Mímesis e Ficção

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Bianca Campello

tantivamente sempre como velha) e uma vez por furrundu12 e outra por pretura13. No primeiro caso, a palavra surge em fala do “onço”, líder do ataque: “O nosso banquete vai começar pela sobremesa. O furrundu está dizendo que não aguenta mais e vai descer...” (MONTEIRO LOBATO, 1986, p. 46). A segunda ocorrência situa-se numa fala de Emília, quando ela pede presentes como paga pela ideia que salvou os habitantes do sítio do ataque das onças. A atitude é coerente com o espírito anárquico e contestador da personagem, que em palavras e atitudes é desrespeitosa até mesmo com Dona Benta, a autoridade máxima do sítio. E é Emília a única personagem que se refere a Tia Nastácia por características físicas relativas a sua etnia (cor da pele, formato dos lábios) — referências que, em Caçadas de Pedrinho, ocorrem apenas no uso mencionado. Constatado que apenas uma passagem realmente configura a associação mencionada na denúncia, convém analisála. A associação entre os povos de etnia negra com macacos foi, historicamente, usada para denegrir a imagem do negro, como forma de calúnia e humilhação. Entretanto, esse não parece ser o caso de Lobato. Se observados dois elementos anteriores à cena em que Tia Nastácia é relacionada a um macaco que escala uma árvore, constatar-se-á que a associação enfatiza a habilidade e a agilidade inesperadas da 12. Furrundu é o nome de um doce feito a partir do mamão e da rapadura. 13. “— E você, pretura?” (MONTEIRO LOBATO, 1986, p. 47)

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