ser adotados. Para tanto, diferentes metodologias têm sido utilizadas, sendo que as mesmas priorizam distintos atributos ou características. Uma das metodologias de inovação, orientada pelo design, é o design estratégico. De acordo com Celaschi e Desserti (2007), a abordagem estratégica compreende o design como um direcionador de estratégias dentro do ambiente sistêmico das organizações agregando valor na conexão empresa-ambiente. Para tanto, utiliza ferramentas que fornecem uma análise do contexto e das oportunidades da empresa como estratégia competitiva. Assim, o design es-
tratégico amplia as perspectivas da organização, oportunizando o desenvolvimento de novos processos de inovação na busca de vantagem competitiva.
4 Metodologia de Pesquisa Adotando como estratégia a pesquisa qualitativa, a metodologia utilizada foi o estudo de caso. Nesse sentido, a presente investigação seguiu uma estrutura sistêmica, tendo como unidade de estudo um setor delimitado e foi sustentada por dados primários e secundários, que foram analisados através de descrições, compreensões e interpretações. A unidade de estudo desta pesquisa são empresas do polo moveleiro da serra gaúcha que fabricam móveis residenciais de madeira, pertencentes ao segmento de móveis retilíneos seriados, e comercializam seus móveis em pontos de venda exclusivos da marca. Para a seleção das empresas, foram utilizados os documentos: (a) Relatório setorial final: móveis residenciais de madeira. Finep7, 2007, (b) O Setor de móveis na atualidade: uma análise preliminar. BNDES8, 2007, e (c) Brasil móveis 2008 : relatório setorial da indústria de móveis no Brasil. Prado e Prado, 2008.
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A Financiadora de Estudos e Projetos – Finep – é uma instituição pública vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, criada em 1967. Tem como missão: “Promover e financiar a inovação e a pesquisa científica e tecnológica em empresas, universidades, institutos tecnológicos, centros de pesquisa e outras instituições públicas ou privadas, mobilizando recursos financeiros e integrando instrumentos para o desenvolvimento econômico e social do País”.Fonte: http://www.finep.gov.br/ 8 O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES – é um órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior fundado em junho de 1952. Tem como objetivo apoiar empreendimentos que contribuam para o desenvolvimento nacional. Fonte: http:// www.bndes.gov.br/ DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 81-94, jan./abr. 2011
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Desse modo, quatro empresas foram selecionadas para a pesquisa de campo a partir do levantamento de dados secundários em documentos sobre o setor. A partir dessa definição, foram realizadas visitas técnicas, nas quais se utilizou como fonte de coleta de dados os procedimentos: observação (não-participante), entrevista em profundidade e documentos da empresa. Considerando as questões expostas acima, foi realizada uma visita técnica em cada uma das quatro empresas em estudo com a duração aproximada de um turno. Durante a coleta de dados e informações, foram observados o processo de desenvolvimento e produção de produto, as pessoas envolvidas e os ambientes onde essas atividades ocorrem. Dessa forma, seguindo um protocolo de observação previamente elaborado, identificou-se a relação dessas empresas do setor moveleiro com design e inovação. As entrevistas em profundidade foram realizadas com um membro da equipe envolvida no processo de desenvolvimento de produto, tiveram duração de aproximadamente uma hora e seguiram um roteiro de perguntas previamente elaborado. A fim de aperfeiçoar o instrumento de coleta antes da sua utilização definitiva, foi realizado um pré-teste com uma empresa do setor moveleiro que não participou da fase final da pesquisa. Para coleta de dados secundários, foram utilizados documentos da empresa como relatórios, catálogos e outros materiais de divulgação. Docu90
mentos e relatórios de pesquisas sobre o setor moveleiro também foram consultados. Além disso, foram utilizados documentos da internet, disponíveis nos websites das empresas. O processo de análise dos dados foi realizado considerando as diferenças entre os instrumentos de coleta e fases da pesquisa. A principal técnica de avaliação dos estudos de caso foi a triangulação dos dados. A análise dos dados ocorreu em duas dimensões: (a) comparação entre instrumentos de coleta e (b) Comparação entre as análises realizadas em cada empresa. Esse processo gerou como resultado uma análise conjunta das empresas estudadas, para a identificação de similaridades e diferenças entre si, resultando no mapeamento das inovações implementadas por empresas do pólo moveleiro do Rio Grande do Sul.
5 Inovação no Segmento de Móveis Residenciais de Madeira do Pólo Moveleiro da Serra Gaúcha Destaca-se uma fase de significativo crescimento do polo moveleiro da serra gaúcha entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980. Desde o inicio do desenvolvimento do setor até essa fase, as empresas já produziam móveis, embora ainda não configurasse uma produção em escala industrial e nem todas as empresas tivessem os móveis como seu produto principal. Dessa forma, os investimentos na ampliação e diversificação das linhas de produtos, as ampliações fabris
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e os novos equipamentos e tecnologias, configuraram significativas Inovações de Produto, Processo e Negócios. As organizações cresceram em ritmos diferentes, contudo é possível observar a implementação de sucessivas Inovações de Processo, de Negócio e Organizacionais. Essas inovações caracterizam o desenvolvimento do setor. Pois resultam, principalmente, de ampliações fabris, implantação de novos métodos de produção, implantação de novos métodos de comercialização, novas tecnologias aplicadas aos processos de produção e comercialização, ampliação no portfólio de produtos, novos negócios e implantação de novos métodos organizacionais. A partir da primeira década de 2000, para manterem-se competitivas no mercado, as empresas implementaram Inovações de Processo e de Marketing. As Inovações de Processo resultaram, fundamentalmente, de mudanças e melhorias nos processos, necessárias para amparar o crescimento e manter a competitividade das companhias. As Inovações de Marketing foram consequência de reposicionamentos e promoções das marcas. No que concerne à promoção das marcas, as empresas investiram em: (i) promover a marca através de conceitos de marketing atribuídos aos produtos e aos processos, (ii) promover a marca através da utilização de novas tecnologias aplicadas às matérias primas, componentes e assessórios e (iii) promover a marca através da contratação de designers renomados internacionalmente para participar do desenvolvimento de produtos exclusivos.
Os processos de inovação de Processo e Marketing desenvolvidos pela Empresa A caracterizam uma fase de reestruturação, iniciada em 2004, com o intuito de reposicionar a marca no mercado para atender classes B+ e A. A partir das metas traçadas com o apoio de uma consultoria de marketing, a companhia investiu em novas tecnologias aplicadas aos produtos e serviços, a fábrica foi ampliada e a rede de franquias foi reestruturada. Para seguir as estratégias estabelecidas em relação aos pontos de venda, a metade das lojas foi fechada, tendo por objetivo manter apenas as lojas localizadas em cidades onde se concentra o consumo desse nicho de mercado. E as franquias remanescentes adoraram um padrão mais sofisticado para se adaptar ao segmento de luxo. Desse modo, com os novos métodos e tecnologias aplicados aos processos de produção e comercialização dos produtos e serviços uma Inovação de Processo foi desenvolvida. Além disso, com a reformulação das lojas, houve uma mudança significativa na concepção de um produto existente e uma Inovação de Marketing foi implementada, pois um novo conceito de marketing foi constituído. Outra ação efetuada pela Empresa A, para de atender às estratégias de reposicionamento da marca, com foco nos consumidores das classes B+ e A, consiste na produção de móveis com formas e medidas especiais. Como esses consumidores geralmente contratam arquitetos para projetar os ambientes de suas casas, a empresa investiu em formas de atrair esses profissionais. Per-
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mitindo, dentro de determinados limites técnicos, que criem peças exclusivas para seus clientes. Para tanto, foram desenvolvidas soluções técnicas de software e equipamento que permitem confeccionar móveis com formas e medidas especiais, dentro da produção padronizada. No final do processo, o consumidor recebe o produto personalizado com acabamento e garantia de fábrica. O desenvolvimento de soluções técnicas de software e equipamento que permitem confeccionar móveis com formas e medidas especiais dentro de uma produção padronizada caracteriza uma Inovação de Processo. E a produção de produtos personalizados representa uma Inovação de Marketing, em vista que atribui a concepção de exclusivo ao produto e a utiliza como promoção da marca. O Studio, setor formado pelos arquitetos da Empresa A, criam novos padrões decorativos junto ao setor de desenvolvimento de produtos do fornecedor dos painéis de madeira. Algumas dessas estampas são lançadas como tendência no mercado brasileiro, com exclusividade no mobiliário da marca, por um período que varia entre seis meses e dois anos, dependendo do contrato. Assim, a inserção desses padrões decorativos no portfólio da empresa representa uma Inovação de Marketing, em vista que, mantendo as características funcionais do produto, a concepção de tendência é atribuída e utilizada como promoção da marca.
