Fusões, aquisições, abertura de capital e governança - OpAA20

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AÇÚCAR, ÁLCOOL Opiniões & ENERGIA abr-jun 09

Opiniões fusões, aquisições, abertura de capital e governança abr-jun 2009

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Índice

Fusões, aquisições, abertura de capital e governança no setor sucroenergético Editorial de Abertura da Edição 05, Antonio Carlos Filgueira Galvão

Diretor do CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos

Consultores 24, Laura Tetti Diretora da JVL Consultoria

26, Raul Gabriel Beer

Entidades 06, Antonio de Pádua Rodrigues

Diretor Técnico da Unica

Consultor Independente

28, Felipe Nunes Barroso

Diretor da Bio Energias Renováveis

30, José Ronaldo Vilela Rezende

Investidores

Sócio da PricewaterhouseCoopers

08, Roberto de Rezende Barbosa

32, Oscar de Paula Bernardes Neto

10, Luiz Gustavo Junqueira Figueiredo

34, Carlos Eduardo Araujo

12, Sebastião Henrique Rodrigues Gomes

36, José Ricardo de Bastos Martins

Presidente do Grupo Nova América

Diretor Comercial da Usina Alta Mogiana e Presidente da Câmara Consultiva do Açúcar e Etanol da BM&F-Bovespa Superintendente Administrativo do Grupo Açúcar Guarani

Sócio da Íntegra Associados

CFO da Mackensie Agribusiness

Sócio da Peixoto & Cury Advogados

37, Eduardo Alfred Taleb Boulos

Bancos

Sócio da Levy & Salomão Advogados

14, Carlos Eduardo de Siqueira Cavalcanti

38, Juliano Battella Gotlib

16, Clive Botelho

40, Luís Rogerio Godinho Farinelli

18, Allan Simões Toledo

41, Antonio Carlos Porto Araujo

Chefe do Departamento de Biocombustíveis do BNDES

Vice-presidente de Finanças do Banco Pine

Diretor Comercial do Banco do Brasil

20, Gustavo Oubinha Barreiro Head do Corporate Finance do Rabobank International Brasil

22, Luiz Augusto Galvão Monteiro Head do Corporate Regional do ABC Brasil Arab Banking

Sócio da Azevedo Sette Advogados Sócio da Machado Associados Consultor da Trevisan Consultoria

Trading 42, Martinho Seiiti Ono

Diretor da SCA Etanol do Brasil

Editora WDS Ltda e Editora VRDS Brasil Ltda: Rua Jerônimo Panazollo, 350 - Ribeirânia - 14096-430, Ribeirão Preto, SP, Brasil - Pabx: +55 16 3965-4600 opinioes@revistaopinioes.com.br - Diretor de Operações: William Domingues de Souza - wds@revistaopinioes.com.br - +55 16 3965-4660 - Coordenação Nacional de Marketing: Valdirene Ribeiro Domingues de Souza - vrds@revistaopinioes.com.br - +55 16 3965-4606 - Suporte de Vendas: Lâina Patricia Campos Oliveira - lpco@revistaopinioes.com.br - +55 16 3965-4616 - Auristela Malardo - am@revistaopinioes.com.br - +55 16 3965-4698 - Priscila Boniceli de Souza Rolo - pbsr@revistaopinioes.com.br - +55 16 3965-4696 - Jornalista Responsável: William Domingues de Souza - MTb35088 - jornalismo@revistaopinioes.com. br - Assistente do Editor Chefe: Aline Gebrin de Castro Pereira - agcp@revistaopinioes.com.br - +55 16 3965-4661 - Freelancer da Editoria: Priscilla Araujo Rocha - par@revistaopinioes.com.br - Correspondente na Europa: Sonia Liepold-Mai - sl-mai@T-online.de - +49 821 48-7507 - Correspondente na Índia: Marcelo Gonçalez - mg@revistaopinioes.com.br - Correspondente em Taiwan: Wagner Vila - wv@revistaopinioes.com.br - Correspondente no Nepal: Lucas Barbosa Neto - lbn@revistaopinioes.com.br - Jornalista Fotográfica na Ásia: Marcia Maria Ribeiro - mmr@revistaopinioes.com.br - Expedição: Donizete Souza Mendonça - dsm@revistaopinioes.com.br - Estruturação Fotográfica: Priscila Boniceli de Souza Rolo - +55 16 9132-9231 - boniceli@globo.com - Copydesk: Jacilene Ribeiro Oliveira Pimenta - jrop@revistaopinioes.com.br - Tratamento das Imagens: Luis Carlos Rodrigues (Careca) - Finalização: Douglas José de Almeida - Impressão: Grupo Gráfico São Francisco, Ribeirão Preto, SP - Artigos: Os artigos refletem individualmente as opiniões de seus autores - Fotografias: Acervo pessoal - Foto da Capa: Paulo Altafin - 19 8111-8887 - www.pauloaltafin.com.br - Foto Índice: Acervo Opiniões - Periodicidade: Trimestral - Tiragem: 7.000 exemplares - Veiculação: Comprovada - As matérias publicadas na Revista Opiniões estão disponíveis, na íntegra, no site www.revistaopinioes.com.br


Editorial A crise sistêmica e a oportunidade estratégica do bioetanol Crise sistêmica é aquela em que as expectativas dos agentes econômicos são drasticamente alteradas e frustram-se as predições usuais. Com isso, revisam-se planos de investimento e negócio e desencadeiam-se tradicionais medidas de ajuste às novas condições do mercado. Nas crises agudas, de forma diferente das perturbações cíclicas menores, o epicentro do sistema é posto em xeque: o circuito monetário-financeiro, que congrega a representação simbólica dos valores e provê a liquidez necessária às transações econômicas, deixa de operar a contento. A crise atual, guardadas suas especificidades, é comparável a de 1929, dada a dimensão das contrações e medidas anticíclicas. Para os que defendem a teoria do ciclo econômico, tais crises são típicas da metade do ciclo longo, momento em que a “exuberância irracional” dos mercados, alavancada pela finança desregulada, promove perceptível descolamento dos segmentos produtivo e monetário-financeiro. É como se a valorização financeira dos capitais ganhasse autonomia e rompesse com as limitações do mundo físico das mercadorias. Parte expressiva da riqueza parece guardar relação apenas com a componente especulativa. Na primeira metade de um ciclo, após etapa inicial de afirmação dos benefícios de novo arsenal de inovações revolucionárias e da lenta e firme ocupação de todos os setores econômicos, o paradigma emergente provoca, noutra etapa, uma euforia nos agentes, que os impele a aceitar padrões de remuneração dos bens e serviços crescentemente desatrelados dos custos reais de produção. O caso recente do preço do petróleo no mercado internacional é ilustrativo a respeito, quando de um patamar aproximado de US$ 25, em 2000, o barril chegou a US$ 147, em julho de 2008, e retornou para menos de US$ 50, no princípio de 2009. A crise mina justamente essa lógica de evolução da economia e esteriliza a riqueza financeira, colocando a descoberto opções de investimentos que não atendam aos melhores critérios de avaliação. Na atual crise, estima-se que mais de US$ 2 trilhões – cerca de dois PIB brasileiros – sejam dissipados no sistema econômico. A superação da crise deverá dar lugar a uma terceira etapa de prosperidade, comportada, em que finanças e produção caminham acopladas, orientadas pela revisão dos padrões de gestão e regulação dos mercados globais. No jogo competitivo mundial e de cada nação, haverá novos ganhadores, adaptados às novas regras do comportamento econômico. Assim, a atitude de cada empresa, bloco de capital ou país, frente à crise, é determinante dos resultados alcançados. E certos setores estão melhor posicionados que outros, para gerar os impulsos necessários à saída da crise. O setor sucroalcooleiro apresenta, hoje, inegáveis vantagens para apoiar a saída da crise global, em especial com o bioetanol de cana e seu papel potencial no redesenho da matriz

energética mundial. Ao absorver volumes comparáveis de CO2 no crescimento da planta aos produzidos pela combustão do álcool, o etanol de cana contribui para minorar o efeito estufa. E, as perspectivas de melhoria na eficiência econômica, energética e ambiental assinalam ganhos potenciais significativos, seja com o desenvolvimento de cultivares melhor adaptados a cada contexto edafoclimático, seja com o avanço da genômica e de técnicas de aproveitamento integral da planta. Como vêm demonstrando sistematicamente os esforços de pesquisa capitaneados pelo CGEE, esses desafios avultam-se diante da presença de tecnologias alternativas e de saltos tecnológicos, que possam transformar a biomassa em fonte de produção de energia. O sistema econômico ainda está atrelado a um padrão energético do século XIX, baseado em energias fósseis. Trata-se de um anacronismo tecnológico - como o das, ainda dominantes, lâmpadas a filamento incandescente, de Edison, a ser superado pelas fontes renováveis. A possibilidade do bioetanol - e também dos demais biocombustíveis, ocupar lugar crescente na matriz energética mundial coloca o Brasil numa posição vantajosa. Nenhum país possui situação equivalente, dadas às possibilidades de incorporação de novas terras agricultáveis e à larga experiência adquirida na organização da produção e comercialização do álcool. A escala de produção e consumo no mercado nacional adquiriu proporções invejáveis e novos rearranjos estão em contínua marcha, como na tendência recente de concentração dos grupos envolvidos na comercialização do álcool, num movimento que busca contrapor o poder de mercado das distribuidoras de combustíveis no Brasil. Mas, a crise incita uma atitude brasileira mais firme, que deve incluir, como lembram especialistas, a transformação do bioetanol numa commodity internacional. Os obstáculos tarifários e não tarifários para a entrada de exportações brasileiras na Europa e EUA não são desprezíveis. E as opções políticas recentes desses países parecem não contribuir para acelerar essa mudança. Assim, a melhor estratégia, talvez, seja a de promoção de uma intensa articulação e cooperação com os países africanos, como potenciais produtores e exportadores de álcool. Eles possuem capacidades inegáveis para a produção do bioetanol de cana em larga escala e poderiam se beneficiar muito de uma inserção competitiva internacional, que o mundo todo almeja há muito tempo. Em contrapartida, a África, do ponto de vista geopolítico, pode ser o elemento catalisador de uma estratégia mais ousada de promoção da expansão internacional do bioetanol, arrastando consigo a valorização de anos de esforços brasileiros no setor.

Antonio Carlos Filgueira Galvão, Diretor do CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos


Entidades Antonio de Pádua Rodrigues

Diretor Técnico da Unica A caminho de um futuro consolidado Os primeiros meses de 2009 foram particularmente preocupantes para o setor sucroenergético brasileiro, tolhido que foi pelo aperto global no crédito, num momento em que parcela significativa das empresas do setor ainda se questiona sobre as dívidas contraídas nos últimos anos para ampliar a capacidade de produção e os resultados atingidos até aqui por conta desse esforço. Nesse contexto, é difícil caracterizar com precisão as duas grandes transações que ocorreram nesse período – as aquisições da Nova América pela Cosan e da SantelisaVale pela LDC, ainda não concluída. Seriam consequências diretas da crise global e seus efeitos sobre o Brasil, ou movimentações naturais, esperadas e até desejadas para um setor tão fragmentado, apenas antecipadas pelas dificuldades impostas pelo cenário atual da economia mundial? Nos dois casos, as empresas adquiridas são atores de peso, relevância e tradição, que atravessavam dificuldades financeiras abertamente discutidas e amplamente detalhadas na mídia e, com isso, fomentavam a percepção de que o setor como um todo enfrentava problemas graves, dada à tendência da grande mídia de generalizar problemas e transformálos em regra e não exceção. Sob esse aspecto, a absorção dessas unidades produtoras por empresas sólidas empurra a imagem do setor em outra direção, ao tirar de cena as dificuldades, reais ou presumidas, e substituí-las pela perspectiva de maior estabilidade e eficiência no desempenho empresarial de ambas. Claramente, não é preciso que empresas cheguem ao ponto de terem eventuais dificuldades expostas publicamente antes de serem absorvidas, para que os aspectos positivos da consolidação sejam compreendidos e gerem benefícios para o setor. Com ou sem crise, a consolidação, através de fusões e aquisições, é desejável e pode beneficiar o setor como um todo, por diversas razões e de diferentes formas. Um processo de consolidação pode, por exemplo, ajudar na redução das oscilações nos preços, que têm sido observadas com tanta frequência, nos últimos dois anos. Em alguns casos, elimina-se a necessidade de comercializar produtos a preços aviltados para garantir capital de giro e saldar compromissos, situação que tem sido verificada, particularmente, nos últimos meses. Tais oscilações ocorriam, rotineiramente, entre os períodos de safra e entressafra, quando os preços habitualmente subiam, às vezes de forma acentuada, em parte devido à difi-

