Originais Rreprovados #8

editorial O gosto pela leitura e o hábito de ler não surgem de repente. Eles são construídos aos poucos e, muitas vezes, a partir de livros infantis e infantojuvenis. A literatura infantil é o primeiro contato das crianças com esse mundo e é responsável por incentivá-las a se tornarem grandes leitoras. Para demonstrar a importância da literatura infantil na formação de bons leitores, escritores e editores, entrevistamos Eliana Sá, editora e autora de livros como O pinguim de mochila e O peixinho medroso.

O gênero infantil não só incentiva a formação de leitores, mas também representa um segmento muito importante no mercado editorial, além de trazer belas histórias e um trabalho estético singular muito estimulante. E são esses leitores que se tornam grandes escritores e editores. Foi pensando nisso que os alunos do curso de Editoração da ECA produziram esta revista, que chega à sua oitava edição publicando textos de alunos de diversas unidades da USP, mostrando os autores que estão espalhados pela Universidade.

Como nem todos os autores de que gostamos podem ser recebidos na revista, alguns foram escolhidos pela nossa equipe editorial e estão disponíveis no nosso site, onde você também pode encontrar exemplares digitais desta e de outras edições da Originais Reprovados.

Obrigado e boa leitura!

Equipe Originais Reprovados #8 Novembro de 2012 http://www.comartejr.com.br/originais/

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Sobre a inquietude

s Sobre cigarro e John

6 Coltrane

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Multidão

O jogo ac

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14

Os autores

abou

O que me angustia Tudo tem

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uma parte

O revolucionário pardo

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de dia sem sol

Na ilha dos

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40

naufragados

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Do esquecimento

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Olho Cisne

Circo terebentina

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luxúria e fogo no

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Tirésias

palco da podridão

Espelho

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Marcas

44 20 Bate-papo com Eliana Sá

2 Originais Reprovados

Os Autores circo terebintina luxúria e fogo no palco da podridão J.G.Licio jguilherme137@gmail.com

olho Ari Marinho Bueno arimabueno@hotmail.com

cisne Felipe Gump gumpfelipe@gmail.com

o que me angustia aline veingartner aline.veingartner@gmail.com

espelho Bruno Augusto tMartinelli bamartinelli@gmail.com

revolucionário pardo Fábio Garcia fabio.gaj@gmail.com

do esquecimento Guilherme Ramalho guilherme_r_santos@hotmail.com

sobre a inquietude Gustavo Mani gustavo.mani@hotmail.com

na ilha dos naufragados Caio Andreucci de Lima andreuccicaio@gmail.com

sobre cigarros e john coltrane Lucas Verzola verzola@usp.br

o jogo acabou Gabriely Araujo gabrielysa@gmail.com

tudo tem uma parte de dia sem sol Mateus Moisés mateusmoisessp@gmail.com

marcas Gustavo Berbel gustavoberbel@hotmail.com

tirésias Renato Essenfelder re.essenfelder@gmail.com

multidão Tamires Pereira Carvalho tamirespc@hotmail.com

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Sobre a inquietude Gustavo Mani

Tudo nessa vida é arte, quando a visão parte Rumo às terras prósperas da criação.

Dizem, cedo ou tarde, em todo peito arde A saudade mórbida da perfeição.

Um sopro de cor intenso dentro das entranhas, Essa coisa estranha, vulgo inspiração.

Aquele atrito imenso entre sinto e penso Encorajando a fala do bom coração.

Mas de onde vem e para que, ou quem Tal tensão que tira o homem do mundo?

Que ao guiar transforma, facilmente torna Uma brisa morna num vento profundo.

4 Originais Reprovados

É o amor nascente, tomando a frente De quem sente o cinza dos dias ruins?

Ou o desespero coletando gente Pra curar tristeza, tédio e seus afins?

E por mais que tente, rodeie, invente, Acaba cedendo à necessidade.

Logo pinta e borda, a mente dando corda Ao turbilhão errante que o peito invade.

Pois o tempo é breve, para quem se atreve A seguir sempre contrário ao dever Rejeitando o fado, sem saber de fato O prazer do ato de enxergar sem ver.

ilustrações: Lilian Yuri Ishida 5

Lucas Verzola

Sobre

Cigarros e

John Coltrane

São nove e meia da noite quando desligo os faróis do carro na garagem. Confiro a carteira no bolso do paletó, pego o celular do console. Nenhuma mensagem, nenhuma ligação. Retiro o CD dos Rolling Stones do rádio e guardo na capinha. Pego a pasta, os óculos de sol e o maço de cigarros. Desço do carro rumo ao elevador que me espera e aperto o cinco. Custo a achar a chave de casa e, quando a acho, custo a colocá-la na fechadura. Tudo acontece como em todas as noites.

Jogo o paletó na poltrona da sala e o deixo junto a tudo que trouxe do carro. Entro no quarto, ligo a luz do abajur, tiro o sapato e o chuto para um canto qualquer com as meias dentro. Abro o cinto e reparo que já uso o primeiro furo. Deixo a calça cair junto com o cinto no meio do quarto. Abro a camisa ao mesmo tempo em que busco um CD na estante. Escolho o mais melancólico John Coltrane e pego uma cerveja na geladeira vazia.

Aproveito para pegar fósforos - não compro isqueiros, pois acho que isso seria assumir minha condição de fumante. Sigo, porém, fumando um maço de cigarros a cada três dias.

Abro a porta da varanda - ou sacada, nunca soube, ao certo, a diferença. Abro a latinha, acendo um cigarro. Apoio-me na mureta, vestindo apenas cueca e camisa aberta. O primeiro trago se dá no ápice de uma nota sensual do saxofone. My favorite things. My only things. Cigarro. Cerveja. Varanda.

Talvez contemplasse a vista se vista houvesse, mas existe apenas o concreto de outro prédio que está de costas para o meu. Procuro, nesse outro prédio, o quarto andar. A sacada - ou varanda - está vazia e as luzes do apartamento, apagadas. Olho no relógio e ainda são nove e quarenta e sete.

Hoje executei meus movimentos de forma mais acelerada, e, no meio da empolgação, esqueci que ela não tinha nenhuma pressa em me ver. Às nove e cinquenta e três, a luz é acesa. Às dez em ponto, ela acende seu primeiro cigarro.

Espero essa cena o dia inteiro, todos os dias. Vivo para vê-la sujar de batom escarlate o filtro dos seus Lucky Strike. Ela sabe que eu a olho todos os dias. Elas sempre sabem.

E todos os dias ela fuma um cigarro e o marido a chama pra dentro. Everytime we say goodbye, baby.

