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ISSN: 2177-6504
SUCROENERGÉTICO: cana, açúcar, etanol & bioeletricidade ano 16 • número 59 • Divisão C • Fev-Abr 2019
a gestão possível e a ideal do sistema sucroenergético
Opiniões Sucroenergético: cana-de-açúcar, etanol, açúcar e bioeletricidade
Opiniões Florestal: celulose, papel, carvão, siderurgia, painéis e madeira
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Opiniões
índice
a gestão possível e a ideal do setor sucroenergético Editorial:
6
Roberto Rodrigues
Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e Embaixador Especial da FAO para as Cooperativas
Ensaio especial:
8
Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias
Jucelino Oliveira de Sousa
Humberto César Carrara Neto
Diretor Agrícola da Usina São João de Araras
Marcelo Mancini Stella
Vice-presidente Comercial da Atvos
Pesquisadores do Programa Cana IAC/APTA/SAA
Gustavo Spadotti Amaral Castro
22
Manoel Carlos de Azevedo Ortolan
Alexandre Enrico Silva Figliolino
36 38
Luciano Rodrigues
Dib Nunes Junior Diretor da Canaplan
Arnaldo Luiz Corrêa
Diretor da Archer Consulting
40
33
Carlos Roberto Silvestrin
Sócio da CONE Consultoria e Planejamento
Guilherme Nastari
Diretor da Datagro Consultoria
Economia:
42 44
Bioenergia:
Consultor-sócio da MB Agro e Consultor da XP
Gerente de Economia da Unica
Mercado internacional:
Presidente da IDEA
Luiz Carlos Corrêa Carvalho, Caio
Diretor da SCA Etanol do Brasil
Entidades:
Presidente da Canaoeste
Visão estratégica:
26 29 31
Mercado: Martinho Seiiti Ono
Supervisor do Grupo de Gestão da Embrapa Territorial
Fornecedores:
Membro Conselhos Zilor, Alesat e Copersucar
Sistema financeiro:
18
20 24
Ministra da Agricultura
Produtores:
10 13 16
Centros de pesquisa: Raffaella Rossetto e Marcos Landell
Roberto Luis Troster Economista
Haroldo José Torres da Silva Gestor de Projetos do Pecege
Consultoria operacional:
46
Sebastião Henrique Rodrigues Gomes Diretor da Oportuninvest e do CEISE-Br
Editora WDS Ltda e Editora VRDS Brasil Ltda: Rua Jerônimo Panazollo, 350 - 14096-430, Ribeirão Preto, SP, Brasil - Pabx: +55 16 3965-4600 - e-Mail Geral: Opinioes@RevistaOpinioes.com.br n Diretor Geral de Operações e Editor Chefe: William Domingues de Souza - 16 3965-4660 - WDS@RevistaOpinioes.com.br nCoordenadora Nacional de Marketing: Valdirene Ribeiro Souza - Fone: 16 3965-4606 - VRDS@RevistaOpinioes.com.br nVendas: Lilian Restino - 16 3965-4696 - LR@RevistaOpinioes.com.br • Priscila Boniceli de Souza Rolo - Fone: 16 99132-9231 - boniceli@globo.com nJornalista Responsável: William Domingues de Souza - MTb35088 - jornalismo@RevistaOpinioes.com.br nProjetos Futuros: Julia Boniceli Rolo - 2604-2006 - JuliaBR@RevistaOpinioes.com.br nProjetos Avançados: Luisa Boniceli Rolo - 2304-2012 - LuisaBR@RevistaOpinioes.com.br nConsultoria Juridica: Priscilla Araujo Rocha nCorrespondente na Europa (Augsburg Alemanha): Sonia Liepold-Mai Fone: +49 821 48-7507 - sl-mai@T-online.de nExpedição: Donizete Souza Mendonça - DSM@RevistaOpinioes.com.br nCopydesk: Roseli Aparecida de Sousa - RAS@RevistaOpinioes.com.br nEdição Fotográfica: Priscila Boniceli de Souza Rolo - Fone: 16 99132-9231 - boniceli@globo.com nTratamento das Imagens: Luis Carlos Rodrigues, Careca - LuisCar.rodrigues@gmail.com - 16 98821-3220 n Finalização: Douglas José de Almeira nArtigos: Os artigos refletem individualmente as opiniões pessoais sob a responsabilidade de seus próprios autores nFoto da Capa: Tadeu Fessel Fotografias- 11 3262-2360 - 11 95606-9777 - tadeu.fessel@gmail.com nFoto do Índice: Tadeu Fessel Fotografias - 11 3262-2360 - 11 95606-9777 - tadeu.fessel@gmail.com nFotos das Ilustrações: Paulo Alfafin Fotografia - 19 3422-2502 - 19 98111-8887- paulo@pauloaltafin.com.br • Ary Diesendruck Photografer - 11 3814-4644 - 11 99604-5244 - ad@arydiesendruck.com.br • Tadeu Fessel Fotografias - 11 3262-2360 - 11 95606-9777 - tadeu.fessel@gmail.com • Acervo Revista Opiniões e dos específicos articulistas nFotos dos Articulistas: Acervo Pessoal dos Articulistas e de seus fotógrafos pessoais ou corporativos nVeiculação Comprovada: Através da apresentação dos documentos fiscais e comprovantes de pagamento dos serviços de Gráfica e de Postagem dos Correios nTiragem Revista Impressa: 4.500 exemplares nExpedição Revista eletrônica: 18.000 e-mails cadastrados - Cadastre-se no Site da Revista Opiniões e receba diretamente em seu computador a edição eletrônica, imagemn fiel da revista impressa nPortal: Estão disponíveis em nosso Site todos os artigos, de todos os articulistas, de todas as edições, de todas as divisões das publicações da Editora WDS, desde os seus respectivos lançamentos nAuditoria de Veiculação e de Sistemas de controle: Liberada aos anunciantes a qualquer hora ou dia, sem prévio aviso nHome-Page: www.RevistaOpinioes.com.br
South Asia Operation:
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Conselho Editorial da Revista Opiniões: ISSN - International Standard Serial Number: 2177-6504 Divisão Florestal: • Amantino Ramos de Freitas • Antonio Paulo Mendes Galvão • Celso Edmundo Bochetti Foelkel • Edimar de Melo Cardoso • João Fernando Borges • Joésio Deoclécio Pierin Siqueira • Jorge Roberto Malinovski • Luiz Ernesto George Barrichelo • Maria José Brito Zakia • Mario Sant'Anna Junior • Mauro Valdir Schumacher • Moacir José Sales Medrado • Nairam Félix de Barros • Nelson Barboza Leite • Roosevelt de Paula Almado • Sebastião Renato Valverde • Walter de Paula Lima Divisão Sucroenergética: • Carlos Eduardo Cavalcanti • Eduardo Pereira de Carvalho • Evaristo Eduardo de Miranda • Ismael Perina Junior • Jaime Finguerut • José Geraldo Eugênio de França • Julio Maria M. Borges • Luiz Carlos Corrêa Carvalho, Caio • Manoel Carlos de Azevedo Ortolan • Manoel Vicente Fernandes Bertone • Marcos Guimarães Andrade Landell • Marcos Silveira Bernardes • Martinho Seiiti Ono • Nilson Zaramella Boeta • Paulo Adalberto Zanetti • Pedro Robério de Melo Nogueira • Plinio Mário Nastari • Raffaella Rossetto • Tadeu Luiz Colucci de Andrade • Xico Graziano
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editorial de abertura
reorganizar a cadeia produtiva Muito antes de 1957, quando Ray Goldberg e seus seguidores cunharam o termo agribusiness em Harvard, para designar as cadeias produtivas cuja coluna dorsal é a atividade agropecuária, Barbosa Lima Sobrinho (que mais tarde, visionário como era, chegou a ser Presidente da Associação Brasileira de Imprensa) e equipe escreviam, em 1941, o Estatuto da Lavoura Canavieira e montavam todo um aparato legal e institucional para coordenar o setor sucroalcooleiro no Brasil. Ali estava delineada a cadeia produtiva desse importante segmento socioeconômico, inteiramente controlada pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, autarquia ligada ao Ministério da Indústria e do Comércio. O Decreto-Lei nº 3855, que continha o referido Estatuto, assinado por Getúlio Vargas em 21 de novembro de 1941, foi modernizado posteriormente em várias ocasiões, até chegar à Lei 4870, de 1º de dezembro de 1965, assinada por Castelo Branco, que deu contornos definitivos às relações dos diferentes elos do segmento. A visão de Barbosa Lima era realmente notável: tudo estava ali previsto. Cada unidade industrial tinha sua quota de produção de açúcar ou de álcool determinada pelo IAA, em função da sua capacidade agrícola, industrial e até gerencial. Os produtores autônomos de cana – os fornecedores – também tinham suas quotas estabelecidas (e revisadas a cada 3 anos) em função da área de que dispunham e de sua aptidão para produzir. Os preços de cada um dos produtos eram estabelecidos anual e regionalmente a partir de estudos de custo de produção desenvolvidos pelo próprio IAA ou por consultorias especializadas por ele contratadas. Mas a legislação não ficava só nos aspectos econômicos; tinha uma clara preocupação com o lado social: cerca de 1% do valor das toneladas de cana fornecidas pelos agricultores independentes era recolhido pelas usinas e repassado às associações rurais, para investimento em saúde e educação dos trabalhadores rurais. Com esses recursos, quase todas as associações construíram hospitais ou ambulatórios médicos, ou fizeram convênios com hospitais e Santas Casas préexistentes, proporcionando aos empregados uma condição que nenhuma outra atividade rural tinha. E ia além, com a proposta de organização econômica dos fornecedores: 1% do valor da cana fornecida era repassado às cooperativas de crédito rural dos produtores, de modo que Barbosa Lima já indicava a necessidade de os produtores terem seu próprio sistema financeiro, com independência dos bancos convencionais. Essa regra foi básica para a constituição dos atuais bancos cooperativos brasileiros.
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E não parava aí: 0,45% do valor das canas era destinado à manutenção dos órgãos regionais de representação dos fornecedores e 0,05% para manutenção da Feplana, organismo nacional de representação. Com tais disposições, o Estatuto olhava o bem-estar de toda a cadeia, desde o trabalhador rural até o usineiro, além, é claro, de definir o papel e o modus operandi do IAA, controlador de todo o sistema e responsável pelo comércio exterior de açúcar. Mas havia um conceito por trás desse controle todo: sabiam os autores da lei, tanto em 1941 quanto em 1965, que a cana-de-açúcar é um produto que só podia ser vendido às usinas que estivessem até uma distância máxima da fazenda do fornecedor, porque o produto era – como ainda é – barato, e o custo do frete limitava definitivamente a renda do agricultor. Isso criava uma relação mais ou menos desequilibrada: não existia comércio de cana, o usineiro próximo era o único comprador. Daí que a lei obrigava as usinas todas a receberem pelo menos 40% de canas de produtores autônomos, que sequer eram denominados como tal, e sim como fornecedores. E o verbo usado no comércio não era "vender cana", mas sim "entregar a cana ao usineiro". Essa determinação legal limitaria a lógica capitalista que levaria o usineiro a comprar as terras do fornecedor, concentrando a renda do setor, o que Barbosa Lima Sobrinho queria evitar. Claro que tudo isso pertence à história. A legislação era de um tempo em que a presença do Estado na economia era forte demais, e, mesmo entendendo a boa intenção dos autores, não faz mais sentido, nos tempos atuais, um controle dessa natureza. O tempo passou, veio o pagamento de cana pelo teor de sacarose, uma das maiores – senão a maior – revoluções tecnológicas do agro brasileiro na segunda metade do século passado e, por fim, veio o Plano Collor, em 1990, acabando com tudo: IAA, Planalsucar, preços controlados, quotas e todo o mais. Sem regras, o setor deu um exemplo de capacidade de adaptação e criou o Consecana, instrumento espetacular para remunerar os diferentes elos da cadeia produtiva (usineiros e fornecedores), de maneira equilibrada e equitativa. Mas também as regras desse instrumento ficaram velhas, e o mecanismo está precisando de uma reciclada, como, aliás, estava previsto desde sua instituição. De lá para cá, muita coisa mudou, e está passando da hora de reorganizar a cadeia produtiva sob a nova realidade e com a importância que passou a ter. Os números são impressionantes, começando com a área plantada com cana no País: é a terceira maior, com 13,9% de todas as terras cultivadas, perdendo apenas para a soja e o milho.
Opiniões O Brasil é o maior produtor e o maior exportador mundial de açúcar, com quase 40% do mercado internacional. É também o segundo maior exportador mundial de etanol de cana. No ano passado, o valor das exportações do setor superou US$ 10 bilhões. O etanol hidratado aqui produzido permitiu enorme economia na importação de petróleo. O etanol de cana emite apenas 11% do CO2 equivalente que a gasolina emite, e a nossa frota flex (mais de 75% dos carros e 30% das motos são flex) reduz drasticamente a poluição ambiental, contribuindo, sobretudo nas grandes cidades, para a redução significativa de doenças pulmonares. Mais ainda: essa menor emissão de gases de efeito estufa – GEE – ajudará o País a cumprir seu compromisso assumido voluntariamente junto à COP21 (Acordo do Clima) de reduzir 43% das emissões totais até 2030, com base nas emissões de 2005. E vale lembrar que a participação dos derivados da cana na matriz energética brasileira representa 17% do total, mais que a hidráulica. Aliás, a biomassa aqui produzida já gera 9% da potência outorgada pela Aneel na matriz de eletricidade, e, com a chamada bioeletricidade, o setor sucroenergético responde por mais de 11.300 MW. Isso é fantástico, porque a bioeletricidade é gerada nos meses de seca, de modo que funciona complementarmente às hidrelétricas. E, agora, com a chegada do etanol de milho, cuja maior produção se dará no Centro-Oeste brasileiro (onde já estão em andamento muitos projetos), há a expectativa de que, em poucos anos, cerca de 7 milhões de toneladas de milho servirão para essa produção, gerando mais de 3 bilhões de litros de álcool, que se somarão aos atuais 27,9 bilhões de litros de etanol de cana produzidos em 365 usinas em todo o País, gerando mais de 800 mil empregos diretos em 30% dos municípios nacionais. E o etanol de milho vai gerar um subproduto, o DDG (dried destillers grains), um similar ao farelo de milho de grande riqueza proteica e de excelente aceitação na alimentação animal. Vem crescendo também a produção de biodiesel a partir de oleaginosas como a soja, o amendoim, a palma, ou de sebo animal, integrando pequenos produtores às indústrias através de um Selo Combustível Social que o setor está dividido, de novo, por causa do desequilíbrio da renda, o governo tem muitos organismos descoordenados cuidando do setor: tem gente boa no MAPA, no MME, no MMA, no Itamaraty, na Embrapa e em agências ou empresas que lidam com energia ou agronegócio. "
Roberto Rodrigues
Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e Embaixador Especial da FAO para as Cooperativas
permite acesso a leilões públicos de biodiesel com reduções tarifárias. Em 2018, já produzimos 5,5 bilhões de litros de biodiesel, só para mercado interno, o que nos coloca apenas atrás dos Estados Unidos como maiores produtores mundiais. E agora temos o RenovaBio, extraordinário programa governamental criado no final de 2017, que dará novo incentivo à produção de biocombustíveis, com previsibilidade e mecanismos estimuladores de investimentos no setor, e com a visão de transformar os produtos da agroenergia em fatores descarbonizadores da matriz brasileira de transportes. Em suma, há um enorme rol de atividades em andamento na questão da agroenergia, com urgente necessidade de uma coordenação para a reforma de instrumentos que envelheceram, como o Consecana, devolvendo a ele a missão de equilibrar os ganhos ao longo da cadeia produtiva, além da imperiosa agenda de inovações tecnológicas que garantam nossa competitividade interna e externa. E, enquanto o setor está dividido, de novo, por causa do desequilíbrio da renda, o governo tem muitos organismos descoordenados cuidando do setor: tem gente boa no MAPA, no MME, no MMA, no Itamaraty, na Embrapa e em agências ou empresas que lidam com energia ou agronegócio. É fundamental uma ampla coordenação de tudo isso, as pontas estão soltas e o segmento é por demais importante, como se viu, para ter tanta dispersão de ações. Não existe mais, fica claro, a menor condição de intervenção estatal no mercado, como no passado. Mas um novo governo e uma nova liderança mais política – na Unica oferecem a oportunidade de organizar toda essa memorável cadeia produtiva idealizada pelo grande Barbosa Lima Sobrinho, com equilibrada e adequada distribuição da renda entre seus elos.n
ensaio especial
boas perspectivas Inicialmente, seria desejável que a produção de biodiesel pudesse usar outras fontes de matéria-prima. Ela, hoje, está concentrada na soja, que responde por cerca de 80% do mercado. É necessário aumentar a diversificação para atender a esse segmento, até porque a soja é a que menor rendimento apresenta. Outro ponto que deveria ser considerado é um aumento da mistura de biodiesel no diesel. Hoje, a legislação estipula 10% de mistura, e, em março, esse percentual subirá para 11%. A partir daí, a cada ano, será incrementado 1 ponto percentual até o limite de 15%. O melhor, no entanto, seria que o Brasil tivesse a possibilidade de misturas mais significativas, de 30%, 40% ou até mesmo de 50%. Um terceiro ponto importante para a gestão do sistema é a criação de um mercado livre para o biodiesel. Esse setor já é bastante competitivo, mas, se fosse possível adotar uma mistura mais elevada, as próprias unidades produtoras poderiam negociar com as distribuidoras de combustível um volume maior do produto, para atender a esse novo mercado. Acredito que, com isso, haveria como fortalecer e ampliar a indústria do biodiesel no Brasil, o que seria muito importante para nossa matriz energética e para a economia do País. Enquanto o Brasil não tiver estudos para elevação da mistura, o mercado ainda ficará atrelado ao selo social e aos leilões.