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culdade de estocagem do etanol para atender ao período até o início da nova safra. Mas, nas duas últimas entressafras, ocorreu o inverso: a combinação do aumento de produção com o aperto no crédito, gerando a necessidade de busca por capital fora do sistema financeiro, que se mostra pouco disposto a atender às empresas, vem levando à queda dos preços, mesmo durante a entressafra. Em linhas gerais, desde o início de 2009, vem se observando uma tendência de queda nos preços praticados nas usinas, que se acentuou a partir do início de fevereiro. A queda acumulada nos preços, no período que vai de fevereiro até o início de abril, já chega a 30%. É um tipo de oscilação que, pelo menos parcialmente, poderia ser evitada ou atenuada, se o setor fosse menos fragmentado. A consolidação que saneia empresas em dificuldades é apenas parte dessa equação, que inclui também a consolidação voltada para ganhos expressivos de escala, assim como a diminuição no número de atores do lado da venda. Hoje, a realidade apresenta-nos cerca de 400 usinas em atividade no país, pertencentes a mais de 150 grupos empresariais, todos comercializando seu produto – o etanol – para um número cada vez mais restrito de distribuidoras. Até o final de 2008, cerca de 12 distribuidoras concentravam 70% do etanol comercializado no país. Nos últimos meses, duas delas foram engolidas: a Repsol, adquirida pela Ale, e a Chevron-Texaco, pela Ipiranga, diminuindo ainda mais um grupo de empresas que já era bastante restrito. A legislação brasileira determina que usinas são obrigadas a vender para uma distribuidora, e não diretamente para o varejista ou o consumidor final. É possível a comercialização entre unidades produtoras, mas a única forma de dar vazão efetiva ao produto é vendendo para uma distribuidora. Na atual conjuntura, essa circunstância literalmente coloca a grande maioria das fichas de um só lado do balcão. Com o número de distribuidoras em queda, o número de usinas ainda crescendo – mesmo que em ritmo menos acelerado, e a crise financeira afetando a economia como um todo e não apenas o setor sucroenergético, é fácil compreender porque os preços estão se comportando de forma tão errática. Fica mais evidente, também, como a consolidação através de fusões e aquisições poderia influenciar positivamente esse processo. Vale frisar que ao se falar em consolidação, é preciso incluir a hipótese do agrupamento de empresas também para fins de comercialização, ou seja, não é, na verdade,


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necessariamente, uma situação em que empresas precisam se fundir para otimizar suas atividades. Com grupos empresariais englobando, cada um, mais usinas, é possível imaginar uma situação muito mais estável e resistente a eventuais crises como a atual, com estruturas de governança necessariamente mais arrojadas. A estabilização tenderia a aumentar, já que unidades menores, com menos cacife para negociar, não ficariam tão sujeitas a um mercado tão fortemente a favor do comprador. Os ganhos de escala possíveis, através da consolidação, também são evidentes. Grupos com volumes maiores de produção podem negociar acordos mais vantajosos em várias frentes, desde a compra de insumos em todas as áreas do negócio – de pneus para caminhões e tratores a fertilizantes e defensivos, passando pela logística, essencial ao transporte e à distribuição, chegando à própria comercialização de produtos finais. Além de contribuírem para uma maior estabilização nos preços e no equilíbrio de mercado, as empresas também ganhariam músculo para dar passos mais ousados, partindo, por exemplo, para o controle, total ou parcial, de estruturas vitais para o negócio. Logística, distribuição, produção de insumos, investimentos em novas tecnologias, até mesmo a diversificação para outras áreas de atividade, são algumas formas de expansão possíveis, que permitem buscar ganhos ainda maiores de eficiência. Pode-se dizer que a atual crise contribuiu de alguma forma para que ocorressem as duas grandes transações deste início de ano. Mas, com a crise já apresentando os primeiros sinais de que seu fim pode estar no horizonte, o essencial é constatar que o processo de fusões e aquisições no setor sucroenergético é algo que pode ser contemplado pelas empresas do setor, sem ser necessariamente empurrado ou deflagrado por situações conjunturais como a atual.

Mais eficiente e produtiva para o setor seria a percepção, que deve ser crescente, de que a consolidação, levando a um número crescente de grupos empresariais, e decrescente de usinas isoladas, traria benefícios importantes para um setor cada vez mais vital, não apenas para a economia brasileira, como para o próprio futuro do planeta, através do fornecimento de energia limpa e sustentável.

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Investidores

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Roberto de Rezende Barbosa

Presidente do Grupo Nova América

Passos largos rumo à concentração dos grupos econômicos O movimento de ganhar escala para captar valor em todos os elos da cadeia produtiva sucroalcooleira leva-nos a um esforço de subir degraus com fusões, aquisições, abertura de capital e governança. Fazendo uma análise de todos os elos da cadeia, enxergo dimensões sempre multiplicadas por dez em cada elo, desde o setor primário, que é a produção da cana, até a entrega do produto final no seu destino. Refletindo esses valores quantitativos, todos na base de tonelada de cana, podemos iniciar o raciocínio com o módulo operacional agrícola de um fornecedor que tenha a operação de plantio, corte, transporte e carregamento até a unidade industrial com 200 mil toneladas, por safra de cana. Este tamanho é estabelecido a partir da viabilidade econômica exigida para a operação com colheitadeiras e demais equipamentos necessários, para que se atinja um nível adequado de produtividade agrícola e logística no módulo, assim como uma boa interface com os elos seguintes na cadeia. Nas unidades produtoras atuais, podemos dizer que as moendas ou os difusores, caldeiras e destilarias indicam escalas economicamente viáveis da ordem de 2 milhões de toneladas de cana por safra. Na operação industrial, o fator chave será sempre a eficiência em recuperação de açúcar e álcool, focando também nas novas tecnologias que virão, como a cogeração de energia a partir do bagaço da cana. Na comercialização, uma escala da ordem de 20 milhões de toneladas de cana, por safra - o que equivaleria a um volume de 1,5 milhão de toneladas de açúcar e 900 milhões de litros de álcool, assegura-nos relevância para participar e influenciar os canais de vendas, já considerando suas peculiaridades. Olhando, por exemplo, para o mercado nacional de açúcar no varejo, não podemos competir se não tivermos marcas fortes com distribuições regionais e relacionamentos B2B (Business to Business) e B2C (Business to Consumer) bem estruturados. Consideremos ainda o potencial do mercado externo de etanol. A possibilidade de acesso aos canais de vendas internacionais demandará das empresas a capacitação comercial para estabelecer contratos internacionais que ofereçam segurança de fidelização e garantias de suprimentos em quantidades de bilhões de litros.

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Já no elo logístico desta cadeia, as dimensões da operação exigirão mudanças estruturais em todos os modais disponíveis no Brasil: rodoviários, ferroviários, portuários e hidroviários - fluvial e marítimo. No caso do etanol, a movimentação destes volumes deverá envolver navios, com capacidade da ordem de 100 milhões de litros cada. De outro lado, um alcoolduto de 8 polegadas de diâmetro precisará transportar alguns bilhões de litros por ano, para se viabilizar economicamente. De fato, estas escalas de grande proporção já são vistas nas exportações de açúcar, mercado bem mais amadurecido comercialmente. Exemplo: um único shiploader, no porto de Santos, movimenta 3.500 ton de açúcar/hora. Considerando este cenário, não há condições de viabilizar economicamente esta operação, com volumes menores que o equivalente a 200 milhões de toneladas de cana por safra, também 10 vezes superior ao citado no estágio comercial. Com toda esta necessidade estrutural, dada por estas escalas, é inevitável passar por grandes escolhas, em direção à consolidação. A receptividade dos vários players aos arranjos societários e empresariais acelera-se ainda mais com a crise financeira atual, exigindo competência em governança e deliberações assertivas em tempo e hora adequadas, para conseguir capturar esse rico momento de oportunidades, que não esteja respaldada por “achismos”. É preciso pensar ainda nos modelos de financiamento adequados para este negócio, principalmente em termos do volume e custo do capital a ser empregado. Basta considerar as dificuldades que enfrenta um empresário, proprietário de uma única unidade industrial, que esteja instalada em algum rincão do estado de Mato Grosso, para acessar o mercado de capitais na Bovespa ou na Bolsa de Nova York, através de um IPO - sigla em inglês para Oferta Pública Inicial, que marca o lançamento de ações da empresa na bolsa de valores. Por estes motivos, dentre outros, que minha resposta é “sim”, ao pensar se vamos caminhar a passos largos, rumo à concentração dos grupos econômicos dentro do setor sucroalcooleiro. Em função da complexidade que cerca a cadeia produtiva sucroalcooleira, provavelmente ela demandará várias soluções em arquiteturas de negócios, e nossa responsabilidade no papel de condutores destes empreendimentos é construir este arcabouço, guiados pelo que rege a essência econômico-financeira, desviando dos penduricalhos societários e evitando cair em armadilhas nas complexas alianças de parcerias, principalmente nos assuntos ligados à questão dos combustíveis líquidos, produto este inserido em um mercado mundial ainda embrionário. E assim, espero um futuro promissor, pois todos os fundamentos estão mantidos para nos levar à frente.



Investidores

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Luiz Gustavo Junqueira Figueiredo

Diretor Comercial da Usina Alta Mogiana e Presidente da Câmara Consultiva do Açúcar e Etanol da BM&F-Bovespa A consolidação veio para ficar Os últimos meses têm sido dramáticos para a economia mundial, e os desdobramentos da crise de crédito afetaram em cheio o setor sucroalcooleiro, muito dependente de capital de giro e sensível às cotações do petróleo e do açúcar, commodities com elevado grau de volatilidade. Muitas empresas não previram que os investimentos em expansão poderiam demorar a gerar resultados e vários erros foram cometidos, como a contratação de executivos a peso de ouro, alavancagem com derivativos cambiais, estrutura inadequada de capital próprio versus capital de terceiros, ausência de política de hedge de longo prazo e, principalmente, excesso de confiança no crescimento do mercado externo de etanol. Os anos onde as exportações tiveram boa demanda e altos preços, ocorreram graças à substituição do MTBE, nos Estados Unidos, em 2006, e à quebra de safra de milho, em 2008, o que levantou as cotações do etanol. Em anos sem interferências climáticas ou políticas, o mercado externo mostrou-se pouco atraente, causando um efeito perverso no mercado doméstico, que se vê obrigado a se desvalorizar, até que a paridade entre os dois mercados restabeleça-se. Uma simulação de dívida líquida versus custo da mesma ilustra bem a situação vivida pela maior parte do setor. Um nível de endividamento, onde o serviço da dívida é maior do que a margem operacional, resulta em aumento do endividamento. Combinação que deve ser evitada pelas usinas. Supondo um custo médio de captação de 12% ao ano e uma dívida líquida de caixa e estoques de R$ 100/ton de cana moída, concluímos que a margem deve ser de, pelo menos, R$ 12/ton de cana/ano, para evitar um aumento da dívida. Historicamente, as margens operacionais situam-se em um intervalo entre R$ 10 e R$ 20/ ton de cana processada. Para uma usina dever mais de R$ 100/ton de cana e diminuir o endividamento no longo prazo, ou as margens históricas devem aumentar significativamente por um longo período, ou não resta outra alternativa senão capitalizar a empresa. Esta capitalização pode se dar por novos recursos dos atuais sócios ou pela venda de parte da empresa a terceiros. Com o mercado acionário ainda na defensiva em relação a novas aberturas de capital, resta às empresas a opção de se capitalizar através de fusões com grupos mais sólidos, como o ocorrido recentemente entre Nova América e Cosan, ou, em casos extremos, a venda da usina. Felizmente, o setor é visto com bons olhos por investidores que desejam adquirir ativos viáveis, com boa escala e localização adequada. Para estas empresas, o momento de entrar no setor é muito propício, já que o custo de aquisição de uma unidade existente é, atualmente, menor do que o de um greenfield, além das vantagens

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de se gerar receita imediatamente e de não haver necessidade de se formar um corpo técnico para tocar o negócio. Esta situação levará a um cancelamento/adiamento de novos projetos e, por sua vez, à uma situação de oferta e demanda futura mais construtiva, dando tranquilidade aos investidores de que as margens permanecerão atraentes no curto e médio prazos. Com o cenário futuro indicando melhores margens, muitas usinas estão adiando decisões de recapitalização, pois o negócio tende a valorizar-se. Este impasse acaba chegando ao elo mais fraco da cadeia, que são os fornecedores de cana: muitos não estão sendo pagos em dia, o que vai comprometer o trato do canavial e gerar queda de produtividade, já no ciclo 2009/2010. A situação é mais complexa do que parece e deveremos passar por uma forte consolidação do setor nos próximos anos. Unidades que hoje estão financeiramente fragilizadas podem até vir a reestruturar-se sem novas alianças, mas a confiança vai levar anos para ser restabelecida. Grupos em dificuldades não serão os primeiros a receberem recursos, quando o setor estiver saneado. Os bancos darão prioridade aos clientes que lidaram bem com a crise, através de novas linhas de crédito ou do diferencial de custo das captações, que serão bem mais baixas para os times da “primeira divisão” do setor. Isto fatalmente levará a uma concentração ainda maior, pois apenas alguns poucos grupos irão receber recursos a custos mais competitivos. A qualidade do management das empresas terá um peso maior na concessão de crédito, mudando o grau de risco das usinas perante os analistas de crédito. Concluimos que a consolidação veio para ficar, e com ela a necessidade de maior profissionalização do setor, e, certamente, que o excesso de alavancagem financeira, aliado a um otimismo mercadológico exagerado, foram os maiores erros cometidos pelos seus gestores, em toda sua história.