Dentro desse contexto, o aumento do número de Inovações de Marketing desenvolvidas reflete que o departamento de marketing conquistou maior importância nas empresas na primeira década de 2000. Não há dados suficientes disponíveis a esta pesquisa para avaliar se houve crescimento ou consolidação do marketing nas empresas, mas é possível perceber que recebeu maior importância. Cabe salientar que uma pequena quantidade de fornecedores detém grande influência no setor moveleiro nacional, pois predominam o fornecimento de matéria-prima, componentes e acessórios para todo o Brasil. Os entrevistados citaram matérias-primas e ferragens como exemplos de inovação das quatro empresas pesquisadas. Desse modo, observou-se que as empresas percebem a demanda dos fornecedores como buscar e lançar tendências em móveis. Por exemplo, os entrevistados das empresas A, C e D citaram o lançamento de cores9 novas como exemplo de inovação e fator de diferenciação das marcas. Assim, é possível constatar que o setor moveleiro se apropria das inovações implementadas pelas empresas fornecedoras de matéria-prima e componentes. Além disso, os lançamentos e as inovações dos fornecedores se difundem rapidamente pelo setor de móveis, porque as empresas utilizam as mesmas fontes de matéria-prima.
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“Cores” refere-se aos padrões decorativos dos painéis de madeira. Podem ser cores lisas ou estampas que reproduzem textura de madeira, pedra, couro e outros materiais.
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Outra questão relevante revelada pela pesquisa é que apenas a Empresa A introduziu produtos inéditos no mercado – um sistema de gavetas desenvolvido pela equipe de engenharia da empresa –, de forma a realizar Inovação de Produto sob a ótica de Schumpeter (COSTA, 2006) e do Fórum de Inovação da FGV/EAESP (SIMANTOB, 2003). O que os entrevistados citaram como produtos inovadores, trata-se de Inovação de Marketing, pois foram atribuídos novos conceitos aos produtos, sem alterar sua função. Em relação à geração de ideias, as quatro empresas pesquisadas possuem programas de sugestão, através do qual todos na companhia são incentivados a participar e colaborar com suas ideias. No que se refere à ambiente para troca de conhecimento tácito entre diferentes setores, os entrevistados das quatro empresas citaram reuniões do processo de desenvolvimento de novos produtos como exemplos desse ambiente. Apenas o entrevistado da Empresa D explicitou perceber a organização como esse ambiente de compartilhamento de experiências. Dentro desse contexto, enfatiza-se a delimitação desta pesquisa em não avaliar o grau de inovatividade das empresas, tampouco a mensuração de resultados obtidos a partir dos programas de sugestão ou possibilidades criadas a partir da combinação de diferentes conjuntos de conhecimento. Nesse aspecto, o foco do estudo foi verificar se havia, ou não, intenção de por parte da organização de oferecer um ambiente interno criativo e colaborativo. Pois, conforme corroboram Tidd et al.
(2008) e Barbieri et al. (2009), a geração de ideias e a troca de conhecimento tácito consistem em elementos fundamentais de processos de inovação.
6 Conclusão O estudo de caso realizado no segmento de móveis residenciais retilíneos seriados do setor moveleiro gaúcho permitiu a construção de um mapeamento de inovações desenvolvidas neste relevante pólo industrial brasileiro. Para tanto, a pesquisa contemplou um estudo empresas localizadas no pólo moveleiro da serra gaúcha, sendo quatro os fabricantes analisados: todos com marca própria e especializados no desenvolvimento de móveis residenciais de madeira retilíneos seriados. Através desta investigação, foi possível identificar lacunas existentes no segmento em estudo em relação ao contexto de estímulo e desenvolvimento de inovações por meio do design: (i) o setor moveleiro gaúcho se apropria das inovações dos fornecedores; (ii) há pouco desenvolvimento de bens (produtos e serviços) inéditos aos consumidores. No que concerne à proposta de melhorias às lacunas citadas, as contribuições referem-se, diretamente, ao uso do design estratégico. Com o intuito de promover o desenvolvimento de inovações através da abordagem estratégica do design, sugere-se a ampliação do papel do design nas empresas, explorando o design estratégico como orientador do sistema produto-serviço. Pois, conforme Celaschi et al. (2009)
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as organizações que possuem uma estrutura orientada pelo design estratégico são capazes de reagir de forma eficiente e mais rapidamente às mudanças
do mercado, além de reduzir custos de introdução de inovações nos processos de criação, produção, distribuição e gerenciamento.
7 Referências ABIMÓVEL. Panorama do Setor Moveleiro no Brasil. Dezembro de 2006. Disponível em: <http// www.abimovel.org.br> Acesso em: 28/11/2008. BARBIERI, José Carlos (organizador). Organizações inovadoras: estudos e casos brasileiros. Rio de Janeiro: FGV, 2003. BARBIERI, José Carlos; ÁLVARES, Antonio Carlos Teixeira; CAJAZEIRA, Jorge Emanuel Reis. Gestão de ideias para inovação contínua. Porto Alegre: Bookman, 2009. CELASCHI, F.; DESSERTI, A. Design e innovazione. Strumenti e pratiche per la ricerca applicata. Carocci Editore, 2007. CELASCHI, Flaviano; DE MARCO, Angela; STASZOWSKI, Eduardo; GALISAI, Roberto; CASONI, Giorgio. Sharing skills in design driven innovation processes. Strategic Design Research Journal, v. 2, n. 1, p. 24-36, 2009. COSTA, Achyles Barcelos da. O desenvolvimento econômico na visão de Joseph Schumpeter. Cadernos IHU Ideias, São Leopoldo , v. 4, n. 47 , p. 1-16, 2006. COUTINHO, Luciano; SILVA, Ana Lúcia Gonçalves da; SANTOS, Ronaldo Marcos dos; PAMPLONA, Telmo; FERREIRA, Marcos José Barbieri. Design na indústria brasileira de móveis. Série Leitura Moveleira – Abimóvel / Promóvel. Curitiba: Alternativa Editorial, 2001. GARCIA, Renato; MOTTA, Flávia Gutierrez. Relatório setorial final: móveis residenciais de madeira. Rede DPP, Finep, 2007. GORINI, Ana Paula Fontenelle. A indústria de móveis no Brasil. Série Leitura Moveleira – Abimóvel / Promóvel. Curitiba: Alternativa Editorial, 2000. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Mensuração das atividades científicas e tecnológicas: manual de oslo : diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação. 3ª ed. Rio de Janeiro: OECD, 1997. PORTER, Michael. Estratégia Competitiva técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1986. PRADO, Roberto Viegas B.; PRADO, Marcelo Villin. INSTITUTO DE ESTUDOS E MARKETING INDUSTRIAL. Brasil móveis 2008 : relatório setorial da indústria de móveis no Brasil= Brazil furniture 2008 : sectorial report on the furniture industry in Brazil. São Paulo: IEMI, 2008. ROSA, Sergio E. S.; CORREA, Abidack R.; LEMOS, M. L. F.; BARROSO, Deise Vilela . O Setor de móveis na atualidade: uma análise preliminar. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 25, p. 65-106, março 2007. SIMANTOB, Moysés Alberto; LIPPI, Roberta. Guia valor econômico de inovação nas empresas. São Paulo: Globo, 2003. TAKAHASHI, Sérgio; TAKAHASHI, Vania Passarini. Gestão de Inovação de Produtos: Estratégia, Processo, Organização e Conhecimento. Rio de Janeiro, Campus, 2007. TIDD, Joe; BESSANT, John; PAVITT, Keith. Gestão da inovação. 3. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2008.
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Inovação e a Gestão na Rede Pública de Ensino no Estado do Piauí: Caso CEFTI – Centro Estadual de Ensino Fundamental de Tempo Integral Prof. Raldir Cavalcante Bastos Fabrício Michell Soares* Adriana Alvina de Sousa Oliveira** Ana Carolina Nunes Carvalho*** Daniel Barroso de Carvalho Ribeiro****
Resumo: Este trabalho tem por objetivo identificar como as escolas públicas implementam práticas inovadoras em seus modelos gerenciais. Para atingir tal propósito, realizou-se um estudo de caso no Centro Estadual de Ensino Fundamental de Tempo Integral Prof. Raldir Cavalcante Bastos (CEFTI), através de entrevistas e análise documental. Para aferir o sucesso desse estabelecimento educacional, analisaram-se as inovações organizacionais implantadas pela administração, à luz dos princípios e das formas da gestão escolar pública. Palavras-chave: Gestão escolar pública; inovação organizacional; inovação escolar.
Abstract: This work’s general objective is to identify how public schools implement innovative practices in their managerial models. To achieve this purpose, a case study was done at Centro Estadual de Ensino Fundamental de Tempo Integral Prof. Raldir Cavalcante Bastos (CEFTI), through interviews and documental analysis. To verify the success of this educational center, the organizational innovations implanted by its administration were analyzed, according to the principles and forms of public school management. Keywords: Public school management; organizational innovation; educational innovation.