Uma nova política para os biocombustíveis está sendo implementada do Brasil, o RenovaBio. Esse é um programa que reconhece as externalidades dos biocombustíveis, premiando-os. Isso permitirá ao produtor (de biodiesel, etanol, biogás, bioQAV, biometano e outros) utilizar-se dessa premiação para aumentar sua produtividade, resultando na redução dos preços desses produtos ao consumidor final. Criado no fim de 2017, o RenovaBio ajuda a definir uma estratégia para garantir o papel dos biocombustíveis no mercado, principalmente quando se fala em segurança energética e em redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. Ele é um marco na indústria, principalmente para o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar e para o bioetanol proveniente da cana-de-açúcar e do milho. Esse é um projeto com o qual se pretende valorizar os efeitos da redução de gases poluentes na atmosfera. O RenovaBio possibilitará aos produtores de biocombustíveis emitirem certificados de redução de emissões e que esses certificados sejam comercializados não apenas no mercado brasileiro, mas também no internacional. Já se tentou isso no passado, é verdade, mas o setor acredita que, agora, é o momento certo para retomar essa iniciativa. Outro ponto que deve merecer a atenção governamental é a mobilidade urbana. É importante, no caso do Brasil, poder usar os biocombustíveis para abastecimento da frota.
Estão vindo aí os veículos movidos a células de combustível. O usuário vai abastecer o veículo com etanol, e um processo químico dentro do carro vai gerar energia como um motor elétrico. É um conceito totalmente novo " Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias Ministra da Agricultura
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Opiniões Estão vindo aí os veículos movidos a células de combustível. O usuário vai abastecer o veículo com etanol, e um processo químico dentro do carro vai gerar energia como um motor elétrico. É um conceito totalmente novo, mas já existem algumas pesquisas bastante avançadas nesse sentido. A montadora Nissan, por exemplo, tem um modelo em desenvolvimento. Ou seja, em breve, os consumidores vão poder usar o que o País tem de bom, que são os biocombustíveis. Pela primeira vez, o Brasil terá um carro elétrico movido a biocombustível. A grande preocupação é que algumas ações de governos passados acabaram direcionando as pesquisas para o modelo do veículo plug in, ou seja, 100% elétrico. Esse enfoque deve ser mudado, pois o Brasil tem outras possibilidades a serem exploradas. Alguns países vendem a ideia de que o carro elétrico é, por si só, sustentável. No caso da União Europeia, no entanto, isso não é verdade, pois o veículo utiliza combustível fóssil ou carvão. Ou seja, a fonte primária de energia não é sustentável. Outra questão que deve ser debatida são as barreiras impostas ao açúcar brasileiro, um dos produtos da nossa indústria canavieira. O alimento brasileiro é o produto que mais sofre com as barreiras comerciais. Mercados na União Europeia, na China, na Rússia e nos Estados Unidos estão praticamente fechados para o produto brasileiro. O País terá de continuar brigando para a abertura desses mercados. No âmbito interno, algumas ações sem
qualquer base técnica e científica vêm sendo discutidas, o que pode vir a afetar o consumo, e, por conseguinte, a produção de açúcar. Não se pode imputar ao consumo de açúcar todos os males do mundo. Açúcar é energia pura em forma de alimento. Seu consumo deve ser moderado, mas isso se aplica não apenas à ingestão de açúcar como a todo e qualquer alimento. O mais importante é a mudança de hábitos. A prática de exercícios para a queima dessa energia é o mais recomendado. n
produtores
Opiniões
a ajuda virá de dentro Independentemente do setor no qual atue, os desafios do gestor moderno, ano após ano, só aumentam, em número e em complexidade. Numa abordagem genérica, poderíamos, até bem pouco tempo, resumir a gestão ideal apenas citando algumas expressões que já caíram no lugar comum: fortalecimento da estrutura organizacional através de valores alinhados com os anseios da sociedade; desenvolvimento de uma cultura que reflita o DNA dos acionistas; busca pela manutenção do nível elevado de motivação da equipe; desenvolvimento de uma visão sistêmica por parte de todos os colaboradores; geração de valor para os acionistas; responsabilidade socioambiental; governança corporativa e por aí vai. Se já seria complicado continuar o texto ficando apenas nos itens acima, muito mais complexo é discorrer sobre as exigências decorrentes de um mundo muito mais acelerado, muito mais conectado, de um ambiente de negócios que caminha a passos largos para uma nova era derivada da revolução digital. O setor sucroenergético é fruto das duas grandes revoluções pelas quais passaram a humanidade, a agrícola e a industrial, e ainda apresenta vários vícios desse passado distante, tendo que, agora, se reinventar para preparar-se para os próximos 20 anos, quando o mundo será muito diferente de como conhecemos hoje. Segundo previsões feitas pela Singularity University, em 2038, o dia a dia já não será mais reconhecível – a realidade virtual e a inteligência artificial alavancarão todas as partes da vida humana no mundo inteiro, e as cidades serão autossuficientes, através da utilização maciça da energia solar; o carro elétrico será dominante. Infelizmente, muito precisaremos fazer para caminharmos na direção do ideal; a necessidade constante de inovação deixou de ser alternativa e passou a ser uma obrigação, definindo, mais do que qualquer outro aspecto, o tempo de vida das organizações.
Assim como na natureza, evoluir, reinventar-se passou a ser questão de sobrevivência. O setor sucroenergético, mais do que qualquer outro, precisa evoluir. Na última década, segundo dados do Pecege (2019), a produção de ATR por hectare caiu 17%: os motivos são diversos e conhecidos, e as explicações e justificativas não alteram o fato, estamos regredindo. Para complicar mais ainda, como se fala no Nordeste, além da queda, tivemos o coice, pois os custos de produção, no mesmo período, segundo a mesma fonte, subiram extraordinários 177% contra um IGPM acumulado no período de apenas 86%. Ou seja, perdemos produtividade e aumentamos custos, sem contrapartidas na precificação dos produtos e, consequentemente, nas receitas; isso exauriu o setor financeiramente e é a principal causa das limitações atuais que definem uma gestão possível. Não existem saídas milagrosas, não teremos safras sucessivas de ótimos preços, seja no etanol, seja no açúcar, e, mesmo que ocorram anos espetaculares, como já vivenciamos no passado, não necessariamente, e, na maioria das vezes, isso não acontece, seremos bafejados pela sorte de termos também anos de produção igualmente espetaculares, ou seja, precisamos inovar para recuperar a produtividade perdida e para desenvolver uma maior resiliência no setor. A única certeza de que temos é de que a volatilidade permanecerá e de que os vasos comunicantes entre os diversos ativos financeiros e mercados só tendem a aumentar, intensificando a complexidade do gerenciamento das incertezas, sempre inerentes ao setor. A correlação que o açúcar passou a ter com o petróleo nos últimos meses trouxe ainda mais sofisticação e riscos, porém também oportunidades, ao nosso negócio. Iniciativas de inovação existem e já estão sendo colocadas em prática por algumas poucas empresas
O setor sucroenergético é fruto das duas grandes revoluções pelas quais passaram a humanidade, a agrícola e a industrial, e ainda apresenta vários vícios desse passado distante "
Jucelino Oliveira de Sousa
Membro dos Conselhos de Administração da Zilor e da Alesat e do Conselho Consultivo da Copersucar
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Cuidado, a isoporização pode ameaçar a solidez do seu investimento.
A isoporização é um problema sério que independe do florescimento para colocar em risco a produtividade do canavial. Por isso, é preciso estar atento em todos os momentos. ® Ethrel é o regulador de crescimento com tecnologia Bayer que controla a isoporização e proporciona a qualidade da cana.
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produtores saudáveis financeiramente: a Internet das Coisas é uma realidade, e a sua aplicação no setor é infinita e com incomensuráveis impactos positivos em toda a cadeia de produção; a irrigação inteligente alinha-se com os objetivos de maior sustentabilidade ambiental, agregando também ganhos substanciais à produtividade da cana-de-açúcar; ferramentas digitais baseadas em big data e o uso da inteligência artificial certamente auxiliarão de forma decisiva a superarmos o grande desafio de produzirmos de forma sustentável, cada vez mais, utilizando a mesma área. Porém penso que nenhuma iniciativa possui maior poder disruptivo do que a transgenia e o desenvolvimento de novas formas de plantio. Nos próximos cinco anos, veremos a utilização comercial de mais e mais variedades transgênicas resistentes a pragas e, possivelmente, a disponibilização para o setor da semente de cana-de-açúcar, o que revolucionará a forma como fazemos o plantio. Acredito piamente que esses eventos definirão o turning point do setor e defendo que todo o setor deveria abraçar essa causa. Além, obviamente, da produtividade derivada da inovação e da redução dos custos de produção, alguns outros aspectos podem e devem ser incluídos na gestão possível. Cito como exemplo a redução de custos de SG&A. O setor ainda se comporta, com raras exceções, como se vivêssemos nos tempos das “vacas gordas”; muitos que observam o setor de fora constantemente questionam se de fato o setor vive na pindaíba que apregoa, e falo mais, esse comportamento contraditório, além de minar as finanças, age contrariamente aos interesses do setor, uma vez que deslegitimizam demandas que, na maioria das vezes, são justas. Excessos, gorduras e desperdícios ainda é comum de serem vistos e fazem a alegria das consultorias “cortadoras de custos”; uma gestão mais espartana e o entendimento de que não temos mais um negócio que no passado podia até ser classificado como uma “vaca leiteira” faria muito bem à saúde do segmento e aos nervos dos acionistas, investidores e credores. Falar da questão ambiental como item obrigatório da agenda da gestão possível para o setor poderia até ser redundante em função do RenovaBio e da necessidade de se comprovar e quantificar as emissões de gás carbônico em cada parte do processo produtivo, porém os recentes acontecimentos trágicos envolvendo o setor produtivo, o meio ambiente e a sociedade, e não importa em qual segmento ocorreram, trazem novas e fortes cores à priorização que se precisa dar a esse assunto, incluindo, definitivamente, o mesmo não na gestão possível, mas sim na gestão imprescindível. Infelizmente, para a maioria das empresas que se encontram asfixiadas por dívidas colossais e por
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juros que consomem quase integralmente a parca geração de caixa, a gestão possível resume-se ao “se vira nos 30” ou ao “se vira na safra”. A saída encontrada por essas empresas resume-se à busca do aumento de produtividade e à redução de custos através de iniciativas que envolvam baixos investimentos, ou, de preferência, até nenhum investimento, pois não sobram recursos para muita coisa. A revisão de processos, a otimização das compras de insumos e o aumento da eficiência das equipes são as saídas mais frequentemente encontradas, pois toda a geração de caixa que sobra após o pagamento de juros e a amortização das dívidas, quando sobra, acaba sendo carreada para o Capex obrigatório relacionado à manutenção das plantas e à renovação do canavial, sendo esse último os investimentos que normalmente mais sofrem nesses períodos de sofreguidão. O setor precisa de dinheiro novo ou de uma grande e geral reestruturação das suas dívidas; sem isso, ficaremos da “mão para a boca” nos próximos anos, e, inevitavelmente, o ajuste se dará pela redução da oferta via fechamento de unidades ou pela consolidação via absorção das empresas debilitadas por aquelas aqui instaladas que são financeiramente saudáveis. Se nada for feito, a janela de oportunidades que se abrirá com o RenovaBio e com as inovações que se multiplicarão na próxima década muito provavelmente encontrará poucos players a desfrutá-la. A economia brasileira está próxima de entrar num ciclo virtuoso, e o setor pode se beneficiar dessa nova onda. O consumo de combustíveis crescerá num primeiro momento, em velocidade superior à do PIB, alavancando as vendas de etanol, em paralelo à manutenção da taxa de juros em patamares civilizados, o que impulsionará o mercado de capitais e de títulos privados. CRAs, Bonds e IPOs serão alternativas para a captação de novos recursos pelas usinas para fazer frente a novos investimentos (inovação, aumento da cogeração ou movimentos de consolidação que apresentem sinergias claras) e para a melhoria do perfil da dívida, visando à redução de juros e ao alongamento do seu duration; porém, ressalte-se, apenas as empresas operacionalmente eficientes e com governança consolidada acessarão essas alternativas. Os investidores, mesmo os estrangeiros, já percorreram toda a curva de aprendizado e já conseguem separar o joio do trigo e, certamente, não colocarão mais dinheiro em projetos milaborantes, nem para cobrir déficits decorrentes de ineficiências e má gestão. Em novos tempos no nosso País, onde o liberalismo e as leis de mercado ditam as regras do jogo, é hora de pararmos, de uma vez por todas, de sonhar que a ajuda virá de fora. n
a gestão 4.0 Sabemos que será difícil obter grandes saltos de produtividades, agrícola ou industrial, sem grandes investimentos com resultados a longos prazos. Também é de nosso conhecimento a grande ineficiência de aproveitamento de nossos ativos, principalmente os agrícolas, que, além da sazonalidade das operações, são fortemente impactados por sistemas de gestão pelo retrovisor, ou seja, olhando o ontem e não o agora. Não é incomum vermos valores em torno de 35% de eficiência, ou seja, um aproveitamento efetivo de 35% do potencial do ativo. É inegável que o segmento que mais tem apresentado desenvolvimento aparentemente ilimitado é o da Tecnologia da Informação; não fazemos ideia e não damos conta de acompanhar tanta tecnologia, sistemas, aplicativos, ferramentas que são criados e disponibilizados nos mais diversos setores, e sabemos que estão e estarão intrinsicamente ligados a nossas vidas. Tecnologia da Informação (TI), Internet das Coisas (IoT), Inteligência Artificial (IA), Banco de Dados Relacional são símbolos e expressões que já estão arraigados em nosso dia a dia. Nossos esforços, então, devem ser direcionados a desenvolver aplicações dessas tecnologias para desatarmos os nós, ou alguns deles, dessa perigosa equação Produtividade versus Aproveitamento de Ativos. Como podemos juntar essas realidades, a princípio tão díspares, para uma resultante positiva para nossos processos? A informação precisa estar disponível e clara: onde ela é gerada e manipulada, na origem dos processos, na ponta do eletrodo, onde a temperatura é de fusão e transformação.
Nossos softwares são finitos e de visão curta, não conversam entre si. Nossos hardwares construídos, olhando-se para o passado ou, quando muito, para o presente, não têm capacidade de processamento e com baixíssima interação com o usuário. "
Humberto César Carrara Neto
Diretor Executivo Agrícola da Usina São João de Araras
Opiniões
Mais ainda, essa informação precisa estar relacionada a planejamentos, a programações, a projetos. Não nos serve uma coisa fria e solta, “hoje está fazendo sol!”, e o que faço com isso? Porém, se conseguirmos relacionar o “hoje faz sol e quando está fazendo sol, com este equipamento e este implemento, no estado que se encontram, onde você está e com sua capacitação, você terá condição de produzir ‘isto’ e, se você iniciar agora, irei lhe mostrando como está a sua entrega e a que distância/ tempo está de seu objetivo”. Para esse propósito, com a anuência do editor, vou fazer a abordagem de forma lúdica, pois, assim, ele foi concebida. Para tal, esta historinha tem um protagonista que é o Francisco, um operador de máquinas que inicia seu dia de trabalho na Usina XPTO. Francisco sobe em sua máquina no início do turno, é reconhecido por um leitor facial e é recebido por uma voz que vem do computador de bordo que acessa o banco de dados do RH: “Bom dia, Francisco, você está habilitado para operar esta máquina, suas férias iniciam-se daqui uma semana, parabéns, não teve nenhuma falta este mês e não sofreu nenhum acidente”. Mas também poderia ouvir: “Bom dia, Francisco, você não conseguirá dar partida, pois não consta participação em treinamento para este equipamento, você também está retornando de um acidente com entorse, procure se alongar...”
produtores Na sequência, nosso Francisco acopla um implemento, plantadora de cana, equipado com um TAG de identificação, e, de novo, a voz do computador de bordo, que agora acessa a Manutenção Automotiva e a Instrução de Trabalho para essa operação que Francisco está se preparando: “Bem, vejo que você vai realizar o Plantio de Cana, a marcha ideal para esta operação é a 4ªM, 1.800RPM, velocidade de 3 km/h. Este implemento sofreu manutenção há 20 horas e precisa reaperto das rodas. Gostaria de ouvir a instrução de trabalho? Aperte a tecla I, a pressão dos pneus traseiros está acima do recomendado para esta operação, recalibre para 25 libras.” Ou poderia dizer: “Sinto muito, Francisco, esta máquina não está habilitada para este procedimento; procure o coordenador na motomecanização...” Agora, ele está prestes a iniciar o plantio no talhão 1 da Gleba 22.150 e o CB, conectado ao Plano de Trabalho e ao Orçamento da Agrícola, manda do alto falante: “Vejo que estamos no talhão 1 da gleba 22.150. Esta operação está programada, porém, para daqui a 25 dias, se estiver em condições, pode iniciar o plantio que foi previsto a 1,5 ha/h a 30 cm de profundidade. Sua máquina tem combustível para 4 horas de operação, mas já estou programando o comboio para daqui a 3 horas, quando estiver descansando. Vou monitorar seu rendimento e lhe informar. Bom trabalho, Francisco.” Francisco pode iniciar a operação com seu equipamento conectado a um Centro de Controle Operacional, transmitindo imagens do que está fazendo e das condições de operação; também estará conectado, transmitindo e recebendo informações da Central de Manutenção Automotiva, responsável pelo perfeito funcionamento de disponibilidade dos equipamentos e que monitora o comportamento deles, programa suas paradas e revisões, de acordo com intensidade de uso da máquina (torque), sabe quando quebra, o que quebra e onde está. Francisco poderá também interagir com imagens, pois acaba de visualizar uma arvore caída, registra o fato, que já é armazenado e georreferenciado na carta de mapas, será informação importante para quem irá colher essa cana daqui a 18 meses (o operador de colhedora, Antonio, será avisado pela mesma voz: “cuidado, Antonio! Francisco reportou obstáculo a poucos metros). Já na conexão com o RH, informar acidentes, avisos, exames periódicos, datas especiais, mudança de turno ou de regime de horário, treinamentos, eventos corporativos, monitorar o desempenho do Francisco, etc.
