'Diários de Otsoga'. Agosto sob o signo de Pavese dn.pt/edicao-do-dia/18-ago-2021/diarios-de-otsoga-agosto-sob-o-signo-de-pavese-14039715.html 18 de agosto de 2021
O filme assenta numa sequência cronológica de dias de verão. © D.R.
Filmar a delicadeza do gesto de apanhar fruta como Eric Rohmer o filmou em O Joelho de Claire, com um Jean-Claude Brialy "apanhado" pelo ponto nevrálgico da perna dessa jovem de saia em cima do escadote à beira da árvore. É de momentos simplesmente cinematográficos como este - a colheita da fruta enquanto primitivo ato romântico - que se faz Diários de Otsoga, por sinal, um filme que, à semelhança do referido título de Rohmer, assenta numa sequência cronológica de dias de verão... só que com a ordem invertida (o que é Otsoga senão Agosto ao contrário?). Maureen Fazendeiro e Miguel Gomes não entram pelo labor intelectual dos diálogos rohmerianos, acenam antes às variações típicas do seu equivalente coreano, Hong Sang-soo, com um trio de atores que responde à fixação de um tempo específico: aquele querido mês de agosto que a pandemia carimbou com os fantasmas do confinamento. Uma rapariga e dois rapazes numa quinta fazem coisas juntos - podia ser esta a sinopse de Diários de Otsoga. Para além de apanharem fruta, Crista Alfaiate, Carloto Cotta e João Nunes Monteiro dançam, constroem um borboletário e andam de trator. São figuras de uma fantasia literária a partilhar uma espécie de quotidiano, unidas por uma ideia afetiva de trabalho, e sobretudo por um regresso a algo próximo da configuração da natureza. Como se o cinema precisasse dela para reencontrar as suas bases criativas. Lúdico, sereno, levemente triste no testemunho de um contexto, mas feliz na sua expressão minimalista, Diários de Otsoga faz-nos saborear a ociosidade
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