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As pontas amareladas dos meus dedos começam a arder, anunciando o término do terceiro cigarro, o único que eu não apagara antes do fim. Como um relógio suíço, as mãos masculinas puxam a mulher para dentro. Miro para seu rosto e acredito que, dessa vez, ela olha para mim, dizendo que voltaria.

Eu tenho que esperar. Outra cerveja. Está muito quente em São Paulo às dez e quinze.

It’s summertime. Ela deve usar uma camisola branca, transparente. Seu homem deve ser um playboy que faz pesca submarina. Ele, provavelmente, a come sem amor, sem vontade, apenas como cachorro mijando num poste a marcar seu território.

Ela tem menos vontade ainda, contudo é acomodada. Não sabe falar “não”, não sabe tomar decisões, não consegue se impor. Um encontra a pele sem suor do outro, fazendo um sexo brega, de luz apagada, e com Whitney Houston de trilha sonora. Talvez Julio Iglesias. Ela finge em falsete, ele goza rápido só de ouvir o gemido. Ele dorme satisfeito, ela custa a dormir. Frustrada.

Eu daria um ótimo amante. Eu a envolveria nos braços e arrepiaria os pelos da sua coxa apenas com a aproximação da minha barba por fazer do seu pescoço. Deixaria uma meia-luz, ouviríamos Marvin Gaye. Ela gozaria antes e eu gozaria no instante no qual meu corpo percebesse, com uma sincronia que apenas os mais íntimos têm. Eu a conheço desde sempre.

8 Originais Reprovados

Eu espero. Ela vai dizer que fumará um último cigarro e o marido responderá com um ronco. Sinto-me mais sozinho que o camelo desenhado na caixinha de cigarros. Vou ao barzinho e preparo um pouco de rum com gelo.

Volto e procuro entender o que se passa dentro do quarto, pelas penumbras na cortina. Espero. Logo ele vai dormir, logo ela vai cansar, logo ela virá para mim, logo a envolverei nos braços e arrepiarei os pelos da sua coxa. Logo ela fumará o último cigarro na varanda e eu a puxarei para dentro.

Quanto mais claro fica o meu delírio, menos sentido faz, e o gosto de rum na minha boca se mistura com o de Camel, que eu jurei nunca mais fumar.

A luz da casa dela se apaga. É agora. Ela virá. Ela me dará, ao menos, boa noite.

Ela dá boa noite. But not for me.

Entro e me jogo na cama do jeito que tudo está. O CD acaba, ouço a gaveta do tocador girando no trilho uma, duas vezes. Na última volta, o aparelho desliga. Um “Good Bye” pisca no visor. É o único adeus que recebo.

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Do

Esquecimento Guilherme Ramalho

1. ELA Ela trazia nos olhos o empapuçado do tédio e, na pouca vontade que tinha, se locomovia sem se mexer. Vagarosa. Nos sonhos sempre caindo, sumindo, se esticando até não poder mais, com ares de cauda de cometa, seu tamanho não medido. No intervalo das coisas buscava os códigos que a vida deixa, um a um, em pedaços mal marcados nas horas do dia. E os fonemas… Que significariam se não houvesse coisas a nomear do vazio, dos homens, dos silêncios que a falta de assunto deixa? O que seria do tédio se o amor não existisse, se a vida não se infiltrasse? Mas a vida sempre se infiltra. Sempre escorre enquanto o tédio permanece sólido por baixo do mundo, mesmo depois das horas mortas. Se trancou no quarto por doze anos e esperou a vida trazer outra coisa. Trazer outra vida, quando a mudança do corpo substituísse todas as células por uma pessoa nova.

Aguardou como quem dorme.

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De repente se fez grande, adulta, como se abrissem a porta do quarto e deixassem entrar o mormaço e o deserto. Fez-se lírica como todo profeta, porém pouco lúcida. Os anos de reclusão roubaram o juízo crítico que o contato direto com a cidade proporciona; cresceu camponesa e desmesuradamente infeliz. Por certo não a maltrataram, não a maldisseram, mas isolaram e o isolamento por vezes cria monstros. Debaixo da epiderme quase não castigada um rebuliço que pegava fogo.

Assim pensava, nas primeiras manhãs que o sol machucava a retina e a menina dos olhos ardia.

2. ELE É claro que poderia simplesmente esquecê-la. Largar no espaço onde toda fotografia chama-se desterro, abandonar à própria sorte numa revoada de rostos esquecidos. Poderia matá-la se quisesse. Desaforadamente, de vergonha, de desgosto, daquele mal estar que às vezes sobe quando nos damos conta que na festa não tem rosto que se conheça.

Poderia amá-la.

E dentro desse amor, devorar até fazê-la desaparecer, só sobrar o que dele há nela - como se fosse boneco de pano que se enche de estopa, pedaço de nada, barco de papel. Poderia dizer que não a conhecia e envergonhá-la num grupo de amigos, mas nisso faltava coragem necessária para ser babaca. De todos os caminhos possíveis, era o que menos buscava, com medo que sua covardia então amadurecesse, ocupasse um lugar bem maior do que seu corpo ocupa - sempre soube que precisava de um apartamento imenso, de muitos quartos, espaços

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vazios, sombrios, obscurecidos, para preencher com seu orgulho egoísta. Criança mimada, brinquedo quebrado, um foguete que sobe até explodir em mil cores de neon.

Incomensurável. Fatídico.

Poderia desdizê-la, sabendo que as pessoas, como construção mental, deixam de existir com o que traz o esquecimento. Poderia desdizê-la até o ponto que se reduzisse a uma nota de rodapé ou a uma página em branco: se era possível fazer do verbo carne, também era possível engoli-lo em maus bocados, até se fazer da carne o nada. Mastigar o papel até só restar a papa.

Cartilaginosa.

3.

Mas nas primeiras horas da manhã, dançavam, enquanto a luz provocava arrepios.

Nessa terra chamada película, só importa o tempo de agora, sem antes nem depois, sem meandros nem desencantos. Quando cansavam de dançar e a menina dos olhos brilhava, a retina como um fio desencapado por debaixo das cobertas. Corrente elétrica.

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O que me angustia

Aline Veingartner

ilustrações: Cristina Martins

A

ngustiam-me esses pontinhos de poeira que só se tornam visíveis quando a luz do dia entra por uma fresta da janela, angustio-me

enquanto estou aqui estirado em minha cama olhando, olhando sem realmente ver e de súbito me brotam esses pontinhos místicos, melancólicos como a solidão anônima. Estes pontinhos disparatados que pousam no meu chão, no meu carpete de marfim, e somem, simplesmente somem debaixo do meu nariz. Angustiam-me as coisas que brilham e apagam, as coisas que vêm e se vão, as coisas que nascem e morrem, os pontinhos que brotam e somem. Angustiam-me esses pontinhos de poeira que o vento traz e o meu quarto devora - para onde vão, afinal? De onde vieram. Com que intuito, se depois partem. Angustiam-me as partidas, angustiam-me despedidas, angustia-me você, que brotou e sumiu, meu amor, meu pontinho de poeira perdido no meu carpete de marfim.