Sumário: 1 Introdução; 2 Referencial Teórico; 2.1 Gestão nas escolas públicas brasileiras; 2.2 Abordando o quadro da inovação; 2.2.1 Tipos de inovação; 3 Metodologia; 4 Resultados; 4.1 Inovação gerencial no CEFTI; 4.2 Projetos inovadores executados; 4.2.1 Projetos internos; 4.2.2 Projetos externos; 5 Conclusão; 6 Referências. *
Pós-graduando em Gestão Estratégica pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina (CEUT). micsoar@yahoo.com.br **
Pós-graduanda em Controladoria e Finanças Empresariais pelo Centro de Ensino Superior do Vale do Parnaíba (CESVALE). adrianalvina_@hotmail.com ***
Pós-graduanda em Finanças de Empresas e Contabilidade Tributária pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEMP). carolncarvalho@yahoo.com.br ****
Mestrando em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). danielbarroso.adm@ hotmail.com DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 95-107, jan./abr. 2011
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1 Introdução A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), reorientou as formas de gestão escolar com o intuito de promover maior liberdade de expressão e participação ativa da população no âmbito pedagógico. Nesse contexto, como os atores e as instituições intervenientes no processo educacional podem implementar ações inovadoras para uma gestão democrática nas escolas? Para responder ao questionamento proposto, foi realizada uma pesquisa no Centro Estadual de Ensino Fundamental de Tempo Integral Prof. Raldir Cavalcante Bastos (CEFTI). A escolha do caso se fundamenta no fato de que as escolas públicas devem redimensionar suas formas de organização e gestão para cumprir melhor o seu papel social, criando espaços que fomentem o surgimento de práticas inovadoras. Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo geral identificar rotinas que as escolas públicas inserem em seus modelos gerenciais, ao passo que os objetivos específicos abrangem a descoberta do tipo de gerenciamento adotado no Centro, a constatação dos projetos nele desenvolvidos e a identificação das experiências que confirmam a posição de referência da instituição no tocante à gestão inovadora. A pesquisa desenvolve uma análise sobre a gestão das escolas públicas, descrevendo os seus princípios e a atual tendência de democratização na tomada de decisões dos gestores edu96
cacionais. Neste aspecto, a teoria da inovação é apresentada contemplando suas classificações, tipologias e formas, o que permite a análise desse tema nos projetos realizados pelo Centro.
2 Referencial Teórico 2.1 Gestão nas Escolas Públicas Brasileiras Na bibliografia educacional, alguns autores abordam os conceitos gerais de gestão escolar e o contexto no país. Dourado (2006) comenta que a gestão é exposta como um procedimento interno da ação administrativa; já em determinadas ocasiões, aparece com o mesmo significado de gerência, também podendo figurar como a inovação para o processo político-administrativo educacional. A gestão escolar trata do papel decisório e realizador que o gestor deve desempenhar ao administrar uma escola, atentando para os princípios que orientam suas práticas. Logo: O conceito de Gestão Escolar, relativamente recente, é de extrema importância para que se tenha uma escola que atenda às atuais exigências da vida social: formar cidadãos e oferecer, ainda, a possibilidade de apreensão de competências e habilidades necessárias e facilitadoras da inserção social (SANTOS, 2006, p.130). No Brasil, a Constituição Federal de 1988 sinaliza alguns progressos sociais, como a disponibilidade ao ensino
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gratuito e obrigatório, a gestão democrática do ensino público e a vinculação de impostos à educação, cabendo à União aplicar 18% de sua arrecadação, enquanto aos Estados, Municípios e Distrito Federal, 25% de seus recursos. A partir dessa fundamentação legal, em que o Estado Brasileiro instituiu uma escola pública defensora de uma educação cidadã, gratuita, de qualidade social e democrática, foram criados os arcabouços fundamentais para a formulação de um projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A LDB traz, além dos princípios já citados na Constituição Federal, alguns outros como: a) A universalização da educação básica; b) A coordenação, o planejamento e a descentralização dos processos de decisão e de execução; c) O fortalecimento das unidades escolares; e d) A operação dos conselhos municipais de educação. De maneira palpável, a UNESCO (2008) recomenda a execução desses princípios através da auto avaliação de cinco dimensões. A primeira delas é a Gestão Participativa ou Democrática, que pode ser mensurada por alguns indicadores: (1) o planejamento; (2) a avaliação de forma participativa do projeto pedagógico e dos planos de ação da escola; (3) a atuação de ór-
gãos colegiados, como os conselhos escolares, APMs1, grêmios estudantis e outros; (4) o estabelecimento de articulações e parcerias; e (5) utilização de canais de comunicação com a comunidade escolar. Ao verificar a execução da gestão democrática nas escolas, deve-se observar o nível de participação da comunidade nas decisões e. Conforme exposição acima, o grau de participação da sociedade escolar nos planos de ação, conselhos e outras formas de interação é o principal termômetro da efetividade gerencial. A segunda dimensão é a Gestão de Resultados Educacionais, que procura delimitar as práticas de gestão que estão voltadas ao asseguramento e de resultados superiores de desempenho escolar, como o rendimento individual, a assiduidade e a proficiência dos alunos. Para a mensuração desta dimensão, destacaram-se (1) os indicadores de avaliação e melhoria contínua do projeto pedagógico da escola; (2) a análise, divulgação e utilização dos resultados alcançados; (3) a identificação dos níveis de satisfação da comunidade escolar com o trabalho da gestão; e a (4) transparência de resultados. A terceira dimensão é a Gestão Pedagógica, que envolve os conjuntos de ações da gestão orientados para assegurar uma maior aprendizagem dos alunos, em consonância com o projeto pedagógico da escola. Os indicadores
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Associações de Pais e Mestres, é um importante elo entre a família e a escola, responsável por administrar as verbas repassadas pelos governos federal, estadual e municipal. DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 95-107, jan./abr. 2011
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destacados são: (1) a atualização periódica da proposta curricular; (2) o monitoramento da aprendizagem dos alunos; (3) a inovação pedagógica; (4) as políticas de inclusão da comunidade escolar, principalmente o alunado; (5) o planejamento da prática pedagógica; e (6) a organização de espaço e tempo para a redução da ociosidade dos alunos e sua permanência no ambiente escolar. A quarta dimensão é a Gestão de Pessoas, que tem como indicadores de qualidade (1) a integração entre os profissionais da escola, os pais e os alunos; (2) o desenvolvimento profissional constante; (3) o clima organizacional; (4) a avaliação de desempenho; (5) a observância dos direitos e deveres; (6) a valorização e reconhecimento do trabalho escolar. Todas as ações desenvolvidas na escola são realizadas através dos colaboradores, por isso o sucesso na execução de qualquer projeto está sujeito a interferências diretas da capacidade e comprometimento dos funcionários, pais, mestres e alunos. O empenho destes na execução do projeto pedagógico deve proporcionar ações de integração, desenvolvimento, valorização, avaliação e aclimatização dos envolvidos. A quinta dimensão é a Gestão de Serviços e Recursos, que abrange os serviços de apoio, recursos físicos e financeiros. Dentre os pontos relevantes, destacam-se: (1) a organização dos registros escolares; (2) a utilização das instalações e equipamentos; (3) a preservação do patrimônio escolar; (4) a 98
interação escola/comunidade; e (5) a captação e aplicação de recursos didáticos e financeiros.
2.2 Abordando o Quadro da Inovação A inovação, antes discutida apenas nos centros acadêmicos, passou a ter um papel de destaque nas discussões, colocando em foco o crescimento organizacional. A inovação é a estratégia para envolver as organizações em um ciclo contínuo de mudanças. Tidd et al. (2008) salienta que ao analisar os resultados positivos que a inovação pode proporcionar, certamente eles não se baseiam simplesmente em procedimentos aleatórios. De pronto, a inovação decorre de projetos que se convertem em estratégias e operações, podendo, dessa maneira, ser entendida como uma dimensão organizacional planejada. Conforme Schumpeter (1961), as firmas, em uma ação cíclica, costumam ter sempre a mesma rotina. Contudo, este estado estacionário ou circular seria interrompido pela introdução da inovação, que representa grandes mudanças causadoras de descontinuidades no processo produtivo. Munoz (2002) acrescenta que Schumpeter não considerava como inovações as pequenas melhorias inseridas de forma gradual nas rotinas. Para Kupfer e Hasenclever (2002), as inovações classificam-se em radicais ou incrementais, levando em conside-
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ração o grau de ruptura inserido nos processos ou produtos. A inovação incremental é caracterizada pela realização de pequenas melhorias e modificações contínuas, colaborando com a utilização mais eficiente de fatores de produção. Paradoxalmente, a inovação radical é efetivada com saltos descontínuos na tecnologia de produtos e processos, resultando, normalmente, de ações definidas de P&D em empresas, universidades ou laboratórios governamentais. Freeman e Perez (1988, apud Carvalho 2005), propuseram um arranjo mais abrangente e diferenciaram a inovação pela extensão das mudanças em relação ao que havia antes, fundamentando-se na combinação de inovações radicais e incrementais. Dentro da abordagem neo-schumpeteriana, Campos (2003) ensina que a inovação e sua dinâmica são bases do processo de transformação econômica, dependendo não só dos recursos destinados para esse fim, mas, sobretudo, do processo de aprendizagem e da difusão da tecnologia. Assim, a inovação agrega à cultura e fomenta resultados positivos.
Levando em consideração a classificação acima e observando as mudanças implementadas no CEFTI, deduz-se que as novas práticas empregadas classificam-se como inovações incrementais, pois, de acordo com Zuin (2006), tratam de melhorias contínuas que possuem padrões de execução diferenciados.