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Opiniões Da conexão com o ERP da Agrícola, podemos informar rendimentos médios obtidos, consumo de insumos recomendado e obtido, informações climáticas ideais e atuais. Evidentemente, estamos falando aqui do controle efetivo e do acompanhamento operacional e da frota, dos custos agrícolas, da produtividade do canavial e de nossos ativos, mas estamos, acima de tudo, controlando e informando, em tempo real, os fatos onde eles ocorrem e retribuindo minimamente a quem de fato está fazendo acontecer. Qualquer coisa diferente disso é controlar a temperatura e a pressão de um cadáver, é post mortem. Agora, imaginem isso tudo em um banco de dados relacional (homem/máquina/processo/clima/local), com dados históricos de todas as operações, em todas as áreas e chegamos à aplicação da Inteligência Artificial, com a gestão na “ponta do eletrodo”, onde as coisas de fato acontecem, disponibilizando informações e programações, monitorando em tempo real “o que está acontecendo”, interagindo com “quem está de fato realizando”. Programações e projetos sofrerão um impulso na assertividade, nas negociações antecipadas, na previsibilidade aumentada. Mão de obra será capacitada por demanda, treinamentos serão reaplicados por desempenho, padrões serão criados individualmente para cada operação, em cada local, especializações serão identificadas por individuo, por processo e por equipamento. Frotas serão gerenciadas por nível de utilização, não por mais tempo de uso, programações de peças e serviços serão realizadas e ajustadas por demanda, logística será aplicada em sua plenitude, em tempo real, com antecipação de ações. Centrais de controle terão efetivamente o controle dos ativos, físicos, mecânicos e humanos, e não mais demonstrações de “pirotecnologia”. A que distância e tempo estamos entre essa “história” e a realidade? Muito menos que imaginamos. Toda essa tecnologia já está disponível, porém fragmentada em nossos escritórios, congelada em discos ou nas nuvens de informação. Nossos softwares são finitos e de visão curta, não conversam entre si. Nossos hardwares construídos, olhando-se para o passado ou, quando muito, para o presente, não têm capacidade de processamento e com baixíssima interação com o usuário. Precisamos convergir; programadores, desenvolvedores, fornecedores de tecnologia e equipamentos, com uma rede ampliada de usuários comuns para que todos, numa mesma direção, possamos construir um caminho para o sonho virar realidade. n
produtores
estamos prontos Poucos setores têm um impacto social, econômico e ambiental tão positivo como o sucroenergético. Temos um papel muito importante na transformação dos municípios, com a geração de empregos, a formação de mão de obra especializada, o recolhimento de impostos e tributos, entre outros inúmeros benefícios provenientes da instalação de uma unidade agroindustrial. No caso da Atvos, essa transformação é ainda mais relevante por estarmos nas novas fronteiras agrícolas do Brasil. Não à toa, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos municípios nos quais estamos presentes tiveram um crescimento exponencial desde nossa chegada. No mês de janeiro, o Mapa – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, divulgou um levantamento, com base em dados do IBGE –
Somos uma empresa focada preponderantemente em bioenergia. Nossa receita é formada por 75% de etanol, 15% de açúcar e 10% de energia elétrica"
Marcelo Mancini Stella Vice-presidente da área Comercial, Logística, Suprimentos e Energia da Atvos
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que mostra um crescimento médio de 9,81% no PIB –Produto Interno Bruto, dos municípios agrícolas do Brasil, no período de 2014 a 2016. O cálculo se baseia nos dados dos cem maiores PIBs agropecuários do País. De acordo com o levantamento, Nova Alvorada do Sul e Rio Brilhante-MS, ambos municípios com unidades da Atvos, estão entre os dez que registraram maior crescimento no período. Além do impacto local, o setor sucroenergético é muito relevante para a balança comercial brasileira, na medida em que o açúcar está entre os pricipais itens da pauta de exportações do País e o etanol reduz a necessidade de importação de gasolina.
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Transcendendo os atributos sociais e econômicos, cabe destacar os benefícios ambientais do etanol e da bioenergia. Em um mundo em que se discute a descarbonização da economia e em como combater o aquecimento global, etanol e bioenergia são uma excelente opção. Isso sem falarmos na questão da saúde pública, já que o uso do etanol, comprovadamente, contribui para mitigar as doenças associadas à poluição. No entanto, apesar desses atributos amplamente reconhecidos e comprovados, o governo Dilma prejudicou de maneira significativa o setor, com o congelamento dos preços de gasolina por mais de quatro anos, o que provocou um elevado endividamento do setor e o fechamento de dezenas de usinas.
Opiniões No âmbito da concorrência internacional, temos uma agenda desafiadora, resultante de barreiras tarifárias, salvaguardas e subsídios, como ocorre com o açúcar, na Índia, na Europa e no Paquistão, e com o etanol de milho, nos Estados Unidos. São mecanismos que criam grandes desequilíbrios nos fluxos de importação e de exportação e que merecem atenção especial do nosso governo. O setor de bioenergia brasileiro está preparado para competir mundo afora, em bases comparáveis e isonômicas. O Brasil é líder mundial na produção de etanol e açúcar a partir da cana-de-açúcar, com os custos mais baixos do planeta, fruto, entre outras coisas, dos permanentes investimentos em pesquisa e em desenvolvimento. Isso tudo cria um ambiente de negócios favorável, que vai ao encontro da orientação liberal do novo governo, delineando duas agendas importantes que abrem boas perspectivas e permitem enxergar o futuro sob um prisma mais otimista. São elas: 1) a manutenção da política de preços de combustíveis da Petrobras, alinhada a preços internacionais e 2) a implementação do RenovaBio, que promove a valorização dos biocombustíveis com visão de longo prazo, criando um ambiente para investimentos no setor.
Em relação à Atvos, somos uma empresa com pouco mais de 10 anos, focada preponderantemente em bioenergia. Nossa receita é formada por 75% de etanol, 15% de açúcar e 10% de energia elétrica. Temos feito a lição de casa para nos colocarmos entre as melhores empresas do setor, dando muita atenção aos benchmarks. A empresa vem com um histórico consistente de ganho de produtividade e de redução de custos, uma cultura de excelência em SSMA (Saúde, Segurança e Meio Ambiente) e gestão de riscos, além de um respeito absoluto aos integrantes, clientes, fornecedores e demais parceiros, valorizando relações equilibradas e de longo prazo. Neste momento, estamos nos preparando para o início de uma nova fase. O processo de reestruturação financeira da Atvos deixará a empresa menos alavancada, com estrutura de capital otimizada e maior capacidade de investimento, permitindo, assim, a expansão de nossos canaviais com a ocupação de 100% de nossa capacidade industrial e a duplicação do Ebitda (sigla em inglês para lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Estamos confiantes nos bons ventos que sopram na condução do Brasil, no desenvolvimento do setor e na consolidação da Atvos. n
sistema financeiro
correndo atrás do
prejuízo
Ao analisarmos os últimos 10 anos, sem dúvida o que não faltou ao setor sucroenergetico foram desafios de toda ordem. A mecanização impôs mudanças profundas na forma de conduzir a lavoura de cana-de-açúcar, e as mudanças não foram poucas, e exigiu uma curva de aprendizado bastante dolorosa. O impacto na produtividade medido por TCH e ATR não foi pequeno, fazendo o ATR por hectare recuar de 12,5 t para número abaixo de 10 t na safra 2018/2019 e resultou numa perda expressiva de competitividade do Brasil em relação aos seus maiores competidores no mercado internacional, a saber Europa, Tailândia e Índia, em relação a açúcar, e os Estados Unidos, pelo etanol de milho, para os quais perdemos a supremacia como maiores exportadores mundiais. O congelamento de preços de combustíveis nos terríveis anos Dilma trouxe prejuízos enormes para o setor ao privá-lo de aproximadamente R$ 70 bilhões de receita, levando um número enorme de empresas a uma situação financeira bastante precária, que impacta fortemente
Gosto sempre de dizer que crédito é que nem colesterol. Tem o bom e o ruim. "
Alexandre Enrico Silva Figliolino
Consultor-sócio da MB Agro e Consultor da XP para agronegócio
Opiniões sua qualidade operacional em face da restrição de crédito que sofrem e a consequente redução na capacidade de investir, num setor onde a necessidade de investimento é enorme e contínua. Uma frase que ouvi outro dia e de que gosto muito é aquela que diz que no setor sucroenergético hoje os ricos estão ficando mais ricos e os pobres mais pobres, pois ela relata com exatidão o momento que estamos vivendo. Na ausência de um ambiente de mercado favorável em termos de preços do açúcar e do etanol, as empresas em dificuldades tendem a afundar cada vez mais, e os grupos bem geridos e com situação financeira adequada conseguem ultrapassar as fases de vacas magras, auferindo até margem de ganho razoável. O fato de o açúcar ter hoje uma Europa mais competitiva, que pode exportar livremente, uma Ásia também mais competitiva e com enormes mecanismo de proteção governamental a seus produtores, torna os ciclos de vacas magras mais longos, e os de vacas gordas, mais curtos. A enorme correlação que passa a existir entre petróleo e açúcar, nos momentos em que o Brasil volta a ser fornecedor de última instância de açúcar do mundo, em face da capacidade brasileira de alterar seu mix de produção açúcar/hidratado, é uma novidade que passou a existir a partir de outubro e que também contribui para o encurtamento das vacas gordas. Isso pela capacidade do shale gás americano em fazer crescer sua produção rapidamente e atender ao mercado a partir de determinado nível de preço. A redução do preço do petróleo bate do RBOB, que, por sua vez, influencia o preço da gasolina no Brasil e, por consequência, define o quão competitivo o hidratado fica no mercado interno. Isso sem falar na taxa de câmbio, sendo que o real pode se apreciar bastante num momento de otimismo em relação ao Brasil e tornar a questão da competitividade nossa ainda mais séria. Todos esses ingredientes fazem-nos refletir que o mar não está para peixe, e a sobrevivência hoje no setor depende de as empresas fazerem uma enorme lição de casa, e vários grupos já o fizeram. Todas as ações devem ser dirigidas a produzir com custos competitivos e auferir boas receitas por tonelada de cana moída, através de um robusto portfólio de produtos, com flexibilidade em fazer açúcar ou etanol, produzir o máximo de energia possível por tonelada de cana moída, atuar em alguns subprodutos, como levedura; o biogás, por exemplo, parece ser uma promessa de futuro. Além disso, uma gestão de risco primorosa só vem ajudar, na medida em que torna as receitas mais previsíveis, e deve ser executada com base numa previsão orçamentária que serve de base para tomada de decisão do momento de travar os preços das commodities e da taxa de câmbio.
Do lado dos custos, evidentemente o agrícola é aquele para o qual o maior foco deve ser dado. Níveis de produtividade têm um impacto muito forte no custo unitário e, sem dúvida, é um dos fatores a separar ricos de pobres, lembrando que temos níveis de ATR/ha variando de 6.000 a 15.000. É muita dispersão, e quem estiver abaixo de 10.000 deve, urgentemente, trabalhar em ações para melhorar isso: preparo de solo, plantio, manejo varietal, manejo de pragas e doenças, meiosi, espaçamento, estar em áreas de boa colheitabilidade, bom nível de utilização da frota agrícola, etc. Arrendamento e CTT são itens muito importantes para definição do custo agrícola, e a gestão desses itens é estratégico para o sucesso. O setor foi muito punido nesses itens nos últimos 10 anos, pois a expansão desordenada de usinas em várias regiões produtoras levou outras a buscarem cana cada vez mais distante de suas indústrias, além de pagarem cada vez mais por uma terra que rendia cada vez menos, e os impactos disso são enormes. Costumo dizer que, na cadeia produtiva da cana-de-açúcar, o único elo feliz são os donos das terras, que são os mais bem remunerados e, curiosamente, os que correm o menor risco. Na indústria, encontramos também uma dispersão elevada em termos de custos, mas nada semelhante ao agrícola. De qualquer forma, existem diferenças de eficiência recuperação industrial acima de 10% entre as melhores e as piores, o que é geração de caixa na veia. A modernidade da planta influencia muito isso, pois, além da eficiência, temos diferenças grandes em termos de níveis de automação, não se esquecendo de que escala, nesse caso, também pesa na definição do custo unitário. No administrativo, é outro lugar onde escala é importante para definir custo unitário. Mas, sem dúvida, um organograma de cargos enxuto e com pessoas com adequada formação é muito importante. Por último, a estrutura de capital com adequado nível de alavancagem é muito importante e decisivo para o sucesso. Os empresários, muitas vezes, não se dão conta do quão destrutivo de valor é a alavancagem financeira inadequada. E a destruição aumenta exponencialmente a partir de determinado nível. Além de restringir a quantidade de crédito, impede de acessar as melhores fontes de recursos. Gosto sempre de dizer que crédito é que nem colesterol. Tem o bom e o ruim. Enfim, quem quiser continuar no jogo tem que correr atrás do prejuízo, atuando através de uma gestão profissional nos fatores endógenos e produzindo com custos competitivos. Os que não se adequarem serão varridos do mapa por uma onda de consolidação que está apenas começando. n
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centros de pesquisa - tecnologia agrícola
a gestão
do nosso negócio
Alguns definem a palavra “ideal” como um sinônimo para “imaginável”, ou para fenômenos que são representados, ou pensados. Toda “idealização”, no entanto, merece um olhar transversal que transforme o “pensado” em ações “possíveis”. Os profissionais que atuam na área de P&D no Brasil, com foco agrícola, têm uma noção bastante palpável do que isso significa. Todo bom plano de gestão inicia-se com a estratégia. E essa tem que ser bem delimitada e identificada. Para o Programa Cana IAC, a missão institucional prevê gerar e difundir conhecimento para a cadeia sucroenergética. Missão clara e definida. Porém “como” atingir essa missão é a questão estratégica. Na livre interpretação do que o filósofo Eduardo Bonnet aponta, poderíamos dizer que bons profissionais são, em geral, muito bons executores, os ótimos são também bons pensadores. Buscar, avaliar, pensar, decidir sobre a melhor estratégia para a gestão de nosso “negócio” é sempre a parte mais difícil.
Toda gestão prevê: planejamento, organização, execução e controle. Para a grande maioria dos pesquisadores, é necessário conviver ainda, nesse plano de gestão, com recursos escassos nas suas instituições de pesquisa. Após um período auspicioso com a criação da Copersucar e Planalsucar na década de 1970, a pesquisa canavieira viu sucumbir desse esforço com o fechamento de diversas estações experimentais da Copersucar e com a extinção do IAA e do Planalsucar em 1990. O IAC também sofria com o encerramento da antiga Seção de Cana-de-Açúcar, criada na década de 1930. Isso tudo ocorria no auge da crise de abastecimento de etanol (1989), fazendo com que a população desacreditasse naquilo que havia sido proposto uma década e meia antes, por ocasião da criação do Proálcool. Era um cenário desolador para a pesquisa canavieira. Alguns definem a palavra 'ideal' como um sinônimo para 'imaginável' ou para fenômenos que são representados, ou pensados. Toda 'idealização', no entanto, merece um olhar transversal que transforme o 'pensado' em ações 'possíveis'. "
Raffaella Rossetto e Marcos Guimarães de Andrade Landell
Pesquisadores do Programa Cana IAC/APTA/SAA
Nesse momento, surgiu das cinzas o esforço dos pesquisadores remanescentes do Planalsucar, que acabavam de ser incorporados por algumas universidades federais. E também do IAC, que criou um programa virtual em 1993, que promovia a associação com diversas instituições para a realização de suas pesquisas.
