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ENTRE BATUQUES E TAMBORES: O PROTAGONISMO DAS MULHERES NEGRAS NO

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REFERÊNCIAS

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Candombl

Quando decidimos utilizar essse produto didático para falarmos de mulheres negras na História do Brasil, não pensávamos em fazer apenas uma singela homenagem. Queríamos que quem tivesse acesso a esse material conhecesse o quanto essas figuras negras e esses nomes são imprescindíveis quando falamos da resistência da população negra e da construção da nossa identidade enquanto brasileiros(as). Dito isso, escolhemos abordar em um dos primeiros tópicos, a questão religiosa e como as mulheres dentro de uma das religiões de matrizes afro-brasileiras contribuíram para essa construção. Em primeiro lugar, é importante entender a influência da herança africana, isso porque no continente africano as mulheres não estavam condicionadas aos afazeres domésticos, elas tinham uma vida pública, negociavam no mercado, lideravam povos, eram funcionárias de palácios e exerciam uma representação feminina muito diferente do padrão europeu, em que as mulheres eram mantidas na privacidade doméstica. Sendo assim, mesmo quando foram cruelmente tiradas dos seus lares, suas vidas e funções para ser escravizadas aqui no Brasil, a feminilidade africana as acompanhava e isso se refletiu também na religião. Utilizaremos aqui o exemplo do candomblé, que incialmente era praticado de forma velada, visto que o Estado brasileiro ainda não era laico. Mas, graças as mães de santo que resistiram em suas comunidades, no final do século XIX, mesmo sob uma realidade que o Historiador Sidney Chalhoub intitula de “liberdade precária”, pois apesar da população negra conseguir a alforria, ainda viviam um constante estado de insegurança. É preciso lembrar que o “sistema escravista foi muito mais do que um sistema econômico e social: moldou condutas, definiu desigual- dades sociais, fez de raça e cor marcadores de obediência e criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia muito estrita" (SCHWARCZ, 2019, p. 27- 28). Mas isso não impediu essas mulheres de lutarem. Enfrentando um sistema racista e paternalista, que gerava a marginalização da religião, dos costumes e da identidade de modo geral de pessoas pretas ex-escravizadas, elas conseguiram ganhar notoriedade na sua luta para proclamar a sua fé e crença, sem violência da população e da polícia. Assim começaram a aparecer nos jornais, sempre nas figuras de liderança. Também utilizaram de muita astúcia na luta e na resistência, isso era visto quando chamavam intelectuais e políticos para visitarem os terreiros. Depois criaram uma instituição de cargos para esses que frequentavam a comunidade, mas claro que nunca abriram mão da liderança, pois carregavam com muita responsabilidade e afeto o papel que desempenhavam. Com essa breve contextualização, fica claro portanto que as mulheres africanas e afrobrasileiras tiveram um papel importantíssimo para a resistência, para as lutas pelos direitos que hoje parecem básicos, mas que por muito tempo foram negados àqueles que mais precisavam que fossem assegurados. Por causa da criatividade das mães pretas, até para resistir e existir, hoje os tambores e batuques do candomblé podem soar para anunciar boas novas, paz e esperança.

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Sabe aquele pagode ou rap que você acaba de colocar na sua plataforma digital e que não sai dos seus ouvidos? Pois é, a existência deles só foi possível devido a grandes personagens da nossa história. Um deles é Tia Ciata, mulher importantíssima, que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do Samba, gênero que derivou outros como o pagode e o rap que você escuta. Hilária Batista de Almeida, imortalizada pelo apelido de Tia Ciata, nasceu na cidade de Santo Amaro da Purificação, localizada no Recôncavo Baiano, região que é considerada o berço do samba de roda. Tia Ciata teve sua iniciação no candomblé através do pai de santo Bangboshê Obitikô, que era africano, tornando-se mãe de santo, sendo confirmada como Ciata de Oxum. Nesse período os terreiros de candomblé na Bahia sofriam constantes perseguições policiais, "visto que desde 1805 o Brasil classificava rituais religiosos diferentes do catolicismo como feitiçaria e os criminalizava" (VIEIRA, 2020). Por conta disso, aos 22 anos de idade, Tia Ciata migra para o Rio de Janeiro ao lado de outras mulheres baianas de sua geração como Tia Amélia do Aragão, Tia Presciliana, Tia Veridiana e Tia Fé da Mangueira, em um processo que ficou conhecido como diáspora baiana. E um fato é inegável: os espaços do Rio de Janeiro desempenharam um papel relevante na vida desses recém-chegados. É em terras cariocas que se tem a formação de uma região, batizada pelo nome de Pequena África, que abrangia a zona portuária do Rio de Janeiro. "A região ficou conhecida como Pequena África depois que o comércio de escravizados se tornou ilegal no Brasil em 1831 (ainda que a abolição da escravatura só viesse a acontecer 50 anos depois)" (BARBER; MACKAY, 2016). Essa comunidade foi formada pelos africanos trazidos pelo tráfico diretamente para o Rio e que se juntaram aos negros baianos libertos que migraram para cidade. Em 1888, ocorre a promulgação da Lei Áurea na praça da República. É nesse cenário que Tia Ciata tornase uma das principais figuras de resistência negra pós-abolição. Em sua casa, na praça Onze de Julho, e que é considerada a capital da Pequena África, ela "exerceu uma função de catalisadora de atração dos bambas. Sua casa se dividia em três camadas. Na mais profunda, que era o terreiro, aconteciam as batucadas de capoeira e candomblé. Na intermediária, havia o samba de partido-alto, que ficava nos fundos da casa. Na parte externa, de frente para a rua, eram feitos os bailes na sala de visitas. Dos três, apenas os bailes não eram proib proibidos pela polícia, embora necessitassem de uma licença da chefatura para se realizar. Mas Ciata contou com uma proteção a mais, em comparação com as outras tias que também gerenciavam pensões" (MACHADO, 2014). Foi em sua casa que também aconteceu a gravação do primeiro samba no Brasil, "Pelo Telefone", de Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga, filho de Tia Amélia. Esses fatos evidenciam que o ambiente do samba sempre foi marcado pela força e atuação feminina, e fazem com que Tia Ciata seja reconhecida como a matriarca do samba. Ora yê yê ô!

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