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O jogo acabou Gabrie ly Araujo

A garoa fina começava a cair. Frio congelante, uma sensação coletiva. Quem estava sozinho se aproximava da parada de ônibus, a tentar escapar dos respingos. Uma moça esguia estava com uma enorme mala, que deixou algumas pessoas irritadas pela falta de espaço e por seus gestos incontidos, diferentemente da maioria dos que estavam ali. Falava ao telefone, se contorcia, até que bateu com o cotovelo em uma senhora, que se irritou. Depois disso a dona da mala parou, se manteve estática; envergonhada.

O número de pessoas aumentava, a Avenida Dr. Arnaldo não tinha trânsito, mas não passava nenhum ônibus. O boato de que houvera um acidente na Paulista crescia e muitos se preocuparam. Iniciou-se uma agitação, pois muitos iriam pegar ônibus que vinham da Avenida. Ninguém parecia prestar atenção à paisagem, cheia de prédios históricos, junto ao antigo Cemitério do Araçá, contraponto ao enorme e moderno edifício do Instituto do Câncer. Somente pacientes do hospital e estudantes da Faculdade de Medicina, que fica ao lado, andavam nas ruas. O vento era forte, não adiantava se proteger.

Dos poucos que estavam calados esperando os ônibus chegarem, havia dois que permaneciam fora daquele contexto. Ela, baixa, de blusa rosa e calça jeans; ele, alto, de jaqueta azul e calça social. O braço dele protegia o corpo dela, e eles estavam calados, imóveis, a se aquecer. Não se olhavam, fitavam somente à frente à espera do ônibus.

Depois de certo tempo, ele começou a mexer na mão dela, em um primeiro movimento lento, macio, que depois se tornou intenso, e fez com que ela reclamasse:

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— Não precisa apertar tão forte, quer uma garantia de que estou aqui?

Ele deu um sorriso, destoando dos rostos fúnebres e preocupados dos que estavam à volta, e disse: — Não, eu estou jogando com você, vamos ver se você escapa das minhas mãos — e riu novamente.

Ela retribui o aperto, e ele reclama com um olhar singelo, porém preciso, e depois ri novamente.

— Você quer mesmo me desafiar?

— Quero, e vou ganhar! — falou ela com as mãos sobre as dele.

O frio aumentava cada vez mais, e fazia com que as pessoas ficassem mais juntas, quase não cabia mais ninguém naquele espaço de apenas duas paradas cobertas. O céu nublado, a garoa intensa e o vento gelado complementavam o cenário de manhã de outono paulistano. Mas isso não dificultava as ações deles, que pareciam infinitas.

Imediatamente ambos olharam para a rua, pois chegara um ônibus que a maioria dos que estavam ali tentaram pegar. Vários não conseguiram. Ao mesmo tempo, os dois trocam olhares, ela pergunta se aquele não era o ônibus que iriam pegar, o homem confirma.

Agora com expressão de preocupação, as mãos dela apertam fortemente as dele, que responde com o mesmo gesto. O jogo havia acabado.

Mãos. As dela, pequenas e cheias de pontinhos, as dele lisas. Ambas negras, como toda a pele. Quatro mãos que conversavam por si sós, cada gesto apresentava um significado que somente os dois conheciam. Gestos de ligação, família. Pai e filha.

ilus t

raçõ

es: Lilian Yuri Ishid a

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Multidão Tamires Pereira ilustrações: Natália Gaio Multidão. Rostos. Corpos. Alma. Rosto triste, preocupado, triste de novo, sem dinheiro, sem amor, rosto de quem tem nostalgia, rosto doente, rosto sem alma. Rosto triste. Triste.

Tristeza unânime.

Alguém joga um cigarro, que alguém apaga sem querer. A fumaça entra em todos os pulmões. Infecta. Mata célula por célula, átomo por átomo.

Alguém esbarra em alguém. A primeira pessoa não se desculpa. A segunda se ofende, vira para brigar, mas a outra já se foi.

Uns rostos não demonstram sentimentos, apenas o instinto. Nessa selva cinza, todos querem ganhar, por isso, há muitos rostos contorcidos pelos gritos: “Dois por um! Três por dois!”.

16 Originais Reprovados

E vê-se a dor. Dor. Dor de quê? Dor de se levantar às 4h, dor de não ser nada. Dor de amor, dor do não-amor; do que foi e do que não foi; do que poderia ter sido… Apenas dor.

Não há palavras de conforto.

Cigarro caído no chão de novo, raio de sol, espirro, pressa, fome. Angústia. Uma vida inteirinha presa no trânsito.

Lágrimas pela injustiça, pela saudade.

Lá longe há letras que um rosto frustrado não pode decifrar.

Há cheiros que um rosto sente e que um corpo exala sem perceber.

Mas esses corpos deixam sujeiras que nenhum rosto quer recolher.

O problema que nenhum rosto e nenhum corpo percebem é que estão unidos. Tão unidos que se tornam um só.

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Tudo tem uma parte de dia sem sol

Mateus Moisés

Tu eras uma bailarina cega, deslizando soniferamente por imensos degraus de saudade - tuas mãos se acostumaram a deitar obscuras nas curvas do dia seco. O dia era seco, e seco também era teu silêncio.

Vi o gesto cansado que teus olhos turvos ofereceram ao vazio da sala. Pude ver teu desespero e teu ódio se afogarem num mar de gargalhadas calmas. Vi a ponte que se lançou quando tu abriste as cortinas novas, as pálpebras que remexiam na gaveta carente, o medo que te humilhou quando tuas costas clamaram pelo berço.

Senti o gosto de madeira que tua língua jogou em meus ouvidos, a insegurança dos teus dedos tocando a terra virgem, o calado festival dos seios inundando o banheiro já frio de sentidos.

Tu não estavas morta e estais aqui agora sustentando com fidelidade o fardo de ser o que sofre - e também o que se deleita. O gosto palpita, o queixo ignora a sensação serena de desabar sentada sem nada dizer.

Tu estás inteira, mas inteira em parte, porque teus sonhos desembocam em caminhos tortuosos, porque teus braços tremem de insegurança, pois o calor recebe a flecha bruta e intolerante.

Sei. Alguma fantasia se esconde debaixo das tuas lindas sobrancelhas, tenho certeza que no leito que tu esperas caberá mais paixão que o suor dos teus ombros imunes.