Opiniões Por exemplo: o laboratório de análises tecnológicas era o da Canaoeste/Copercana; parte dos recursos humanos foram cedidos por associações e usinas para compor a equipe de experimentação IAC. Passamos a prospectar oportunidades de cooperação e assim nos aproximamos, em um primeiro momento, da Copersucar, UNESP-Jaboticabal. Na década seguinte, com a chegada de novos pesquisadores, nos aproximamos de grupos de pesquisa da Unicamp, Esalq-USP, Cena-USP e Embrapa. Ampliamos os nossos quadros de investigadores por meio de pós-graduandos e também de técnicos contratados por fundações privadas. E ampliamos as áreas de estudo. Agora, abordamos várias facetas da fitotecnia, da biotecnologia e do melhoramento genético da cana, incluindo o desenvolvimento de métodos laboratoriais de diagnósticos de doenças e de metodologias, como o MPB. Posteriormente, principalmente a partir do final da década passada, houve um investimento significativo no Centro de Cana IAC, e diversos laboratórios foram construídos, assim como ampliada a estrutura para treinamentos e eventos, o que nos permitiu uma inserção maior no setor sucroenergético. Portanto uma análise mais superficial nos leva à percepção de uma precariedade na estrutura da pesquisa de cana-de-açúcar dessa importante instituição e que, pelo menos durante mais de uma década, havia uma dependência enorme de cooperações externas para efetivar estudos importantes prospectados para aquele momento. Se nos aprofundarmos um pouco mais, veremos esse mesmo risco em outras instituições envolvidas, inclusive nas universidades. Como tem sido possível, então, a geração de tantas tecnologias nessas últimas duas décadas com um quadro desses? Vem aí a nossa discussão inicial da “gestão do possível”. No programa Cana do IAC, temos feito valer alguns lemas, tidos quase como mantras, como: “O todo é maior que a soma das partes”. Todos tem igual valor na equipe, desde o trabalhador do campo, até a liderança máxima. Quando um cresce, o grupo cresce como um todo. Por essa razão, cada vitória individual é comemorada como vitória da equipe, somando no cumprimento da missão. Um ponto marcante para uma equipe de sucesso é a motivação, e podemos verificar essa atitude proativa na equipe do Programa Cana do IAC. A motivação é o esforço a mais que as pessoas empenham quando se sentem envolvidas. Ela permite a convergência dos objetivos individuais com os objetivos do todo da equipe.
O gestor de um grupo de pesquisas precisa ser inicialmente um líder e, com seu exemplo, exercer influência no comportamento do grupo como um todo. Um líder precisa manter a motivação da equipe, manter a comunicação e liderar o andamento e/ou a mudança de rumos. Ainda no cumprimento da missão institucional, outro lema que nos conduz é: “socializar o conhecimento”. Ao longo dos últimos 27 anos, mantemos o Grupo Fitotécnico de Cana IAC, onde, em reuniões abertas ao setor, a cada 40 dias, discutimos, dissecamos e, em conjunto, sugerimos soluções para tema técnico de importância para o setor. Esse encontro dos técnicos é uma abrangente fonte de levantamento de demandas de pesquisa e atua como um “sinalizador” para os rumos das atividades da equipe. A grande preocupação na gestão do grupo é saber se o investimento aportado gera retorno considerável ao setor. Quais são, efetivamente, os resultados em termos de novas tecnologias? A adoção dessas tecnologias gera realmente algum impacto na qualidade de vida do nosso agricultor? Essas são questões que fazem parte de nosso dia a dia. O Programa Cana IAC apresentou, nos últimos dez anos, 10 novas variedades de cana-de-açúcar. Gera tecnologias para o controle de pragas, doenças, plantas daninhas e manejo de solos e fertilizantes, sempre pautando a maior sustentabilidade ambiental. O grupo do IAC é responsável pelo treinamento de ao menos uma centena de alunos anualmente, em cursos e estágios direcionados ao setor de cana. A parceria com os produtores da Socicana/Coplana, em Guariba, no “Projeto + Cana”, mostrou como a tecnologia das Mudas Pré-brotadas (MPB) e o acompanhamento técnico no campo podem, além de melhorar o rendimento econômico e a qualidade de vida dos agricultores, recuperar e promover o vínculo deles com atividade agrícola. Alguns riscos são inerentes a todas as atividades humanas. No nosso caso, as mudanças de governo, em curto prazo, geram novas regras internas que se traduzem em diferentes rotinas e requerem adaptações. O que se espera é que essas mudanças possam gerar impactos positivos e, em curto/médio prazo, facilitar as ações de cumprimento da missão institucional. O Programa Cana IAC é proativo, parceiro e mantém laços de amizade e apreço com as lideranças político-setoriais, com as demais instituições de pesquisa, os técnicos, os agrônomos e os produtores que representam a base da pirâmide do setor. As ações conjuntas têm garantido a inserção do grupo na geração de tecnologia voltada para as soluções dos reais problemas e em perfeita sintonia com as necessidades do setor. n
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fornecedores de cana
momento de
reconstrução
O mundo passa por profundas transformações e, com o setor sucroenergético, não é diferente. As mudanças significativas refletiram diretamente em todos os segmentos da cadeia produtiva. O cenário perfeito para um resultado de produtividade positivo – custo menor do que a receita final – também está atrelado às questões políticas e econômicas favoráveis. Manter esse cenário, diante de tamanha intempestividade política e econômica, é uma tarefa complicada e desafiadora. Se a crise é necessária para com ela surgir o crescimento e o amadurecimento, esperamos que assim seja. Nunca esteve tão claro na mente de nós brasileiros esse “momento de reconstrução”. Brasileiros tornaram-se mais politizados, discutem medidas políticas, vão às ruas; a justiça, ora digna, ora indigna, também se faz notícia; a sociedade nunca esteve tão presente sob esses aspectos como nos dias de hoje. Interligar interesses empresariais, setoriais e nacionais é, com certeza, um dos principais desafios do governo e das organizações. Mas como estão as organizações representativas para atuar nesse contexto? Embora falemos de uma sociedade que se organiza, falamos também
de parte dela estagnada, sustentada por comportamentos individualistas, que pouco se envolve nas lutas e age com um certo conforto em aproveitar-se das conquistas do esforço coletivo. Infelizmente, essa postura não dialoga mais com as atuais demandas de diversos setores da economia e da vida social do País. É nesse contexto que trago a importância da valorização das organizações de classe, peça-chave na interlocução desses objetivos. O cenário está mudado. Assistimos a multinacionais de insumos agrícolas passarem por fusões e aquisições. Conglomerados econômicos de usinas reorganizando-se, desativando plantas industriais, comprando plantas com o intuito de agregar matéria-prima e racionalizar os recursos para otimizar estrutura, sempre no sentido de agregar potencial para enfrentar a vulnerabilidade política e econômica − o que passamos nos últimos três anos. Nunca se falou tanto sobre a importância da profissionalização. Essa é uma das questões-chave para enfrentar o momento pelo qual estamos passando. Nós, produtores de cana e associações representativas, deparamo-nos com uma emergência: entendermos o caminho da racionalização como estratégia competitiva, estarmos prontos para fazer frente ao cenário descrito. Enquanto produtores de cana e presidente da Canaoeste – Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo, percebemos a importância dessa estruturação e investimos em gestão profissionalizada, com o propósito de organizar a associação para o futuro.
Se a crise é necessária para com ela surgir o crescimento e o amadurecimento, esperamos que assim seja. Nunca esteve tão claro na mente de nós brasileiros esse “momento de reconstrução”. "
Manoel Carlos de Azevedo Ortolan Presidente da Canaoeste
Opiniões Ainda assim, mantivemos o conservadorismo necessário de uma associação sólida que cresce há mais de 70 anos. Essa oxigenação permitiu novos horizontes, principalmente nas áreas tecnológica e de racionalização de recursos. As organizações, além de sólidas, precisam estar preparadas para dialogar com o governo; precisamos de direção, de maneira que a ação proposta em conjunto torna o projeto exequível, partindo da premissa de que todos tomaram ciência das responsabilidades durante a formatação e as estratégias do programa. A exemplo do que passamos com a restruturação da Orplana – Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil, com a premissa básica de estruturar a organização para contemplar os anseios da classe na esfera política e institucional. A reconstrução do Brasil, sem dúvida, dar-se-á através da Parceria Público-Privada, contudo é necessário alinhar a comunicação e propor soluções em conjunto. Vamos a um exemplo: se o foco será o cumprimento da meta de descarbonização proposta no Acordo de Paris, acordo que prevê percentual mínimo de 23% para o uso de energias renováveis até o ano de 2030, significa incrementarmos a produção de 30 para 50 bilhões de litros de etanol, necessariamente um incremento significativo na produção
de matéria-prima, situação oposta das últimas três safras no que se refere à produtividade agrícola. Por vezes, a interdependência das ações dificulta o pontapé inicial para que a reconstrução aconteça. Para haver produto, é necessário haver matéria-prima. Nosso ciclo canavieiro é de 6 a 7 anos, com a implantação. Nesse caso, não teremos ao menos dois ciclos completos. Para nós, setor produtivo, 2030 é amanhã. Passando pela área industrial, como a produção será alcançada? Quanto terá de investimento? Quais as políticas que garantirão que o investimento não será um tiro no escuro? Todo o investimento é amortizado a longo prazo. Quando falamos sobre as responsabilidades de cada um dos atores nessa construção, precisamos alinhar antes qual a segurança de cada um de que o combinado será cumprido. Nós já mostramos que conseguimos aumentar a produção, mas, para isso, é necessário que essa engrenagem inicial (a segurança a longo prazo) coloque todas as outras em movimento. Esta é a hora de nos unirmos para exercitarmos toda a sabedoria acumulada ao longo desses anos e vivermos o que realmente aprendemos. A situação crítica está a nos testar para mostrarmos que o que defendemos não é apenas teoria, e sim que há uma construção sólida que nos permitirá a reconstrução que o setor merece. n
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áreas dedicadas à preservação rural A gestão agrícola da cadeia sucroenergética é uma das mais avançadas dentro do contexto do agronegócio nacional. Tecnologias genéticas, fitotécnicas, econômicas e industriais bem aplicadas e adaptadas às condições específicas das usinas possibilitaram os fantásticos resultados dessa cadeia produtiva. Hoje, ela faz do Brasil o principal produtor e exportador mundial de açúcar e, com a dobradinha etanol e bioeletricidade, ainda responde por 17% da matriz energética nacional (49 milhões de TEP). Em termos percentuais, os produtos da cana ficam atrás apenas dos derivados de petróleo (36,4%), sendo superior aos 12% gerados pela soma de todas as hidroelétricas. No entanto a gestão territorial da cadeia ainda é um tema carente de debates, proposições e ações que visem corrigir as chamadas imperfeições de mercado relacionadas à localização das produções. Um exemplo foi a demanda apresentada pela FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, à Embrapa Territorial, em 2014, para a quantificação das áreas canavieiras que apresentariam restrições para a atividade a partir da limitação da queima da cana, sacramentada em 2018. O Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da instituição da Embrapa Territorial identificou, qualificou, quantificou e cartografou as áreas com declividade superior a 12%, não mecanizáveis, ocupadas com cana-de-açúcar em todo o estado de São Paulo. Na época, aproximadamente 7% das lavouras de cana estavam em condições de restrição para a colheita mecanizada. Pouco para o contexto estadual, porém, nas regiões de Sorocaba, Bauru e Ribeirão Preto, esse percentual era superior a 10%, chegando a mais de 20% na região de Campinas.
Esses resultados forneceram elementos para a formulação de políticas públicas e privadas de gestão territorial no contexto do parque canavieiro paulista e de gestão de negócios do agronegócio paulista, como subsídios à tomada de decisão. As informações constituíam alerta especialmente para os municípios que perderiam divisas com a redução da área cultivada com cana e tiveram a chance de buscar alternativas para substituição dessa cultura. Esse exemplo impacta mais diretamente a gestão da produção. Desafio maior ainda está na gestão da “não produção”. O Brasil é um dos raríssimos países do mundo onde a legislação determina que o produtor rural deve contribuir, de forma direta, com parte de sua área potencialmente agricultável, para a preservação do meio ambiente. Mais do que não cultivar, o agricultor deve manter essas áreas cobertas com vegetação nativa, dedicando esforço laboral e financeiro, em benefício de toda a sociedade, de forma gratuita. Isso faz com que nossos agricultores tenham a árdua tarefa de equilibrar a balança entre produzir e preservar. Isso vem ao encontro de premissas internacionais, de que é preciso produzir cada vez mais energias, fibras e alimentos com o menor impacto ambiental. Esse esforço nacional era pouco conhecido e, principalmente, não era mensurado.
os 4,8 milhões de imóveis rurais do Brasil destinam 218 milhões de hectares para a biodiversidade. Isso é mais que a soma do território total de 10 países do oeste europeu "
Gustavo Spadotti Amaral Castro
Supervisor do Grupo de Gestão da Embrapa Territorial
Opiniões O cenário mudou em 2016, com a divulgação dos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro público, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais. Ele permitiu a qualificação e a quantificação das áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais, com base em mapas delimitados sobre imagens de satélite com 5 m de resolução (no caso do estado de São Paulo, ortofotos com 1 metro de resolução). Os resultados impressionam! Até 2018, verificou-se que os 4,8 milhões de imóveis rurais do Brasil destinam 218 milhões de hectares para a biodiversidade. Isso é mais que a soma do território total de 10 países do oeste europeu. Significa que, em média, apenas metade de uma propriedade rural brasileira é utilizada para a produção. A outra metade é destinada às áreas de preservação permanente (APPs), às reservas legais (RLs) e a excedentes de vegetação nativa dentro dos imóveis rurais. Mas como está o setor canavieiro nesse quesito? A resposta precisa a essa pergunta só poderia ser dada de forma individual, realizando a quantificação de cada uma das propriedades que cultiva cana-de-açúcar e verificando sua adequação à legislação vigente. Contudo sabemos que esse cultivo é predominante no estado de São Paulo – ocupa 5,7 milhões de hectares, 65% da área cultivada do estado –, de onde saem 55% de toda a cana do Brasil. É possível, assim, inferir as condições do setor sucroenergético a partir dos resultados para o território paulista. Também com os dados de 2018, observamos que São Paulo possui mais de 329 mil imóveis rurais, que destinam à preservação ambiental quase 4,2 milhões de hectares. Isso resulta em uma média de preservação de 21,8% dos imóveis rurais, ou seja, mais do que exige o Código Florestal Brasileiro para o estado. O valor patrimonial pleno dessas terras destinadas à preservação da vegetação nativa dentro dos imóveis rurais de São Paulo chega a R$ 169 bilhões. Mas o custo da sustentabilidade não se resume à dimensão territorial dessas áreas. Existem conceitos econômicos que podem medir o custo de oportunidade, o número de empregos e de impostos de que o País abriu mão em prol do meio ambiente. Tudo isso pode (e deve) ser contabilizado de forma a, primeiramente, valorar os serviços ecossistêmicos prestados pelos agricultores. Esse conjunto de dados adquiridos, trabalhados, padronizados, compatibilizados e analisados são premissas da inteligência territorial. Para passarmos às ferramentas de gestão territorial, é preciso não só valorar, mas elaborar uma estratégia clara de valorizar a singularidade da agricultura e sua legislação. A tomada de decisão para uma gestão sustentável deve ser feita partindo-se de dados e de informações confiáveis, precisas e atuais e considerar questões econômicas, sociais e ambientais.