Investidores

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Sebastião Henrique Rodrigues Gomes

Superintendente Administrativo do Grupo Açúcar Guarani O mundo corporativo nunca mais será o mesmo Apesar das nossas experiências acontecerem nos negócios corporativos, fusões foram realizadas, ao longo da história da humanidade, sob variadas formas e amplitudes. Alexandre, o Grande, por exemplo, teve como propósito a união da cultura oriental com a ocidental. E este, não foi um caso único. O tema tende a ser uma obra interminável. Na era da revolução industrial, muitos processos ganharam viabilidade, graças à fusão de atividades e compatibilidade com a escala de produção, em relação à demanda e mercados. Sob o ponto de vista econômico, o mundo capitalista requer que os ciclos sejam monitorados, de forma clara e transparente, e o gerenciamento de riscos, mais intensificado para ações preventivas, visando evitar situações como a que vivemos recentemente. Deflagrada a partir das corporações dos EUA, a crise contaminou os demais sistemas financeiros, atingindo todos os blocos econômicos do planeta. No Brasil, interrompeu ou suspendeu o tão esperado ciclo do crescimento, demonstrando que nossa economia não estava tão preparada e resistente. Na verdade, estamos vivenciando um momento de aprendizado importante para quando o equilíbrio for retomado. As fusões de empreendimentos e negócios apresentam-se como soluções para alguns segmentos, notadamente no setor sucroenergético, cuja estratégia para conquistar o mercado mundial deverá ser o caminho da consolidação, com elevado grau de profissionalização e otimização da capacidade produtiva. Não há mais dúvidas que somos os mais competitivos, porém, creio haver a necessidade de uma ruptura no conceito de que outros países não possam disputar este mercado. O fato de haver um único fornecedor assusta qualquer cliente, pela dependência e supremacia, principalmente quando falamos de recursos energéticos, muitas vezes básicos à sobrevivência. Com estas medidas, a adoção de gestão estruturada para o mercado aberto, além de inovar em aspectos operacionais (produção contínua) este segmento deverá decolar e estabelecer um modelo com menor volatilidade. A energia renovável sensibilizou o mundo, e será explorada nas mais variadas formas, sendo a grande porta de oportunidade para os grupos brasileiros, porém, ainda temos pontos que precisam ser fortalecidos para a sustentabilidade dos negócios e mercados. Planejamento é um desses pontos. E não paramos por aí, serão necessárias muitas outras inovações. As fusões das instituções financeiras, realizadas nos últimos tempos, prosseguem com resultados satisfatórios aos seus acionistas, demonstrando tratar-se de um instrumento importante, em solução de continuidade. Há algum tempo, tive a oportunidade de presenciar um programa destinado a micro e pequenas empresas, denominado Unir para Crescer. Quando o valor agregado for real, percebido, e fácil de ser

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monitorado, as chances de êxito são enormes, contudo, o ponto-chave para completar este sucesso está nas pessoas. A natureza humana ainda representa a maior parte do diferencial competitivo das empresas. Os dois extremos da estabilidade e da instabilidade, na maioria das vezes, são disparados pelo ser humano, assim, a expertise, complementação de negócios, tradições, rupturas ou choques, devem ser conduzidos por lideranças claras, com fortalecimento do clima organizacional, voltado ao sentido de equipe, com orientação e foco no resultado. É como dirigir um carro com câmbio mecânico e passar para um câmbio automático. É preciso mudar o comportamento, eliminar o costume de colocar a mão na alavanca ou acionar o segundo pedal inexistente, além de controlar a pressão do acelerador para um ritmo adequado da relação resultado/benefício. Fusões galgadas em influências políticas, combinação de regras interdependentes ou ganhos fiscais e tributários, tendem a não ser duradouras. As novas estruturas organizacionais, tais como empresa virtual, fábrica-sem-fábrica, também são formas de fusões e consolidações. Por outro lado, quando a integração de negócios ou de empreendimentos for realizada na forma de aquisição, as estratégias a serem adotadas diferem das fusões em vários aspectos. Cwom os mesmos elementos básicos, como pessoas, tecnologia, processos, arquitetura organizacional, etc, geralmente se emprega o conceito de fazer mais com menos, com tendência gerencial a learning organization e disciplina corporativa, do contrário, a gestão poderá ficar ofuscada e os resultados mais distantes do objetivo. Portanto, os modelos devem ser adequados a cada caso e para cada um, uma matriz de riscos específica. Uma regra geral para todos é que para se alcançar bons resultados é necessário: preparação, acreditar e agir.



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Carlos Eduardo de Siqueira Cavalcanti

Chefe do Departamento de Biocombustíveis do BNDES Transformando a crise em oportunidade Após um boom de investimentos de quatro anos, o setor sucroalcooleiro foi atingido pela crise de crédito global, com grande parte das empresas do setor enfrentando elevados níveis de endividamento e capacidade de geração de caixa aquém do esperado, em razão da conjugação de preços desfavoráveis, verificados nas duas últimas safras, com os altos custos dos insumos agrícolas e industriais. A expansão dos investimentos, como se sabe, foi determinada, sobretudo, pelo aumento da demanda de etanol que, por seu turno, foi viabilizado pela crescente frota brasileira de veículos flex e pelo preço atrativo do etanol em relação à gasolina. Nesse período, a forma mais frequente de investimento caracterizou-se, em um primeiro momento, pela expansão de unidades existentes e, em seguida, pela implantação de novas unidades industriais. Essas escolhas justificaram-se, à época, pelo fato de que a compra de usinas já instaladas apresentava valor de investimento por capacidade instalada superior ao observado nos projetos de expansão ou implantação de novas unidades industriais. Isto acabou criando uma forma de barreira à entrada de diversos grupos multinacionais no setor, tendo em vista as poucas oportunidades de aquisição. Quem entrou, acabou pagando um pedágio caro. Em 2009, contudo, como decorrência da crise de crédito e do excesso de alavancagem financeira de algumas usinas - com estrutura de capital notadamente inadequada para a expansão, o cenário reverteu-se, isto é, o valor de mercado da capacidade instalada existente vem tendendo a ser menor do que o investimento requerido para os projetos greenfield, o que certamente abre espaço para eventuais movimentos de fusões ou aquisições. Paralelamente, grupos estrangeiros, já atuantes no setor ou que demonstravam intenção de entrar, têm sinalizado um maior apetite por aquisições ou formação de parcerias. As dificuldades enfrentadas pelas empresas, aliadas à forte depreciação do Real no fim de 2008, criaram as condições para este

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movimento. A percepção que se tem é de que boa parte do setor deverá superar a crise e as dificuldades impostas por ela, mas, a agenda de trabalho é extensa e urgente, indo desde a busca por maior eficiência e melhor gestão – inclusive financeira – até a redefinição da estratégia de crescimento. Na definição da nova estratégia, não vislumbro outro caminho diferente da consolidação patrimonial. Outros setores de commodities passaram por esse processo. O setor sucroalcooleiro no Brasil é composto por cerca de 400 unidades industriais e quase 200 grupos, sendo o seu maior player responsável por menos de 10% da moagem efetiva. Mesmo em se tratando de tarefa complexa e não imediata, a busca da complementaridade deve ser um exercício estimulado entre as empresas, e que certamente exige um novo mindset, por parte dos acionistas e executivos. Acompanhando todo esse processo, o BNDES tem reafirmado seu apoio ao setor. A carteira sucroalcooleira do Banco totaliza cerca de R$ 29 bilhões, dos quais R$ 21 bilhões referem-se a operações já aprovadas ou contratadas. Em 2008, os desembolsos para o setor montaram a cifra recorde de R$ 6,5 bilhões, ou pouco mais de 7% de todo o desembolso do Banco. Parcela minoritária dessa carteira refere-se a operações de equity, realizadas através da BNDESPar, a qual pode participar do capital das empresas de forma direta, com a subscrição de ações, ou indiretamente através de fundos setoriais. A participação do BNDES no capital das empresas tem, usualmente, um caráter temporário, posto que a prerrogativa do Banco é a de contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais no país. Dessa forma, o Banco recicla sua carteira de participações, ao longo do tempo. As condições para a saída do Banco são, normalmente, prefixadas no acordo de acionistas, quando de sua entrada no capital. O ciclo encerra-se, via de regra, quando da abertura do capital da empresa. Esta regra, na verdade, aplica-se a todos os setores. O BNDES costuma observar, ademais, alguns pré-requisitos fundamentais, tais como boas práticas de governança corporativa e de gestão, responsabilidade socioambiental, estrutura de capital adequada e porte da empresa. Tendo em vista o atual quadro de grande fragmentação do setor, é razoável imaginar a participação do BNDES na capitalização de empresas, principalmente em movimentos patrimoniais orientados para a consolidação. Esta perspectiva é lógica e tem base histórica, uma vez que nos demais setores em que o Brasil apresenta vantagens competitivas em relação aos demais países, o Banco assumiu papel determinante no fortalecimento de empresas que vieram a se tornar, mais tarde, players globais.



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abr-jun 09

Clive Botelho

Vice-presidente de Finanças do Banco Pine Bons ventos no horizonte

Com papel fundamental na pauta de exportações brasileiras, o agronegócio ganhou importância nesta década. A bonança internacional dos últimos cinco anos, aliada à incessante discussão de desenvolvimento das fontes de energia renováveis, trouxe a países em desenvolvimento e, em especial, ao Brasil, um volume de recursos extraordinário para o agribusiness. O setor sucroalcooleiro foi o maior beneficiado deste processo, através da criação de inúmeros projetos greenfield, voltados à produção de etanol e cogeração de energia limpa. Vale destacar que, além da situação de liquidez extraordinária durante o boom do setor, investidores foram atraídos pelo custo elevado de outras fontes de energia, em especial o petróleo, com preços acima de US$ 145/barril. Este cenário intensificou as discussões sobre novas fontes de energia limpa, que tiveram seu ápice na intenção do então presidente Bush de promover uma política de substituição do petróleo. Produtores e investidores enxergaram uma oportunidade única, dadas as vantagens competitivas do Brasil, e o mercado foi inundado por novos projetos. Dessa forma, o etanol brasileiro tornou-se a grande vedete do mercado de commodity. Fundos de Hedge, empresas e instituições financeiras, além do BNDES, fomentaram e investiram no setor, através de novas linhas de funding. Com essas mudanças, o segmento capacitou-se intelectualmente e modernizou-se, através da profissionalização da gestão. O mercado financeiro teve papel preponderante nesse processo. Os IPOs - oferta pública de ações, realizados por algumas empresas, colocaram o setor ainda mais em evidência. Como em todo processo de profissionalização, houve uma consolidação através de aquisições e fusões, criando algumas companhias notáveis. Como consequência direta da internacionalização do setor, o mercado de açúcar e álcool listado em bolsa teve um boom em número de contratos negociados. O desenvolvimento de produtos financeiros derivados deste mercado também foi significativo. Se, por um lado, as mega usinas trouxeram novos players e investidores ao mercado, por outro, a chegada da crise expôs a fragilidade do setor em alguns casos. Sem fundamentos técnicos, a discussão da formação de preço de commodities é pautada na relação oferta, demanda e estoques. A crise, de proporções nunca antes vista, trouxe uma desalavancagem frenética ao mercado, exigindo uma brusca correção de preços. Dessa maneira, foram expostos aspectos que, de certa forma, eram ignorados. Em muitos casos, a necessidade de recursos para ampliação de projetos imediatos deteriorou, de forma substancial, o passivo dessas companhias. A qualidade dos financiamentos, concentrados em moeda estrangeira e, de forma geral, no curto prazo, aliada ao empoçamento de liquidez no sistema financeiro, trouxe problemas graves ao setor, suscitando

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questionamentos acerca da viabilidade dos projetos e da longevidade de muitas empresas. Isso sem considerar algumas operações com derivativos, que atingiram em cheio os passivos das usinas, com grau de alavacagem desconhecido no momento da contratação. A situação atípica provocou queda no preço do etanol em plena entressafra. Com o caixa apertado, muitas usinas tiveram que se desfazer de seus estoques estratégicos, com preços indesejados. Nem tudo são notícias ruins. Como em toda crise, além do aprendizado, surgem oportunidades. Eventualmente, haverá mais uma onda de consolidação, mas é razoável pensarmos que a recuperação será rápida, passando pela normalização do crédito ao setor. A retomada de preços do açúcar e a queda de 30% na produção na Índia já sinalizam bons ventos no horizonte. Com a recuperação do preço do açúcar e o dólar ainda forte, as usinas devem estar atentas aos seus fluxos de caixa, efetuando, em momentos favoráveis, seus hedges, que são oferecidos pelo mercado. Concluo observando, de maneira otimista, o desenvolvimento do agronegócio no Brasil e, em especial, do setor sucroalcooleiro. Com a execução de diversas ações conjuntas de bancos centrais para restabelecer o crédito, acredito que a liquidez voltará para os mercados emergentes, e o Brasil beneficiar-se-á desse processo, dada sua diferenciação, sobretudo sob a ótica macroeconômica. Dessa forma, deve atrair mais investimentos que seus parceiros em desenvolvimento.