2.2.1 Tipos de Inovação De acordo com Schumpeter (1961), a inovação engloba cinco formas básicas: a introdução de um novo bem, a introdução de um novo método de produção, a abertura de um novo mercado, a conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semimanufaturados, e o estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria. Conforme o Manual de Oslo2, desenvolvido pela OECD3 (2004) e pela PINTEC4, as cinco formas básicas de inovação schumpeterianas podem ser agrupadas em três grupos. O primeiro deles é o de Inovações de Produtos. Tigre (2006) menciona
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O Manual de Oslo foi desenvolvido pela Organização para Desenvolvimento e Cooperação Econômica (OECD) e tornou-se a referência conceitual e metodológica mais utilizada para analisar o processo de inovação. Ele ampliou a abrangência do Manual Frascati, tratando da Proposta de Diretrizes para Coleta e Interpretação de Dados sobre Inovação Tecnológica. 3
Organization for Economic Cooperation and Development (Organização para Desenvolvimento e Cooperação Econômica). São padrões metodológicos e referências internacionais que oferecem maior consistência e credibilidade aos resultados e permite a comparabilidade entre a realidade brasileira e a de outros países. Importante iniciativa que tem como objetivo melhorar a qualidade e a disponibilidade de dados e indicadores sobre a evolução da sociedade e da informação em todo o mundo. 4
A Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica, realizada pelo IBGE, tem por finalidade a construção de indicadores nacionais e regionais das atividades de inovação tecnológica desenvolvidas nas empresas industriais brasileiras com 10 ou mais pessoas ocupadas. DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 95-107, jan./abr. 2011
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que o Manual de Oslo considera que esse tipo de inovação acontece quando é lançado um produto tecnologicamente novo, cujas características básicas diferem expressivamente de todos os outros anteriormente criados pela organização. Inclui-se o aprimoramento de produto já existente, cujo desempenho foi fundamentalmente aperfeiçoado pelo emprego de novas matérias-primas, peças ou subsistemas que proporcionam melhores resultados. Em seguida, evidencia-se o grupo denominado Inovações de Processos. Tigre (2006) considera inovações de processos aquelas que se referem a novas ou substancialmente métodos aprimorados de operação tecnológica. Estas, por sua vez, são obtidas pelo ingresso de novas técnicas de produção, procedimentos ou melhoras significativas no manejo e entrega de produtos. Ressalta-se que as inovações de processos abrangem apenas as pequenas e rotineiras alterações nos métodos produtivos existentes, excluindo as que são meramente administrativas ou organizacionais. O último grupo contempla as Inovações Organizacionais ou Gerenciais. Tigre (2006) assevera que essas inovações referem-se às transformações que ocorrem na estrutura gerencial da organização da seguinte forma: na articulação entre as diferentes áreas, no relacionamento com clientes e fornecedores, no treinamento dos colaboradores e nas diversas técnicas empregadas na estruturação dos processos de negócios. A OECD (2004) deixa claro que uma mudança organizacional só é con100
siderada uma inovação a partir do momento em que sejam positivas e mensuráveis as mudanças, como é verificado nos aumentos de produtividade, vendas ou índices de qualidade.
3 Metodologia A investigação realizada constitui uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva em que é aplicado o método de estudo de caso, utilizando-se dos seguintes instrumentos: entrevistas estruturadas, análise documental e estudos bibliográficos. As informações iniciais foram recolhidas do acervo da própria instituição. A partir da consulta do regimento interno, obtiveram-se dados acerca do organograma do CEFTI, que dispõe sobre sua distribuição hierárquica e setorial, bem como a completa descrição das funções administrativas. Esse delineamento estrutural permitiu a identificação do modelo de gestão implementado no Centro e o balizamento de todos os aspectos de inovação que norteiam a tomada de decisões dos gestores educacionais. Posteriormente, verificou-se que o Manual do Professor elenca as ações do corpo docente quanto ao planejamento das atividades escolares e sua execução em sala de aula, ao passo que as cadernetas pedagógicas e os livros de registro de atividades auxiliam no acompanhamento da progressão de tais ações. Por meio desse levantamento, é possível identificar quais projetos se desenvolveram e consolidaram novas
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diretrizes para o processo de ensino-aprendizagem no CEFTI. De forma complementar, as entrevistas realizadas com o Diretor, a Diretora Adjunta, a Secretária Administrativa e duas professoras do Centro embasaram a coleta de dados sobre as experiências que permeiam as temáticas da inovação e da gestão escolar pública.
4 Resultados O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, considera como experiências inovadoras em gestão da educação pública as iniciativas que contribuem para a solução de seus desafios e problemas, e que, adicionalmente, promovem melhorias com relação às suas finalidades e metas, desde que tais ações sejam desenvolvidas intencionalmente. Assim, o estudo de caso apresentado possibilita a determinação dos métodos de implementação de práticas inovadoras nas escolas públicas, tendo por foco o modelo gerencial vigente. No transcorrer da apresentação estrutural do Centro, são delineados os principais aspectos que caracterizam a inovação na gestão escolar.
4.1 Inovação Gerencial no CEFTI O Centro direciona seus esforços para o cumprimento das obrigações legais, segundo as orientações da LDB,
primando pela qualidade em gestão e pelo incremento de aspectos inovadores no gerenciamento escolar, contribuindo para o pleno êxito de cada projeto desenvolvido. Um dos pontos de grande relevância que evidencia a qualidade é a Gestão Participativa, que consiste na aplicação de uma administração mais democrática na instituição. Logo, os profissionais e usuários envolvidos no processo de ensino são conclamados a ajudar na elaboração e execução dos objetivos e metas traçados pelos órgãos colegiados, dentre eles o Conselho Escolar. Mensalmente, esse corpo consultivo se reúne para deliberar sobre o planejamento, execução e avaliação dos projetos a serem desenvolvidos. Assim, os indicadores da Gestão Participativa podem ser verificados no decurso do processo administrativo, quais sejam: a repartição conjunta das atividades administrativas dos diretores com os demais funcionários; a atuação de órgãos colegiados, envolvendo comprometimento, iniciativa e forte cooperação nos assuntos do Centro; a transparência nas decisões e ações gerenciais, sobretudo no que se refere à ampla divulgação das receitas e despesas; a avaliação conjunta das práticas educacionais, observando a intervenção dos pais; a promoção de parcerias com entidades, empresas privadas, profissionais e instituições diversas, como Igreja, grupos de dança, de capoeira e de teatro, visando à melhoria da gestão, ao enriquecimento do currículo escolar e à aprendizagem dos alunos.
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A postura dos gestores também constitui um comportamento essencial e permanente, ratificando o cumprimento de uma obrigação basilar. Seja dos diretores para com os funcionários, seja dos professores para com os alunos, o exemplo da boa conduta é adjuvante no ensino. Dessa forma, o cumprimento de prazos, horários, metas e compromissos são rigorosamente cobrados, incentivados e elogiados. A presença dos diretores no estabelecimento antes do horário de chegada dos funcionários e o baixo nível de absenteísmo dos colaboradores são indícios que apontam o efeito positivo de tais hábitos.
perante a comunidade, todas as ações visando à angariação de fundos são amplamente apoiadas. Assim, os pais e a própria população, incentivados pela instituição, encarregam-se de recolher donativos por meio de gincanas, bingos, leilões e comemorações diversas, a exemplo das festas juninas, e, ao final, repassam tudo formalmente à escola. Essas contribuições financiam materiais e atividades que dificilmente são amparadas pela Secretaria de Educação, como aluguel de ônibus para aulas-passeio, uniformes para a prática esportiva, alegorias para o desfile cívico de 7 de Setembro e instalação de quadros de acrílico nas salas de aula.
Já sob o ponto de vista da inovação, a formação continuada dos colaboradores, com cursos, palestras, treinamentos e debates, é empreendida constantemente, com o objetivo a reciclagem da equipe e possibilitando-lhe o aprofundamento especializado das tarefas individuais. Os temas abordados versam sobre assuntos variados, indo além das matérias pedagógicas e administrativas, através de exposições sobre primeiros socorros, cuidados com a fala, postura corporal, controle das emoções, atendimento aos pais e alunos, combate à violência, dentre outros.
Retomando a discussão sob a perspectiva gerencial, as reuniões gerais entre pais e mestres constituem etapa importante no cumprimento de metas fundamentais, servindo, principalmente, para estimular o interesse da família pelo desempenho do aluno e atuar na construção de um ambiente escolar mais democrático. Segundo Rodrigues5, na maioria das escolas públicas a quantidade de encontros entre pais e professores não passa de um por semestre, ao passo que o CEFTI, confirmando seus esforços pela qualidade em gestão educacional, efetua, normalmente, quatro reuniões semestrais.
A transparência e a correta administração dos recursos oriundos de doações e outras fontes de arrecadação compõem o rol de inovação gerencial. Devido ao respaldo obtido pelo CEFTI
Consideram-se, ainda, as reuniões individuais por sala, que são realizadas na instituição com uma menor incidência, ocorrendo apenas uma vez
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Dados fornecidos pelo Prof. e Diretor Carlos Eduardo S. Rodrigues em entrevista concedida no próprio Centro, em Teresina, em maio de 2010.
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por bimestre. Nesse momento, os pais têm contato direto com os professores e usufruem da oportunidade de discutir sobre a evolução individual de seus filhos. Tal aspecto inovador é muito importante, já que, segundo Rodrigues6, são raras as escolas públicas que mantêm esse tipo de prática. A partir dessa perspectiva, o envolvimento familiar igualmente sofre um estreito acompanhamento no CEFTI. Dedicados com a vida extracurricular dos alunos, os professores e funcionários utilizam informações obtidas no meio social e na família para nortear as decisões que afetarão diretamente o aprendizado dos discentes. Isso pode ser exemplificado pelo rigoroso controle de frequência, pois que todos os dias a presença dos alunos é conferida, os faltosos são prontamente identificados e a instituição contata os pais para detectar o motivo da ausência. Além disso, ações estão sendo constantemente desenvolvidas para que os familiares frequentem mais o Centro, através da oferta de cursos nos finais de semana e da realização do Dia da Família na Escola, que, de acordo com Maciel (2010), ocorre uma vez por ano. Infere-se que as melhorias implementadas na gestão escolar do CEFTI podem ser vistas como mudanças que introduzem novos métodos de gerenciamento. Portanto, a Gestão Participativa reflete o aperfeiçoamento técnico dos colaboradores, a observância de uma reta conduta laboral, a transparên-
cia financeira, as reuniões pedagógicas e a participação efetiva dos familiares no cotidiano escolar.