Vejo os tropeços e arranhões, mas é a doce sensação de andar com outros pés ao lado que te causam a maior saudade, e são as lágrimas que sempre querem merecer teu rosto.

E o amor, que enfeita a pele com açúcar e cerejas, não precisa ser aquele de moedas, de couro. Pode estar tímido e distante como uma criança estranhamente enferma. Estará na nossa claridade e não nas lágrimas, no inocente gemido do corpo quando acorda.

Mas se meu consolo e tua calmaria são a lama viva de um vulcão, podemos envelhecer os pelos de um jeito mais lindo. Pois viemos da terra quente, do fundo. Teu medo, meu medo não estarão calados, não seremos cúmplices de tamanha destruição.

18 Originais Reprovados

Nossas bocas não se aquietarão diante da anarquia e discórdia. Há de ser o sinal do balanço perfumado que os filmes editados da memória representam: a areia doce e a flor de chocolate!

Eis que a vida lança em nossos quintais uma cilada traiçoeira que engorda a seiva da inconclusão. Entramos de certo ângulo a engrossar o cânhamo, a fadigar as canelas.

As coisas da tua sina são os mesmos batuques do meu tormento. Navegamos nas mesmas turbulentas águas, traçamos a mesma rota - e demos a caçoar do mapa.

E eis que tudo se faria agora - presente, neste instante, em alguma direção: a natureza triunfante dos corpos se enfrentando em pleno dezembro. Deste choque corpulento gerou-se uma manhã branda e cristal, em que eras “uma pequena” a sorrir num vestido branco com girassóis dourados estampados e eu era um “cavaleiro andante” a desbravar mais um cômodo da casa.

Teu sermão era pequeno e meu egoísmo grande - na brutalidade das diferenças o tempo constrói as nossas roupas. Abraçamos a mesma almofada colorida, pintamos com o mesmo pincel, só não demo-nos as mãos pois estávamos ocupados em acariciar os mesmos calcanhares de outrem.

Somos sujos e fiéis. Improváveis, cruéis e vulgares. E também somos o caldo explosivo e descompassado dos anos dourados.

A natureza me impressiona mais do que a beira da terceira margem.

Quero descansar meus livros no teu colo.

Tu me deixarias entrar descalço em teus cabelos?

Ilustração: ilustrações:Beatriz BeatrizBevilacqua Bevilacqua

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vh d 7 8 y g i rw7 0 c r 8 5 c p d j d p h j 9 e m w m w k k j p 8 w 1 p l b 4 0 y 3 3 v wu e kw Bate-papo com Eliana Sá 3 h y 2 1m Eliana Sá graduou-se em Editoração e Jornalismo na ECA-USP. 0 u ela é fundadora e dona da Editora Sá. Escreve e edita livros g e Hoje t 6 infantis, além de lançar autores da área ao longo de sua carreira. c c y ab d m j r z qp n ty j g h 4 8 7 p 0 r y 1i 7 d l o f bk z2 2 k gb 0 6y d j h 8 c b p p o s f 9 yf yv 8 s o 8 1xhb c m c e y0 5 g 0m v O que a leva a escrever para o público infantil?

Meu primeiro emprego, quando saí da ECA, foi no setor infantil da Editora Abril e,

minha primeira chefe, a Ruth Rocha! Comecei como assistente de redação e depois acabei sendo editora da revista Recreio, que naquela época tinha como ponto forte a

publicação de um conto inédito para crianças a cada número. Foi uma época de ouro, final dos anos 1970, quando nascia uma corrente moderna de literatura infantil, com

a própria Ruth, Edy Lima, Sylvia Ortoff, Ana Maria Machado, Joel Rufino dos Santos etc. Tive contato com todos eles e, naturalmente, isso me contagiou. Já aí comecei a escrever criativamente para a revista e para outras publicações da editora, inclusive traduzindo um livro da Disney.

Como é o processo de criação de uma história para crianças?

Algumas ideias me atraem quando me sento diante do teclado: relatar ou contar si-

tuações absurdas e engraçadas, o bom humor, o desafio de rimar palavras dentro de uma métrica... Na minha infância em Fortaleza, ouvia muito repentistas na casa de um

amigo de meu pai, folclorista, em serões memoráveis. Acho que daí vem minha pre-

dileção por poesia rimada; mas também gosto de criar quando recebo um “mote”, por exemplo, um texto encomendado sob um tema. Procuro olhar o mundo com olhos de criança, olhos de novidade, de descoberta, mirando enviesado. Fundamental pra mim

é acreditar na inteligência do leitor de qualquer idade e não repetir obviedade. Rimou!

20 Originais Reprovados

uk m y 1 d b y e u i n j 0 7 5 d2kp a h 6 e w 4 8 jv c l gvr e p k 3 z v n p u1 d h y yb 0 gu t 8 c q y 5 d 9 m rw p j y g 4 7 f 0 ix d f z k2 gbw f 6y h x c p oqm 9 v k 8 e 5cyb cg p v m z Quais os autores que você lia em sua infância? Eles inspiraram o seu trabalho?

Fui leitora voraz de Monteiro Lobato, da coleção “Tesouro da Juventude” e de muitos

clássicos adultos que ficavam escondidos por meus pais numa estante, dentro de um

closet - fui pega lendo Madame Bovary quando tinha 7 anos e minha mãe tirou o livro das minhas mãos. Foi bom, pois eu estava achando aquilo tão triste. Li muitos clássicos juvenis, emprestados da biblioteca da paróquia do meu bairro - coisa que as igrejas de hoje não têm mais. A leitura de clássicos e de Monteiro Lobato - que “desconstrói” o

clássico - me ensinou muito no terreno da criatividade e de persistir na busca de uma boa narrativa, mas ainda tenho muito o que aprender. E o que escrever.

Você tem contato direto com o seu público leitor infantil? E como é a relação com o seu público leitor adulto?

Conversar com as crianças em feiras de livros ou em livrarias é a melhor parte. Procuro sempre autografar com o nome da criança, que escrevo destacado, para dar a ela o “pertencimento” do livro. Espero que assim ela valorize mais a leitura. Com os pais, ob-

servo que as classes menos instruídas começam a dar mais valor à leitura e à educação.

Estimulo-os a lerem para seus filhos todas as noites, na hora de dormir.

O que você pensa sobre a produção atual de literatura infantojuvenil?

O Brasil tem uma produção maravilhosa, criativa, com novos talentos destacando-se tanto em texto quanto em ilustrações.

Como você vê o novo mercado de livros digitais infan-

tis? Você tem interesse em produzir obras para esse tipo de plataforma de leitura?

