Jornal Plástico Bolha #29

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ENTREVISTA

por Aline Miranda

Zélia Duncan: Entre letras e canções Ela é mutante, transforma-se em outras, muitas e sempre. A música é a base onde cria e se recria. Nascida em Niterói (RJ), morou também em Brasília (DF), onde iniciou a carreira de cantora. Desde então são nove CDs lançados, três DVDs, além de projetos como Mutantes ao vivo e a parceria com a cantora Simone em Amigo é casa. Em setembro de 2010, recebeu o Prêmio da música brasileira (21.ª edição), pelo qual foi vencedora na categoria “Melhor cantora Pop/Rock/Reggae/Hip Hop/Funk”. Zélia Duncan é a doce surpresa que vive no Rio de Janeiro, onde, além de cantar, compõe, pratica corrida e cursa Letras na Universidade Cândido Mendes. Zélia, de onde veio a vontade de cursar Letras? Ler é uma herança familiar, algo cultivado em casa. Com o passar do tempo, a vontade de dirigir um pouco isso e aprender outros universos foi ficando forte. O que essa escolha lhe trouxe de enriquecimento pessoal e/ou profissional? É difícil conciliar a faculdade com a carreira? Não estou na faculdade para ser uma artista melhor, porque isso não existe — “ninguém aprende samba no colégio”. Mas é algo que me dá imenso prazer mesmo. É tudo confuso às vezes. Esta semana não consegui ir à aula, ontem foi a entrega do prêmio e cheguei tarde. Como demoro a dormir, de manhã precisei descansar. Você tem muitas parcerias em composições: como na poderosa “Pagu”, com Rita Lee, e na doce “Sinto encanto”, com o Moska. Como ocorre esse processo: existe alguma preferência em fazer letra ou música? Quase sempre faço as letras; é mais fluido pra mim. Mas minha parte em “Pagu” foi a música; acontece também. Você tem alguma música sua preferida, que a faça sorrir quando toca no rádio? Isso varia; tem a ver com fases. Me ouvir no rádio é bem legal, porque sei que estou ouvindo junto com um monte de gente; tem um sabor mais quente. O show Eu me transformo em outras (em que você interpreta grandes vozes e autores que marcaram sua vida) era um projeto antigo? Sim. Não tinha nome; só um desejo de imprimir essas influências. Posteriormente foi gravado o DVD desse trabalho, lindíssimo e muito bem cuidado, na noite silenciosa e nostálgica do centro do Rio. Como chegaram ao Centro Cultural Carioca?

O show nasceu ali. Gosto de rechear o que faço de significados, mesmo que só para mim; mas me alimento disso. Aquele lugar me recebeu, acolheu essa ideia e eu cismei de gravar ali. Oscar Rodrigues Alves foi muito feliz na direção. Nos extras desse DVD, você conta que gravaria a canção “O habitat da felicidade” mesmo se ela só contivesse o verso “Felicidade não precisa de culpa”. Por quê? Porque a gente carrega o peso do mundo! Porque eu ralo muito e sei das dificuldades. Por causa disso, muitas vezes não comemoro as coisas como deveria, porque sinto uma culpa de estar feliz de vez em quando. Mas isso é besteira; temos que vibrar com nossas vitórias. A felicidade é mais um caminho do que um fim.

essa porteira da diversificação, dos parceiros diferentes, produtores e músicos novos para mim, e acho que vou ser sempre assim. Isso me revigora, me dá frescor, me faz querer continuar. Quais seus autores preferidos? Clarice Lispector e Machado de Assis são meus clássicos. Amo poesia. Pessoa e Drummond, junto com Hilda Hilst, sempre me acompanham. Mas adoro Kafka, Rilke, Philip Roth, recentemente, e mais um tanto. Divulgação

Seu último CD, Pelo sabor do gesto (com produção delicada de John Ulhoa e Beto Villares) é uma riqueza de pequenos detalhes, com um zelo especial em cada parte da produção do disco. Como você participa das escolhas? O que lamento com o fim desse formato é que perdemos justamente o prazer do roteiro. Certamente não é por acaso; tudo ali é pensado em termos da ordem. Eu estou ali tentando contar uma história. Eu participo de tudo o que diz respeito a repertório, sempre. Meus trabalhos estão sempre impregnados dos meus pensamentos e das minhas escolhas. Como é para você, depois de tantos trabalhos, descobrir uma nova forma de expressar sua musicalidade, a libras (língua brasileira de sinais)? Como aprendeu? Foi uma ideia da minha querida diretora desse show, a superatriz Ana Beatriz Nogueira, que vibrou muito na criação do roteiro para o palco, que já é outra coisa. Eu aprendi só para esse momento, na música “Todos os verbos”, mas me enche de entusiasmo fazer aquilo. É muito importante olhar as coisas, valorizar o que não está no nosso mundo mas é o mundo do outro, que acaba nos completando também. Você já cantou Leminski (“Dor elegante”). Sente que agora esse poema também lhe pertence? Gosta do encontro entre as diversas manifestações artísticas? Foi meu mestre Itamar Assumpção que me convidou para cantar essa parceria dos dois pela primeira vez, no álbum intitulado Pretobrás. Depois regravei com Naná Vasconcelos no Pré pós tudo. Sempre me comove; tenho muitos motivos para ser grata a essa canção. Eu abri

No curso de Letras, o que você tem gostado mais de estudar e ler? Gosto de Teoria Literária. Adoraria ter tempo pra mergulhar nisso. Fico fascinada com certos textos; nunca pensei que me adaptaria aos mais acadêmicos, mas me pego delirando com muitos deles. Existe algum poema ou personagem da literatura que a tenha marcado de forma especial? Sim; Dom Quixote e os personagens das letras de Luiz Tatit. Se não fosse cantora, o que seria: poeta, atleta? Cantora frustrada!

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