4.2 Projetos Inovadores Executados Os projetos inovadores nas etapas de planejamento, implementação e avaliação de têm aplicabilidade consolidada no CEFTI, tornando-se parte integrante do processo de ensino-aprendizagem do corpo discente. Por meio dessa iniciativa, o Centro atingiu altos índices de aprovação dos alunos e nenhuma evasão escolar no ano de 2009. A seguir, descrevem-se algumas experiências no âmbito da inovação. Os planos apresentados são de natureza externa, quando traçados por órgãos que se preocupam com o desenvolvimento das escolas e de natureza interna, quando a elaboração é realizada pelos gestores, professores, funcionários e alunos da própria instituição.
4.2.1 Projetos Internos Dentre os programas internos desenvolvidos no CEFTI, destaca-se o Projeto Cidadania na Escola. Implantado em 2007, sobreveio quando o índice de violência no Bairro Renascença II, onde a escola se situa, cresceu em comparação aos anos anteriores. Tal fato provocou uma ação conjunta dos professores e do Conselho Escolar, no
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Dados fornecidos pelo Professor e Diretor Carlos Eduardo S. Rodrigues em entrevista concedida no próprio Centro, em Teresina, em maio de 2010. DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 95-107, jan./abr. 2011
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sentido de incluir nas atividades diárias debates sobre a cidadania. Através de trabalhos de leitura e interpretação de textos, exposição de vídeos, reflexão sobre letras de músicas, análise de gravuras e pinturas com relação à temática abordada, busca-se despertar na comunidade escolar um maior discernimento sobre o assunto. A principal dificuldade encontrada na efetivação desse projeto foi conscientizar os pais e a população das melhorias que poderiam ser introduzidas no bairro a partir da percepção de cidadania. Para isso, eventos foram realizados com o intuito de trazer toda a comunidade para dentro da escola e, assim, mostrar uma solução razoável para a crescente violência local, formando sujeitos mais críticos. Desse modo, uma vez por ano é realizado o Dia “D” da Cidadania, ocasião em que os pais e a comunidade são chamados a assistir à exposição de murais e cartazes produzidos pelos alunos, à encenação de peças, à apresentação de teatro de fantoches, às palestras sobre cidadania que são ministradas por professores e convidados. Coelho (2010) comenta que, no Dia do Estudante, são realizadas atividades semelhantes, proporcionando a aproximação das famílias ao cotidiano escolar de seus filhos e incentivando a formação de agentes responsáveis. O Projeto Vamos Prevenir o Uso das Drogas surgiu em 2007, conside-
rando a vulnerabilidade da localização do CEFTI. Segundo Calume7 (2010), por conta do elevado índice de violência e da apreensão de entorpecentes na periferia da cidade, onde está situada a instituição, decidiu-se promover uma ação contínua de prevenção ao uso de drogas. Essa iniciativa foi consolidada em razão da preocupação dos pais quanto ao desempenho escolar de seus filhos, através de palestras, cartazes, panfletos, murais, treinamento dos educadores e manifestações artísticas. Os diretores e os professores buscam não apenas conscientizar toda a comunidade escolar sobre essa problemática, mas também engajar as famílias nas ações promovidas pelo Centro. A partir daí, houve a desarticulação e transferência dos grupos de usuários de drogas que causavam transtornos ao ambiente escolar. Esses jovens, que frequentavam as aulas no período noturno, apresentavam sérios obstáculos à implantação do projeto, pois causavam inúmeros transtornos e manifestavam aversão à proposta apresentada. Os projetos inovadores delineados são de grande importância para os alunos, colaboradores e toda a comunidade, uma vez que propiciam uma percepção dos problemas que afetam o processo ensino-aprendizagem e atuam na formação de cidadãos mais comprometidos com o desenvolvimento educacional.
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Dados repassados pelo delegado Jefferson Calume do 8º Departamento de Polícia que atende a Região do Renascença, em entrevista ao portal de notícias acessepiaui, Teresina, em maio de 2010.
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4.2.2 Projetos Externos Os programas de natureza externa geralmente são disponibilizados para todas as escolas públicas, sendo que a participação está condicionada à clara manifestação de interesse por parte de cada instituição. Segundo Rodrigues8, no Estado do Piauí a adesão ainda é muito pequena, colocando o CEFTI numa posição superior por causa da iniciativa de implementação de projetos. Dentre eles destaca-se o Programa Mais Educação, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que proporciona aos alunos das escolas públicas, maior envolvimento em atividades extracurriculares, a fim de constituir uma estratégia para induzir a ampliação da jornada escolar e a otimização curricular. Essa ação, que envolve a contrapartida dos Governos Federal e Estadual, mobiliza ativamente o corpo docente e os alunos para a implementação desse projeto. Nesta parceria, o MEC responsabiliza-se pelo pagamento dos monitores que conduzirão as atividades, à medida que a escola disponibiliza o espaço físico e algum material que venha a ser necessário para a realização dos procedimentos. As dificuldades encontradas para a implementação desse projeto relacionam-se diretamente com os problemas que interferem nas redes públicas de ensino do Brasil, expondo claramente
sua ineficiência, como o analfabetismo, a distorção idade-série, a reprovação, a repetência e o abandono do curso em pleno período letivo. Para superá-los, o CEFTI promove o fortalecimento das lideranças e das equipes de trabalho na unidade escolar. Aliando-se a essa postura, foi adotado o Programa Gestão Nota 10, que aponta a solução da criação de escolas autônomas dentro da rede de ensino, geridas por diretores competentes. Além de oferecer capacitação e ferramentas gerenciais para esses profissionais, o projeto trabalha com indicadores que estabelecem metas a serem cumpridas pela escola, devidamente ajustadas a cada período letivo a partir dos resultados obtidos no ano anterior. As ações estão ligadas ao corpo diretivo do Centro e às equipes da Secretaria de Educação do Estado do Piauí. O programa propõe e avalia cursos que interferem ativamente na conduta dos professores e gestores. Ademais, procura-se oferecer todas as condições necessárias para a eficácia dos processos pedagógicos do Centro, incluindo princípios de gestão nas quatro esferas da educação formal: aprendizagem, ensino, rotina escolar e política educacional. A escola procura manter sempre sua proposta curricular atualizada com os projetos inovadores adotados, atentando para o nível de aprendizagem dos estudantes, o planejamento das
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Dados fornecidos pelo Prof. e Diretor Carlos Eduardo S. Rodrigues em entrevista concedida no próprio Centro, em Teresina, em maio de 2010. DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 95-107, jan./abr. 2011
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práticas pedagógicas, a reorganização dos ambientes e das atividades discentes. Outrossim, deve manter um monitoramento contínuo da qualidade da formação dos alunos e empenhar-se na participação de todos.
5 Conclusão Após a constatação das atividades desenvolvidas no Centro e da adequação dos padrões de gestão escolar vigentes, concluiu-se que os projetos internos e externos apresentados são importantes coadjuvantes na definição de um posicionamento inovador. A respeito de tal matéria, o CEFTI se diferencia de outras escolas regionais pelo excelente desempenho gerencial e pela permanente busca de novas perspectivas. Logo, a execução de práticas inovadoras contribui incisivamente para o êxito do planejamento escolar traçado, atuando no processo ensino-aprendizagem por meio da Gestão Participativa, da formação continuada dos colaboradores, bem como do envolvimento familiar e comunitário. A tomada de decisões conjuntas proporciona um maior comprometimento dos profissionais da educação e das pessoas, visto que passam a trabalhar associadamente nas deliberações, nas avaliações, na elaboração e na
execução dos objetivos e metas pedagógicos, orientando racionalmente os esforços que fortalecem a organização escolar. Na tentativa de revitalização do projeto pedagógico, as escolas entram em um processo de busca por constantes inovações, ocasionando o alcance dos índices das dimensões propostas pela UNESCO. A gestão democrática no âmbito da gestão escolar pública, exigida como princípio pela Constituição Federal e pela LDB, propicia o aparecimento de novas formas de administração, visando a garantia de decisões e participações coletivas. É por meio da Gestão Democrática que as escolas podem usufruir da sua experiência para melhor decidir e solucionar seus próprios problemas, tornando-se fonte de inovações organizacionais. Considera-se que o trabalho contribui de forma relevante na identificação das estratégias, projetos e aspectos da gestão inovadora no CEFTI. Por conseguinte, sugere-se às pesquisas afins o detalhamento de elementos presentes na cultura, na comunidade, no processo de inovação de instituições de ensino e nos comportamentos dos participantes, com relação aos incentivos e dificuldades que influenciam as práticas da gestão nas escolas.
6 Referências BRASIL. Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providencias. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil]. Brasília, DF, 10 jan. 2001.
