Livro comemorativo dos 80 anos de fundação do PEN Clube do Brasil

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essa estranha luta de classes que se instalou dentro da crítica é uma questão sem maior relevância. Pois importa reconhecer que um escritor se afirma quando dispõe da realidade e é capaz de manifestar essa realidade, ao invés de apenas reproduzi-la. A verdadeira dimensão do escritor reside na capacidade de deixar a realidade ser em toda sua plenitude. Nós sabemos que a realidade é o real e mais todo aquele conjunto de coisas que formam o contorno do real. E que, às vezes, por uma deficiência de perspectiva crítica, pensamos que se localizam no exterior do real, quando, na verdade, estão dentro do próprio real. Para que o escritor se imponha, ou seja, para que ele manifeste a realidade em toda sua plenitude, parece-nos que ele deve estar sensível ou manter-se atento diante do caráter transideológico da realidade. A realidade não cabe no espaço de nenhuma ideologia particular, isto porque as ideologias deformam a realidade na medida em que se ligam a ela apenas nos limites de uma relação predicativa. Só a arte, só as criações globais são capazes de revelar-nos a estrutura aberta da realidade. A arte, a reflexão, a religião, o mito são criações abertas. É de posse, portanto, dessa compreensão nada sectária e transideológica da realidade que o escritor pode ser e deve ser um servidor da paz, no sentido em que o PEN Clube tanto prega e por que tanto luta. E a paz não é, senão, o que eu chamaria a conquista da convivência. A única conquista possível ou a única forma de conquista que deve ser louvada e aplaudida é exatamente a conquista da convivência. Porque ela é aquela que se funda no respeito ao outro, que não pode viver sem o outro, que sabe que o outro faz parte de nós mesmos e que nós não somos capazes de articular ou de organizar a nossa peripécia existencial sem a cumplicidade do outro. Aqueles que se isolam porque simplesmente pensam que o sujeito pode viver só apenas se candidatam ao suicídio. A um suicídio talvez mais grave do que o suicídio real, concreto, aquele suicídio que se pratica sem saber, na omissão, no alheamento. Assim, por todas essas razões, o Brasil se sente muito feliz por ter abrigado

apenas um instrumento de que nos servimos para a comunicação, como, às vezes, costumam pensar os gramáticos. A linguagem não tem apenas a função de veículo transmissor de informações. A linguagem é particularmente o espaço do acontecimento humano. Neste sentido, o escritor é, portanto, alguém que, embora extremamente vulnerável, extremamente frágil diante de um conjunto de valores que caracterizam nosso tempo, repentinamente, ressurge forte dentro da sua fragilidade, porque pode exercer a linguagem radicalmente. Ora, este exercício da linguagem é e deve ser um ato de liberdade que envolve o homem e o seu fazer. Mas nós precisamos entender que a liberdade não é uma coisa pronta, não é uma conquista acabada, não é algo que se incorpora definitivamente a nós. A liberdade é uma conquista diária, permanente, cotidiana, difícil, áspera, mas extremamente compensadora. Nós precisamos, portanto, nos unir. E devemos, em função dessa necessidade, prestigiar o PEN Clube, que já realiza esta tarefa com muito esforço, congregando, no empenho do projeto, grandes escritores e escritores mais ou menos grandes. Temos muita dificuldade em empreender esta distinção e, como disse muito bem Mario Vargas Llosa, só conseguimos construir uma comunidade realmente coesa e produtiva se formos capazes de compor uma espécie de pluralismo criador. Essas diferentes pessoas, por menores que pareçam à crítica, podem, repentinamente, desempenhar um papel extremamente importante e profícuo. E, para ilustrar essa possibilidade, gostaríamos de lembrar a existência de exemplos na História da Literatura Universal. Pois há casos de grandes escritores que foram influenciados por escritores menores. T. S. Eliot publicou um trabalho famoso sobre isso e, provavelmente, a história do Simbolismo francês indique a influência que Edgar Allan Poe exerceu em relação a alguns autores, sobretudo Baudelaire, que é, sem dúvida, um poeta bem superior a Poe. Da forma que pensamos esse conceito, essa classificação sobre grandes e pequenos escritores,

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