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abr-jun 09

Allan Simões Toledo

Diretor Comercial do Banco do Brasil

O bioetanol promove o desenvolvimento de diversas áreas

Com o lançamento dos primeiros modelos de veículos flex-fuel no Brasil, em março de 2003, o segmento sucroalcooleiro ganhou um novo impulso para o seu crescimento. Assim, com o aumento do consumo, tanto de etanol, como de açúcar, cuja demanda mundial já vinha crescendo acima da média do comércio mundial desde 2000, verificou-se um movimento de alta dos preços dessas commodities. Naquele momento, o setor foi beneficiado com um aumento na oferta de crédito e oportunidades no mercado de capitais, em função da atuação de fundos private equity, estabilidade econômica e atingimento, pelo Brasil, do esperado investiment grade. Nesse cenário de aumento de demanda, revisão da matriz energética por parte de alguns países, com destaque para o etanol nos Estados Unidos, foram planejados muitos investimentos, favorecendo o processo de fusões e aquisições de empresas desse segmento e criando condições favoráveis à atualização de técnicas agrícolas e à implantação de unidades industriais modernas, com maior capacidade de extração de açúcar e etanol e de cogeração de energia elétrica a partir da biomassa. A partir de meados de 2008, com o cenário agravado pela crise internacional nos mercados de crédito, o acesso às linhas de financiamento de bancos internacionais e as oportunidades de negócios, via mercado de capitais, tornaram-se menos frequentes. Atualmente, o setor demonstra baixo nível de concentração. O maior player do segmento possui apenas cerca de 10% de participação, o que demonstra haver espaço para uma nova fase de consolidação e crescimento do porte dessas empresas. Quanto maior a consolidação, maiores as chances do segmento fortalecer-se, dado que grandes grupos tendem a ganhar escala e elevar as margens operacionais. O crescimento dos grupos sucroalcooleiros também tem favorecido a profissionalização dos principais executivos, a melhoria na governança e o aprimoramento da gestão. Com a fusão das usinas, a entrada de empresas de capital aberto e a incorporação de ativos, os grupos passam a ser geridos como verdadeiras organizações empresariais, adotando sistemas de gestão integrados, como os ERPs. É muito comum visitarmos usinas e verificarmos a adoção de sistemas computadorizados de monitoramento de plantio mecanizados, gestão financeira e de estoques, através de ERPs, e controle de produção à distância, dentre outras inovações. Além disso, constatamos, em empresas profissionalizadas, uma grande preocupação com a responsabilidade socioambiental, evidenciada pela adoção de medidas para melhorar as condições gerais de sustentabilidade.

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Com o arrefecimento da crise internacional e com a consolidação de grandes grupos e adoção de melhores práticas de governança corporativa, muitos dos grandes grupos que atualmente estão se formando poderão promover a abertura de seu capital. A título de informação, o total de IPOs em 2007 somou R$ 55,6 bilhões, enquanto que em 2008 esse valor caiu para R$ 7,5 bilhões, justificada, em parte, pelos primeiros efeitos da crise internacional. Finalmente, acreditamos que a expansão da indústria sucroalcooleira será suportada por fatores como a disponibilidade de terras, clima favorável, o aumento da frota flex-fuel e a cogeração a partir da biomassa, como energia renovável. O BNDES, em estudo sobre o segmento, afirma que “a agroindústria do bioetanol de cana-de-açúcar articula-se com muitos setores da economia e promove o desenvolvimento de diversas áreas, como a prestação de serviços, a indústria de equipamentos agrícolas e industriais e a logística. O suporte ao desenvolvimento científico e tecnológico é um elemento importante dessa cadeia produtiva, fundamental para assegurar a utilização da matéria-prima com baixo impacto ambiental e elevada eficiência”. Para o Banco do Brasil, o segmento sucroalcooleiro possui relevância e é de extrema importância social e econômica para o país, razão pela qual participamos ativa e diretamente de suas operações.



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abr-jun 09

Gustavo Oubinha Barreiro

Head do Corporate Finance do Rabobank International Brasil Fatores que levarão à consolidação do mercado sucroalcooleiro O saneamento e a reestruturação das empresas e do próprio setor sucroalcooleiro passa, necessariamente, por um processo de consolidação do setor. A atual crise macroeconômica, associada à crise enfrentada pelo setor nos últimos 2 anos, tende a acelerar esse processo de consolidação, até este momento, incipiente. Vale lembrar que, ainda hoje, são mais de 350 usinas de açúcar e álcool no país, em sua maioria detida por grupos familiares, já em suas terceiras ou quartas gerações, e com desafios importantes de gestão e governança. A lógica por trás da consolidação do mercado é bastante clara e resumese a 5 fatores principais: 1. economia de escala; 2. formação de clusters produtivos, com consequente ganho de poder de barganha junto a fornecedores; 3. integração vertical com consequente ganho de poder de barganha junto a clientes; 4. acesso ao mercado de capitais e a fontes de financiamento mais competitivas, e, finalmente, 5. melhoria na gestão, por meio da atração de profissionais de competência reconhecida pelos mercados. O crescimento mais recente do setor foi motivado pelo desenvolvimento do mercado de álcool combustível, que, por sua vez, se deu em função do desenvolvimento da tecnologia flex-fuel e dos investimentos pesados em cogeração de energia a partir de bagaço de cana. Isso levou a uma nova dinâmica de consolidação de mercado, que no seu estágio inicial justificou investimentos, em função da forte demanda por veículos flex-fuel, potencial de exportação de álcool combustível para outros países, perspectiva crescente para a exportação de açúcar e potencial de ganhos para produtores eficientes. No estágio mais acelerado da curva de crescimento do setor, foram abertas oportunidades para entrada de um grande número de investidores, muitos deles na condição de novos entrantes, tornando a consolidação possível. No entanto, nesta fase, a consolidação, embora possível, não ocorreu efetivamente, uma vez que os investimentos em produção foram feitos

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na mesma medida em que a demanda crescia. Porém, o fato é que ainda existe um grande potencial de crescimento da demanda, tendo em vista o crescimento exponencial projetado para a frota de veículos flex-fuel - 90% dos veículos novos comercializados no país são flexíveis, o que corresponde a, apenas, 25% do total de veículos leves do país, e o baixo preço do álcool combustível, que o torna muito competitivo, frente ao preço da gasolina. Além disso, uma fonte adicional de crescimento da produção e da demanda, embora ainda incerta, é a exportação de álcool para países ou comunidades econômicas que iniciaram os seus próprios programas de incentivo ao uso de combustíveis renováveis, tais como Estados Unidos da América, União Européia e Japão. Todos estes fatores reunidos têm atraído um número significativo de empresas para o setor, que, de uma forma ou de outra, buscam se estabelecer como consolidadores da indústria, seguindo a lógica mencionada anteriormente. No entanto, como já indicado acima, existe pouca evidência de que um processo de consolidação acentuado tenha se iniciado até agora. Em geral, embora os principais grupos tenham expandido fortemente nos últimos 2 anos, por meio de aquisições e investimentos em projetos greenfield, a indústria como um todo cresceu em um ritmo muito semelhante. Como resultado, a entrada de um número significativo de novos entrantes naquele período manteve – até aqui – a fatia de mercado dos grupos líderes, relativamente constante, apesar dos investimentos acima citados. Não obstante, a forte crise vivida pelo setor, especialmente durante o ano de 2008, com perspectivas não muito positivas para os próximos anos, no que diz respeito às margens relativas às vendas de álcool no mercado local,


associada às difíceis condições macroeconômicas atuais, pode significar o início de um ciclo efetivo, e importante, de consolidação do setor. Recentemente, vimos a aquisição da Nova América pela Cosan, e a aquisição da Santelisa Vale pela Louis Dreyfus Commodities - LDC, como sinais de início efetivo de tal processo de consolidação. Por outro lado, os altos níveis de alavancagem das usinas e a resistência de certos grupos, em proceder de forma mais agressiva com aquisições em um momento tão favorável para tanto como o atual, assumindo, portanto, uma posição efetiva de consolidadores da indústria, poderão continuar a limitar esse processo de consolidação. Certamente, estamos vivendo um momento extremamente propício para uma consolidação mais efetiva da indústria, seguindo uma lógica clara para tanto, que, certamente, poderá fazer com que o setor transforme-se e reinvente-se na mão de grupos com grande capacidade de gestão, recolocando-o, de novo, no lugar de destaque que lhe é absolutamente devido.

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abr-jun 09

Luiz Augusto Galvão Monteiro

Head do Corporate Regional do ABC Brasil Arab Banking Financiamento para o setor sucroalcooleiro: uma história de parceria e oportunidade * Com a colaboração de Carlos Eduardo Chamma Lutfalla

A perspectiva para o setor sucroalcooleiro em 2009 vislumbra um diferente mix de produção da cana, dividido entre açúcar e álcool. O açúcar está com boa perspectiva de preço, aliado à alta do dólar, ou seja, a safra será, certamente, mais açucareira que alcooleira e as empresas deverão gerar caixa por meio do açúcar. O ideal seria um mix de preço e alongamento das linhas de crédito. Com a crise financeira mundial, que se intensificou em setembro de 2008, parte do setor demorou a entender que o mundo mudou e os bancos estão exigindo mais garantias e encurtando os prazos. O sistema financeiro brasileiro, que é bem regulado e administrado, procura formas de financiamento para o setor, evitando as chances de ocorrer eventos semelhantes aos dos Estados Unidos. Nesse contexto, o BNDES estuda linhas específicas de financiamento para o setor e, recentemente, analisa linhas de “warrantagem” (operações de financiamento de estoque com produtos em alienação fiduciária) para ajudar a financiar a safra. Nesse sentido, alguns bancos, como o ABC Brasil, por exemplo, já estão disponibilizando produtos alternativos com funding próprios. Alternativa: As fusões e aquisições são caminhos naturais para o setor, com muitos players em franca movimentação. No caso das fusões, é importante ressaltar a sinergia existente entre as empresas, uma vez que as negociações com os bancos, fornecedores e clientes dão-se em escalas maiores, revelando vantagens competitivas. Já nas aquisições, as empresas maiores, que ainda têm capacidade financeira saudável, compram as menores para aumentar a carteira de ativos. A busca conjunta pela eficiência e pela melhoria dos negócios fez com que alguns bancos, a exemplo do nosso, devido à segurança oferecida e inspirada pelo setor sucroalcooleiro,

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mantivessem-se ao seu lado, em todas as mudanças ocorridas, em fases positivas e negativas. Isto se dá desde quando as exportações brasileiras de açúcar e álcool eram realizadas através do IAA - Instituto de Açúcar e Álcool, quando o então presidente da República, Fernando Collor, extinguiu o órgão em 1991. Com isso, as usinas foram obrigadas a contratar suas exportações diretamente com o importador ou por meio das empresas de comércio exterior - trading, momento de forte envolvimento e relação com o setor financeiro. Outra oportunidade de destaque ocorreu no ano de 1999, com a forte queda dos preços do álcool, com mercado livre com preços de R$ 0,16 por litro. Neste momento, o setor sucroalcooleiro precisou lançar mão de quase todas as linhas de financiamento, de capital de giro e bens de capital, até a área de comércio exterior. Mais recentemente, o sistema financeiro foi fortemente acionado nas operações estruturadas para a captação de recursos no exterior para operações de médio e longo prazos. Sustentabilidade/Governança Corporativa: O mercado tem exigido que as usinas e o setor sigam à risca as normas de governança corporativa e responsabilidade socioambiental. A governança corporativa passou a ser vista não apenas como técnica de gestão de empresas, mas as melhorias realizadas nessa área passaram a ser interpretadas como importantes fatores de valorização dos ativos empresariais tangíveis e intangíveis. Hoje, uma companhia com governança corporativa sólida e eficiente vale mais que uma empresa sem esses requisitos, levando os compradores em potencial a se sentirem muito mais seguros no momento da avaliação da empresa, pelo resultado de ações de transparência, prestação de contas e sustentabilidade. Do mesmo modo, a responsabilidade socioambiental também é muito valorizada pelos investidores. Uma empresa que tem boas práticas de responsabilidade social e de respeito à natureza possui maior valor, principalmente, quando envolve grupos de investidores estrangeiros. O Banco ABC Brasil, controlado pelo Arab Banking Corporation - ABC, tem desenvolvido forte relação com o setor sucroalcooleiro, tendo realizado operações para mais de 90 grupos de usinas. O sistema financeiro brasileiro como um todo tem provado o comprometimento com essa parceria, viabilizando, fomentando e participando do desenvolvimento do mercado sucroalcooleiro brasileiro.