Meus infantis estão todos em formato e-book, a venda

nas livrarias digitais... Por incrível que pareça, vendem mais que os livros digitais adultos.

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O Revolucionário P a r d o Fábio Garcia

Seus dedos da mão esquerda massageavam suavemente seu queixo nu, enquanto o ônibus municipal dirigia-se ao seu destino.

Emiliano, no auge de seus dezenove anos, estava numa posição de destaque, tanto na vida quanto no ônibus. Acabara de ser aprovado no vestibular de Ciências Sociais da famosa Universidade Santa Clarice e estava sentado no banco elevado do coletivo, de onde podia ver todo o movimento das pessoas no veículo.

Mesmo acima de todos, Emiliano via que a massa estava toda indo para o mesmo lugar, que era a faculdade mais cobiçada do país. Todos rumando para a matrícula, para o momento em que oficialmente começariam esta nova fase de suas vidas. E, antes de assumir a realeza que é a elite intelectual do país, todos precisam encarar um estágio de bobo da corte. E lá estava Emiliano, sem seus cachos e com sua pele toda coberta por cores variadas.

A posição de palhaço não combinava com Emiliano. Teve uma vida tranquila até aquele momento, com os luxos que uma classe média pode usufruir e com o destino traçado pelos antepassados. Sim, Emiliano herdaria o negócio da família. Uma pequena fábrica de papel pardo.

Uma fábrica de papel pardo.

Século XXI, tablets substituindo papel, e-mails substituindo cartas, mil colegas no Facebook substituindo um ombro amigo pra chorar. E Emiliano herdaria uma fábrica de papel pardo, que é a menina dos olhos de seu pai e de seu avô. Emiliano vivia então a sensação de que seus próprios desejos e ambições eram impedidos pelo sonho já realizado de sua família. Negócio, aliás, que anda mal das pernas. Ninguém mais comprava papel pardo. Ninguém mais comprava papel. Ninguém mais comprava.

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As primeiras semanas de aulas foram experiências peculiares para o jovem que descobria o mundo universitário. Nas aulas, irritava-se com a prolixidade de seus mestres e com os conceitos ensinados. Emiliano sentia que estavam ensinando coisas que ele já havia aprendido observando a vida, mas que algum espertinho, daqueles que tem aquela sacada genial, havia dito primeiro que foi sua descoberta e dado um nome. O conhecimento universitário então era o conhecimento que se pode adquirir fora da universidade, só que agora tem um nome, uma citação e um texto de oitenta páginas para a semana que vem.

A tal “elite intelectual” devia ser bem inteligente como diziam, pois ninguém se dava ao trabalho de prestar atenção na aula. As janelas, que exibiam alunos que preferiram não entrar na sala se divertindo nas áreas verdes, eram mais observadas que a lousa ou o professor. Aliás, “professor-doutor”. Uma vez entregou um trabalho apenas chamando o professor de “professor” e recebeu um risco de caneta, cheio de ódio e ego ferido, com a correção “professor-doutor”.

Emiliano, num dos intervalos com amigos que conheceu do curso de Letras (os vizinhos das Ciências Sociais), fez uma comparação da Universidade com o grande Cronos.

A Universidade, assim como Cronos, engole seus filhos para que eles não fujam e façam suas próprias vontades. Esse pensamento engatou uma discussão sobre a política no campus e como o tirano reitor fazia tudo contra eles. Emiliano, avesso à política, apenas bebericava a sua cerveja enquanto ouvia os revolucionários com uma mania de perseguição ainda maior que Cronos.

O reitor instaurou a coleta seletiva na Universidade. Obviamente não é para ser correto com o meio ambiente, e sim porque essa atitude burguesa e autoritária é uma desculpa para que se retire mais espaço estudantil colocando lixeiras que ocupam mais espaço.

Depois, o reitor decidiu retornar com a “Semana do Saco Cheio”, que havia sido abolida há tanto tempo quanto a escravidão (pelo menos era o que parecia para os alunos).

Obviamente não é para criar um feriado que o próprio reitor poderia aproveitar, e sim para desmembrar o movimento estudantil.

Dentro dos muros da Universidade, falar mal do reitor era o que equivalia a conversar sobre a novela das nove no lado de fora do campus. E a conversa continuou, até que os alunos decidiram fazer uma greve para protestar contra… bem, Emiliano não ouviu o motivo, mas teve sua atenção capturada pelo que foi dito por uma revolucionária que trazia um wallpaper do Partido Comunista em seu iPhone:

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— Precisamos protestar contra o reitor! Providenciem o papel pardo para que façamos nossos cartazes de protesto!

Revolucionários usavam papel pardo! Como Emiliano não percebeu isso? Ver o papel era tão frequente em sua vida que abstraía quando o via sendo usado na vida. Lembrou-se então de ver cartazes e mais cartazes de protesto por toda a Universidade, e todos eram feitos usando quilos e mais quilos de papel pardo. A solução dos problemas de sua fábrica de papel pardo! Encontrou o público consumidor!

Emiliano engajou-se no problema encontrado pelo movimento estudantil e entrou no Centro Acadêmico. Aquele problema era inadmissível, façamos cartazes para que possamos expressar nossa indignação. Comprem mais do papel pardo, expressem suas consternações! Mais papel pardo! Mais papel pardo! Não usem frente e verso, usem apenas um lado! O papel foi conseguido com um descontão graças ao Emiliano, o novo representante do Centro Acadêmico! Mais papel pardo! Vamos embrulhar essa faculdade com esse papel anti-burguês! Nem lembro mais das cores da parede, tudo o que vejo é pardo!

O problema não foi solucionado pelo reitor. Aquele ditador! Aquele ser que usa a política para seus próprios e soturnos objetivos! Mas ele logo cairá, pois mais cartazes de “Fora Reitor” foram feitos… todos com papel pardo providenciado por Emiliano.

Aumentem a produção de papel da fábrica! Emiliano foi eleito como representante do Diretório Central dos Estudantes! Todas as faculdades da Universidade agora precisarão de seus papéis pardos para os protestos! Mais papel! Mais papel!

A situação ficou insustentável: um grande protesto reunindo todas as faculdades diante da reitoria. Acima dos estudantes, em um palco que estava longe de ser improvisado (e que havia sido usado, na semana anterior, para a apresentação de uma banda de músicos universitários), Emiliano discursou para o público barbado, de roupas largadas e sandálias. O barulho fez com que o vice-reitor o chamasse para uma conversa em particular.

Apenas Emiliano subiu.

— Bom dia, rapaz. Qual seu nome?

— Emiliano, da Ciências Sociais.

— Afinal, sobre o que vocês vieram protestar?

