Jadir lessa

Page 18

na busca de um ideal transcendente. Acreditava-se que ser estóico era o mesmo que ser católico, e que, para os estóicos, ser ético era viver como um aprendiz de santo, que nega as paixões imanentes para afirmar uma razão transcendente. A visão do estoicismo apresentada por Deleuze instiga o leitor a libertar-se da subordinação ao moralismo e desejar trilhar o caminho da ética para tornar-se ético pelo prazer de ser ético e não apenas para cumprir um dever ou uma obrigação social. Os estóicos promoveram uma verdadeira reversão do platonismo. Para eles, só os corpos existem, e os corpos são sempre causas, uns em relação aos outros. São causas quando agem e são causas quando padecem. Um corpo nunca é efeito de outro corpo. Um corpo quando age é sempre uma causa ativa e quando padece é sempre uma causa passiva. Ser ético, segundo os estóicos, é valorizar os acontecimentos enquanto efeito do encontro dos corpos, e não os corpos em si. Quem passa a encarar seus relacionamentos com esse enfoque, aprende a escolher melhor os encontros e a afirmar tudo o que lhe acontece.

O encontro afetivo em Spinoza: por uma ética da alegria de viver Conta-nos Deleuze (2002, p. 10) que “Baruch de Spinoza nasceu no seio de uma família de comerciantes prósperos, de origem espanhola ou portuguesa, no bairro judeu de Amsterdã”, a cidade européia mais liberal de sua época. Apesar desse liberalismo, o pensamento vigoroso de Spinoza, repleto de idéias revolucionárias, despertou grande polêmica no mundo acadêmico e uma frontal oposição na comunidade religiosa, tanto devido ao questionamento dos conceitos teóricos quanto por suas atitudes de contestação ao autoritarismo dos valores morais e religiosos. A situação foi tão grave que Spinoza quase teve o mesmo destino de seu vizinho Giordano Bruno, que foi queimado nas fogueiras da “Santa Inquisição”. É o mesmo Deleuze (idem, p. 11) quem afirma que “se Spinoza foi condenado mais severamente, excomungado desde 1656 e demitido da universidade, é porque recusava a penitenciar-se e buscava, ele próprio, a ruptura. Os rabinos, como em outros casos, parecem ter desejado uma conciliação”. Para evitar as queimaduras Spinoza mudou-se para o interior, após padecer com a intolerância de seus opositores. Refugiou-se no campo, aparentemente abandonando a atividade filosofal, tornando-se um competente polidor de lentes. Por trás desse disfarce continuou, secretamente, escrevendo e lecionando filosofia no porão da casa onde morava, com o firme propósito de se manter no ativo processo de libertação, porque seu projeto de 18


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.