50 anos do golpe

Page 11

Belo Horizonte, 30 de março de 2014 •

11

EDITORIA DE ARTE / O TEMPO

O MAPA DA REPRESSÃO EM MINAS 1

2

3

LOCAL Delegacia de Vigilância Social, no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) – Afonso Pena, 2.351, Funcionários. O QUE É HOJE Atualmente, no local funciona o Departamento de Investigação Antidrogas da Polícia Civil. Em outubro de 2013, o prédio foi tombado como Patrimônio Cultural de Belo Horizonte local e será transformado em um Memorial dos Direitos Humanos

LOCAL 12º Regimento de Infantaria, rua Tenente Brito Melo, s/n, Barro Preto O QUE É HOJE Continua abrigando o 12º Regimento de Infantaria do Exército

LOCAL Colégio Militar, avenida Marechal Espiridião Rosas, 400, Bairro São Francisco O QUE É HOJE Continua funcionando como escola de níveis fundamental e médio

Local: Sítio clandestino em Ribeirao das Neves

BH

3 SÃO FRANCISCO

Local Sítio clandestino no Triângulo Mineiro

5

Local: Presídio de Linhares, rua Diva Garcia, 3.351, bairro Linhares, Juiz de Fora

RENASCENÇA

4 2

O que é hoje: No local funcionam duas penitenciárias e um hospital de toxicômano

4

5

LOCAL Delegacia de Furtos e Roubos – rua Uberaba, 175, Barro Preto O QUE É HOJE Prédio permanece como Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos LOCAL Casa no bairro Renascença

CENTRO

1

Socos e chutes Prisão na solitária Tortura psicológica

Pau de arara Palmatória Choques elétricos

FONTES: SITE DESAPARECIDOS.ORG

Regimeusavacasasabandonadas esítiosemlocaisremotospara prenderetorturarmilitantes

o n r e f n i o a r a p s o d a d n e Olhos v

¬ ALINE LABBATE ¬ Para além das delegacias, dos

regimentos militares, dos departamentos de operações especiais, quando o assunto era tortura de presos políticos, o aparato do regime militar se ramificava em porões desconhecidos, casas abandonadas, sítios em locais remotos. Levantamento do projeto Brasil Nunca Mais aponta pelo menos 246 pontos clandestinos de tortura no país. Mas a quantidade pode ser ainda maior. A identificação dos lugares se torna um desafio, já que os militantes eram levados para os locais com os olhos vendados e, na maioria das vezes, a tortura tinha um objetivo: a morte. Uma casa no bairro Renascença, região Nordeste da capital, é apontada por ex-presos políticos ao Projeto República como um destes locais. O bairro é daqueles em que ainda se usa colocar a cadeira no passeio para conversar com os vizinhos. Bem ali, na rua Borbore-

ma, um conjunto de prédios recém-construídos pode esconder o que cerca de 40 anos atrás foi um dos porões da ditadura. Nos anos de chumbo, uma casa abandonada construída num terreno íngreme, cercada por um muro de pedras, teria sido palco de cenas aterrorizantes de tortura. Para lá, militares e outros agentes da ditadura levariam os opositores ao governo. Na maioria das vezes, o objetivo era “desaparecer” com o “comunista subversivo”. Do centro clandestino, pouca coisa se sabe hoje. Os vizinhos mais antigos puxam os boatos pe-

lo fio da memória. “Eu ouvia as pessoas dizerem que lá era lugar de tortura”, garante o corretor de imóveis Nilton Magalhães Filho, 46, que morou em frente à tal casa na década de 1990. Outro vizinho conta que o dono do imóvel era um “delegado de polícia” e que a casa era a única da região que possuía um telefone no início da década de 1960. “Ele deixava as pessoas usarem o telefone. Era solteiro, meio excêntrico”, conta o morador, que prefere não se identificar. Soldado do Exército em 1964 e morador do bairro na época, o instrutor de trânsito Antônio Ma-

“Eu servia no Exército na época e nunca vi nenhuma movimentação na tal casa. Mas as pessoas falavam que essa casa, no alto do morro, era ponto de tortura, de prisão de elementos.” Antônio Manini Teixeira, 69 INSTRUTOR DE TRÂNSITO

ESPAÇO Em 12 de outubro de 1964, em meio à Guerra Fria, a União Soviética lança o foguete Voskhod 1. Foi o primeiro voo de uma nave espacial soviética a transportar mais de um cosmonauta ao espaço, o primeiro sem o uso de trajes espaciais pela tripulação.

nini Teixeira, 69, diz que oficialmente nunca soube da casa, mas ouviu os boatos. “As pessoas falavam que essa casa, no alto do morro, era ponto de tortura, de prisão de elementos”, lembra. Moradora do bairro desde os 2 anos de idade, a jornalista Neide Pessoa Couto, hoje com 77, representou o Sindicato dos Jornalistas por 12 anos no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos. Pelas mãos dela, passaram dezenas de processos de presos do regime. “Eu nunca vi referência a essa casa. Mas li inúmeros relatos de pessoas que foram levadas vendadas para locais de tortura”, conta. A casa faz parte de um relatório do Projeto República, da UFMG, que será encaminhado à Comissão Nacional da Verdade (CNV). Segundo a coordenadora da pesquisa, professora Heloísa Starling, o documento vai apontar outros locais de tortura clandestinos na capital. Os números finais serão apresentados em audiência pública da CNV, provavelmente no próximo dia 7.

FUTEBOL Em 19 de dezembro, o Santos conquista aTaça Brasil, e, ccom PELÉ, mantinha sua hegemonia no futebol. Em Minas, o Siderúrgica, de Sabará, deixa Atlético, Cruzeiro e América para trás e fatura o Campeonato Mineiro em 13 de dezembro.

A própria equipe do Projeto República não conseguiu obter o endereço do imóvel no Renascença. A reportagem de O TEMPO percorreu o bairro procurando informações que pudessem levar à tal casa. Fomos atrás de um dos moradores mais antigos: Jadir Ambrósio, sambista da velha guarda e autor do hino do Cruzeiro. Como ele está hospitalizado há três meses, quem nos atendeu foi o filho, que indicou um jornalista responsável pela revista mensal do bairro. Na casa de Carlos Virgílio, encontramos Emerson, que se lembrou de uma antiga delegacia no bairro. Era a tal casa que hoje dá lugar a um conjunto de prédios. Os vizinhos garantem que lá nunca funcionou delegacia, mas os boatos de tortura existiram. O aspecto lúgubre da residência abandonada com muro alto de pedra e cheia de grandes árvores povoou as brincadeiras infantis nas décadas seguintes à redemocratização. Já na segunda metade dos anos 1980, os moleques se arriscavam na “casa mal-assombrada”, de onde se ouviam “barulhos de correntes”.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.