— A situação está insustentável. O poder burguês está sucateando a nossa universidade, atrapalhando nossos estudos e a nossa produção de conhecimento. Somos apenas criados para sermos mão de obra barata enquanto o senhor fica aí no “bem-bom”.

24 Originais Reprovados

Emiliano expôs o problema, o vice-reitor ouviu atentamente e entendeu. Informou que o reitor se encontrava no centro da cidade, em encontro com o prefeito. Saiu da sala elegante e encontrou-se com os revolucionários, avisando sobre o paradeiro do reitor.

Se estava no centro da cidade, para lá iriam! E que peguem mais papel pardo para fazer cartazes de protesto, desta vez com visibilidade ainda maior!

Com novos cartazes feitos, Emiliano entrou no ônibus com seus companheiros e seguiu ao centro, atrás da cabeça daquele que os oprimia. Daquele que fazia da faculdade uma ponte para uma possível candidatura. Daquele ser vil e cruel que não se importa com as vontades do povo.

Com a janela aberta, Emiliano sentia o vento batendo em seus cachos, que voltaram a crescer. Seus dedos da mão direita massageavam suavemente seu queixo barbado enquanto o ônibus alugado se dirigia ao seu destino. A prefeitura.

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Na

s o d a g a r f u Ilha dos Na s

ristina Mar tin

ilustrações: C

a

ucci de Lim

re Caio And

I. na Ilha dos Naufragados onde as placas indicam lombadas vazias onde o silêncio é a harmonia entre todos os sons onde eu sento com o Fantasma da companhia que nunca foi (o sol ainda nem se mostrava e minha mente já febril viajava pelas teias dos contornos de teus seios pelos desenhos de teus pelos pelas marcas de teus pés vazios) onde os macacos te enganam pra deitar na tua cama onde o sol te engana pra comer tua banana onde todas as damas enganam como se margaridas que cantam

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(de todos os cantos me vem o som esquecido de teu canto e você aparece-me com um manto um tanto quanto branco e com uma cabeça de anta te vejo no meio desse antro, beijando um santo) . então, finalmente os símbolos andam de mãos dadas com meu coração então, na minha mente todas as imagens se decompõem em uma canção então, infelizmente a infeliz mente mente descrente fende a casa construída de inconsequentes palavras erigidas pelo bem da razão da mente e descontrói desverdades de peixes casas de formigas feitas de paredes de mosquitos de borracha de aço ou ferro ou só um sonho

(onde o absurdo se mostrava no acontecimento da normalidade)

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II. eu tenho a boca cheia de pedras e as palavras cheias de musgo meus olhos faíscam verde vermelho e a pele palpita água e veneno e quando meu nariz cala eu vejo da varanda do meu apartamento [estanque compartimento] uma chuva de lantejoulas douradas invadindo o estacionamento e a menina de pele prateada só mas acompanhada . eu tenho a mão cheia de pedras e uma vontade inútil de dizer tudo aomesmotempo só mas acompanhado ]estanque compartimento[ dentro de uma caixa de significados que não dizem nada . eu tenho o toque cheio de verdades e as palavras cheias de silêncio que faço eu entre toques e palavras senão pensar em não ser o que sou

que faço eu entre seres e cores senão viver à procura de flores e o que posso fazer eu entre porcos e flores? senão simplesmente cheirar e morrer?

Nota escrita à margem da folha: (ó margarida de mil cores eterna paixão distante serei sempre seu escudeiro infame (o eterno fingidor da eterna dor que deveras não sente)

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III. refugiado nas praias da Solidão fumava um cigarro de vento e todo o ar que entrava saía e ensaiava o desejo de por um momento poder dançar um baião mas vem a música e dá um puxão e fico preso no mundo de delícias de mãos calejadas de mulher feita de terra feita de barro e de carícias que deitado na cama tenho que amanhã à noite eu deixo que sempre quando deito gira pela minha cabeça em feixes de tensão e de tesão minha desenfreada imaginação (a imaginada margarida) e eu sozinho com minha mão

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IV. eu sonhei que te dizia: que quando te deixava também me deixava ou só outra desverdade da falta de saudade eu sonhei que me via: ia olhar meu olho no espelho e olhava para mim mesmo triste sozinho sem dinheiro sem casamento ou pagamento no fim ou no começo sem sombra no sol ou um santo peregrinando pelado pela salvação eu sonhei que te vivia: era estúpido apertar um botão pra esquentar minha comida de plástico enlouquecer tomar um ácido pra curar a dor de estômago

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eu sonhei que morria: sentado em um Ă´nibus morria com todo o prazer sem ter que dizer isto ĂŠ meu isto ĂŠ teu sozinho com meu eu e com meus sonhos

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CI SN E

Felipe Gump

Houve algumas vezes um homem que dedicou os últimos 21 anos de sua vida exclusivamente à escrita, deixando essa atividade de lado apenas para dormir, comer e ministrar algumas aulas que serviam somente para que pudesse continuar tendo um lugar para dormir e o que comer.

Uma vez, esse homem morreu. Como não poderia deixar de ser, seu trabalho ficou inacabado. Liberto da vida, mas não de sua obstinação, acordou no dia seguinte à sua morte decidido a continuar trabalhando em sua obra.

Vendo-se em um lugar limpo e bem iluminado, muito diferente de seu vetusto quarto de outrora, não se sentiu em nada afetado e, com indiferença, seguiu focado em sua disposição.

Antes mesmo de se dar conta de que também não havia móveis no local e que estivera deitado diretamente no chão, percebeu que não havia nada com o que escrever.

Permanecendo imperturbável, sabedor de que a matéria-prima para seu trabalho continuava intacta, tentou articular uma solução.

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34 Originais Reprovados

As paredes, de uma brancura virginal, expostas à luz fornecida em abundância por alguma fonte inesgotável, inspiraram-no. Sentiu-se presa de altíssimas ambições e quis com sua mais autêntica essência romper aquela alvura. Mordeu com força o dedo indicador da mão direita a fim de conseguir a única tinta que poderia obter. Teve sucesso.

Ainda com a loucura da carne desperta, usando o dedo como caneta, pôs-se a escrever depressa como nunca, e rapidamente preencheu com letras em palavras em períodos em parágrafos sem pontuação toda uma parede sem sequer se perguntar de onde vinha toda aquela desmedida disponibilidade de sangue.

Disperso da noção de tempo, logo desmaiou em um sono ou adormeceu em um desmaio sem sonhos.

Ao acordar, ainda de olhos fechados, lembrou-se satisfeito do ímpeto anterior e gozou da satisfação de ter feito algo benfeito. Acreditava que o estado de catarse anterior lhe ocasionara a possibilidade de alcançar algo genial e em um fôlego só, como nunca fizera antes.