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Gestão de Projetos: Uma forma de inovação na gestão de organizações que buscam vantagem competitiva Devanildo Braz da Silva*
Resumo: O presente artigo discute conceitualmente a gestão de projetos como uma forma de inovação na gestão. São apresentadas as características de um projeto e como ocorre sua gestão, bem como as etapas a serem observadas na elaboração e na gestão de um projeto. Por tratar-se de uma forma de inovação, a discussão tem o objetivo de fundamentar a contribuição da gestão de projetos para a obtenção de vantagem competitiva pela organização. É possível verificar que há relação da gestão de projetos com a vantagem competitiva, chegando-se a conclusão de que a correta gestão de projetos oferece para as organizações mais uma possibilidade de obter vantagem competitiva. Verifica-se também que é ampla a oferta de material bibliográfico acerca da gestão de projetos, sem, entretanto, diferenciar nos conceitos que a direcionam. Palavras-chave: Inovação; Projetos; Gestão de Projetos; Vantagem Competitiva.
Abstract: This article conceptually discusses project managing as an innovative way in managing. Characteristics of a project and how its management occurs are presented, as well as the steps to be considered while elaborating and managing a project. Because it is delt as a way of innovation, the discussion aims to found the contribution of project managing to the obtainment of competitive advantage through organization. It is possible to verify that there is a relation between project managing and competitive advantage, coming to the conclusion that the correct management of a projects offer companies an additional possibility to obtain competitive advantage. It is also verified that there are abundant bibliographic references on project managing; however, there are no distinction between their concepts. Keywords: Innovation; Projects; Project Managing; Competitive Advantage.
Sumário: 1 Introdução; 2 Referencial Teórico; 2.1 Conceitos e Características de um Projeto; 2.2 Gerenciamento de Projetos; 2.3 Áreas do Gerenciamento de Projetos; 2.4 Vantagem Competitiva; 3 Metodologia; 4 Gestão de Projetos x Vantagem Competitiva; 5 Conclusão; 6 Referências.
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Mestrando em Administração na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). devanildo. silva@ufms.br DESAFIO : R. Econ. e Adm. Campo Grande, MS, v. 12, n. 26, p. 109-120, jan./abr. 2011
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1 Introdução A gestão de projetos tem sido bastante estudada nos últimos tempos, tanto na área acadêmica, quanto por empresas especializadas. Isso ocorre pela necessidade detectada de se desenvolver um trabalho eficiente e eficaz, quando se tratar de um projeto, visto que um ótimo desenvolvimento de projetos agrega muito à organização, tanto na redução de custos, quanto na qualidade dos produtos ou serviços. Contudo, não se pode dizer que a gestão de projetos é aplicada corretamente e amplamente. Isso ocorre pelo desconhecimento, pelas empresas e gestores, do que é realmente um projeto e como deve ser gerido. Com isso, cabe aos gestores que queiram desenvolver atividades na forma de projetos, buscarem os conhecimentos necessários para a correta utilização dos processos de gestão de projetos. Nesse sentido, esclarecimentos sobre o que é ou não um projeto, suas etapas e como gerenciá-lo, são de fundamental importância, de modo a subsidiar os gestores das empresas ou órgão públicos no desenvolvimento das suas ações, maximizando os resultados e, com isso, obter ganhos para a organização. Conhecer um projeto passa, necessariamente, pelas etapas que o compõem, desde a concepção até a conclusão. Isso faz com que todas as etapas sejam realizadas em conformidade com o que se espera para que o resultado alcançado seja o desejado, sendo 110
mensuradas todas as variáveis que afetarão o andamento do projeto. Para que se obtenha eficiência no projeto, é necessário que a gestão corresponda àquilo que foi planejado na concepção. Para que isso ocorra, é de fundamental importância que a equipe do projeto seja competente e comprometida. Diante disso, é necessária a correta seleção dos membros, com especial atenção ao gerente do projeto. Destaca-se ainda que a gestão de projetos é uma forma da organização inovar na sua gestão, no seu modo de atuar no mercado, já que adquirir e manter vantagem competitiva, passa geralmente pela inovação por parte da organização, seja nos seus produtos, serviços, processos, na sua imagem ou mesmo na sua gestão. As conclusões deste artigo possibilitarão mais conhecimentos dos aspectos necessários para se elaborar e gerenciar um projeto, bem como as contribuições da gestão de projetos para que a organização obtenha vantagem competitiva.
2 Referencial Teórico 2.1 Conceitos e Características de um Projeto O projeto é definido por Maximiano (2002) como sendo “um empreendimento temporário ou uma sequência de atividades com começo meio e fim programados, que tem por objetivo fornecer um produto singular, dentro das restrições orçamentárias”.
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De acordo com Dinsmore (2003), “tudo no mundo dos negócios ou é um projeto ou está relacionado a um projeto”. Acrescenta ainda que projetos são iniciativas não repetitivas, empreendimentos únicos, com um começo e um fim. Oliveira (2003) diz que o projeto pode ser considerado como um trabalho com datas de início e término previamente estabelecidas, com coordenador responsável, resultado final predeterminado e no qual são alocados os recursos necessários para o seu desenvolvimento. Para Prado (2004) muitas pessoas relacionam projeto a eventos complexos e de longa duração, como o desenvolvimento de um software, a construção de uma hidrelétrica ou o lançamento de uma nave espacial. Para o autor, “quem pensa somente assim ficou parado na década de oitenta”. Isso porque, a partir da década de oitenta, as empresas se deram conta de que projetos são executados o tempo todo em suas instalações. Keelling (2002) lembra que há muitas e diferentes definições para projetos, mas ressalta que a adotada pelo PMI1 diz tudo: “um esforço temporário empreendido para criar um produto ou serviço único”. Ainda segundo o autor, isso faz com que o prazo do projeto seja limitado, haja uma data estipulada para a conclusão e um resultado diferente daquele produzido na rotina operacional. 1
De acordo com Vargas (2005), para se entender o que é gerenciamento de projetos, é importante que se saiba com clareza o que é um projeto. Para o autor: Projeto é um empreendimento não repetitivo, caracterizado por uma sequência clara e lógica de eventos, com início, meio e fim, que se destina a atingir um objetivo claro e definido, sendo conduzido por pessoas dentro dos parâmetros predefinidos de tempo, custo, recursos envolvidos e qualidade. Vargas (2005) ainda apresenta as características dos projetos, que são: a temporalidade, a individualidade do produto ou serviço a ser desenvolvido pelo projeto, a complexidade e a incerteza. Para Duffy (2006), “projeto é um trabalho a ser executado, com um objetivo final bem definido”. A autora diz ainda que nas empresas, projeto se refere a um conjunto de atividades correlacionadas, que envolve um grupo de pessoas, trabalhando conjuntamente para realizar algo de uma só vez, durante um certo período. Nas palavras de Gido e Clements (2007), “um projeto é um esforço para se atingir um objetivo específico por meio de um conjunto único de tarefas inter-relacionadas e da utilização de recursos”. De acordo com Costa (2008), todo projeto tem início, um meio e um tér-
Project Management Institute (Instituto de Administração de Projetos).