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abr-jun 09

Laura Tetti

Diretora da JVL Consultoria

Quem fará o movimento salvador? Interessantes esses nossos tempos. Até setembro de 2008 - e, note-se, que escapamos do fatídico mês de agosto - tudo parecia bem. Só que o mundo caiu! Não que não existissem uns e outros chatos, aos olhos da maioria, repetindo cansativamente o cantochão: assim não vai dar... desse jeito a coisa não se sustenta... não é possível continuar assim... Mas, venceu o gosto generalizado pelo deixa pra lá e não deu outra: mais do que cair, despencou-se na real. Uma real que nem era difícil de perceber. Só uma distração imensa (e, talvez, desavergonhada), poderia acreditar que um mercado financeiro funcionando sem controle do interesse público, inventando dinheiro-fumaça em derivativos e jogo de apostas, sem a menor relação com a economia real e o sistema de produção, poderia não arrebentar. Só os ingênuos (espertíssimos) poderiam achar que inflar os dividendos e o consumismo de uma elite mínima, achatando o consumo e a inserção econômica da imensa maioria da população poderia sustentar o funcionamento do sistema capitalista. Mas, sendo Maquiavel ou Polyanna os responsáveis pelo presente, o fato que interessa é que, daqui para frente, passa a ser burrice mesmo, gorda e descarada, a repetição dos mesmos jargões, dos mesmos modelos de negócios, do mesmo padrão empresarial do gosto dessa entidade abstrata (e hoje fracassada, demandando dinheiro e intervenção de governo), chamada “mercado”. Vamos começar pela governança. Aliás, Governança Corporativa, para chamar o conceito pelo nome e sobrenome. Governança é aquilo que as empresas de auditoria – hoje, na esmagadora maioria, desmoralizadas pela incompetência, quando não pela venalidade... – exigem de outras empresas interessadas em abrir seu capital e atuar no mercado. O mesmo mercado que, também auditado pelas mesmas empresas, avalia as boas governanças, carregou todo o mundo para a crise atual e que se mostrou, antes de mais nada, uma grande feira livre de invenção e de imoral manipulação, em favor dos próprios operadores... Vamos encarar, não é simplesmente isso? Algumas palavrinhas da moda política - econômica e social, exatamente porque não querem dizer grande coisa, pegam bem para os pobres de espírito e fazem bonito na boca dos que não terão o menor escrúpulo em levar sempre a maior vantagem. É o caso da “transparência”, da “blindagem” e também da governança. É preciso uma boa governança? Ora, o que é preciso é ser decente. No básico, que de tão básico é bíblico: não faça aos outros o que você não quer que seja feito a você. Decência empresarial: com funcionários, com clientes, com fornecedores. Quando é preciso auditoria (ah! As auditorias...), estudo, seminário, workshop e falação para que a tal da governança corporativa realize-se, vamos encarar que está é faltando decência na liderança do empreendimento. Sem um padrão de decência dos líderes da empresa, todo o resto é jogo de cena. É bem verdade que, como a crise agora evidencia, o sistema econômico que se configurou nas últimas décadas ficou tão anônimo, tão sem cara, tão

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desvinculado de nacionalidades e até dos setores efetivos da produção, que até o óbvio perdeu-se. O setor dos combustíveis, com sua principal estrela, o petróleo, é uma evidência disso. Um processo infindável de fusões, aquisições, junções e separações, privatizações, nacionalizações, sempre indo e vindo, não impediu a horrenda história sócio-política do petróleo e a também horrenda sinuca das suas consequências atuais (da Al Quaeda às mudanças climáticas...). No campo dos combustíveis alternativos ao petróleo (e o nosso etanol é sempre o exemplo mais visível e viável), a contradição do sistema é cruel: como está pendurado e dependente da estrutura de produção e consumo do petróleo, o etanol acaba sendo empurrado a reproduzir os mesmos modelos: grandes grupos (cada vez mais anônimos e despersonalizados) e todo um movimento de aquisições, fusões e etc. E aí está a grande ironia do processo: para crescer, o etanol tende a reproduzir o modelo de negócios da civilização do petróleo, só que é exatamente o fracasso desse modelo que abre espaço empresarial para os alternativos. Sem caminhar na esteira do petróleo, o etanol não existe? E na esteira do petróleo, o etanol afunda com ele? Contradição sem saída? Estamos exatamente em um ponto de inflexão do sistema. Foi em um momento como esse que Henry Ford percebeu que era preciso remunerar seus trabalhadores de modo compatível com a aquisição dos carros por eles mesmos produzidos. A prática dessa percepção mudou (e salvou) o sistema capitalista. No caso do futuro empresarial dos combustíveis do mundo sem petróleo, quem, em qual país, fará o movimento salvador?



Consultores Raul Gabriel Beer

Consultor Independente e Conselheiro em Administração de Empresas Mais fusões e aquisições no setor sucroalcooleiro? Comprar 100% ou mesmo uma participação minoritária em uma usina de açúcar e álcool, no início de 2008, era muito difícil. Os preços esperados pelos acionistas dessas empresas eram afetados por expectativas criadas pelas diversas aquisições que ocorreram, principalmente, a partir de 2006, como vemos no quadro em destaque. Também foram afetados pelas cotações praticadas em bolsa, muitas vezes irreais. Tão irreais que, por vezes, um investidor minoritário, talvez um professor aposentado de uma escola primária de algum país da América do Norte, representado pelo seu fundo de pensão, era capaz de pagar mais pelas ações de uma empresa brasileira, do que um investidor estratégico. Este investidor estratégico, que começou pagando preços baixos pelas empresas, mas que chegou a dobrá-los, pagando R$ 200 ou US$ 110 por tonelada de cana moída, em 2007/08, conhece bem o setor e, muitas vezes, tem sinergias que lhe permitem reduzir os custos ou aumentar o crescimento potencial da empresa a ser adquirida. Apesar disso, e diferentemente do nosso professor primário, com frequência, esse investidor achava que preços ainda mais altos não se justificariam, em função do retorno que seria razoável esperar no longo prazo. Isto aconteceu, mas não foi exclusividade do setor de açúcar e álcool, nem da agroindústria brasileira. Outros setores e outros países viveram situações semelhantes, causadas por um excesso de liquidez global e por um otimismo baseado em crenças pouco defensáveis do ponto de vista econômico. Essas crenças projetavam que o crescimento recente poderia ser perpetuado, com as consequências correspondentes na disponibilidade e nos preços das commodities. Isto levou a preços de ações elevadíssimos, indicativos de múltiplos de receita ou de Ebitda (aproximação da geração de caixa da empresa) excessivamente elevados, ou a indica-

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dores também muito elevados para outros setores, como níveis sem precedentes de R$ por aluno na educação, R$ por usuário na telefonia ou internet, R$ por tonelada na siderurgia e mineração, múltiplos de VGV na incorporação imobiliária e assim por diante. Como resultado disso, muitas empresas do setor sucroalcooleiro embarcaram em projetos greenfield, ou seja, em vez de comprar operações existentes, que se beneficiariam por serem consolidadas num negócio de maior escala, melhor tecnologia e logística, acabaram desenvolvendo projetos novos. Projetos de longa maturação, que os obrigaram a compromenter-se a comprar plantas a preços também inflacionados e com prazos de entrega fortemente dilatados - em função da forte demanda; terra e insumos, também a preços altos, que refletiam a forte demanda não só para plantação de cana, como também de outras commodities. E, principalmente, se endividando no curto, médio e longo prazos, para financiar esses investimentos, com uma expectativa de que o fluxo de caixa da operação fosse suficiente para pagar os juros e o principal acordados. A mesma expectativa aplicada ao utilizar recursos do capital de giro das companhias ou ao captar empréstimos “ponte” para iniciar os investimentos rapidamente. A ideia era devolver os recursos ao capital de giro da empresa ou aos credores, com a liberação do financiamento de longo prazo pelos agentes financeiros, nos prazos e custos originalmente imaginados. O mundo mudou e de forma muito repentina. Muitas empresas, já comprometidas com os investimentos a preços elevados, viram seus retornos potenciais reduzidos. Pior do que isso, viram o crédito desaparecer, comprometendo os investimentos e o capital de giro da operação. Os preços das ações caíram de forma drástica e não só no setor sucroalcooleiro, passando, talvez, de uma valorização excessiva para uma subavaliação que, se aplicada a 100% do capital, torná-los-iam alvos muito interessantes de aquisição. Algumas possíveis aquisições, hoje, dependem do interesse dos acionistas controladores de aceitarem preços bem inferiores aos que eles recusaram há pouco tempo, para realizar parte do seu patrimônio ou para apenas diluir a sua participação acionária e evitar as dificuldades trazidas pela crise de liquidez. Quatro empresas entraram recentemente em processo de recuperação judicial. Este processo visa renegociar as dívidas, repartindo os custos e prejuízos da situação entre as partes envolvidas – essencialmente acionistas, fornecedores, instituições financeiras e outros credores (incluindo o fisco) e, em alguns casos, empregados. Ele privilegia a manutenção


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do negócio vivo, em detrimento da execução de garantias que, em muitos casos, perderam o valor ou a liquidez. Isto pode levar a situações de venda de participações acionárias ou de alguns ativos da operação, só que agora numa situação “forçada”. Em suma, por um motivo ou por outro, é razoável esperar-se que haja novas operações de aquisição no futuro próximo. Operações estas que terão motivações e dinâmicas diferentes das que observamos nos últimos anos – em alguns casos como forma de viabilizar a sobrevivência financeira da empresa, em outros como forma de assegurar que a empresa tenha custos agrícolas, de logística e industriais compatíveis com a nova realidade competitiva do mercado. Por último, mas não menos importante, teremos aquisições motivadas por uma percepção de que pode estar havendo um overshooting, ou seja, os preços praticados hoje podem refletir mais uma vez numa extrapolação indevida de uma situação atípica e que não deve se perpetuar. Só que desta vez para baixo. Algumas empresas nacionais e multinacionais, assim como alguns fundos de Private

Equity, estão capitalizados e ainda muito interessados em investir no setor, apesar dos preços atuais do petróleo, do açúcar e do etanol. Os processos de negociação, vistos recentemente, mostram isso. A questão é apenas encontrar o preço correto para os negócios, que reflita uma perspectiva realista de geração de caixa e de risco associado ao investimento. E esse preço certamente não será o praticado ou pretendido em fins de 2007 e até meados de 2008, mas provavelmente não será também o vigente nas bolsas de valores atualmente.

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abr-jun 09

Felipe Nunes Barroso

Diretor da Bio Energias Renováveis

O setor sucroalcooleiro precisa quebrar paradigmas Os estudos do potencial de geração de energia elétrica em usinas de açúcar e álcool têm se baseado em projetos de baixa eficiência econômica. O setor precisa romper com os usos e costumes do passado para aumentar a competitividade no mercado de fusões, aquisições e de abertura de capital. O ativo de geração de energia elétrica pode ser uma oportunidade de elevar o valor das usinas de forma expressiva, desde que seja bem projetado, do ponto de vista econômico. É inconcebível que uma central termoelétrica, de alta eficiência energética, fique parada fora da safra por falta de combustível ou por concepção do projeto. Esses ativos precisam operar em plena capacidade e pelo maior tempo possível, para serem adequadamente remunerados. Para aumentar o valor das empresas, as centrais de cogeração precisam ser concebidas como um ativo desmembrado da usina, para que possa operar também quando o processo industrial não demanda vapor e energia elétrica. Ou seja, esses ativos precisam operar na safra e na entressafra para serem compreendidos como um ativo econômico de alta rentabilidade. Considerando a mesma disponibilidade anual de combustível (bagaço de cana), o capital necessário para implantação de uma central termoelétrica que opere em plena capacidade durante o ano é, aproximadamente, 30% inferior ao investimento demandado por uma central de cogeração que opere quando há demanda de vapor e energia elétrica por parte da indústria do açúcar e do álcool (safra). Essa relação é relevante, porque a receita proveniente da venda da energia dos dois projetos é equivalente, ou seja, a Taxa Interna de Retorno de um projeto que opera o ano todo é bastante superior à rentabilidade de projetos que operam apenas durante a safra. A baixa liquidez de crédito e o elevado endividamento do setor sucroalcooleiro é um aspecto complicador para atrair investidores. Essa condição mercadológica tem postergado os investimentos em novos projetos. Contudo, as usinas precisam criar valor, através da eficien-

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tização de seus processos existentes, visando reduzir os custos de operação e aumentar a competitividade da empresa no mercado de açúcar, álcool e, principalmente, no mercado de energia elétrica. Propomos às usinas que possuem projetos de expansão concebidos com grandes centrais de cogeração, que priorizem os projetos de menor porte, visando à eficientização dos processos existentes, seja no âmbito industrial, seja na implantação de uma nova central termoelétrica, mas, dessa vez, para utilizar o bagaço da cana proveniente da atual moagem, sem assumir riscos excessivos. Os projetos de alta eficiência são modulares e podem ser implantados de acordo com a expansão das usinas, sem que um período eventual de preços baixos das commodities coloque em risco o projeto como um todo e a saúde financeira das empresas. Os projetos modulares não comprometem a eficiência econômica da futura expansão da usina. O planejamento de expansão das usinas, ocorrido nos últimos três anos, demonstrou ao mercado que o setor sucroalcooleiro precisa implantar uma nova modalidade de governança, atendendo aos parâmetros de transparência e sustentabilidade exigidos pelo mercado de capitais, para que essas empresas criem condições mínimas para atrair capital, ainda que seja para sanar o endividamento do setor. O momento é adequado para implantação de projetos de cogeração altamente eficientes, dos pontos de vista técnico e econômico, visando criar valor nas empresas. As variáveis que levam a essa conclusão são: os preços dos equipamentos estão menos inflacionados por retração da demanda, o prazo de entrega dos equipamentos encurtou, porque diversos projetos foram suspensos e o preço para venda da energia elétrica não se alterou. Ou seja, a redução do montante de investimento demandado, aliada à redução do prazo para implantação do projeto e manutenção dos recebíveis, devem elevar a rentabilidade dos projetos, reunindo condições adequadas para atração do capital. Atualmente, as linhas de financiamento para projetos de geração ou cogeração de energia elétrica possuem boas condições econômicas e para acessá-las diretamente ou através de um potencial investidor é importante que as empresas apresentem condições mínimas de governança e gestão profissional. Em suma, o setor sucroalcooleiro pode se apoiar no setor elétrico para elevar a rentabilidade de seus ativos, criando maior valor nas empresas, para a abertura do capital ou até mesmo para elevar o valor percebido em uma eventual fusão ou aquisição. Esse movimento parece ser inevitável e, talvez, a melhor alternativa para injeção de capital no segmento, de forma rápida e sustentável.