Mas como realizar a gestão de uma área praticamente imobilizada para fins agrícolas? Pelo Código Florestal, são possíveis algumas intervenções, focadas no turismo rural, uso para abastecimento de água, coleta de produtos não madeireiros e exploração agroflorestal sustentável. Poucas ou quase nenhuma delas está relacionada a áreas de produção de cana-de-açúcar no estado de São Paulo. Em resposta para essa questão, é imperativo focarmos esforços no já mencionado equilíbrio entre produzir e preservar. Que outro açúcar, etanol ou bioenergia no mundo é produzido em áreas que respeitam o meio ambiente em sua natureza, mas também com boas práticas agrícolas? O território preservado em suas nascentes, encostas, matas ciliares, sua fauna vertebrada e invertebrada e sua exuberante flora nativa? O agricultor, utilizando práticas conservacionistas, como fixação biológica de nitrogênio em gramíneas, com cultivos rotacionados na renovação dos canaviais; com manejo adequado da água, aproveitando quase toda água residual da indústria na racionalização da irrigação; com a reposição de nutrientes pela vinhaça e torta de filtro; com a utilização de máquinas e implementos cada vez mais modernos e equipados com a tecnologia da Internet das Coisas; com o respeito ao Manejo Integrado de Pragas e Doenças etc.? Esse conjunto de práticas, que torna essa agricultura tão sustentável, só se fez viável devido ao estreitamento dos laços de cooperação entre a Pesquisa Agropecuária, a Extensão Rural e o Homem do Campo. Nossos agricultores produzem de forma sustentável, sem qualquer ajuda ou compensação financeira pela prestação de serviços ecossistêmicos ao meio ambiente local e – por que não? – mundial. Isso nos leva a concluir que, no Brasil, nenhuma categoria profissional dedica mais tempo e dinheiro em prol da preservação ambiental que os produtores rurais. São eles os maiores ambientalistas do País. No entanto estamos vendendo mal os nossos produtos. Nenhuma tonelada de açúcar é melhor remunerada por essas práticas. Isso passa diretamente pelo desconhecimento, e essa lacuna precisa ser preenchida. É preciso, sim, valorar para valorizar, monetizar o esforço dos nossos agricultores em prol da agricultura sustentável que alcançamos. Somente de posse de dados, sabendo a real contribuição territorial e financeira do setor canavieiro na preservação da vegetação, será possível lutar pela melhor rentabilidade dos produtos certificados como diferenciados no mercado externo. A gestão possível dessas áreas passa por compreender que não temos uma simples commodity nas mãos! Temos um produto que respeita a natureza e utiliza as melhores práticas agrícolas. E isso deve ser valorizado, financeiramente, ao produtor rural.n
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visão estratégica
Opiniões
o bom é inimigo do ótimo (1) O bom é inimigo do ótimo. Essa é uma frase que poderia ser utilizada para explicar a nova realidade das empresas do setor sucroenergético, que estão sobrevivendo à crise do setor e ao profundo mergulho dos preços do açúcar no mercado internacional. Se não dá para fazer o ótimo, deve se contentar com o bom. Se classificarmos as empresas pela saúde financeira e a quantidade de cana moída, apuramos três grandes grupos: o primeiro, formado por usinas ou grupos de usinas responsáveis por cerca de 60% de toda a cana do Brasil, que se ainda mostram aparentemente viáveis, embora muito endividadas; o segundo grupo responde por cerca de 20% da cana produzida e se encontra em claro processo de recuperação, embora ainda não consolidado. Essas empresas buscaram uma gestão moderna voltada para resultados e voltaram a investir nos seus canaviais. Contrataram executivos mais experientes, redesenharam toda a gestão, e os resultados já começaram a surgir. Por último, temos os últimos 20% de empresas com passivos elevadíssimos, e a esmagadora maioria, em Recuperação Judicial. Na nossa opinião, a solução a curto prazo só é possível com um grande aporte de capital, pois tem demandas em todos os setores. Em sua maioria, são empresas que reduziram significativamente a produção e a moagem de cana, pois os seus canaviais estão totalmente depauperados e partiram para o extrativismo do que restou. Suas atividades são quase todas terceirizadas, sendo obrigadas a pagar mais caro por serviços contratados. Essa situação reduziu as receitas dessas empresas que as levaram a não cumprir regularmente os seus compromissos financeiros; dispensaram importantes funcionários e pararam de investir na indústria; a sua produtividade caiu demais e, com isso, o custo de produção subiu a níveis insuportáveis. Se a crise persistir, outras empresas muito endividadas das outras faixas dessa classificação podem ingressar nessa mesma situação. Muitas empresas perceberam a gravidade da situação muito antes de a crise se instalar e iniciaram programas de melhoria contínua em todas as suas atividades produtivas. Se o mercado aponta excedentes de açúcar, por que o Brasil, que detém 45% do mercado exportador, não reduz a sua produção para forçar uma alta nos preços? Acontece que não funciona assim. "
Dib Nunes Junior Presidente do Grupo IDEA
Foram gradativamente ajustando orçamentos de acordo com prioridades rigorosamente escolhidas, pois, com dinheiro curto, nem tudo pode ser implementado. Aquelas que não detectaram o problema a tempo, foram surpreendidas e mergulharam no pior dos mundos. Com um fluxo de caixa administrado com mão de ferro, revisando constantemente os programas de melhoria contínua, as empresas em melhor situação investiram em tecnologias mais avançadas e aprimoraram procedimentos para aumento de produtividade agrícola e da eficácia de todas as atividades agroindustriais. Ao mesmo tempo, implantaram programas para reduzir perdas, falhas e desperdícios, renegociaram contratos etc., o que contribuiu para melhorar sua lucratividade. Na sua gestão, também buscaram a redução de dívidas bancárias e a manutenção da credibilidade da empresa no mercado, honrando compromissos ou renegociando-os. Algumas poucas empresas que abriram capital na bolsa, ou conseguiram atrair investidores, experimentaram um novo tipo de gestão profissional, mais focada em resultados. Equilibrar o caixa é o objetivo de todos, mas garantir a máxima moagem de cana tornou-se uma obsessão. Mas como conseguir rapidamente tamanha façanha? Não é tão simples, e tudo que foi citado leva algum tempo para ser implantado, e muita coisa requer alguns investimentos. Antes de tudo, é necessário montar um detalhado Plano Diretor com tudo o que se pode fazer no médio prazo, com metas realistas e exequíveis, para serem aplicadas nas áreas de maiores demandas e custos. As empresas que estão passando ao longo da crise e que estão apresentando balanços positivos são aquelas que buscaram “sair da caixa” na forma de planejar e executar suas atividades mais importantes. Com foco no aproveitamento do máximo potencial de produtividade em todos os setores (não só de cana), introdução de novas tecnologias e variedades mais produtivas, aprimoramento na operação de equipamentos agrícolas e industriais, capacitação e treinamento contínuo, gestão por metas e indicadores de
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visão estratégica desempenho, programas de incentivo e premiação para atingimento de metas, provenientes de progressos alcançados etc. Sem cana suficiente, não há chance de sobrevivência ou recuperação. É preciso saber qual é o break-even de moagem da empresa sucroenergética e buscar esse equilíbrio. Deve-se, ainda, dar especial atenção e maiores cuidados à colheita para melhorar a qualidade da matéria-prima, buscando reduzir perdas e impurezas. Tudo isso faz uma enorme diferença para melhorar os resultados da empresa. Nas inúmeras diligências e diagnósticos que já realizamos em todo tipo de empresa sucroenergética, sempre buscamos por seus pontos fortes e pelos seus potenciais produtivos, afinal sempre há muitos pontos positivos e potenciais ainda não explorados totalmente. Com essa crise, estamos observando um outro fenômeno no setor, a canibalização de empresas em dificuldades por empresas em melhor situação, através da aquisição da cana pela usina vizinha. No curto prazo, sem reformas, a cana se esgotará, e, no momento em que se desejar retomar a produção, se necessitará de altíssimos investimentos. Espera-se, para este ano, a aceleração de processos de fusão e aquisições, pois os grupos buscarão ganhar escala para melhorar a competitividade nesse sensível mercado controlado pelos poderosos fundos de commodities. Se o mercado aponta excedentes de açúcar, por que o Brasil, que detém 45% do mercado exportador, não reduz a sua produção para forçar uma alta nos preços? Acontece que não funciona assim, o mercado é controlado por fundos que movimentam e detêm grandes volumes de açúcar, adquirindo ou vendendo posições na hora que bem entendem nas bolsas, regulando o mercado a seu favor. Como o açúcar é um produto de baixo tempo de armazenagem, não é possível controlar o mercado com estoques e esperar uma reação nos preços. Portanto não tem jeito, quem não for competitivo, vai sair do mercado. Por outro lado, o Brasil é o único país que tem uma excelente alternativa ainda inexplorada para regular a oferta de açúcar: o etanol. Se o consumo de etanol se mantiver atraente, pode ser o regulador de oferta de açúcar, mais etanol, menos açúcar, como aconteceu em 2018. Mas, como vimos, os preços não reagiram como esperado. Para entender melhor o que aconteceu, recomendo uma consulta ao meu amigo especialista no mercado do açúcar, Arnaldo Correia, que mapeia constantemente os humores desse conturbado mercado. Hoje, a produção de etanol, para mais ou para menos, é baseada apenas no consumo, ou seja, no preço da bomba. Se o preço estiver favorável ao etanol, sobe o consumo, e vice-versa. Por outro lado, parece também muito complicado esperar um programa protecionista de um governo que promete ser liberal. Mas, então, onde estaria a solução? A resposta parece simples: basta reduzir os custos de produção para ganhar competitividade, se o açúcar e o etanol fossem produzidos com menores custos, o setor poderia estar em melhores condições. Fácil falar, porém, muito
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difícil de executar, dada a alta complexidade das atividades do setor. Hoje, sabemos que, do jeito que está, 85% dos custos estão travados em gastos obrigatórios para manter a empresa funcionando. O Grupo IDEA concluiu, nesta semana, a atualização dos custos de produção de uma tonelada de cana e de um quilo de ATR, e o resultado foram R$102,00/t e R$0,7720/kg de ATR, valores estes apurados para 72t/ha e um ATR de 135 kg/t (médias da safra 2018/19), que tornam a atividade deficitária para grande parte dos produtores. Empresas agrícolas que possuem alta produtividade conseguem resultados muito melhores. Quanto maior produtividade, menores serão os custos de produção. O grande calcanhar de Aquiles do setor é a área agrícola, que consome, segundo levantamentos recentes do Grupo IDEA e da consultoria especializada Sucrotec, cerca de 75% dos custos totais de produção de uma saca de açúcar ou de um litro de etanol. Esses custos inviabilizam facilmente as empresas menos produtivas. Quem não produzir cana mais barata não aguenta. Questões como tamanho da equipe, raio médio de colheita, tipo e tamanho da frota, a logística de colheita, duração da safra, sistema de gestão focada em resultados, renovação tecnológica do processo produtivo, otimização de recursos existentes, cuidados com a qualidade dos canaviais, mapeamento das áreas com maior potencial de redução de custos, redução da mão de obra executiva e operacional devem ser bem pensadas, para não desestruturar as atividades essenciais. Esse é um trabalho que só começa a surtir efeito após três longos e duros anos. Entretanto é preciso fazer mais um alerta: para conduzir essas mudanças, o mais importante está na escolha dos gestores. Somente gestores e consultores muito experientes no setor serão capazes de ir fundo nos problemas a partir de diagnósticos precisos e intervenções que quebrem a espinha dorsal do sistema produtivo engessado. A escolha certa de métodos, de procedimentos e de tecnologias adequadas às condições locais deverá ser considerada para elaboração de um Plano Diretor montado com base no diagnóstico realizado. A experiencia pode queimar etapas e ir direto ao ponto. Será um bom começo para um trabalho que, em pouco tempo, terá ótimos resultados. O setor tem ainda muito a melhorar, mas só o tempo e o aprofundamento da crise é que fará com que as empresas busquem novos modelos de negócios, novos produtos, novas parcerias e procedam a uma verdadeira mudança na gestão. Está mais do que claro que é hora de as empresas sucroenergéticas buscarem uma completa reestruturação no sistema produtivo, que deve levar a um ajustamento nos métodos de produção, rumo a uma maior competitividade. Nessas horas de grandes dificuldades é que se pode afirmar que o setor abriu mão de correr atrás do ideal e buscou fazer o possível. Assim sendo, repito aqui a frase que iniciei este texto e cansei de ouvir de meu amigo e excelente gestor de empresas, o Newton Salim Soares, de que, na dificuldade, “o bom é inimigo do ótimo”. Pensem nisso. n
Opiniões
o bom é o inimigo do ótimo (2) A gestão no negócio sucroenergético inaugurou o Brasil, via “capitanias hereditárias”. É o negócio brasileiro mais antigo, mais conhecido e, portanto, aquele que acompanhou toda a evolução do Brasil. Essa introdução é para salientar o desafio de, em poucas linhas, caracterizar a evolução, o estado atual e as expectativas do setor sucroenergético brasileiro. Para economizar longa história do passado, vale imaginar um tipo de laissez-faire até Getúlio Vargas, que, na onda da intervenção, cria o IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool, e inicia o forte modelo açucareiro e alcooleiro brasileiro na década de 1950. Mesmo assim, em um país canavieiro não competitivo, protegendo uma região – o Nordeste – e buscando equilibrar a cadeia produtiva canavieira com o Estatuto da Lavoura Canavieira, com leis, normas, etc. Conduziu dessa forma até a Constituição de 1988. Houve, porém, dois momentos diferenciados (ambos no período dos governos militares), que merecem citação, pois promoveram profundas mudanças no nível da gestão macro e das empresas: a) A decisão da modernização setorial tomada pela alta direção do IAA no início da década de 1970, com recursos do Fundo de Exportação, quando os preços do açúcar no mercado internacional atingiram níveis extraordinariamente elevados. b) A criação do Proálcool, na mesma década, em 1975, com o objetivo da substituição da gasolina importada pelo etanol. Esses dois momentos trouxeram duas realidades até então não conhecidas: ganhos o setor deverá produzir 51 bilhões de litros de etanol em 2028, em relação aos 31 bilhões atuais, sendo que da cana seriam 47,5 bilhões, mais 0,5 bilhão do etanol de 2ª Geração e 3 bilhões do etanol de milho. Que desafio! "
Luiz Carlos Corrêa Carvalho, Caio Diretor da Canaplan Consultoria Técnica
enormes de produtividade agroindustrial, que elevaram o Brasil ao topo dos mais competitivos no mundo açucareiro; foco em etanol, que ultrapassou em muito o açúcar em volume total produzido por tonelada de cana processada no País; extraordinária expansão de áreas e de produção de cana-de-açúcar nas regiões tradicionais canavieiras; e o lançamento do chamado carro a álcool, que passou a ter vendas muito superiores aos carros a gasolina no País. De quebra, a mudança do eixo econômico setorial ao Centro-Sul brasileiro. Em seguida (1986), vem a queda livre dos preços do petróleo, a perda de valor dos carros a álcool e sua queda de vendas e o setor passa a sobreviver das volatilidades do mercado e das mensagens positivas ambientais, inicialmente locais (poluição) e, posteriormente, globais (emissões de carbono). A partir de 2004, surge o veículo flexível, na onda de positiva pressão global pró-energia renovável, e vem uma nova e formidável expansão setorial, com base em altos preços de energia, agora com a agregação da cogeração da eletricidade ao setor produtivo. Infelizmente, isso ocorre juntamente com os festejos do Pré-Sal e as festas dos governos populistas de esquerda que levaram a
visão estratégica perdas setoriais gravíssimas até a saída do poder do maior desastre político nunca antes visto neste país. Essa expansão de dois dígitos ao ano, durante cinco anos, foi, para áreas novas para a cultura da cana, todas em pleno período de curva de aprendizado. Desde a crise financeira global de 2008, o setor sucroenergético nacional segue estagnado em produção, com mudanças na arbitragem dos seus produtos derivados da cana, em função da realidade dos mercados. Havia uma desilusão quanto a se ter metas e uma matriz energética que permitisse visão prospectiva e segurança aos investimentos. O impeachment de Dilma Roussef levou a um governo de transição que criou, de forma surpreendente, perspectivas ao setor. E é nesse novo horizonte que a discussão se desenvolve, agora, com o governo Bolsonaro. O primeiro exemplo veio com a nova política governamental de preços de combustíveis, baseada na variação dos preços internacionais do petróleo e de seus derivados; o segundo, com a adesão do Brasil ao Acordo de Paris. Aprovada a Lei RenovaBio e, após, o Rota 2030, as perspectivas, em teoria, mudaram. Como na prática a teoria é outra, há uma série de análises ou de avaliações a priori a se fazer. Enquanto o RenovaBio cria metas e as condições, via mercado, de busca de eficiência e de prêmio à competitividade, o Rota 2030 cria as condições do investimento no desenvolvimento da tecnologia voltado ao carro flexível híbrido, que aproveitará toda a infraestrutura já existente no País para veículos de combustão interna, com a agregação da economia de motores elétricos compartilhados e o uso do etanol, renovável, reduzindo as emissões de CO2. Em termos gerais, o que se está afirmando é, do lado positivo, que o Brasil estará reduzindo emissões efetivamente, gerando empregos e renda, criando base tecnológica industrial para exportações, inclusive, e olhando o futuro com a expansão potencial horizontal e, principalmente, vertical. Quanto ao RenovaBio, passou por todas as fases da regulação até o ponto atual, que é o da definição do modelo central de sua criação: o lançamento do CBIO, ou seja, o mecanismo financeiro que fará dele um exemplo de sistema de valorizar as externalidades da redução das emissões de carbono face às questões do processo produtivo agrícola e industrial e a produtividade obtida, transformados no prêmio ou não, final, individual.