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mino; tem um gerente e uma equipe; tem premissas, escopo, cronograma, responsabilidades e orçamentos detalhados. Para Menezes (2008), as atividades desenvolvidas nas empresas são de dois tipos: rotineiras e projetos. As atividades rotineiras possuem ciclos curtos, são desenvolvidas por apenas um indivíduo, são bem conhecidas e não têm uma cronologia muito acentuada. Já as organizações cujas tarefas possuem elevada inovação, as tarefas são pouco ou quase nada rotineiras e as pessoas e os sistemas devem ser adaptados a isso. Ainda de acordo com o autor supracitado, a grande maioria das organizações encontra-se em estágio intermediário, com operações rotineiras e também atividades inovadoras. Para o autor: Essas atividades precisam ser separadas e geridas com metodologias e ferramentas diferentes e específicas. O ambiente inovador, repleto de incertezas, exige uma Administração de Projetos em que a concepção multidisciplinar e a gestão orientada para resultado possam ser devidamente aplicadas. Não há grandes distinções acerca da definição de um projeto e sua aplicação. Cabe à organização identificar as atividades que podem ser realizadas na forma de projeto e aplicar as etapas do gerenciamento de projetos, como forma de obter um resultado que atenda às necessidades com eficiência, o que ajudará na obtenção de vantagem competitiva pela organização. 112
2.2 Gerenciamento de Projetos Não basta conhecer o que é um projeto, há necessidade de gerenciá-lo, de forma que sua execução seja vantajosa para a organização. Para Maximiano (2002), “a administração de um projeto é o processo de tomar decisões que envolvem o uso de recursos, para realizar atividades temporárias, com o objetivo de fornecer um resultado”. Para Dinsmore (2003), o tema clássico do gerenciamento de projetos é a realização de tarefas dentro do cronograma e do orçamento e de acordo com padrões de qualidade. Para o autor, “as organizações que implementam com sucesso uma abordagem de projetos encontram reduções de custos através do menor retrabalho e de aumento nos lucros pelo término dentro do prazo”. Na visão de Oliveira (2003), a administração de projeto é o esforço no sentido da melhor alocação dos recursos, de forma a atingir os objetivos estabelecidos. De acordo com Prado (2004), “o gerenciamento de projetos está diretamente relacionado com a garantia de obtenção das metas das organizações”. Para ele, a boa prática do gerenciamento de projetos, aliada as outras práticas gerenciais, produz efeitos expressivos e esta é uma característica marcante do gerenciamento de projetos; ele sempre atua em parceria com outras técnicas. Prado (2004) apresenta também a definição do gerenciamento de projetos com base no PMI, que assim define; “gerenciamento de projetos é a apli-
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cação de conhecimentos, experiências, ferramentas e técnicas às atividades do projeto a fim de atingir ou exceder as expectativas das partes interessadas/ partes envolvidas (stakeholders)”. Para Keelling (2002), o projeto dever ter foco gerencial. Para o autor, “a gestão de projetos concentra-se no prazo essencialmente limitado do ciclo de vida do projeto, no dia-a-dia e no progresso passo a passo”. Nas palavras de Vargas (2005), “o gerenciamento de projetos pode ser aplicado a qualquer situação onde exista um empreendimento que foge ao que é fixo e rotineiro na empresa”. Para o autor, o sucesso da gestão de projetos está intimamente ligado ao sucesso com que as atividades são relacionadas e realizadas. Ainda de acordo com o autor supracitado, um projeto bem sucedido é aquele que é realizado conforme o planejado. Isso porque mesmo que a empresa consuma menos que o previsto, por exemplo, sob a ótica do gerenciamento de projetos, houve uma falha no planejamento que permitiu que os recursos fossem superestimados. Vargas (2005) ainda afirma que “o gerenciamento de projetos proporciona inúmeras vantagens sobre as demais formas de gerenciamento, tendo se mostrado eficaz em conseguir os resultados desejados dentro do prazo e do orçamento definido pela organização”. Para o autor, a principal vantagem do gerenciamento de projetos é que ele não é restrito a projetos gigantescos, ele pode ser aplicado em empreendi-
mentos de qualquer complexidade, orçamento e tamanho, em qualquer linha de negócio. Gido e Clements (2007) resumem a gestão de um projeto como sendo “planejar o trabalho e depois executar o plano”. Para eles, gestão de projeto envolve primeiro um processo de estabelecer um plano e depois implementar esse plano para atingir o objetivo do projeto. Ainda segundo os autores supracitados, o esforço inicial na gestão de um projeto deve se concentrar no estabelecimento de um plano-base que contém um esquema mostrando como seu escopo será concluído dentro do prazo e de acordo com o orçamento que foi realizado. Para Menezes (2008), o objetivo da administração de projetos é alcançar controle adequado do projeto, de modo a garantir sua conclusão no prazo e orçamentos determinados, obtendo a qualidade estipulada.
2.3 Áreas do Gerenciamento de Projetos São várias as áreas do gerenciamento de projetos que devem ser cuidadosamente planejadas e implementadas, de forma a obter um resultado que atenda aos objetivos propostos e gere também uma gestão eficiente e eficaz, consequentemente levando a organização a obter vantagem competitiva. Maximiano (2002) apresenta nove áreas do gerenciamento de projetos, baseado no Guia PMBOK2 2000. São
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elas: administração da integração, administração do escopo, administração do tempo, administração dos custos, administração da qualidade, administração de recursos humanos, administração das comunicações, administração de riscos e administração de suprimentos. Para Dinsmore (2003) as áreas do gerenciamento de projetos são: integração, escopo, prazo, custos, qualidade, comunicações, recursos humanos, contratos/suprimento e riscos. Prado (2004) apresenta os processos e as áreas mais conhecidos no gerenciamento de projetos. Para o autor, os processos são: inicialização, planejamento, execução, controle e encerramento. Já as áreas são: tempo, custo, qualidade, escopo, integração, comunicações, recursos humanos, risco, suprimentos e contratação. Vargas (2005) organiza os processos do gerenciamento de projetos em nove áreas. Para o autor, “cada um desses processos tem um detalhamento específico e uma abrangência própria, porém está integrado, a todo momento, com os demais, formando um todo único e organizado”. As áreas são: gerenciamento da integração, gerenciamento de escopo, gerenciamento de tempo, gerenciamento de custos, gerenciamento da qualidade, gerenciamento de recursos humanos, gerenciamento das comunicações, gerenciamento de riscos e gerenciamento das aquisições.
De acordo com Costa (2007), são dez macrovariáveis que devem ser administradas em uma gestão integrada de um projeto. São elas: gestão das premissas, gestão da integração, gestão do escopo, gestão do tempo, gestão do custo, gestão da qualidade, gestão dos recursos humanos, gestão das comunicações, gestão dos riscos e gestão das aquisições. Já Menezes (2008) não trata das áreas de gestão do projeto, mas apresenta alguns macroprocessos que são necessários ao desenvolvimento de um projeto. Para o autor, “o desenvolvimento de um projeto ocorre mediante vários processos básicos que se sobrepõem”. Esses processos são: de concepção (ou inicialização), de planejamento, de execução, de controle e de fechamento (ou conclusão). Observa-se que são várias as denominações para as etapas/áreas que devem ser observados no desenvolvimento de um projeto, de forma que ele seja planejado e realizado e cumpra seus objetivos e necessidades dos seus stakeholders. Alguns autores já partem para os processos que estão inseridos nestas áreas, sem apresentar de uma forma mais ampla cada área, que seriam os macroprocessos, para depois partir para os processos, que seriam os microprocessos. A seguir são apresentadas as áreas do gerenciamento de projetos propostas pelo Guia PMBOK 3ª edição (2003) e apresentadas por Vargas (2005).
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O Guia PMBOK contém as diretrizes para o gerenciamento de projetos. É editado pelo PMI, que é referência mundial em gerenciamento de projetos.
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• Gerenciamento da Integração: o gerenciamento da integração é a área central do gerenciamento de projetos e consiste em garantir que todas as demais áreas estejam integradas em um todo. • Gerenciamento do Escopo: o gerenciamento do escopo tem como objetivo principal definir e controlar os trabalhos a serem realizados pelo projeto, de modo a garantir que o produto ou serviço desejado seja obtido com o mínimo de trabalho possível. • Gerenciamento do Tempo: o gerenciamento do tempo, juntamente com o gerenciamento de custos, são as mais visíveis áreas do gerenciamento de projeto. O principal objetivo do gerenciamento do tempo é garantir que o projeto seja concluído dentro do prazo estipulado. • Gerenciamento de Custos: o gerenciamento de custos tem por objetivo garantir que o capital disponível será suficiente para obter todos os recursos para se realizarem os trabalhos do projeto. • Gerenciamento da Qualidade: o objetivo mais importante dessa área é garantir que o projeto será concluído dentro da qualidade desejada, garantindo a satisfação das necessidades de todos os envolvidos. • Gerenciamento de Recursos Humanos: o gerenciamento dos recursos humanos tem como obje-
tivo central fazer o melhor uso dos indivíduos envolvidos no projeto. Todos os resultados do projeto podem ser vistos como fruto das relações humanas e das habilidades interpessoais dos envolvidos. O sucesso ou o fracasso do projeto dependem diretamente do gerenciamento dos recursos humanos, pois as pessoas podem influenciar no sucesso ou no fracasso do projeto e também porque os problemas do projeto somente podem ser resolvidos por pessoas. • Gerenciamento das Comunicações: um processo efetivo de comunicação é necessário para garantir que todas as informações desejadas cheguem às pessoas corretas no tempo certo e de uma maneira viável. • Gerenciamento de Riscos: o gerenciamento de riscos possibilita a melhor compreensão da natureza do projeto, envolvendo os membros de modo a identificar e responder os potenciais riscos do projeto. O que faz a gestão dos riscos se tornar tão importante são fatores diversos, como o aumento da competitividade, o avanço tecnológico e as condições econômicas, que fazem com que os riscos assumam proporções incontroláveis. • Gerenciamento das Aquisições: o gerenciamento das aquisições tem como objetivo dar garantia ao projeto de que todo elemento
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externo participante do projeto irá garantir o fornecimento de seu produto ou serviço para o projeto. As estratégias para aquisições variam de empresa para empresa, podendo ser de responsabilidade da área de compras da empresa ou do próprio projeto.