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abr-jun 09

José Ronaldo Vilela Rezende

Sócio da PricewaterhouseCoopers

Negociações complexas e engenharia financeira para concretizar fusões ou aquisições no agribusiness * Com colaboração de Francisco Brandão

O advento da crise financeira mundial e a diminuição do crédito no mercado brasileiro colocam, novamente, o setor sucroenergético como um dos mais ativos no mercado de fusões e aquisições. Se a consolidação, iniciada no setor nos anos 2005 e 2006, possuía como motivação a mudança da matriz energética mundial, atualmente, investidores institucionais e financeiros, bancos e empresas-alvo articulam-se com o objetivo de capturar oportunidades com baixo custo, ajustar seu nível de exposição e diminuir sua alavancagem. As oportunidades vão desde greenfields sem financiamento para iniciar suas atividades, até empresas endividadas que terão de recorrer à alienação parcial ou total de suas ações/ cotas. Existem mais de 150 projetos de usinas em andamento, incluindo vários que não saíram do papel e quatro pedidos de recuperação judicial, desde setembro de 2008. Além disso, existem inúmeras reestruturações de dívida em andamento, num montante superior a R$ 5 bilhões. Apesar das diferenças, as oportunidades possuem, em sua origem, o mesmo problema decorrente da excessiva das empresas, face sua capacidade de geração de caixa, principalmente dentro do contexto atual de falta de crédito. Independente da atratividade que cada oportunidade desperta entre as partes, a conclusão de uma transação necessitará de uma complexa engenharia financeira e não menos complexa negociação entre investidores, credores e devedor. O correto entendimento dos riscos e oportunidades envolvidos na transação determina as chances de concluí-la com sucesso. Dentro deste cenário, o recomendável é que o processo de negociação conte com assessores financeiros e legais independentes, com o objetivo de dar transparência, equiparar o grau de conhecimento sobre a situação financeira da empresa e unificar o canal de comunicação entre os envolvidos. Os assessores devem elaborar diagnóstico, que impacte as perspectivas futuras dos negócios, incluindo: • Análise de informações para a compreensão do quadro atual: estrutura societária; composição dos passivos existentes; composição das contingências fiscais e trabalhistas; natureza e situação dos ativos da empresa; informações de mercado; indicadores de desempenho comparativos a outros grupos do setor; contratos sociais; principais contratos comerciais; fluxo das operações, etc;

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• Análise das políticas de financiamento e gestão de recursos da empresa; • Validação das premissas operacionais, através de parâmetros de mercado, como CAPEX, rendimento de moagem, estimativa de preço futuro de açúcar e álcool e etc; • Análise sobre alternativas para a mudança de estratégia e melhorias operacionais, identificando oportunidades de redução de custo e aumento de produtividade; • Estimativa de dívida sustentável, baseada nas projeções de geração de caixa; • Análise de alternativas estratégicas de reestruturação, incluindo obtenção de linhas de crédito, atração de investidores, venda, securitização ou outras formas de alavancagem dos ativos existentes ou outras que vierem a ser identificadas durante o trabalho; • Elaboração de plano de reestruturação para a empresa, considerando sua possibilidade de aceitação pelos acionistas e negociação com os credores; • Elaboração de projeções financeiras – de resultado, fluxo de caixa e balanço patrimonial – relacionadas ao Plano de Reestruturação, e • Preparação de análises de sensibilidade, necessárias para entendimento dos riscos e oportunidade da operação. O resultado apresentado no diagnóstico deve identificar ativos operacionais e não-operacionais, passivos, contingências, viabilidade do negócio, alternativas para equacionamento da dívida de forma a torná-la sustentável, visà-vis a capacidade de pagamento da empresa. Vale destacar que os cuidados com a sustentabilidade vêm sendo também considerados nas análises de projetos para concessão de crédito. Riscos de problemas relacionados a estas questões significam crédito mais caro. Nossa experiência em operações de fusões, aquisições e reestruturação de dívidas indica que os cenários mais prováveis destas negociações são: venda de ativos disponibilizáveis; venda de algumas unidades operacionais greenfields ou não, com ou sem repasse de dívida proporcional; admissão de novo acionista, e reestruturação da gestão das empresas. As possíveis implicações destas medidas são alongamentos de prazos, covenants financeiros e não-financeiros, mudança de modelo de gestão - conselho de administração, implantação das melhores práticas de governança e influência na gestão por parte dos credores ou novos acionistas, e implantação de atividades de compliance mais rigorosas, como exemplo, necessidade de acompanhamento da operacionalização dos planos de reestruturação apresentados por parte de uma auditoria independente, visando gerar maior credibilidade e transparência no processo.


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abr-jun 09

Oscar de Paula Bernardes Neto

Sócio da Íntegra Associados Reestruturação Empresarial Fusões e Aquisições: Importância para o futuro da indústria sucroalcooleira Temos visto uma atividade intensa de fusões e aquisições no setor, infelizmente motivada pela debilidade de muitas empresas. Apesar de todos reconhecerem que álcool e açúcar são commodities típicas, sujeitas aos humores do mercado, muitos se esqueceram disto ao planejar sua estratégia de capitalização. Não me esqueço da lição que aprendi, como Presidente da Bunge, uma empresa que sobrevive há quase 200 anos no mercado de commodities: seus acionistas jamais aceitaram financiar investimentos em ativo fixo com dívida e, se imprescindível, só dívida de longo prazo. Idealmente, todo o imobilizado e parte do capital de giro deveriam ser financiados com o patrimônio da empresa, para suportar as oscilações de mercado, que sempre ocorrerão. Apesar do grande número de transações recentes, ainda há muito por ocorrer. O setor ainda é muito pulverizado e engana-se ao pensar que benefícios de escala são principalmente agrícolas e fabris, com muitas usinas já no limite da capacidade economicamente viável, considerando a oferta de cana em sua região de influência. Em commodities, escala manifesta-se muito mais no acesso e custo de financiamento e, importante, acesso e capacidade de influenciar mercados. Não surpreende que o setor de soja seja dominado por tradings internacionais, que operam com linhas de financiamento mais competitivas que as acessíveis a grupos brasileiros. O setor sucroalcooleiro conta com grupos nacionais que entendem isto, a Cosan sendo o grande exemplo, mas ainda corre o risco de também acabar dominado pelas grandes tradings internacionais. A pergunta que cabe é o que falta para o setor se consolidar, capturando os benefícios de escala no acesso a capital e mercados, sem se desnacionalizar. A resposta é simples: falta cultura associativa e experiência em governança que permita a uma empresa sem controlador único - seja individual ou pequeno grupo, muitas vezes familiares, operar de forma harmônica e com segurança para todos os acionistas. Existe uma ideia fixa na manutenção do controle que frequentemente conflita com a busca de geração de riqueza para os acionistas. O desafio do setor é aprender com exemplos como o da Perdigão, Vale, Usiminas e vários outros, onde o

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Acervo Centro de Memória Bunge

controle é compartilhado, a administração é profissionalizada e houve grande geração de valor para os acionistas. Sempre me recordo de uma análise publicada há muitos anos pelo jornal o Estado de São Paulo, comparando o valor de mercado da IBM ao de um grande grupo brasileiro, com a mesma idade. No início, eram valores comparáveis e na época do artigo, a IBM valendo muitas vezes mais. A mensagem do artigo é que a família do fundador da IBM aceitou ser diluída, para suportar o crescimento sólido da empresa, mas ainda assim gerou maior riqueza que a família do grupo brasileiro, que manteve controle de seu negócio. Sem dúvida, é uma análise que precisa ser melhor avaliada, mas a mensagem principal é válida – se para crescer de forma sólida e competitiva, é necessário diluir a participação acionária, isto acaba gerando mais riqueza do que a busca da manutenção do controle do capital. Vender ou comprar empresas é fácil, sendo só uma questão de preço. Infelizmente, agora falta capital para aquisições e é o momento errado para vender. A indústria não pode contar com os bancos suportando suas debilidades de capital e não pode esquecer que escala agrícola e industrial é só parte do desafio. O custo de capital e acesso a mercados são crescentemente os grandes diferenciais competitivos. Associar-se significa saber adotar uma governança participativa e saber profissionalizar as empresas, desafios mais de mudanças de cultura e comportamento, nem sempre fáceis de serem enfrentados, mas que têm que ser superados. Temos que aprender a ser e a ter sócios, o que não acontece de improviso. Isto exige planejamento adequado, treinamento dos envolvidos e, principalmente, grande dedicação na definição dos mecanismos para solução de conflitos. Profissionalização exige trabalho cauteloso. Os níveis de delegação, mecanismos de controle e sistema de informações precisam ser detalhados e implementados com cautela. Muito insucesso em profissionalização vem da falta destas definições, gerando conflito com os acionistas/controladores. Não devemos confundir profissionalização com abdicação dos direitos e obrigações de acionistas. Enfim, a indústria sucroalcooleira está em mais uma fase de transformação. Primeiro, evoluiu de um foco agrícola para um industrial e agora precisa se institucionalizar empresarialmente, em um mercado competitivo e globalizado. Fusões e aquisições estão em nossa agenda estratégica, queiramos ou não.



Consultores Carlos Eduardo Araujo

CFO da Mackensie Agribusiness

Por onde anda a Governança Corporativa? A governança corporativa ganhou maior relevância a partir do surgimento da crise de con-

fiança (2002), gerada pelas fraudes encontradas nos balanços da Enron e Wordcom. Seus conselhos de administração foram questionados sobre suas responsabilidades. Em função da crise atual, novamente, a governança corporativa está sendo discutida. Ela diz respeito aos sistemas de controle e monitoramento estabelecidos pelos acionistas controladores de uma empresa, de tal modo que os administradores tomem suas decisões sobre a alocação dos recursos, de acordo com o interesse dos acionistas. Há pouco, um diretor executivo foi acusado de má gestão, devido a operações cambiais no mercado futuro, que levou a empresa a uma perda de milhões de dólares. Por outro lado, foi substituído um presidente de um banco público, porque se recusou a reduzir a taxa de juros e seus spreads bancários. Já o novo presidente comprometeu-se, através de um contrato de gestão, a aumentar o market share; ampliar a carteira de crédito e a agressividade com relação à concorrência. Para atingir estes objetivos, será necessário reduzir a taxa de juros, reduzir spread, tomar mais risco em relação à queda da qualidade do crédito e, possivelmente, haverá um aumento na inadimplência. Isto significa redução na rentabilidade do banco e, consequentemente, uma queda nos dividendos dos acionistas. Talvez, possa nascer o nosso subprime tupiniquim. Os fatos descritos ocorreram em duas grandes empresas, que se orgulham de seguir a governança corporativa. Por um lado, as empresas utilizam-se deste instrumento de transparência junto ao mercado para se apresentarem entre as maiores e melhores, por outro lado seus conselheiros não assumem as responsabilidades sobre os atos e fatos dos executivos. As transformações ocorridas na última década no setor sucroalcooleiro, no qual o governo definia o preço e a quantidade do açúcar e do álcool a ser produzido na safra, geraram profundas mudanças e têm exigido uma grande alteração cultural. Agora, o preço é ditado pelo mercado, exigindo maiores eficiência e eficácia operacionais. Além disto, tem ocorrido uma grande transformação societária nas usinas, em função do elevado número de fusões e aquisições. Estes grupos empresariais ou fundos de pensão necessitam de uma maior qualidade das informações e devem seguir normas rígidas quanto à gestão dos negócios. Com o capital estrangeiro investindo no setor e uma crise de crédito mundial, sem precedentes, é imprescindível buscar um novo modelo de gestão para o agronegócio, dividindo, efetivamente, propriedade e gestão e caminhando para uma ativa profissionalização, na qual a governança corporativa e seus participantes, tais como o

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abr-jun 09

conselho de acionistas, conselho de administração, diretores, auditores externos e funcionários deverão se comprometer com os resultados, otimizando os valores aplicados na empresa. Neste novo cenário, cabe aos acionistas majoritários definir um modelo de governança corporativa e, dentro deste, determinar um modelo de gestão que deverá ser seguido à risca, conforme um comandante de um Boing 777 faz em seu procedimento de vôo. A governança corporativa nada mais é que um modelo de gestão que busca atender ao processo de gestão organizacional, tornando-se essencial para qualquer empresa, principalmente no setor sucroalcooleiro, que é um mercado de commodities e com margens extremamente baixas e/ou negativas na conjuntura atual. A interação do modelo de gestão e da cultura organizacional é fundamental para o nível de eficácia obtido nas atividades desenvolvidas na empresa, pois é o principal orientador da forma como as coisas devem acontecer. O modelo de gestão ideal, a ser apresentado, permite determinar, em linhas macros, a forma de gestão que a empresa vai ser administrada, em função das características do negócio. O modelo que pode ser adotado é compreender a empresa através de um enfoque sistêmico, que transforma insumos em produtos com valor agregado. Este modelo é de essencial importância à integração das áreas agrícolas, industriais, comerciais e sua administração. Um fator relevante para a compreensão deste processo de gestão é o conhecimento da cultura organizacional, que devem assegurar que os objetivos serão alcançados e os riscos minimizados, tendo em vista sua eficácia e eficiência. O modelo de gestão inclui o processo de tomada de decisão, fundamentado no Planejamento, Execução e Controle, para a maximização dos resultados operacionais, financeiros e econômicos. Ao conselho de administração, cabe definir e acompanhar suas estratégias, sua operacionalização e os riscos a serem tomados e um efetivo acompanhamento de como a empresa está caminhando e subsidiar os tomadores de decisão para que atinjam os objetivos definidos. É de fundamental importância que os executivos tomadores de decisões tenham em suas cabeças o modelo de gestão e seus principais pontos, como: • Garantir que os tomadores de decisão da empresa tenham uma percepção clara do modelo de gestão, suas responsabilidades na tomada de decisão e os impactos das decisões tomadas no resultado da empresa; • Informar os responsáveis operacionais sobre o processo de gestão e seus fins, e • Formar os futuros controladores de gestão, a fim de que participem na implementação do modelo de gestão e os gerentes operacionais saibam utilizá-los da melhor forma possível. O momento é raro e pode ser utilizado para o desenvolvimento das boas práticas de gestão, dentro das normas regulatórias da CVM, entre outros órgãos reguladores; e, acima de tudo, uma maior proteção aos investidores. Desta maneira, a Gestão Corporativa deverá ser um efetivo instrumento de gestão, garantindo a transparência e a credibilidade que o mercado precisa, na busca de seu crescimento contínuo.