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Esse mecanismo deveria ser estruturado junto à CVM como valor mobiliário e não junto ao Banco Central como um mecanismo financeiro, pois teria muito maior liquidez e agentes interessados no papel. O que o desenho das perspectivas mostra é que, a seguir o planejado pelo Conselho Nacional de Energia, o setor deverá produzir 51 bilhões de litros de etanol em 2028, em relação aos 31 bilhões atuais, sendo que da cana seriam 47,5 bilhões de litros, mais 0,5 bilhão de litros de etanol de 2ª Geração e 3 bilhões de litros de etanol de milho. Que desafio! Entre o ótimo (metas citadas) e o bom (mínimo desejado), será a luta travada nos bastidores do Poder Executivo, dos esforços de recuperação da produtividade dos produtores, dos esforços de recuperação da confiança dos agentes no governo e no setor, com investimentos e, sem dúvida, no sucesso na implantação das citadas leis. A gestão setorial mudou, assim, radicalmente. No entanto há ainda um percurso a ser caminhado para viabilizar o mais sensível ponto da regulação do RenovaBio: o modelo do “prêmio”, do estímulo à produtividade. Um olhar ao agronegócio brasileiro de grãos, por exemplo, caracteriza um negócio todo baseado em inovação e tecnologia, em ganhos constantes de produtividade. Isso faz dele o exemplo mundial. Para o caso canavieiro, assim também já foi no período 1980 até os anos 2000. Trata-se, agora, de um novo momento de recuperação, apesar de os custos de produção setorial ainda serem os menores no mundo produtor. Esse novo modelo de gestão está agora mais dividido, no Governo, entre os Ministérios das Minas e Energia e o da Agricultura, além do Ministério das Relações Exteriores, com as participações naturais do Meio Ambiente e outros. No entanto não se trata mais de intervenções nos moldes do que ocorreu desde os anos 1950. Como exemplo, seguem diferenças importantes entre o ótimo e o bom: n
ENTRE O ÓTIMO E O BOM ÓTIMO BOM Coordenação de P&D
P
Recursos necessários em P&D Canavial 4.0
P P
Conectividade 3 dígitos de produtividade
P P
2 dígitos com margem Vários traders de açúcar
P P
Mercado internacional de compradores concentrado, mas efetivo Liquidez elevada aos CBIOs
P P
Liquidez crescente aos CBIOs Menor intervenção possível ANP e Regulação necessária
P P P
Opiniões
a falta da necessária
insensatez
Executivos sensatos adaptam-se às empresas. Executivos insensatos persistem em tentar adaptar as empresas a si próprios. Portanto as mudanças só ocorrem quando as empresas possuem executivos insensatos nos seus quadros. Desculpem a provocação. A frase não é minha, mas foi adaptada do irreverente jornalista, ensaísta, dramaturgo e prêmio Nobel irlandês George Bernard Shaw (1856-1950), de quem tomei emprestada para que possamos refletir sobre as mudanças em nosso ambiente de negócios.
Precisamos urgentemente de conselheiros e executivos insensatos. Sem eles, não há salvação. "
Arnaldo Luiz Corrêa Diretor da Archer Consulting
O mundo muda com extraordinária velocidade e nos impõe devotada revisão dos nossos valores, da maneira como fazemos negócios, da constante busca pela agregação de valor ao acionista, da incansável incorporação de novas e desafiantes tecnologias, assim como da atenção que obrigatoriamente devemos ter em relação à gestão de riscos.
visão estratégica Os grandes gurus da administração afirmam que não é possível querer enfrentar os desafios do século XXI com as mesmas ferramentas que usávamos no século XX. Basta olharmos as empresas que estavam no topo da pirâmide em passado recente e ver como muitas deles desapareceram do cenário mundial. Elas desapareceram por terem dormido sobre os próprios louros, ou por terem fechado os olhos às inovações e às demandas que lhes cercavam, ou por não terem tido ousadia, coragem e insensatez suficientes para inovarem, para se anteciparem ao mercado, para pensarem fora da caixa. Podemos mencionar Xerox, Kodak, Nokia, Altavista, Sun Microsystems, Napster, BlackBerry, America Online (AOL), apenas como exemplos. No nosso microcosmo chamado mercado de açúcar, também observamos a mudança de ciclos nas últimas décadas. Quem não lembra, nos anos 1990, a maneira como os negócios de açúcar eram feitos? Como exercício mental, tentem listar o número de trading companies que faziam parte do universo açucareiro nessa época, comprando, vendendo, exportando e negociando a commodity nos quatro cantos do mundo. Surpreendemo-nos quando percebemos quantas feneceram, sumiram, desapareceram, sem deixar vestígios. E as usinas, então? Quantas foram líderes e quantos seus acionistas ocupavam posição de liderança no setor? Mudou tudo. Estamos num novo contexto empresarial afetado pelas grandes tendências globais: mudança tecnológica e consciência de sustentabilidade são as mais marcantes. Algumas mudanças, no entanto, ainda estão por vir, ou, pelo menos, ainda não se manifestaram em toda a sua magnitude. E nem todas as empresas – e aqui podemos estender para o agronegócio brasileiro como um todo – estão focadas em tempo integral com ela. Chama-se gestão de risco. No final do século passado, quando eu ocupava a Diretoria Agrícola da então BM&F (hoje B3), totalmente empenhado na expansão dos contratos de commodities agrícolas negociados na Bolsa, lembro-me, numa entrevista coletiva à imprensa, no momento em que a Bolsa abrira a negociação dos contratos agrícolas aos estrangeiros, de que eu dissera que apostava que, em cinco anos, toda a comercialização das principais commodities agrícolas produzidas pelo Brasil (café, soja, milho, açúcar e algodão) passaria pela Bolsa. E o produtor estaria, finalmente, engajado na proteção da sua safra, mitigando riscos e adicionando valor. Eu não poderia estar mais errado!!! Hoje, quase vinte anos depois, nada disso ocorreu. Por mais que o mundo mudasse tanto,
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que tantos instrumentos financeiros surgissem e fossem disponibilizados ao mercado, estou certo de que a gestão de risco ainda é tratada, nas empresas do agronegócio brasileiro, com pouca obstinação. E tenho plena convicção de que a falta desse comprometimento, seja por parte do conselho de administração das empresas (responsável pela governança), seja por parte do CEO (responsável pela gestão), é a principal causa do desaparecimento de inúmeras usinas de açúcar ao longo dos últimos vinte anos. Gestão de risco não é apenas fixar preços e fazer hedge nos mercados futuros de commodities. É muito mais que isso. É preparar a empresa para a adoção de políticas que busquem o equilíbrio entre receitas, custos e riscos. É o foco na criação de valor para o acionista. Importância fundamental deve ser dada aos processos de planejamento, organização, direção e controle dos recursos humanos e materiais da empresa, o básico de qualquer administrador. A gestão de risco tem como objetivo precípuo avaliar os riscos e as incertezas, objetivando tomar a melhor decisão possível. Alguns riscos podem ser mitigados e, no dia a dia da empresa, convivemos com eles a todo momento. Risco de preço, risco de taxa de juros, risco de crédito, risco de performance, risco de contraparte, risco de liquidez, risco de clima, risco de base, para mencionar apenas alguns. Mas espera. No começo do artigo, eu citei a insensatez. Não fora ela a responsável pelo debacle da indústria sucroalcooleira? Não foi insensatez por parte do conselho ou do CEO das empresas terem fechado os olhos à gestão de risco? Esse é o meu ponto. As usinas que fecharam, ou que estão em dolorosa situação financeira, tentaram, sem sucesso, fazer tudo do mesmo jeito que se fazia há décadas. Não ousaram. Não tiveram a “insensatez”, que agora eu grafo entre aspas, de mudar. Não perceberam que o contexto mudou. E qual a receita para mudar? O que as usinas precisam fazer para não enfrentar as intempéries dos últimos tempos? Governança e estratégia. Peter Drucker, um dos maiores pensadores da administração moderna, dizia que o grande perigo em tempos de turbulência não é a turbulência em si, mas agir com a lógica passada. As usinas precisam fortalecer seus conselhos de administração, profissionalizando-os, precisam dar ênfase à criação de valor; os executivos precisam focar em redução de custos, em mitigar riscos, e – principalmente – fazer da gestão de risco o principal alicerce para a perenidade da empresa. Precisamos urgentemente de conselheiros e executivos insensatos. Sem eles, não há salvação. n
bioenergia
Opiniões
ciclo virtuoso de oportunidades O pioneirismo brasileiro estimulou a produção e o uso do etanol combustível. No entanto, com o fim do Proálcool, o consumo do etanol só foi retomado a partir de 1980, com a viabilização da tecnologia flex, que surgiu em decorrência do crescente interesse do mercado e das montadoras na produção e na comercialização de veículos menos poluentes. É oportuno considerar também que a inexistência de uma política pública consistente que oferecesse segurança à expansão do setor condicionou a entrega de toda a produção de etanol ao sistema Petrobras, sendo o anidro para ser adicionado à gasolina e o hidratado para ser comercializado pelos postos de combustíveis, caracterizando dependência estrutural no comportamento da oferta no ambiente monopolizado pelos interesses da Petrobras. No horizonte do ano 2000, os produtores, percebendo o valor e a importância energética estratégica da cana-de-açúcar, ainda não totalmente aproveitados, passaram a caracterizá-la como fonte primária de energia renovável. Com isso, eles estabeleceram ações para viabilizar condições de ampliar a oferta de etanol combustível e de energia elétrica renovável para a matriz energética nacional, em linha com as diretrizes de sustentabilidade ambiental. Com essa percepção, os produtores iniciaram um novo ciclo de expansão, agregando valor aos produtos energéticos da cana-de-açúcar, que são renováveis: caldo – produção de etanol; bagaço/ palha – geração de bioeletricidade; e vinhaça – destinada ao cultivo da cana (fertirrigação). E, a partir de 2005, com a implantação do novo modelo
a fonte biomassa da cana, em 2018, produziu 21.580 GWh, equivalente ao consumo de 12 milhões de residências (...) posicionando a biomassa com 8,6% do total de geração do Brasil, a hidrelétrica com 65,7%, o gás natural, 9,3%, e a eólica, 7,5% "
Carlos Roberto Silvestrin
Sócio da CONE – Consultoria e Planejamento
institucional no setor elétrico, os produtores iniciaram um ciclo virtuoso, com instalação de caldeiras de alta pressão e operação de centrais de cogeração, com uso do bagaço de cana, para ofertar bioeletricidade ao mercado. Como resultado dessas estratégias, a fonte biomassa da cana, em 2018, produziu 21.580 GWh, equivalente ao consumo de 12 milhões de residências, e possibilitou a redução de 6,4 milhões de toneladas de CO2, posicionando a fonte biomassa com 8,6% do total de geração do Brasil, ficando a hidrelétrica com 65,7%, o gás natural, 9,3%, e a eólica, 7,5%. Essa posição da fonte biomassa deverá permanecer nesse patamar expressivo nos próximos anos. Em 2015, o Brasil assumiu compromissos no âmbito do Acordo de Paris e instituiu o RenovaBio – Política Nacional de Biocombustíveis para induzir e criar condições para atender aos compromissos assumidos pelo País, promover adequada expansão da produção e do uso de biocombustíveis na matriz energética, atribuir ênfase na regularidade e na previsibilidade do abastecimento com a participação de agentes do mercado energético nacional. Com a instituição da Política Nacional de Biocombustíveis, fica evidente a oportunidade para o setor sucroenergético iniciar ações para um novo ciclo virtuoso de investimentos, visando ocupar espaços na matriz energética nacional, que estão sendo atribuídos aos biocombustíveis e à
bioenergia oferta de energia elétrica renovável, principalmente, originada nas centrais de geração distribuída, que operam com as fontes biomassa, biogás, solar e eólica. É interessante observar que, no estado de São Paulo, principal produtor de biocombustíveis do País, na safra 2017/2018, foram processados 350 milhões de toneladas de cana, produzindo 15 bilhões de litros de etanol e 180 bilhões de litros de vinhaça, além da geração de 21.580 GWh, utilizando parte do bagaço/palha disponível. No atual contexto energético e ambiental, um novo derivado da cana com elevado potencial se desponta: a vinhaça do etanol, que tem sua aplicação para produção do biometano, além da fertirrigação. Adotando prioridade para o seu aproveitamento energético, o setor tem potencial para produzir 1,5 bilhão de m³/ano de biometano. Esse novo combustível tem múltiplas aplicações de uso: injeção na rede de gás natural, já regulamentado pela ANP, geração de energia elétrica, substituição de diesel e do próprio gás natural. Com políticas públicas indutoras, o biometano terá condições de substituir o diesel nos transportes, principalmente rodoviário, para minimizar e contribuir para redução e estabilização da concentração de poluentes na atmosfera. E, considerando as metas compulsórias estabelecidas pelo RenovaBio, CNPE e ANP, induzirá a redução de emissões e ampliará a oferta de biocombustíveis, podendo o setor planejar oferta adicional de etanol e de bioeletricidade. Com isso, a produção de etanol no estado de São Paulo poderá atingir um volume de 30 bilhões de litros/ano, no horizonte de 2030, com potencial para gerar 360 bilhões de litros/ano-safra de vinhaça, que, com as tecnologias disponíveis, poderia produzir 3 bilhões de m³/ano de biometano, que, se direcionados, poderão substituir 3 bilhões de litros de diesel/ano, reduzindo emissão de poluentes na movimentação de cargas internas nas usinas e nas frotas de caminhões que utilizam diesel nas rodovias paulistas, bem como na mobilidade urbana de pessoas. Diante desses fatos, é importante e oportuno considerar um novo ciclo virtuoso para o setor, que pode ser justificado pelo atual ambiente prospectivo de mudanças na área energética e pelos interesses público e privados, para estabelecer ações de sustentabilidade, frente às constantes e cada vez mais severas mudanças climáticas, em sinergia com a dinâmica da expansão da oferta e do atendimento das necessidades energéticas. Essa percepção é relevante quando consideramos ainda quais são as alternativas de combustível de baixa emissão de poluentes disponíveis, em escala, para substituição do diesel nos transportes, que respondem por mais de 65% das emissões, no
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Opiniões caso do estado de São Paulo, com logística de produção e de abastecimento sistematizadas para assegurar, de forma eficiente e competitiva, a substituição do diesel nos transportes. O biodiesel tem limitada capacidade de logística de produção, distante dos centros de demanda. As baterias elétricas, com suas próprias características, possuem restrições para uso em larga escala. O gás natural veicular é dependente de redes de distribuição. Portanto são alternativas pontuais, que poderão ser utilizadas transitoriamente, em tipos de uso e escalas específicas, conforme as características e a disponibilidade dessas fontes. Considerando esses fatos e os resultados positivos alcançados com os Protocolos Agroambientais já formalizados no estado de São Paulo, fica evidente a oportunidade de instituir um novo protocolo para o aproveitamento energético da vinhaça, visando criar um marco para viabilizar oferta de novo combustível renovável – o biometano, a ser destinado, com prioridade, à substituição do diesel utilizado na movimentação de mercadorias e na mobilidade das pessoas. A experiência obtida a partir dos Protocolos Agroambientais, implementados pela parceria dos produtores e Agentes públicos, possibilitou, entre outras medidas relevantes, a mecanização da colheita da cana, com adoção de eficientes tecnologias produzidas no estado, aproveitamento da palha na geração de energia, que contribuíram para agregar valor à indústria e melhoria da qualidade de vida e das condições das mudanças climáticas. Para implementar condições de viabilidade técnica, econômica e institucional para uso do biometano em substituição do diesel, os agentes que participarão do protocolo proposto fomentarão desenvolvimento de motorização a gás, escoamento de biometano pela rede de distribuição de gás natural, armazenamento na forma comprimido (bioGNC) e liquefeito (bioGNL), para implementar dinâmica ao mercado de veículos com mobilidade de curto e longo curso. No cenário atual e prospectivo, podemos considerar que há um crescente interesse do mercado pela produção e pelo uso de energias renováveis, tanto eletricidade quanto combustível. Nesse contexto, o ambiente institucional e tecnológico é favorável para o planejamento de ações estratégicas de médio e longo prazo, visando ocupar espaços para os produtos derivados da cana-de-açúcar, que estão se estruturando no mercado energético. Portanto é oportuno que os produtores do sistema sucroenergético direcionem foco na viabilização de ações estratégicas que possibilitem engajamento nesse novo ciclo virtuoso que se está estruturando em nosso país para as energias renováveis, com ênfase nos biocombustíveis. n
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mercado
nosso mercado é cada vez mais
desafiador
Apesar das grandes dificuldades recentes e atuais que reduziram, em muito, a expansão da atividade canavieira brasileira, somos ainda a região de menor custo de produção de cana no mundo. Com investimento e tecnologia adequados, ainda há muito espaço para incremento de rendimento e eficiência, graças às excepcionais condições de clima local para essa cultura agrícola. A já extensamente comprovada capacidade da atividade sucroenergética em gerar empregos e interiorizar o desenvolvimento econômico nacional deve ser foco de atenção das gestões governamentais. É necessário, por parte dos produtores, um esforço maior e mais concentrado no sentido de apresentar essas oportunidades de desenvolvimento econômico aos órgãos governamentais e para a sociedade. Com custo de produção agrícola competitivo, seria de se esperar também uma boa competitividade de seus produtos finais. Não é, porém, o que vem ocorrendo. Principal produto de exportação do setor, o açúcar, enfrenta ambiente mundial hostil. As políticas protecionistas e de incentivos indevidos praticados por outros países produtores desequilibram as condições de livre e justa concorrência.
A OMC é o fórum adequado para essas questões, e o campo próprio para busca da devida correção. O governo brasileiro, demandado pelo setor produtor, já atua nesse sentido Mas os tempos de resposta desses procedimentos são longos, e os desequilíbrios, muito prejudiciais, podem perdurar por longos períodos. A demanda mundial pelo açúcar é pouco elástica, mas ainda crescente, embora em ritmo menor que em anos anteriores. Necessária a persistência na busca de regras justas de concorrência para o comércio internacional. Adicionalmente, cabe ao produtor brasileiro lançar mão de sua característica única (de poder derivar cana em larga escala para outro produto além do açúcar: o etanol) para mitigar perdas em momentos de excedentes e otimizar ganhos em momentos de escassez. A decisão do setor produtor deve, em uma condição ideal, priorizar a melhor remuneração ao conjunto de sua produção possível a partir da cana fundada, considerando também aspectos de médio prazo, além das condições pontuais.