2.4 Vantagem Competitiva De acordo com Pina (1994) a vantagem competitiva só é possível quando os compradores percebem valor nos produtos e serviços ofertados pela empresa. Ressalta ainda que custo baixo, produtividade nos processos, inovação nos produtos, organização criativa, qualidade no produto, entre outros, são exemplos de vantagem competitiva. Já Porter (1999) diz que apenas as próprias empresas são capazes de conquistar e sustentar a vantagem competitiva. Isso é conquistado, fundamentalmente, com inovação, que exige liderança na criação de um ambiente dinâmico e desafiador. Para Oliveira (2003), “a vantagem competitiva de uma empresa pode ser resultado do ambiente onde ela opera, da situação geral da empresa, bem como da postura de atuação de sua administração”. Ressalta ainda que para uma empresa ser eficaz no mercado, ela deve ter significativa vantagem competitiva. Para a obtenção da vantagem competitiva, Porter (2004) defende o uso de três estratégias genéricas (liderança no 116
custo total, diferenciação e enfoque), que podem ser utilizadas isoladamente ou se complementando, de forma a enfrentar as cinco forças competitivas (entrantes potenciais, concorrentes, fornecedores, compradores e bens substitutos), objetivando superar as outras empresas. De acordo com Prado (2004), em um mercado globalizado com dezenas de ofertas para cada tipo de produto, é o cliente que dita o sucesso das organizações. Para o autor: Isso tem levado as empresas a viverem em permanente estado de mudança, seja lançando um novo produto ou melhorando o atual, seja efetuando uma ampliação ou mudança na linha de produção, seja efetuando mudanças administrativas, reestruturações, construção de novas fábricas, etc. Na visão do autor supracitado, todas essas mudanças têm o objetivo de tornar a empresa mais competitiva e destaca ainda que cada mudança é um empreendimento ou projeto, ou seja, esforço temporário com a finalidade de criar um produto, serviço ou resultado com características próprias que o diferenciam dos demais. De acordo com Costa (2007), um dos primeiros pontos a serem observados no direcionamento estratégico é uma avaliação da competitividade da organização. A competitividade é definida “como o resultado – positivo ou negativo – de um confronto real ou potencial, atual ou futuro, da empresa ou instituição, com seus concorrentes
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reais ou potenciais, em uma disputa pela preferência da sua clientela ou público-alvo”. Costa (2007) ainda relata que “formalmente, chama-se de estratégia competitiva aquilo que um fornecedor decide fazer para que, na mente dos clientes ou consumidores, seus produtos ou serviços tenham alguma distinção e mereçam a preferência deles”. Para Hitt, Ireland e Hoskisson (2008), “uma empresa tem vantagem competitiva quando implementa uma estratégia que os concorrentes não conseguem copiar ou acham custosa demais para imitar”. Ressaltam ainda que nenhuma vantagem competitiva é permanente. Nas palavras de Oliveira (2009), “vantagem competitiva é aquele algo mais que identifica os produtos e serviços e os mercados para os quais a empresa está, efetivamente, capacitada a atuar de forma diferenciada”. O autor destaca ainda que se uma empresa quiser ser eficaz no mercado, deve ter significativa vantagem competitiva. Essa vantagem competitiva pode ser o resultado do ambiente onde ela opera, da situação geral da empresa, bem como da postura de atuação da sua alta administração.
3 Metodologia De acordo com Vergara (2009), há vários tipos de pesquisa, conforme os critérios utilizados pelos autores, sendo dois os básicos: quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins pode ser: exploratória, descritiva, explicativa,
metodológica, aplicada ou intervencionista. Já quanto aos meios, pode ser: pesquisa de campo, pesquisa de laboratório, documental, bibliográfica, experimental, ex post facto, participante, pesquisa-ação ou estudo de caso. A realização do presente artigo adota a metodologia baseada nos critérios definidos por Vergara (2009), sendo classificada quanto aos meios como pesquisa bibliográfica e quanto aos fins, como pesquisa explicativa. Como fonte bibliográfica, optou-se pela utilização de livros que tratam dos temas em estudo, a gestão de projetos e a vantagem competitiva, para explicar a obtenção da vantagem competitiva por meio da gestão de projetos. Por sua vez, sendo a pesquisa explicativa, a partir das informações obtidas por meio das pesquisas bibliográficas, buscar-se-á explicar como a gestão de projetos pode contribuir para que a organização obtenha vantagem competitiva.
4 Gestão de Projetos x Vantagem Competitiva Como a vantagem competitiva é obtida pela organização perante seus concorrentes e com essa vantagem sendo evidenciada pela escolha dos clientes, deixando os seus concorrentes em segundo plano, a gestão de projetos pode contribuir para sua obtenção, visto que com a eficiente aplicação dos mecanismos de gerenciamento de projetos, é possível para a empresa reduzir custos, aumentar a qualidade, melhorar seus processos administrativos, de pro-
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dução, venda e distribuição e com isso ganhar a confiança dos seus clientes. Ressalta-se que a obtenção da vantagem competitiva pela organização não é referente tão somente aos aspectos internos, sendo necessária a percepção pelo cliente de que a empresa é a melhor para ele adquirir seu produto ou serviço. Nesse sentido, a gestão de projetos pode ajudar não só empresas que tem um processo organizacional que precisa de metodologias novas para poder competir no mercado, como também para transmitir aos clientes a qualidades dos produtos e serviços ofertados pela organização. No sentido de melhoria do processo organizacional a gestão de projetos pode ser efetivada com o objetivo de reduzir custos, melhorar a qualidade, aumentar a produtividade, bem como outras atividades que visem a melhoria organizacional, buscando a obtenção de vantagem competitiva pela organização. Em relação à transmissão ao cliente da qualidade dos produtos e serviços ofertados, a empresa pode trabalhar um plano de marketing, que englobe algumas técnicas, como publicidade, propaganda, bem como outras formas de informar o público das qualidades e vantagens em adquirir os produto ou serviços que a empresa tem a oferecer. Vale ressaltar que o projeto é uma atividade temporária, com começo e fim definidos, sendo a sua implementação e gestão dependentes da capacidade dos gestores das organizações em identificar as atividades ou processos que podem ser desenvolvidos na forma 118
de projeto. Para isso é necessária a capacitação dos gestores, para que detenham o conhecimento necessário para identificar o que pode ser trabalhado como projeto, como também elaborá-lo e executá-lo, buscando a melhoria nos seus processos, redução de custos e dos demais benefícios que pode trazer para a empresa, ganhando com isso a vantagem competitiva. O desenvolvimento de um projeto na empresa pode ser tanto em algum processo específico ou alguma linha de produção, como também para a reformulação da empresa como um todo. Seja qual for a abrangência, a equipe do projeto deve estar bem preparada e conhecer os objetivos propostos, para que o projeto seja realizado da melhor forma possível. Diante disso, verifica-se que é grande a contribuição que a gestão de projetos traz para a empresa obter vantagem competitiva. Para isso é necessário que os gestores da empresa trabalhem a gestão de projetos seguindo os preceitos do gerenciamento de projetos, nos modelos propostos pelos diversos autores, que estudam o gerenciamento de projetos e apresentam para as empresas as técnicas e ferramentas a serem observadas para um gerenciamento de projetos de forma correta. Não se deve entender que a empresa só obterá vantagem competitiva se adotar a gestão de projetos, mas que as organizações que souberem identificar o que pode ser desenvolvido na forma de projeto e gerenciá-lo de forma adequada, ganhará em economia de tempo, de recursos, aumento da qualidade
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e isso faz com que seus clientes prefiram seus produtos ou serviços, obtendo vantagem competitiva. Por fim, ressalta-se a necessidade de capacitação dos gestores e membros da equipe de projetos, para efetuar uma correta gestão de projetos, pois somente implementar um projeto não garante que ele dará o resultado que a organização espera, podendo até trazer prejuízos, o que não favorece na obtenção da vantagem competitiva.
5 Conclusão No presente artigo podemos perceber que nem todas as atividades de uma organização podem ser trabalhadas na forma de projeto. Isso porque o projeto é um esforço temporário e aquelas atividades ou processos rotineiros da organização não podem ser desenvolvidos sob a forma de projeto. Foram também verificadas as etapas a serem consideradas na elaboração de um projeto, como delimitação do trabalho a ser realizado (escopo), custos, riscos, qualidade, entre outros aspectos que são de fundamental importância para a elaboração de um bom projeto. Um dos pontos mais importantes destacados é a necessidade de uma correta gestão de todos os aspectos levantados na fase de elaboração, bem como das correções que se fizerem necessárias, para que o projeto possa atingir seus objetivos. Com as informações constantes no presente artigo é possível que qualquer
leitor tenha conhecimento do que é um projeto, como ele deve ser elaborado e posteriormente gerenciado e pensando estrategicamente. Está demonstrado que a gestão de projetos pode contribuir para que a organização obtenha vantagem competitiva. Foi possível, no presente artigo, apresentar os conhecimentos e habilidades que as organizações necessitam para obter sucesso na elaboração e na gestão de projetos e também como isso pode contribuir para a obtenção da vantagem competitiva. Cabe ressaltar que a bibliografia sobre a gestão de projetos é extensa. Entretanto, não há muita diferença na abordagem de cada uma delas. Isso porque quase tudo que se publica referente ao gerenciamento de projetos é elaborado seguindo os parâmetros do PMBOK, editado pelo PMI – Project Management Institute, o Instituto de Gerenciamento de Projetos. Pode-se dizer que a organização, seja ela pública ou privada, pode desenvolver suas atividades, no todo ou parcialmente, sob a forma de projeto. Para isso, é fundamental que os gestores estejam capacitados e os membros comprometidos. Essa capacitação e esse comprometimento podem ser obtidos por meio de treinamentos e cursos, bem como da utilização de material bibliográfico, que é vasto. É importante destacar também que há consultorias, sejam empresas ou autônomas, que podem ajudar a organização a implementar e até mesmo desenvolver a gestão de projetos, dando todo
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o embasamento necessário e acompanhando, conforme for contratado.
sional ou equipe para esse desenvolvimento inicial.
Cabe aos gestores da organização decidir qual é a melhor forma de ingressar ou mesmo aperfeiçoar a gestão de projetos, seja com a contratação de um especialista para atuar na empresa, seja com o treinamento através de cursos ou mesmo contratando um profis-
Por fim, vale ressaltar que até mesmo a adoção da gestão de projetos, ou seja, a sua implementação, pode se desenvolvida na forma de um projeto, sendo adotados todos os procedimentos de capacitação para o seu desenvolvimento pela organização.
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