Consultores José Ricardo de Bastos Martins Sócio da Peixoto & Cury Advogados

Investimentos e o setor sucroalcooleiro Operações de fusão e aquisição sempre movimentaram diversos setores da economia mundial, mas ganharam importância nos últimos tempos. Em momentos de instabilidade e sufoco financeiros, essas operações têm sido uma interessante alternativa. Trata-se de uma ferramenta que pode alavancar a empresa, somando experiências e melhorando estratégias, reduzindo custos, além de ampliar o market share no setor em que ela atua ou colocá-la em outros segmentos do mercado. No entanto, ao observar as empresas sucroalcooleiras de grande importância para a economia brasileira, nota-se que ainda são poucas as operações concretizadas nesse segmento. Para avaliar as possibilidades de se realizar uma operação de fusão ou aquisição, é necessário entender o perfil e a realidade das empresas envolvidas. Apesar de serem capazes de gerar muita riqueza, boa parte das empresas do setor sucroalcooleiro carregam alguns problemas internos, tanto jurídicos quanto de gestão. Esse cenário afugenta interessados ou reduz seu valor, para compensar passivos e/ou investimentos, que terão que ser realizados posteriormente. Para compreender essa realidade, é necessário fazer uma análise do perfil dessas empresas. Elas são bastante antigas e é indispensável atrelar o seu histórico ao que são atualmente e, também, considerar as características herdadas ao longo do tempo. Uma dessas características é que muitos negócios começaram em fazendas sob administração familiar, e assim permanecem até os dias de hoje. A questão é que nem sempre os herdeiros são as pessoas mais qualificadas ou não foram devidamente treinados para realizar uma gestão eficiente. Enquanto uma parte do setor persegue esse objetivo, conduzidos por grandes executivos e uma gestão profissional, há uma parcela que não enxerga a necessidade desse conhecimento para o sucesso do empreendimento. Além disso, pela longa existência de boa parte das empresas nesse setor, elas passaram por uma infinidade de circunstâncias, entre elas, momentos

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de grande crescimento e outros de grande declínio. Os empresários do setor tiveram um momento bastante positivo com os incentivos dados pelo Governo com o Proálcool - Programa Nacional do Álcool, especialmente na década de 1980, com a explosão das compras de automóveis a álcool. Mas, ao longo dos anos, por diversos fatores - tanto internos quanto externos - o apoio do Governo desapareceu e a indústria passou por sérias dificuldades. Nesse momento, muitas empresas tiveram que lutar para sobreviver. Algumas foram massacradas. E certos gestores precisaram fazer escolhas que, no curto prazo, não pareciam tão graves, mas que, com o passar do tempo, revelaram-se muito complicadas. Débitos fiscais e outras dívidas, indisponibilidade de bens em consequência de disputas judiciais, passivos em bancos e outros tantos problemas, acumulados ao longo de anos, são obstáculos na hora em que se iniciam processos de análise para fusões, aquisições ou mesmo ampliação de investimentos. Nesse ponto, o setor sucroalcooleiro pode estar perdendo oportunidades interessantes para crescer e se desenvolver, já que, para um grande número de potenciais investidores e parceiros, toda essa problemática acumulada pelas empresas, ao longo de todos esses anos, reduz significativamente a atratividade do negócio. Com o enorme potencial do Brasil, como receptor de recursos e como exportador de álcool, o segmento sucroalcooleiro poderia ser uma vedete ainda mais atraente, caso estivesse num estágio mais avançado de profissionalização da gestão e de saneamento dos passivos adquiridos. O Brasil é visto com bons olhos pelos investidores estrangeiros. Respeita as normas nas relações econômicas mundiais e apresenta-se sólido neste momento delicado, além de ser uma democracia estável e ter diversificado seus mercados. O setor energético nacional, no qual se destaca o agronegócio, tem recebido volumosos investimentos públicos, para crescer e tornar-se referência mundial. E, atualmente, por ser considerado uma fonte de energia limpa, diferentemente do petróleo, o álcool amplia sua competitividade nos mercados interno e externo. O que falta, agora, é a consciência dos empresários do setor, para aceitar o desafio de reestruturar seus negócios, tornando-os atraentes para os investidores, especialmente os fundos de investimentos internacionais, que têm aportado no país com grande apetite. Existem formas de se isolar e/ou sanear os “defeitos” que uma empresa possa ter antes de um processo de fusão ou aquisição e devem ser analisadas com o necessário cuidado, evitando-se, assim, o desperdício de oportunidades, que poderão, efetivamente, mudar a cara do setor.


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abr-jun 09

Eduardo Alfred Taleb Boulos

Sócio da Levy & Salomão Advogados

Governança corporativa, empresas familiares e crise Embora venha apresentando mudanças, o setor sucroalcooleiro é ainda caracterizado por empresas marcadamente familiares. A gestão nessas empresas enfrenta problemas clássicos e que se agravam com as novas gerações, suscitando dúvidas a respeito do futuro da empresa e da sustentabilidade financeira dos herdeiros. A divisão do patrimônio e a sucessão de membros da família na administração da companhia são usualmente combustíveis de discórdia que impactam a empresa. Essa questão é particularmente premente no momento em que o setor sofre duramente os efeitos da crise econômica. Conseguir capital, seja na forma de investimento societário ou financiamento, requer condições de segurança e estabilidade para o investidor. É justamente esse capital que determinará quem sobreviverá em um mercado sob intensa consolidação. Endereçar adequadamente a gestão da empresa familiar, questão sempre importante, ganha, agora, ares de sobrevivência. O remédio tradicional para problemas de gestão é a adoção das tão faladas práticas de governança corporativa. No âmbito da empresa familiar, contudo, a sobreposição de funções entre acionistas e gestores e a necessidade de atender aos interesses da família e da empresa, simultaneamente, trazem desafios adicionais àqueles enfrentados pela governança tradicional. Nos negócios familiares, o papel da governança é, primordialmente, organizar as relações entre a família, o patrimônio social e a gestão da empresa, de maneira a assegurar os lucros da companhia e a perpetuação dos valores do empreendedor. Como exemplo dessa dinâmica própria, a regulamentação formal dos conselhos de administração, típica da governança tradicional, tem eficácia limitada, pois muitas decisões negociais são tomadas em processo informal, dentro do núcleo familiar. Diante desse quadro, como assegurar a perpetuação da empresa e organizar os interesses da família? Não há receita única. Cada empresa e família requerem uma configuração particular. As propostas listadas abaixo são algumas das principais medidas. Holding Familiar: Uma das técnicas mais tradicionais é a criação de uma ou mais sociedades holdings, para controlar a empresa ou o grupo. Nessas holdings, a gestão é familiar, enquanto nas sociedades operacionais, a gestão fica a cargo de profissionais. Essa estrutura permite isolar os conflitos familiares. Assim, as decisões da família podem fluir de maneira mais uniforme nas controladas e evitam-se os prejuízos causados por entraves gerados por brigas familiares no nível operacional. Acordo de Acionistas: Outra opção comum de organização é a celebração de acordos de acionistas, que podem, e devem, ser celebrados, inclusive dentro de holdings familiares.

Eles regulam o exercício dos poderes de voto, a eleição dos membros do conselho e da diretoria e mecanismos de votação e representação nas sociedades operacionais, além de regras relativas à circulação de ações - cláusulas restritivas de venda, direitos de preferência e opções de compra, e mecanismos de saída para os acionistas dissidentes, que sejam justos para o retirante, mas que, ao mesmo tempo, preservem a viabilidade da empresa. Profissionalização da administração: A criação de regras de funcionamento dos órgãos da administração, incluindo regimentos internos e a eleição de membros independentes para tais órgãos, evita que familiares despreparados integrem a administração da sociedade e acrescentam profissionalismo à gestão. Conselho de Família: Esta opção funciona como canal de comunicação entre acionistas e executivos, no qual se discutem os projetos a serem implantados a cada ciclo de gestão, as expectativas da família em relação à sociedade, a preservação dos valores, a preparação dos familiares para se tornarem acionistas ou administradores (se o caso) e a separação entre o patrimônio da família e o da empresa. As vantagens desses mecanismos de governança são provadas e conhecidas. Sua adoção exige coragem para enfrentar situações estabelecidas e participação de especialistas técnicos e experientes. Há dinheiro para investimento e ativos demais precisando de capital. Os investidores estão mais críticos e seletivos e canalizarão os recursos para ativos que ofereçam mais estabilidade e segurança. Ficar sentado em cima do problema de governança, na atual conjuntura, é receita para ficar para trás.

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Juliano Battella Gotlib

Sócio da Azevedo Sette Advogados Fazendo do limão uma caipirinha Em um contexto de crise mundial, a sobrevivência e o sucesso das empresas, notadamente as do agronegócio, estão cada vez mais relacionados à capacidade de seus gestores de entenderem esse novo cenário de instabilidade, de forma a identificar necessidades e oportunidades. Considerando a vital importância de se compreender o status quo, apontamos algumas das principais mudanças que caracterizam este novo paradigma e, ainda, posturas que determinados agentes poderiam adotar, a fim de maximizar a chance e reduzir o tempo de superação das dificuldades que ora se impõem. O boom do mercado de capitais ocorrido no setor sucroalcooleiro – com emissões de quase R$ 4 bilhões, apenas em 2007, foi substituído por uma explosão do número de pedidos de recuperação judicial – ao menos cinco grandes grupos já recorreram a tal instituto de proteção, desde novembro de 2008. Portanto, as aberturas de capital de empresas minguaram num mercado fechado para o crédito. Os assessores financeiros e legais, que antes se dedicavam à elaboração de prospectos, agora preparam planos de recuperação judicial ou extrajudicial. A atenção que a construção de operações de securitização, relacionadas à antecipação de créditos - de contratos de câmbio, vinculados à exportação de commodities agrícolas, e da contratação do fornecimento de plantas industriais - sob o regime de EPC, EPCM, turn-key ou afins, demandava, agora é substituída pela renegociação e busca de minimização de prejuízos resultantes do difícil momento pelo qual passam os participantes de tais tipos de operação. Num cenário desafiador, quem antes construía, agora renegocia, posterga, desmonta. A corrida por projetos greenfield interrompeu-se por falta de financiamento e queda dos preços no mercado internacional de commodities. Todavia, apesar de todas as constatações acima indicadas conduzirem, a princípio, à preocupação e ao desânimo, há sempre espaço para que possamos fazer do limão uma limonada, ou para os mais otimistas, uma autêntica caipirinha. Para tal, a crise, ainda que provocada por fatores exógenos, deve ser enfrentada mediante ações conjuntas e suplementares. As instituições de financiamento público devem ser mais eficazes na liberação de recursos para operações de ACCs e para a implementação de projetos iniciados nos recentes anos dourados, de modo a evitar maiores males, tais como desemprego, queda de arrecadação e o ciclo vicioso daí resultante.

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Os grandes grupos – que lograram uma bem-sucedida estruturação na fase da bonança – passaram a ter uma importância socioeconômica ainda mais relevante, a qual deve ser cada vez mais responsavelmente assumida. Tais grupos devem liderar o citado processo de concentração, agora tido como imperioso. Este processo, por sua vez, tende a acelerar-se, catalisado pela existência de ativos como preços ajustados, visando à verticalização completa do setor sucroalcooleiro. E, por mais que os interesses de compradores e vendedores sejam contrários, aqueles que passam por dificuldades podem aumentar resultados, buscando parcerias e composições com os referidos grandes players, ainda que este movimento signifique concessões até então inadmissíveis. A concentração também pode ser implementada no âmbito de processos de recuperação judicial, inobstante a falta de clareza total quanto ao tratamento legal a ser dado a créditos trabalhistas - discussão acerca de sucessão, e tributários, em processos de recuperação judicial. Neste particular, cabe menção positiva à interpretação sistêmica que vem ganhando corpo em nossos tribunais, no sentido de aceitar a inserção de débitos tributários e o respectivo parcelamento no âmbito de tais processos. Mas, a segurança jurídica quanto a tal aspecto e, por consequência, a atratividade dos ativos envolvidos em recuperações judiciais e, ainda, a sobrevivência de empresas que, por sua história e importância econômico-social, alcançaram o status de instituições, e podem se incrementar, caso o próprio diploma legal em questão (Lei nº11.101/05) seja emendado adequadamente. O Poder Legislativo, nesta seara, deve urgentemente desempenhar sua função primordial, formalizando o ajuste ao mencionado art. 5º, §7º. Por fim, as funções dos assessores legais e financeiros também requerem ajustes e, destarte, uma postura diferenciada. A análise de operações fusões e aquisições – dentro ou fora de recuperações judiciais – em época de vacas magras, na qual credores são pressionados a cobrar todo e qualquer direito, demanda ainda maior cuidado. A responsabilidade criativa passa, dessa feita, a ser ainda mais estratégica no exercício das aludidas funções e na recondução à saudosa bonança. Em suma, em tempos de crise, é necessário plantar, ainda que a terra não apresente a liquidez de outrora.