Quando abriu os olhos para deleitar-se em seus méritos, assustou-se. Olhou a parede a sua frente, em que acreditava ver seu manuscrito, e não viu nada nas infinitas possibilidades da parede em branco. Olhou para as outras duas paredes ao lado e até virou-se para ver a que estava às suas costas, mas tudo era nada. Só o vazio resplandecia intocado.

Sentiu-se extremamente descomposto. Como poderiam consentir com tamanho ultraje?! Então o que fazer se tudo de bom que se faz é apagado após um modesto cochilo? A sensação de impotência de alguém que, dentro de um sonho, alcança um objetivo há muito almejado, mas logo em seguida acorda e sente toda a satisfação tornar-se desgosto instantaneamente.

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Nunca é fácil superar uma perda assim, mesmo quando a finalidade vem fácil e dura pouco. Nem o sentimento de ser capaz, tudo o que tinha então, era suficiente para acalentá-lo. O cisne canta sua canção uma única vez, pelo bom êxito da mudança de residência, independentemente se algum ouvido se dispõe a ouvi-la.

Olhou para as próprias mãos e ficou surpreso ao ver o indicador direito sem qualquer marca de mordida. Será que suas ficções só sobreviveriam dentro de sua cabeça morta? Contudo, nem isso era possível, afinal não se lembrava com exatidão como tudo transcorrera e não seria capaz de restabelecer a ordem em seus pensamentos.

Talvez nem ele próprio soubesse o que estava fazendo no momento em que estava fazendo, o que não consiste de forma alguma em um demérito, mas como culpá-lo quando o descaso permanece sobre o acaso da casa?

ilustrações: Luciane Yasawa

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Marcas

Gustavo Berbel

lavo meus pés vermelhos encardidos de terra não há mais tormento no piso alvo os fios conduzem o escuro

só o silêncio

artesanato: tecer de água

que me acompanha

fluindo no caminho certo

quando me movimento

à escorrer e desnudo e a correr

vejo meu mundo

do meu corpo

as minhas marcas

ainda molhado

sujas de mim

descoberto da poeira

ilustrações: Stella Mesquita

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ESPELHO Bruno Augusto Martinelli

Imerso em insônia Sonho branco, pelado Nu de intenções Fio claro, direto Transcende o espelho Realidade fina Simétrica expansão

Num sono profundo Imundo, desnudo Oco de sonhos Fio podre, caído Céu de azul fingido Estado tão híbrido Jogado, no chão

Originais Reprovados

O H L E P SE ilustrações: Ana Rizzo

Camila Cysneiros

Sonhando acordados Multicoloridos, despidos Nus de preocupações Fios belos, unidos Nas nuvens, nas ondas Realidade de vento Moinhos na mão

Liberdade tangível Emoção hemostática Alegria cardíaca Ventura exposta Sonho em expansão Realidade na mão Céu azul, nosso chão

olho dentro dos seus olhos negros como antes de se jogar o suicida ereto

do prédio a altura de cima

Ari Marinho Bueno

ilustrações: Camila Cysneiros

confirma

CIRCO TEREBINTINA

luxúria e fogo no palco da podridão J. G. Licio

Tudo o que descreverei agora começou em meados da década de neon. Eu usava sapatos brilhantes; ela tinha muito cabelo e pouca roupa: queríamos ficar alucinados.

Não é algo que eu recomendaria a pessoas íntegras. O circo estava descansando, era alta madrugada. Nenhum palhaço estava com sua maquiagem do lado de fora dos olhos.

Entramos, pulando a cerca. Deixei meus sapatos na grama para assegurar que não suspenderíamos qualquer partícula de barulho ao éter aéreo. Andamos, cambaleando por causa da gasolina, até chegar a uma das tendas abandonadas.

O circo era de um mexicano qualquer perseguido pela polícia de seu país, sob acusação de maus tratos a infantes, já preso por vinte e sete anos devido à prática de necropedofilia. Apesar de tudo, acenava com um franco sorriso no rosto para os seus pagantes.

De qualquer forma, lá estávamos. Um lugar sujo, que cheirava a restos de fritura e a diabetes; cortinas imundas, areia, poeira - nossa vontade aumentava a cada instante.

Puxei de minha mochila a lata que tanto queríamos. Amarela, cilíndrica, caveiresca.

Bebi o primeiro gole da terebintina, e nisso começamos a roçar línguas, apaixonadamente. Enquanto nossos olhos se faziam cerrados, derramávamos aquele líquido um no corpo do outro.

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Ela já estava encharcada. Começamos, quase ao mesmo tempo, a sentir a ardência. O gosto de nossas línguas se desprendendo da boca, nossa pele enrugando, apodrecendo, derretendo…

Iríamos nos amar como dois criminosos até que nossos ossos pudessem se tocar.

Sempre havia mais terebintina, e um pouco de nossa carcaça já caía e se tornava um torrão em meio à areia do picadeiro.

(pareciam brigadeiros de carne)

A sensação de estar ardendo em brasas ácidas era o expoente máximo da lascividade. Nem saliva nem água aliviavam a dor, e isso nos era sublime.

Ela gemia; eu grunhia: lambíamos todo o suco podre que emanava de nossas carnes.

Surgiu, então, das cortinas - para nossa adorável surpresa - o dono do circo. Ouvindo ruídos há quarenta minutos, resolveu averiguar o que acontecia.

Rimos a ele. Nós éramos, modéstia a parte, de beleza extraordinária. Mesmo cegos de um olho e derretendo com a lepra autoinduzida por coito terebintínico, éramos

ilustrações: Francisco Bresolin

formosos. Eu, bem magro; ela, com peitos salientes e curvas dignas.

Expliquei rapidamente ao dono do circo o que se passava, enquanto ela me chupava e me jogava mais terebintina. Ele, claro, entendeu, e se mostrou solícito.

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Voltou treze minutos mais tarde com um garrafão vermelho: trazia consigo querosene, o qual seria usado mais tarde para atear fogo nos animais que não fossem sê-lo útil para a caravana. Decidiu, porém, no alto de sua bondade, apenas jogá-los à linha do trem.

Quanto ao querosene, abriu a garrafa e nos disse para que continuássemos. Subiu ao trampolim de sete metros. Lá do alto começou a entornar o querosene em nossa cópula.

Era como um banho de fogo - delirávamos um ao outro, enquanto o fogo invisível escorria. Às cinco da manhã os palhaços acordaram e chegaram já de sobreaviso - cada um trazia um presente a mais: álcool, cachaça, ácidos, água suja: tudo se juntava a nossa orgia.

Quando as pessoas começaram a chegar - crianças, velhos, senhoras… - os palhaços se rolavam ao chão, comendo areia e nossos torrões, lambuzando-se no líquido tóxico.

