A Educação Física Na Roda De Capoeira... Entre A Tradição E A Globalização - Paula Cristina D

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surgiu a figura do malandro, que transita no imaginário brasileiro num misto de herói e bandido. Porém, antes de falarmos desta figura, devemos abordar as políticas sociais da recém-implantada República, o tratamento destinado à camada da população de menor poder aquisitivo e como ocorreu a interpretação do malandro neste ambiente. O sistema social da época (1889 até aproximadamente 1930) destinava uma série de leis e normas que criaram preconceitos e que prejudicaram a classe dominada, notadamente os negros. Dentre as visões preconceituosas, temos o mito de que o brasileiro era preguiçoso por natureza37. Essa concepção naturalista, a que já nos referimos anteriormente, veiculada e reforçada nesta época, se pautava em conceber o trabalho como uma tarefa degradante e inferior, que deveria ser cumprida pelos negros e mestiços. É importante levar em consideração que esse foi um dos discursos que mantiveram o regime escravocrata inalterado em três séculos neste país. Diante disso, era necessário tornar o trabalho uma atividade positiva, remetendo-o a uma tarefa digna e compensadora, pois se buscava implementar uma sociedade pautada no capitalismo industrial, cabendo, principalmente, aos brancos e imigrantes a tarefa do trabalho assalariado nas fábricas, restando aos negros e mestiços a rua como meio de sobrevivência. Neste ponto, questionamos as argumentações de Salvadori (1990, p. 69), que defende a posição referente à busca de serviços autônomos por parte dos ex-escravos e mestiços por não desejarem se submeter diretamente a um patrão ou a um horário delimitado. Ela se baseia na obra de Sidney Chalhoub (1989), Visões da Liberdade38, na qual, para o autor, na cidade negra (ambiente urbano do Rio de Janeiro Imperial), os escravos traçaram suas próprias estratégias de resistência nos interstícios das redes de solidariedade, mantidas, na maioria dos casos, pelos trabalhadores de rua – escravos de ganho - que serviram como mediadores das relações entre escravos e senhores, dada sua autonomia em relação aos demais. Na realidade não ignoramos essa possibilidade, uma vez que os processos históricos vão sendo traçados no decorrer do tempo, e negá-la é desmerecer as lutas de resistência dos 37

Podemos recorrer a Salvadori (1990, p. 37), que cita a obra literária de Aluísio de Azevedo (1890) para demonstrar o abrasileiramento do personagem Jerônimo, um imigrante português, trabalhador e cheio de ambições que se transforma em um indivíduo preguiçoso, repleto de vícios e amante da ociosidade, o que reforça o mito de o brasileiro possuir, naturalmente, uma índole preguiçosa. 38 CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade. 1989. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCH), Universidade Estadual de Campinas, Campinas apud Salvadori (1990, p. 37).

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