Consultores Luís Rogerio Godinho Farinelli

Sócio da Machado Associados Advogados e Consultores As providências necessárias para uma fusão ou aquisição

* Com colaboração de Júlio Maria Borges, da Job Economia

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Até meados da década de 90, o setor de açúcar e álcool foi comandado por administrações familiares. As decisões, em geral, eram tomadas pelos principais donos do negócio ou pelo patriarca da família que contavam com uma estrutura administrativa algumas vezes enxuta e muitas vezes ineficientes e, nem sempre, preocupavam-se com a profissionalização do seu negócio. Até então, não se falava em governança corporativa para o setor, muito menos em parcerias como fontes alternativas de captação de recursos. Com o passar dos anos, especialmente diante da liberação do setor sucroalcooleiro do controle governamental, das dificuldades da crise dos anos 90 e da atual, e devido à necessidade das empresas crescerem e ganharem competitividade, intensificou-se a busca por novos parceiros. Surgiram novos investidores, obrigando o setor a caminhar para a profissionalização, reestruturar-se, oferecer transparência, segurança e novas oportunidades de investimentos. Operações de fusão, incorporação, aquisição e parcerias passaram a fazer parte do cotidiano do setor. Para o desenvolvimento de um futuro negócio é importante determinar, no início da operação, o melhor formato a ser adotado. O sucesso depende da compreensão do mercado, dos objetivos das partes, dos aspectos operacionais e legais envolvidos e das oportunidades e riscos existentes. Por diversas vezes, o mapeamento desses fatores é intuitivo, fruto de experiências anteriores e bastante complexo. Uma negociação pode, por exemplo, ser suspensa ou atrasada pela falta de uma licença ou autorização fundamental para a continuidade da operação. Nesse cenário, bom planejamento e algumas providências são fundamentais para se concretizar a negociação. Assim, destacam-se, dentre outros, os seguintes passos: 1. elaboração de uma carta de intenções ou de um memorando de entendimentos, definindo as condições básicas do negócio; 2. determinação do valor econômico do negócio e da empresa, considerando os aspectos econômicos e financeiros relevantes. Neste caso, é importante avaliar incertezas e riscos envolvidos na atividade econômica objeto da negociação; 3. execução de uma due diligence e uma auditoria contábil, avaliando a real situação da empresa, identificando contingências, riscos e eventuais direitos de minoritários, credores e de terceiros que possam impedir ou dificultar a operação;

4. definição da estrutura do negócio - aquisição de ativos, aquisição de empresa, celebração de contrato de cessão de direitos e obrigações, formação de um consórcio, criação de uma sociedade em conta de participação para a exploração de um determinado negócio pelas partes, etc. A análise dos aspectos fiscais envolvidos na operação é relevante. Especialmente no caso de compra e venda, essa análise, para o comprador, visa otimizar o aproveitamento fiscal do preço pago, e para o vendedor, minimizar os impactos fiscais do negócio, quanto ao eventual valor recebido como pagamento, e 5. conclusão da estrutura e negociação dos contratos, observando-se, dentre outros aspectos, a fixação de declarações e garantias, assunção de responsabilidades, etc. Outro ponto importante será a convivência societária futura entre as partes envolvidas, se existente. Neste caso, uma boa política de governança corporativa mostra-se importante, pois a transparência, a formalidade, os controles e a adoção de boas práticas gerarão segurança para os sócios e possibilitarão uma leitura clara da situação e das reais necessidades do negócio. Para tanto, um bom acordo de acionistas mostra-se necessário e eficaz, podendo facilitar a convivência entre os sócios e conciliar eventuais divergências. Tal acordo poderá estabelecer regras de administração, poderes de veto sobre determinadas matérias, estratégias de saída, etc. Ao longo de muitos anos de experiência profissional com sociedades de todos os portes e tipos, foi possível notar que a busca pelo poder, a vaidade, a primazia do meu sobre o nosso, do eu fiz por nós fizemos, têm se mostrado ainda muito frequentes, infelizmente. Tais comportamentos, aliados à informalidade na gestão de algumas empresas, podem dificultar a continuidade e o desenvolvimento do negócio e, consequentemente, prejudicar todos os envolvidos. Diante destas dificuldades e dos cuidados necessários em uma operação, o papel do advogado e do economista também se mostra fundamental para a conclusão de uma transação. Além de deverem realizar todas as avaliações necessárias e estruturar jurídica, fiscal e economicamente a operação, cabe a estes profissionais alertar seu cliente quanto aos riscos identificados, apontar alternativas para mitigá-los, assessorá-lo no processo de conciliação e negociação de interesses, etc. O advogado deve ter por objetivo a concretização do negócio – é claro, desde que resguardados o interesse e a segurança de seu cliente – não se atendo a dificuldades que poderiam ser superadas pelas partes. Em geral, um bom negócio é aquele que gera benefícios e satisfação para ambas as partes envolvidas na operação. Esse é um cenário que representa um bom início para uma relação societária e uma estrutura operacional que demandarão atuação, decisões e esforços conjuntos das partes.


Opiniões

abr-jun 09

Antonio Carlos Porto Araujo Consultor da Trevisan Consultoria

Mercado aberto a novos players no setor sucroalcooleiro A indústria sucroalcooleira no Brasil mostra um dinamismo positivo, com progresso expressivo em termos de responsabilidade social, ambiental e governança. O enfrentamento das mudanças climáticas impôs uma descarbonização da energia, tanto para transportes, quanto para eletricidade, abrindo uma janela de oportunidades para a inovação tecnológica e para o aumento de produtividade no setor. O país que, há dez anos, produzia cerca de 15,4 bilhões de litros de etanol, em 2008 atingiu uma produção de cerca de 24,3 bilhões de litros, demonstrando mais do que o aumento da área explorada: o ganho em produtividade. Se a evolução tecnológica e gerencial fez com que os custos de produção de açúcar e etanol fossem sensivelmente reduzidos em todo o mundo, o Brasil é uma das nações mais competitivas e nossos custos podem ser reduzidos ainda mais. Além disso, a parcela na pauta de exportações poderá ser beneficiada, via câmbio/preço. Outra vantagem é que 50% da frota nacional é integrada por veículos que poderiam substituir a gasolina por etanol de cana. E para gerar tal volume de etanol, apenas 1% das terras agricultáveis do país seriam ocupadas. Esse quadro próspero envolveu empreendedores que se interessaram na construção de usinas no Brasil. Dessa forma, verificou-se um ritmo de produção que atingiu um pico cíclico, causando um descasamento entre a oferta e a demanda. Em diversas usinas, as expectativas dos agentes e produtores de combustíveis eram a previsibilidade da safra e a estabilidade nas regras de mercado e preços. Porém, esse rápido crescimento na produção não foi totalmente acompanhado de mecanismos de eficiência administrativa. Esta é uma das principais preocupações. Percebe-se que o setor não está estruturado para enfrentar este e os demais reflexos de mudanças no mercado. Como resposta de equacionamento desses gargalos, abre-se a possibilidade de consolidação no setor com fusões e aquisições. Num mercado globalizado, e agora abalado por uma expressiva crise mundial, há preocupação com queda de demanda, deflação de preço do concorrente petróleo e o represamento na captação de recursos financeiros para investimento e/ou rolagem de dívidas. Os reflexos do ambiente macroeconômico no setor sucroalcooleiro mostram-se de várias formas, inclusive com margens em declínio. Esses impactos são mais sentidos nesse setor, em razão de algumas usinas terem seu modelo de gestão ultrapassado. A maioria delas mantêm administração familiar e tem seu foco no gerenciamento do caixa e não do lucro. Soma-se a isso uma falta de financiamento de longo prazo. É importante ter cautela e flexibilidade no cumprimento de acordos de financiamento, mas sempre existe a possibilidade de rever

antigos contratos. Mais do que nunca, é necessária a percepção do momento econômico e dos limites reais de capacidade de pagamento, para que seja possível cumprir as obrigações dos contratos. Entretanto, com a entrada de recursos decorrentes do início da safra, espera-se o equilíbrio entre quitação de dívidas e reinvestimento. Outras alternativas para quitar dívidas, consideradas por boa parte dos produtores, são a busca por sócios investidores, a abertura do capital ou até mesmo a alienação do empreendimento. O empresário rural percebeu que seu sucesso depende, cada vez mais, do conhecimento e da aplicação de princípios de administração estratégica aos negócios. Por isso, um planejamento cuidadoso faz a diferença, principalmente quando a decisão é abrir o capital. Fatores como ampliar a visibilidade e melhorar a imagem institucional são motivos relevantes, quando uma organização decide participar do mercado de ações. Assiste-se, atualmente, a um mercado disponível para a entrada de novos atores e suscetível às fusões e/ou aquisições. Esse interesse advém, ainda, da cogeração de energia, que alcança destaque cada vez maior nas políticas energéticas. Essa conjuntura fortalece a formação de um oligopólio, dotado de uma série de vantagens em relação às demais nações, o que atrai o interesse de competidores externos. A consolidação, bem como a profissionalização do setor sucroalcooleiro no país, envolverá negociações, principalmente, com grandes empresas transnacionais; grupos de investidores estrangeiros e brasileiros; empresas nacionais de capital aberto, que receberam aporte financeiro ou mesmo sócios estrangeiros; e fundos de investimentos em capital produtivo. Essa tendência acarretará a disseminação da administração baseada em valor e risco, bem como o uso de ferramentas de suporte automatizadas para sua gestão. Os principais players concluíram que a verticalização e/ou concentração do setor não deverá suscitar preocupação sob o ponto de vista concorrencial, já que não existem altas barreiras à entrada no mercado, tendo o Brasil enorme quantidade de terras aptas para a agroenergia e sendo fácil o acesso à tecnologia da produção.

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Trading

Opiniões

abr-jun 09

Martinho Seiiti Ono

Diretor da SCA Etanol do Brasil Fusões e aquisições

O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do planeta, o maior produtor e exportador de açúcar, o segundo maior produtor e o maior exportador de etanol. Outro dado impressionante é que essa produção dá-se em apenas 8 milhões de hectares de terras, comparando-se aos aproximadamente 90 milhões de hectares para o uso na agricultura e aos 200 milhões de hectares utilizados em pecuária extensiva, que poderiam ser disponibilizados, em parte, pela substituição do método, como na maior parte dos países, pela pecuária de confinamento. A disponibilidade de terras, a aproximação do preço do petróleo dos US$ 150/barril e as crescentes preocupações com as mudanças climáticas, resultaram na, praticamente natural, expansão do setor sucroalcooleiro. Diversos agentes passaram a enxergar o Brasil como foco para investimentos voltados para a produção de etanol, mesmo porque, em seus países, teriam que deslocar a produção de alimentos para a de biocombustíveis, com custos e rendimentos muito aquém dos obtidos com a cana-de-açúcar. A lei da oferta e demanda, que rege os mercados, anuncia que deslocamentos da oferta, sem movimento da mesma magnitude da demanda, levam à redução do preço. Foi justamente o que resultou da entrada em operação de novos projetos, principalmente no oeste do estado de São Paulo e Centro-Oeste do Brasil. Este cenário de preços internos próximos da linha de custos e o não desenvolvimento de novos mercados externos, além da não existência de bolsa de futuros, levaram a uma situação insustentável para vários produtores, propiciando que os mais capitalizados passassem a fazer aquisições e fusões, com ganho de escala. A mesma tendência é observada no segmento de distribuição, no qual apenas cinco participantes detêm mais de 75% do mercado de gasolina e diesel. Além disso, as fronteiras que separam os elos da cadeia do etanol estão se verticalizando, uma vez que produtores passam a controlar distribuidores e postos de combustíveis, e empresas de combustíveis fósseis passam a ser sócias de usinas. Grandes players internacionais interessaram-se pelo combustível limpo e decidiram investir no país. Grandes investidores gostam de grandes negócios e começaram a investir na compra de grupos nacionais ou mesmo unidades individuais. A SCA estima que investidores e grupos estrangeiros responderam por mais de 11% da produção de etanol da safra 2008/09, parcela significativamente maior que no início da década e em contínua ascensão. Outra mudança recente no setor foi o início da abertura de capital de alguns produtores na bolsa de valores brasileira e de outros países. Isso aumentou a visibilidade do setor e facilitou o financiamento dessas empresas, além de permitir a maior participação dos estrangeiros na produção.

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Podemos citar como fatores que impulsionam as fusões e aquisições, a alta volatilidade dos preços domésticos e internacionais do açúcar e do etanol, o fato de muitas unidades ainda terem estruturas familiares na gestão, mas com grande potencial de profissionalização, a visão dos investidores estrangeiros sobre a disponibilidade de terras, o clima favorável, tecnologia de ponta e menores custos de produção. Por outro lado, podemos citar como desfavoráveis o fato das decisões em empresas familiares serem lentas, por envolverem muitos acionistas com disputas internas; a lógica dos vendedores desejarem ficar com o controle da gestão e os compradores em permanecer majoritários; e a possibilidade de se montar projetos novos. Segundo levantamento da KPMG, os processos de fusões e aquisições no setor, apesar de expressivos como contexto de negócios, representaram apenas 2% do volume de cana moída no ano de 2003, mantendo o patamar até o ano de 2006. Porém, enquanto o número de novos projetos anunciados crescia constantemente até o ano passado, a crise econômica faz com que seja mais atrativo adquirir plantas já existentes do que arcar com os custos de uma nova construção, o que favorecerá a continuidade da gradativa consolidação do setor. Entendemos que esse processo é sadio e continuará a acontecer, porque o ganho de escala será importante no futuro, tornando a comercialização menos abrangente e pulverizada, equilibrando as forças com a concentração dos compradores, assegurando preços compatíveis com o negócio. O setor sucroalcooleiro precisa muito de retorno sustentável, sem viver as bruscas e constantes volatilidades de preços.


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