Lá do alto, o dono do circo nos jogou seu charuto, aceso.

Num momento rápido, nós e todos os palhaços estávamos em chamas, carbonizando.

Abraçamo-nos em confraternização, sentindo nossos corpos tornarem-se queijo frito.

Foi a noite das noites. E assim, meses depois, nasceu nosso primeiro filho.

O circo nunca dorme.

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TIRÉSIAS Renato Essenfelder

A vida tem caminhos misteriosos, lição que Sebastião cedo aprendeu. Uns dizem que frequentou o mestrado em semiologia, outros que inventou uma própria teologia, outros que enforcou o pai nas tripas da filha. Tudo contingencial, contudo, ou como tudo, conforme Tirésias diria.

Seus domínios iam da baixa Augusta à Santa Cecília, contornando toda a Amaral Gurgel. Sob o minhocão era rainha, nas noites de sexta a domingo. Durante a semana, o mito crescia.

Não era mais o sexo, há muito. De início, de fato, sua beleza lânguida e melancólica atraía. Penetrantes olhos negros, boca gelada, pele embaçada por uma névoa de pó e carpintaria. Criatura onírica, sonho ambíguo, terror, milagre e paralisia: um homem e uma mulher no mesmo corpo, coabitando criatura divina, Janus de entradas e saídas; ofícios, caminhos, descaminhos, orifícios e armadilhas.

Aos poucos os iniciados foram refluindo às sombras do viaduto, congraçando-se em primitivas expectativas. Andrógeno, optara por não fazer a cirurgia definitiva, embora cedesse a hormônios e cremes e truques de alfaiataria. Satisfazia, assim, aos homens que buscavam o mito da mulher com falo e às mulheres que numa falsa mulher cavalgavam impensáveis fantasias, alisando seus cabelos negros, seus cílios impossivelmente longos, impassíveis, impenetráveis.

[No alto da noite, sob o viaduto, seus olhos negros eram como buracos no asfalto, descoloridos e traiçoeiros, cavados em carreiras de cocaína, álcool, heroína, semiótica, literatura e poesia.]

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Tudo seguia, até que sentiu convulsões um dia, convulsões e ecos, vozes troantes, tornado de sensações e sinestesia que se trança nas tranças brancas de um negro, velho negro, ar de macumbeiro, sábio de obscuridades, barba grisalha, cliente de antes de toda a fama, que lhe dá uma bebida estranha. Assoma a lembrança de antes de tudo, força primitiva, gole de cachaça borbulhante, viva, que a desfazia. Único a gozar ainda da gratuidade, decretou ali no ato que o ato era no parto, e que Sebastião era Ana e Tirésias, esperma de Heráclito, adivinho de obscuridades, refrão do porão d’alma condoída, ouvido interno da paixão retraída, zumbido eterno que os gemidos decifra.

Homem mais mulher, mulher de falo, ser de vozes, Tirésias da antiguidade que na sarjeta germina, raro. A fama cresceu.

Logo estendeu seus domínios da Amaral Gurgel à vizinhança da Paulista, e velozmente saía da sombra do sexo para a névoa do mito.

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No clímax do ato, na face contrita da morte que ameaça, mas não vinga, na destruição do ego lia os sinais intermitentes da vida.

Reunia num tomo obscuro a geometria do nariz, as linhas de expressão, os gemidos, o pendor da língua, o cheiro da carne, a carne das ideias numa profecia exata: morre, dizia, e a morte vinha. Goza, decretava, e a solidão se aguçava. Parte, afirmava, e a via despedaçava. Tirésias não errava.

Foram intuindo-se a seguir os sinais mais obscuros da vida. De tudo extraía uma lição: a hesitação dos ratos, as curvas aéreas de uma pombinha. Sua visão foi se tornando insuportavelmente clara à medida que a visão se desfazia, até chegar à cegueira completa, dizimada por uma catarata precoce, devastadora. Nessa altura já pressentia. Antes que o rato completasse a terceira curva em torno de seu rabo, com os olhos injetados de fúria assassina, já entendia o significado daquela alegoria.

Alcançou pleno domínio do corpo, variando-se homem ou mulher conforme o espírito do dia. Seguia independente, sem enxergar, vendo tudo longe demais, como acometida por uma avassaladora hipermetropia. Sim, tateava, como os cegos, os obstáculos da via. A calçada, os postes, as placas que não via; mas longe, muito longe, a centenas de quilômetros, a mudança dos ventos pressentia.

O mito crescia, a fila aumentava, a mídia assediava, Tirésias emudecia. Todos à sua volta adoeciam, loucos de uma senilidade precoce, tensos com a presença de uma divindade tão cheia de significado que todo significado neles destruía. Apontava caminhos que todos seguiam, elucubrava segredos que ninguém discutia.

Tirésias, no sétimo ano, partiu daquele espaço sem deixar notícia. Viver outras vidas, semear outros filhos, comungar em mistérios.

46 Originais Reprovados

ilustrações: Ana Rizzo [Enquanto a quilômetros os homens se aniquilavam, histéricos pela impossibilidade de decidir um próximo passo: tendo visto o único, despedaçavam-se em metades partidas.]

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coordenação geral André Saretto Camila Juliani Baumhak orientação Profª Drª Samira Youssef Campedelli divulgação Thaís Rupeika Francisco Bresolin Gabriela Quessada Lilian Yuri Ishida Rogério Cantelli Stella Mesquita Thaís Vallim editorial Gabriela Ubrig Tonelli

S e você ainda tem um texto esquecido por aí, fique atento!

Beatriz Bevilacqua Caroline da Cruz Alias Francisco Bresolin Giovanna Petrólio Marcondes Hugo Otávio Cruz Reis Leonardo Uliam Lilian Yuri Ishida Olívia Lima Rogério Cantelli Thaís Vallim arte Alissa Queiroz Beatriz Bevilacqua Camila Cysneiros

E m breve

estaremos recebendo ª textos para a 9 edição da revista.

Acompanhe essas e outras informações em nosso site:

Caroline da Cruz Alias Cristina Jadi Martins Francisco Bresolin Lilian Yuri Ishida Natália Gaio Stella Mesquita

http://www.comartejr.com.br/originais/

site Luciane Yasawa Gabriela Quessada Lilian Yuri Ishida capa Camila Cysneiros Luciane Yasawa ilustrações Ana Rizzo Beatriz Bevilacqua Camila Cysneiros Cristina Martins Lilian Yuri Ishida Luciane Yasawa Natália Gaio Stella Mesquita apoio Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Com-Arte Jr.

speramos que tenha apreciado a

E

Cristina Jadi Martins

leitura, até ano que vem!