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Correio da Feira 16.DEZ.2013

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o fizemos porque ela pressupõe algumas despesas. Mas acredito que, no próximo mandato, vamos regressar com o “Quarto Crescente”. Aqui na biblioteca, neste momento, fazemos várias apresentações de livros, eventos para angariar fundos (jantares) e outros relacionados com música. Nessas tertúlias, também se costuma declamar poesia. O que é mais difícil nesta arte? Não dizemos declamar. Há pessoas que declamam, mas a poesia lê-se, diz-se. Não me considero um declamador, considero-me um diseur (“dizedor”) de poesia. Ler poesia não é fácil, há regras. Mas depois, nesse campo, também existe uma certa polémica, porque há os que preferem a declamação, os que preferem uma coisa ainda mais teatral, e outros que preferem a leitura pura e simples, que transmita aquilo que está lá, mas que não seja uma coisa muito empolgante. Eu defendo esta última perspectiva. Não quero dizer com isto que tenha de ser uma leitura branca, como alguns sustentam, que é ler como se fosse quase um autómato. Acho que se deve ler com alma mas sem exagerar. Ainda há muita gente a querer ouvir poesia? Aqui na zona do Porto, há muita gente a ler e a ouvir poesia, o que não acontece tanto em Lisboa. O que sente quando os outros lêem os seus versos? Depende, fico preocupado, pergunto-me “será que vão ler bem?”. Mas encontro sempre gente que lê melhor do que eu. Há pessoas que são fantásticas a ler poesia.

inventada, mas possível. E tem também ainda presente a minha preocupação com a minha memória, porque todos nós chegamos a um ponto em que parece que a memória começa a fugir. De vez em quando precisamos de uma palavra e ela não nos acode e ficamos preocupadíssimos. Quando vejo familiares e pessoas à minha volta com amnésias terríveis, fico sempre preocupado. Até pergunto aqui no livro “que poeta serei eu quando não me conseguir lembrar dos poemas que sei de cor?”. Sei milhares de poemas, mas se não me lembrar de um único para mim é traumático. O que é mais difícil: escrever histórias completamente inventadas ou escrever sobre factos verídicos? Tudo é baseado em factos verídicos. Há um poeta checo que diz que “não há nada na nossa mente que não tenha passado pela vida”. E isso é verdade. Podemos inventar coisas, mas a partir daquilo que nós próprios conhecemos. O nosso imaginário é sempre a partir

da nossa vida, nem que seja de um pequeno pormenor. Chegou a fundar aqui a Biblioteca Pública de S. Paio de Oleiros… Não fui fundador, fui uma pessoa, de um grupo, que se interessou pela biblioteca. Conseguimos abrir a biblioteca e pô-la disponível para toda a população de S. Paio de Oleiros, das freguesias vizinhas e do Concelho. Qual a importância deste espaço? É muito importante porque a leitura é a primeira coisa que se tem de aprender. Enquanto não se aprende a ler, não se aprende mais nada. A leitura é o início de tudo, é indispensável. A biblioteca está aqui ao dispor de toda a gente, todos podem entrar aqui. E se isto é de todos, há que haver alguém para a guardar. Estamos agora, mais uma vez, num processo eleitoral. Temos de fazer eleições de dois em dois anos e elas têm sido realizadas. Mas como não têm havido outras listas, nós temos concorrido e, claro, é fácil ganhar

quando há só uma lista. Mas eu até gostava que houvesse outras listas. Aquilo que me preocupa não é ganhar, mas sim que isto esteja ao serviço das pessoas e esteja vivo, actuante. Preocupa-me o futuro disto, que pode estar em perigo, se a autarquia numa situação de falta de colaboração, não tomar nas mãos esse papel. São precisas outras pessoas porque eu não sou eterno. Nem eu, nem os meus colaboradores, que já estão aqui há uns bons anos.

“Este é um dos 20 maiores agrupamentos do país. A dimensão, o desconhecimento, o momento da agregação, tudo dificultou imenso”

Que iniciativas são cá realizadas no âmbito da promoção da poesia? Ultimamente não temos tido grandes eventos relacionados com a poesia, porque temos andado preocupados com as obras, com garantir este acesso à biblioteca. Demorou dois anos a fazer esta coisa pequeníssima, que se fazia num mês. Quando nos mudamos para cá, preocupamo-nos em pôr isto funcional e agradável, mas ainda há muita coisa para fazer porque isto é um edifício com mais de 100 anos. No âmbito da poesia, tínhamos, ainda no edifício antigo, uma tertúlia que chamávamos “Quarto Crescente”, onde juntávamos poetas e leitores de poesia. Fazíamos uma sessão de leitura que acabava sempre por ter um pequeno lanche. Chegamos a ter à volta de 80 pessoas. Eu faço sessões de poesia em Espinho, no Porto, e garanto-lhe que é muito difícil ter 80 pessoas numa sessão de poesia. Está no nosso entendimento voltar a realizar essa tertúlia e só ainda não

O que acha da cultura feirense? É uma questão complicada, porque o Concelho é muito grande. Para conhecer a cultura feirense, teria de conhecer aquilo que se faz em todas as freguesias, e não só aquilo que se faz na Feira. Mas quanto à cidade, aquilo que se faz na Feira é exógeno, isto é, vem de fora para dentro, na maior parte dos casos. Acho que a cultura na Feira tem de passar a ser essencialmente feita lá. Não tenho nada contra a cultura de fora, todos temos de aprender com ela, mas há muita coisa que podia ser feita na Feira, incluindo a poesia. A terra da Feira é um bocado fechada a esse estilo. Há pontos fulcrais onde a poesia devia morar e onde é difícil entrar. Não digo que as pessoas reagem mal, mas não reagem abertamente. Aí haveria muita coisa por fazer. Podia investir-se mais na poesia e também no teatro, de dentro do Concelho. Às vezes vêm grupos de teatro muito caros e talvez fosse importante apoiar, em vez disso, os grupos locais. O Concelho é muito grande, tem muitas associações, que são capazes de fazer coisas interessantes se tiverem apoios. Mas há coisas fantásticas que se fazem na Feira, como a Viagem Medieval. Ali há toda uma comunhão. Acho que é um evento único no país.


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