Com tantos desafios a serem superados, não nos parece razoável que os produtores desviem o foco, discutindo a venda direta de etanol aos postos. "
Martinho Seiiti Ono
Diretor da SCA Etanol do Brasil Coautor: Cheng Vim, Gerente de Exportações de Açúcar e Etanol da SCA Etanol do Brasil
Opiniões O etanol, com a sua destinação quase total para o mercado brasileiro de combustíveis, tem enfrentado ambiente dinâmico, mas também desafiador. Apesar de suas inegáveis e superiores qualidades ambientais, tem competido apenas em preço com o combustível fóssil nas bombas. Nenhum valor adicional lhe tem sido atribuído pelas suas comprovadas qualidades gerais superiores. O advento do veículo com motor flex e sua extensa frota nos possibilita, ao menos, uma demanda potencial elástica e ampla. Um case único e de sucesso no mundo. A questão para nosso etanol reside no desafio de trabalhar preços remuneradores. Oriundo de um produto agrícola e produzido apenas durante o período de safra, precisa ser estocado a elevados custos financeiros para atendimento do mercado também nos meses subsequentes. Exigência natural de um mercado adequadamente atendido. Seu competidor em preço nas bombas, derivado fóssil e de produção contínua tem preços mundiais voláteis e extremamente relacionados a questões geopolíticas. A transferência dessa volatilidade para o mercado interno tem sido aplicada nos tempos recentes. Apesar dos riscos e fortes oscilações inerentes, esse ambiente, com preços alinhados pelo mercado mundial, é o mais adequado ao permitir uma melhor previsibilidade e condições de planejamento ao produtor de etanol. O advento dos contratos anuais, definido pela Agência Nacional de Petróleo para o etanol anidro, tem o condão de permitir ao produtor um grau mínimo de garantia de consumo para o volume produzido nessa especificação. Resta-nos construir um mecanismo similar para o etanol hidratado. O programa RenovaBio poderá suprir essa importante lacuna. Sua implementação exitosa e plena é de suma importância para o programa de biocombustíveis brasileiro. Permitirá maior grau de segurança e planejamento de produção dos biocombustíveis aos agentes envolvidos. Paralelamente, permitirá que se tenha parâmetros para melhor projeção da produção de açúcar a cada safra. Deveremos ter um ambiente com proporções de produção de açúcar/etanol mais previsíveis e adequados a seus mercados respectivos. As prementes necessidades financeiras não permitem maior capacidade de planejamento adequado para boa parte das indústrias do setor. Não há como evitar que esse aspecto impacte negativamente os preços, mesmo em ambiente de mercado mais balanceado, se considerado todo o período da safra/ano. Resta a cada produtor de etanol, conforme sua condição financeira e análise de custos e cenário de mercado, buscar vendas no tempo e no volume adequados às suas necessidades de caixa
e/ou na medida em que os níveis de preço lhes sejam remuneradores. Os mecanismos de hedge para etanol ainda não tem liquidez e segurança suficientes. A exposição ao risco e as incertezas dos preços futuros ainda são elevadas. O mesmo raciocínio se deve aplicar para a decisão de se efetuar ou não a contratação anual para o caso do etanol anidro. Análise do prêmio adequado para compensar os riscos e as incertezas para carregar o produto ao longo do ano devem ser consideradas com atenção. É patente a pouca capacidade para se carregarem estoques da produção sucroenergética brasileira em geral. No açúcar, além dos aspectos financeiros, a ínfima capacidade de armazenagem física é surpreendentemente limitada e desproporcional no Brasil. Somos, de longe, os maiores exportadores mundiais e, apesar disso, dispomos de muito menor capacidade de armazéns que a Tailândia, segunda no ranking de exportadores e muito aquém do Brasil. Nessa condição de pouco carrego de estoques, com certeza absorvemos grandes perdas de valor no produto comercializado, de forma concentrada em período limitado da safra. No etanol, apesar da boa capacidade física da tancagem dos produtores, são enormes o custo financeiro necessário para o carrego dos estoques e a falta de previsibilidade/mecanismo de hedge de preço efetivo os fatores limitantes. Em ambos os produtos, a falta de uma linha de financiamento para esses estoques reduz, de forma estrutural, a remuneração possível para os produtores. No caso do etanol, temos um aspecto curioso: o estoque é caro de se manter e pode até se desvalorizar ao longo do tempo de entressafra, mas é essencial e indispensável para a manutenção, funcionamento e a própria existência desse valioso mercado, tão duramente construído. Esse aspecto deve e precisa ser devidamente tratado pelo setor. Um adequado mecanismo de financiamento institucional para os estoques é possível e deve ser objeto de atenção do setor, pois é viável de se obter a custos razoáveis contra a garantia do próprio produto. Com tantos desafios a serem superados, não nos parece razoável que os produtores desviem o foco, discutindo a venda direta de etanol aos postos. O Brasil, com sua enorme extensão geográfica, deficiente capacidade logística e fragilidade tributária, deve manter a distribuição de combustíveis com as empresas especializadas, que há mais de 100 anos atuam nesse segmento no País. Exigir deles um elevado grau de competição no mercado e garantia da qualidade dos produtos e serviços fornecidos são requisitos que devemos, continuamente, cobrar. n
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entidades
velhos desafios e novas variáveis
É amplamente conhecida a trajetória absolutamente atípica vivenciada pelo setor sucroenergético nos últimos 15 anos. Esse movimento foi caracterizado por um período de intenso investimento a partir dos anos 2000, com a ampliação da capacidade produtiva e a construção de dezenas de novas unidades no Brasil, sucedido por uma das maiores crises vivenciadas pela indústria canavieira. A mudança de trajetória foi marcada pelos efeitos da crise financeira mundial, pelo aumento nos custos de produção do etanol e, especialmente, pela política de controle de preços e desoneração tributária praticada para a gasolina no mercado doméstico. Nesse mesmo período, talvez de forma menos perceptível para aqueles que não estão envolvidos com essa indústria, houve uma transformação profunda no sistema de produção agrícola. Além do avanço da oferta em áreas não tradicionais, os problemas trabalhistas associados ao corte manual da cana-de-açúcar e a exigência do fim do emprego do fogo como método de despalha promoveram um rápido avanço na mecanização da colheita, com repercussão em inúmeras operações no campo. O uso das colhedoras impôs uma nova curva de aprendizagem ao setor ao suscitar alterações importantes no plantio, nos sistemas de conservação de solo, no controle de pragas e de doenças da lavoura, entre outros. Essas mudanças no sistema de produção e a situação financeira preocupante de muitas unidades produtoras,
com restrição severa à manutenção dos investimentos na produção, repercutiram na deterioração dos índices de produtividade, de rendimento e de custos observados no período recente. Nos últimos cinco anos, por exemplo, a produtividade agrícola da área colhida atingiu cerca de 76 toneladas por hectare, ante um potencial histórico de 85 toneladas. Nesse contexto, é evidente que o restabelecimento da eficiência produtiva deve ser prioridade na gestão das empresas. As alterações recentes no mercado de combustíveis e no arcabouço institucional relacionado ao setor, entretanto, também trouxeram elementos adicionais que merecem atenção dos gestores da cadeia sucroenergética. A primeira mudança remete aos novos fundamentos trazidos ao mercado de etanol pela recente política de preços praticada domesticamente para a gasolina. Reinvindicação antiga dos agentes que atuam no setor de combustíveis, a lógica de precificação, alinhada às condições observadas no mercado internacional, reduz o risco de preço decorrente de incertezas e de intervenções políticas e regulatórias no valor interno do derivado. Essa nova dimensão deve exigir das indústrias de cana-de-açúcar maior capacidade de entendimento da dinâmica do mercado mundial de petróleo, na definição da melhor estratégia produtiva e comercial. Trata-se de uma condição nova para os gestores, a começar pela própria sazonalidade dos produtos, que influencia a estratégia de comercialização e armazenagem ao retratar preços mais elevados para o etanol no início do ano (período de entressafra no Centro-Sul) e valores apreciados para o petróleo no pico de moagem de cana-de-açúcar (período de férias no hemisfério Norte, também conhecido como dry season). A sustentação dessa lógica de mercado na precificação da gasolina cria opção, ainda que de maneira indireta, para o uso de instrumentos financeiros, opções de hedge e estratégias de preço futuro já utilizados pelas usinas no mercado de açúcar.
a produtividade agrícola da área colhida atingiu cerca de 76 toneladas por hectare, ante um potencial histórico de 85 toneladas (...) é evidente que o restabelecimento da eficiência produtiva deve ser prioridade na gestão das empresas "
Luciano Rodrigues Gerente de Economia e Análise Setorial da Unica Coautor: José Guilherme de Oliveira Belon, Analista econômico na Unica
Opiniões Ela também acentua a vantagem competitiva da indústria nacional decorrente da possibilidade de alteração do mix de produção, estabelecendo mudanças, mesmo que limitadas, na proporção de cana-de-açúcar direcionada aos diferentes produtos e mercados atendidos por essa indústria. Na atual safra, por exemplo, se observou uma redução de quase 10 milhões de toneladas na produção de açúcar, que foram convertidas em mais de 6 bilhões de litros de etanol. Essa flexibilidade das empresas, associada à dinâmica diferenciada nos preços da gasolina e do açúcar, evitou uma perda de receita estimada em R$ 2 bilhões. A segunda mudança que deve permear a gestão das empresas nos próximos meses remete à implementação da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). O referido programa estabelece um engenhoso mecanismo de valorização do potencial de descarbonização dos biocombustíveis, que corresponde às emissões de gases de efeito estufa (GEE), evitadas na substituição do derivado fóssil pelo combustível renovável. Aos produtores que participarem da iniciativa, será concedida a oportunidade de emissão de um título de descarbonização, conhecido como CBIO (Crédito de Descarbonização por Biocombustível). Especificamente, o número de CBIOs emitidos por cada produtor dependerá do volume de etanol vendido e da sua nota de eficiência energético-ambiental. Assim, usinas e destilarias mais eficientes, sob o ponto de vista ambiental, poderão emitir uma maior quantidade de CBIOs por volume de biocombustível comercializado. Quanto maior a capacidade de descarbonização do renovável fabricado, maior o número de títulos emitidos. Com repercussões evidentes sobre o ambiente de negócios, o mecanismo valoriza ganhos de eficiência ambiental do lado do produtor, induzindo investimentos em novas práticas e o emprego de tecnologias ou infraestrutura redutoras de emissões. Portanto, além da mensurar os tradicionais ganhos econômicos, os gestores das empresas precisarão incorporar essa nova variável relacionada à redução de emissão de GEE na avaliação de seus projetos.
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PRODUÇÃO DE ETANOL - ANIDRO + HIDRATADO PREÇO PAGO AOS PRODUTORES DE ETANOL
PRODUÇÃO - EM BILHÕES DE LITROS
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PRODUÇÃO DE ETANOL - ANIDRO + HIDRATADO versus PREÇO PAGO AOS PRODUTORES DE ETANOL
O primeiro movimento nessa linha deve ocorrer ainda em 2019 e remete à necessidade de certificação das unidades produtoras que pretendem participar do programa e auferir os benefícios da comercialização dos CBIOs. As regras para a certificação já foram publicadas na Resolução ANP nº 758/2018 e, em um primeiro momento, devem demandar esforço das empresas para reunir informações, consolidar documentos, aperfeiçoar os controles, mapear seus fornecedores e identificar oportunidades de melhorias para a ampliação da sua nota de eficiência energético-ambiental. É nesse contexto complexo que a diferença entre a gestão ideal e aquela possível se faz presente, diante das restrições financeiras em várias unidades produtoras, em função de reminiscências da crise vivenciada pela indústria. É óbvio que não existe uma solução única e genérica para ampliar a eficiência produtiva e aproveitar essas novas oportunidades vislumbradas para o setor. A reversão desse quadro depende das peculiaridades e da condição de cada produtor e exigirá inventividade, conhecimento e empenho dos gestores e dos colaboradores nos mais diferentes níveis hierárquicos. Felizmente, o potencial de retomada eficiente da capacidade produtiva dessa indústria é evidente diante dos avanços observados no gerenciamento dos recursos disponíveis e da perspectiva de novas tecnologias. Alguns exemplos nessa linha passam pelo lançamento de variedades mais adaptadas ao sistema produtivo, inclusive com o uso de transgenia; pela adoção de novas ferramentas de agricultura de precisão e de inteligência artificial; pelo emprego de novas tecnologias de plantio, como o uso de mudas pré-brotadas e a sinalização de ruptura tecnológica diante do desenvolvimento da semente artificial de cana-de-açúcar; pela maior importância de treinamento e de desenvolvimento de capital humano; e pela fabricação de novos produtos, como o biogás e o biometano. Ao longo de sua história, a indústria sucroenergética passou por transformações importantes e, em todas elas, mostrou enorme capacidade de resposta com ampliação da produção e da redução nos preços pagos pelos consumidores (vide gráfico). Essa habilidade para superar e se adaptar aos novos desafios é fundamental na garantia de um caminho menos tortuoso para consolidar a cana-de-açúcar como fonte de alimentos e de energia limpa e competitiva. n
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mercado internacional
Opiniões
os nossos últimos 10 anos Os últimos 10 anos do setor sucroenergético e do Brasil foram realmente turbulentos. Inúmeras usinas e empresas tradicionais foram impactadas pela falta de políticas públicas e regras claras para os setores de energia e combustíveis. Mesmo assim, o setor, mais uma vez, mostrou a sua resiliência e criatividade. Novos produtos e novos mercados foram criados. A diversificação da indústria sucroenergética brasileira certamente é o grande diferencial em relação a outros países produtores. A parte energética do setor se tornou uma grande fonte de renda e de diversificação. Com a consolidação do etanol, da energia elétrica e do biogás, o setor se transforma em uma indústria moderna, atual e comprometida com a agenda mundial do baixo carbono. Produzimos energia limpa e com preservação ambiental. O reconhecimento internacional de instituições, como a NASA, só nos fortalece e nos dá a segurança que estamos no caminho certo. Os clientes de hoje e os de amanhã estão preocupados com a origem dos produtos e os impactos dos seus processos produtivos, principalmente os sociais e os ambientais. Precisamos alimentar o mundo protegendo a Terra. Dezembro de 2017 entra na história recente desse setor tão tradicional e importante, marcando o início da quarta onda de expansão. O RenovaBio traz segurança e cria o ambiente necessário para a retomada dos investimentos. A maior diferença dessa nova onda em relação às outras é o reconhecimento das iniciativas mais eficientes e competitivas. O momento é de integração das energias renováveis e a consolidação do conceito de biorrefinaria: etanol de cana e milho; biodiesel, biogás e cogeração. As crises abrem muitas oportunidades para revisarmos os processos e focarmos nos assuntos que realmente são importantes. A palavra “gestão” tem sido utilizada de diversas maneiras e em diversas situações. A busca por operações mais eficientes e enxutas trouxe a agenda da disciplina e do foco. “Fazer mais com menos”, para muitos, virou um mantra. Mas, certamente, grande parte desse processo de revisão e de ajustes está atrelado ao controle e ao monitoramento. Sem medir, não seremos capazes de nos comparar e de tornar iniciativas eficazes.
A palavra 'gestão' tem sido utilizada de diversas maneiras e em diversas situações. A busca por operações mais eficientes e enxutas trouxe a agenda da disciplina e do foco. 'Fazer mais com menos' "
Guilherme Nastari
Diretor da Datagro Consultoria
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Atualmente, existem ferramentas modernas e atuais de auditoria das operações, criando análises comparativas e independentes. Muitas empresas acabam perdendo oportunidades relevantes pela falta de controle das atividades do dia a dia. No agribusiness brasileiro, entre 72-76% é agro: plantio, trato, transporte, pessoas etc., e o resto é business. Nunca esteve tão consolidado e claro o conceito antigo de que açúcar, etanol e energia elétrica se produzem mesmo no campo. Esta região possui mais de 400 anos de experiência em produção de cana-de-açúcar e, pelo visto, ainda existe espaço e demanda suficiente para a sua expansão. A busca recente por operações agrícolas e industriais mais eficientes impacta rapidamente a nossa competitividade internacional. Havíamos perdido muito dessa competitividade com o crescimento desordenado e intenso dos mesmos últimos 10 anos. Nesta última década, aumentamos o nosso custo de produção médio em quase 10 vezes, saindo dos níveis de USD 5-6 cts/lb para os atuais níveis de USD 12,5-15 cts/lb. Uma das principais causas desse aumento do custo de produção foi a falta de um programa de gestão interna operacional, comercial e financeiro. Preocupados em chegar, muitos grupos precisaram aumentar suas exposições financeiras, o que trouxe muita volatilidade nos últimos anos. Nunca estivemos tão expostos e com níveis tão altos de alavancagem. Operações estruturais passaram a fazer parte da agenda interna dos departamentos financeiros das usinas. A criatividade e a busca por novos produtos consolidaram também o mercado de capitais como uma opção real e factível. No final, os momentos mais complicados proporcionam situações importantes de mudança e de revisões. A melhor gestão é aquela que existe e tem continuidade. Todo dia é dia. A disciplina liberta. n
economia
a macrogestão
e o setor sucroenergético
Nesta década, o setor atravessou uma crise, foi o que é conhecido como uma tempestade perfeita – uma rara combinação de eventos não favoráveis. Ao todo, foram seis motivadores dos problemas. Dois são exógenos, que estão fora do controle dos empresários e do governo: são o clima e os preços das commodities nos mercados internacionais. Seu impacto poderia ter sido absorvido com alguns custos, todavia foi agravado por quatro fatores endógenos, aqueles que estão sob o controle do governo. Note-se que adversidades do clima e dos preços internacionais podem voltar a ocorrer. Portanto é necessário entender a dinâmica do que aconteceu para evitar outra tormenta no futuro, prejudicando as empresas, os empregos e o País. É importante para o balanço de pagamentos, o emprego e a matriz energética. O clima pode ser um aliado ou um oponente ao desempenho do setor. Na média, há uma compensação entre adversidades climáticas e preços de commodities no mercado internacional. Mas, apenas na média, o que aconteceu no ano passado com a soja ilustra o caso. Houve uma quebra de safra de 30% na Argentina, aumentando os preços nos mercados internacionais, favorecendo o Brasil, mas prejudicando os vizinhos do sul.
No período pré-crise, os anos de 2010 a 2015, o preço do açúcar teve oscilações bruscas nos mercados internacionais. Em algumas situações, caiu até a metade do valor, em dólares. Na média dos três mercados mais importantes, o valor caiu 9%, como reflexo principal do clima no mundo. A oferta mundial deve ter aumentado. No Brasil, o efeito do clima na produção de cana-de-açúcar foi negativo. A produção por hectare caiu de 80,2 toneladas, em 2009, para 74,6 toneladas, em 2015. A área colhida aumentou 17%, mas a produção, 8%. O setor foi afetado adversamente pelo clima e pelos preços do açúcar caindo nos mercados internacionais. O preço do petróleo nos mercados internacionais é um fator determinante do preço da gasolina no Brasil, o que, por sua vez, afeta o preço do álcool combustível no mercado interno. Na média, os quatro tipos de petróleo mais comercializados no mundo tiveram uma queda, em dólares, de 18%, no período pré-crise. As variações dos preços das commodities têm um impacto diferente em cada país, dependendo de ser um exportador ou importador.
Solucionar a questão fiscal é condição necessária para voltar a crescer, mas não suficiente. É necessário mais. "
Roberto Luis Troster Economista
Opiniões Enquanto a queda do petróleo teve uma influência positiva nas economias mais avançadas, reduzindo custos de transporte e de energia em geral, a redução prejudicou o setor sucroenergético, que é produtor. O quadro foi agravado pela política econômica adotada nesses anos, mais especificamente as políticas cambial, inflacionária, creditícia e de competitividade. O tripé câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal foi a base da política macroeconômica desde 1999 e objetivava um círculo virtuoso entre os instrumentos macroeconômicos. Os superávits fiscais baixariam os juros induzindo a um câmbio mais depreciado, o que impulsionaria o crescimento e a arrecadação tributária, sem pressionar a inflação, facilitando o desempenho orçamentário. Gradativamente, a partir de 2006, esse tripé sofreu ajustes na sua execução, com a adoção do neodesenvolvimentismo, uma combinação de expansão do consumo, uma política de crédito irresponsável, um controle de preços arbitrário, um populismo monetário e uma valorização do câmbio. É uma política inconsistente intertemporalmente, como mostrou a realidade. Na política cambial, a estratégia de acumular divisas tinha dois efeitos de curto prazo. Um era de conter a inflação, pressionada pelo aumento dos gastos públicos, e o outro, dar mais segurança a investidores estrangeiros, atrair mais ingressos de divisas, pressionando a cotação do dólar para baixo. O Banco Central adotou uma política mercantilista, mantendo estável o estoque de reservas, como sinalização de solvência. Induziu a uma hipertrofia ainda maior do segmento financeiro do mercado de câmbio em detrimento da competitividade dos setores não financeiros em geral e, mais especificamente, do setor sucroenergético. Em política monetária, viveu-se a reintrodução do populismo inflacionário, uma experiência em três etapas. Na primeira, com os preços em elevação acompanhada de uma queda artificial dos juros, ocorre a redução dos salários reais, o aumento de margens das empresas, mais empregos e mais lucros − é a fase da satisfação. A segunda etapa começa com a disputa pela recuperação da remuneração dos trabalhadores e do aumento da pressão dos preços, com a economia mais vulnerável a choques de oferta. Termina na terceira, que é a dos juros mais altos e de menor crescimento − é a fase da amargura. Resumidamente, troca-se crescer um pouco a mais no presente por bem menos no futuro. Para controlar a inflação, o governo utilizou o mecanismo mais antigo, o “tabelamento de alguns bens e serviços”, incluindo a gasolina e a
energia elétrica. O impacto no setor sucroenergético foi negativo, num momento em que o clima e os preços internacionais também afetavam adversamente. O resultado da Petrobras ilustra como a política adotada afetou o setor: partiu de um lucro de R$ 35,2 bilhões, em 2010, para um prejuízo de R$ 34,8 bilhões, em 2015. Mais um agravante para o setor sucroenergético foi a política de crédito irresponsável. Colocou a economia num redemoinho perverso de juros cada vez mais altos, uma oferta de financiamentos encolhendo e a inadimplência subindo e induzindo as empresas a diminuir estoques, a cortar custos, a atrasar tributos e fornecedores e, em alguns casos, a demitir e até a fechar. Os indicadores de inadimplência aumentaram na economia nesses anos. Para o indicador base 100 em 2009, chega a 157 em 2015. Nesse período, 56 usinas foram desativadas, atestando a gravidade dos problemas. É fato que os fatores exógenos afetaram adversamente o setor sucroenergético, todavia foi a política econômica que potencializou os problemas e catalisou a crise. Não foi o único setor. A indústria de transformação como um todo sofreu consequências graves. Sua participação no PIB caiu de 13,1% para 10,5% no período pré-crise. Há também fatores estruturais tirando a competitividade da economia brasileira, como tributação, custos de observância e burocracia. No ultimo ranking do Foro Econômico Mundial, o Brasil perdeu três posições, mostrando que, em termos relativos, está perdendo competitividade. A análise acima aponta que o clima e os preços nos mercados internacionais desfavoreceram o setor, mas o que catalisou a crise foi a macrogestão, mais especificamente as políticas inflacionárias, creditícia, cambial e de competitividade. A visão dominante entre os analistas é de que a recessão iniciada em 2015 foi catalisada pela política fiscal. Não se sustenta com os números. De dezembro de 2009 a dezembro de 2014, último ano de crescimento antes da crise, a relação dívida bruta/PIB caiu 5% e, nos quatro anos seguintes, aumentou 36%. Portanto foi consequência e não causa dos problemas. Solucionar a questão fiscal é condição necessária para voltar a crescer, mas não suficiente. É necessário mais. Houve avanços na política inflacionária e anúncios de mudanças na de competitividade. Todavia a política creditícia continua a mesma: atualmente, um novo recorde de empresas com anotações de atraso foi alcançado, 5.577.543 CNPJs com dificuldades de conseguir crédito comercial. A política cambial continua igual há mais de uma década. Desassossega. n
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economia
o desafio da gestão no setor sucroenergético O desenvolvimento da indústria de biocombustíveis, em especial do etanol, como fonte de energia sustentável, abre espaço para o fortalecimento do setor sucroenergético nacional. No entanto, apesar da intensa tradição do País nesse setor, existem importantes estrangulamentos tecnológicos que permanecem no topo da agenda empresarial de cada empresa. A partir de 2012, os desafios para a expansão da produção de açúcar e etanol se concentraram na necessidade de incremento de produtividade agrícola (afinal, o rendimento do canavial, em t ATR/ha, está abaixo do potencial e da própria média histórica do setor), na redução dos níveis de impureza mineral e de vegetais levados do campo à indústria e nas tecnologias para a produção de etanol de segunda geração. Isso evidencia que ainda há potencialidades e novos desafios no sistema de inovação do setor, cujo desenvolvimento deverá se pautar em novos instrumentos e tecnologias de baixo impacto ambiental e baixas emissões de carbono. A despeito desse ceWag das nário, o movimento ações da Amataé relaempresas ainda tivamente lento no enfrentamento dos novos desafios tecnológicos, com ênfase para os biocombustíveis. O setor de açúcar e etanol se caracteriza, simultaneamente, como competitivo e conservador em relação à inovação.
No caso desse último, os esforços das empresas são modestos, bem como as adaptações das estruturas internas com vistas à ampliação da capacidade tecnológica. A produção de cana-de-açúcar e de seus derivados (açúcar e etanol) tem seguido estágios de produção cada vez mais integrados, com maiores níveis de mecanização, utilização de insumos químicos, capacidade de transporte e substituição de mão de obra por processos intensivos em capital. Em alternativa, trata-se de um setor bastante heterogêneo, tanto em aspectos técnicos quanto econômicos, o que faz com que as empresas desse setor tenham níveis de eficiência bastante distintos entre si. As usinas não estão no seu potencial máximo, havendo espaço para se obter a máxima eficiência, considerando a alocação ideal dos recursos disponíveis. O alto grau de heterogeneidade na alocação dos insumos produtivos entre as usinas de açúcar e etanol no Brasil reflete-se em diferentes níveis de custos de produção, num setor cuja rentabilidade é definida por um modelo de liderança de custos, dada a baixa diferenciação dos seus produtos. Nesse cenário, dilatou-se a amplitude dos níveis de eficiência, refletindo num aumento do hiato entre as empresas do setor naquilo que diz respeito à eficiência. A diferença tem se intensificado, de forma que coexistem empresas tecnologicamente atrasadas e com baixos níveis de eficiência, em oposição a empresas com modernas práticas de gestão e de tecnologias produtivas, resultando em elevados níveis de eficiência.
O setor de açúcar e etanol se caracteriza, simultaneamente, como competitivo e conservador em relação à inovação "
Haroldo José Torres da Silva
Gestor de Projetos do Pecege (Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas da Esalq-USP
Opiniões Isso reforça que a competitividade do setor e, consequentemente, a segurança de produção dependem, cada vez mais, de uma gestão eficiente das usinas. Apesar da sua relevância no âmbito do agronegócio brasileiro, o setor carece de políticas públicas e privadas com vistas ao desenvolvimento tecnológico e à difusão de melhores práticas produtivas e de gestão entre as unidades. Caso contrário, o que se observará é um processo de aprofundamento do gap entre as empresas e acomodação do mercado às custas de um desequilíbrio dos níveis de performance das usinas. Ao longo da última década, o setor sucroenergético brasileiro perdeu eficiência e produtividade, cujo quadro se agravou pela expectativa frustrada por melhores preços de açúcar e etanol nos últimos anos. Dessa forma, no curto prazo, há pouco entusiasmo para uma nova onda de expansão, e as usinas brasileiras estão dando prioridade para investimentos que melhoram as margens operacionais e a eficiência de seus ativos, seja na área agrícola ou na indústria. Há possibilidades de expansão do setor sucroenergético brasileiro no médio e no longo prazo,
principalmente em função das metas estabelecidas pelo País na 21ª Conferência das Partes – Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP21) – e que se refletiram em novas políticas de estímulo aos biocombustíveis no País, tal como o RenovaBio. No entanto, no curto prazo, ainda há problemas que, potencialmente, limitarão o crescimento e que impulsionarão uma consolidação baseada em fusões e aquisições, dada a intensa heterogeneidade técnica e econômica entre as empresas. O crescimento desse setor ainda perpassa por programas de treinamento e capacitação, de incorporação de novas tecnologias que impulsionem a recuperação da produtividade dos fatores de produção e da melhoria nas práticas de gestão e de organização das empresas que induzam à alocação adequada dos insumos. Apesar da condição financeira difícil, o setor produtivo precisa manter os esforços para a redução de custos e a ampliação da eficiência produtiva. Portanto a robustez e a geração de caixa das empresas desse setor estarão associadas a uma gestão focada em operações mais eficientes e em custos de produção mais baixos. n
consultoria operacional
Opiniões
a era do compartilhar
As características e peculiaridades do setor sucroenergético nos dão uma certeza, a de que não há uma receita pronta e funcional para todos os empreendimentos. Ingressei nesse setor no ano de 1971, egresso da maior metalúrgica fornecedora de equipamentos pesados, a Zanini. Mesmo com algum conhecimento de equipamentos, posso afirmar que, ao longo de todos esses anos, nenhuma safra foi exatamente igual à outra. Sempre havia um novo desafio pela frente, e isso nos dava mais e mais estímulos para conhecer os processos e buscar soluções para as questões que se apresentavam. Não é exagero dizer que esse ambiente preparou muitos profissionais, que, por essa “força”, passaram a ter mais facilidade de se adaptar às muitas adversidades que vivemos no Brasil e no mundo, onde a velocidade das exigências passou a imperar nas organizações. Vivenciamos vários ciclos nesses 42 anos de atuação direta. Ciclos positivos e ciclos negativos. A intensidade dos negativos tinha maior peso no gerenciamento do negócio e na sua superação, o que fez com que as empresas fossem buscar alternativas e tecnologias para reequilibrar e viabilizar as suas atividades, numa verdadeira corrida contra o tempo. Infelizmente, alguns sucumbiram. E, por falar em tempo, vamos direto a um dos pontos que mais impactaram os resultados do setor sucroenergético: as atividades agrícolas, como enfatiza a máxima conhecida pelos que atuam nesse segmento: “o açúcar é fabricado no campo, e a indústria busca as melhores práticas para extraí-lo e recuperá-lo”. As evoluções que se conseguiram nessa cadeia de produção foram muito importantes para a sociedade, quer no sentido ambiental, quer no econômico. O agronegócio foi quem sustentou a nossa balança comercial nos últimos anos. Imaginem o quanto a atividade sucroenergética consome de investimentos com a implantação, os tratos culturais e a renovação de canaviais, além de sistemas, máquinas, capital humano e tecnológico necessários para manter uma produtividade adequada em todas as etapas do seu processo produtivo. Por esse motivo é que consideramos que a gestão dos negócios, mesmo não atingindo os padrões desejados, evoluiu em muitos aspectos e até se superou em alguns empreendimentos. A atividade agrícola é, sem dúvida, o ponto nevrálgico e o que requer maior atenção por parte da administração, pois o seu ponto de maturação e equilíbrio, se não estiver sob total controle, não apresenta o resultado compatível frente aos investimentos.
a dinâmica que impera hoje aponta para a necessidade de se reinventar e se orientar para uma gestão modelada em pesquisas e em exploração de produtos de alto valor agregado "
Sebastião Henrique Rodrigues Gomes
Diretor da Oportuninvest Operações Digitais e do CEISE-Br
Mas a dinâmica que impera hoje aponta para a necessidade de se reinventar e se orientar para uma gestão modelada em pesquisas e em exploração de produtos de alto valor agregado, com processos e sistemas integrados e tecnologias sustentáveis. Alguns denominam esse modelo como uma biorrefinaria, é uma nova tendência para diversificar o portfólio com novos produtos e atuação em novos segmentos de negócios, como indústria farmacêutica, indústria têxtil, gás, alcoolquímica e sucroquímica, além dos mercados atuais de alimentos, combustível e energia. Mas como desenvolver isso sem uma estabilidade econômica e políticas de governo definidas, tanto para as exportações quanto para o mercado interno? Esses são os desafios que se apresentam para as lideranças, tanto institucionais quanto empresariais. Há que se desenvolver um esforço conjunto para equacionar o futuro; disciplina, persistência e perseverança são pontos básicos, mas precisa-se de muito mais que isso: gestão dos recursos adequados e gestão do conhecimento, meritocracia (tão em voga hoje), integração e coesão, segregação das atividades estratégicas das transacionais e tecnologia para mensurar os benefícios (métricas), e tudo vai exigir investimentos e foco. É possível atingir esses propósitos? Se olharmos no entorno, vamos encontrar muitos avanços em outras indústrias, como o carro elétrico, o carro autônomo, Internet das Coisas (IoT), indústria 4.0, além de outras inovações que afloram em oportunidades, revolucionando a tecnologia e estabelecendo uma nova era, a era do compartilhar. Mas o setor está preparado ou tem cultura para isso? Sempre há um início para as mudanças, e para dar o primeiro passo é preciso ter decisão; os meios para se chegar a um processo de evolução estão disponíveis no mundo corporativo: as possibilidades de convênios com universidades, P&D no campo e processos em PPP (Parceria Público-privada), Inteligência Artificial para análise crítica profunda dos pontos de desperdício de recursos, além de outros. E todas essas ferramentas e métodos já são realidades no mercado, não se trata de doutrina filosófica e sim de tendência para o ideal. O setor ainda precisa otimizar a sua organização e ter maior força junto ao governo. Já houve grande melhora nesse campo, devendo neutralizar os eventuais pontos conflitantes. Divergências e disputas não levam a nada, gestão integrada e compartilhada conduz a bons resultados. Há um longo caminho a ser percorrido, mas possível de ser atingido se for dada a partida agora. n