Caderno de Debates 4 - Brics: tensões do desenvolvimento e impactos socioambientais

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Caderno de Debates 4

Entre as relações históricas de colonização e a cooperação internacional na África Na África, ao longo dos últimos séculos, é constante a presença de intervenções de diversos países, geralmente intercalada entre ações militares, investimentos de agrupamentos empresariais e a assistência humanitária. Mas é preciso contextualizar essas relações e a presença ocidental na África, pelo menos nos últimos dois séculos (sem ignorar as colonizações anteriores, como dos árabes). No caso do continente africano, que foi colonizado nesse período histórico mais recente por países europeus, principalmente França e Reino Unido, e também Bélgica, Alemanha, Espanha, Portugal e Itália, a década de 1950 e 60 foi marcada pelas “independências” nacionais. Apesar disso, uma outra forma de atuação dos países ocidentais rapidamente teve lugar, pelos organismos internacionais e ONGs, a chamada “cooperação internacional”. Exemplo desse tipo de relação é o caso francês, relatado detalhadamente em relatório da ONG francesa Survie (Thimonier, 2006). Esse país constituiu, segundo o referido documento, o Ministério da Cooperação, no ano de 1961, que substituiu as ações do antigo Ministério das Colônias. Iniciava-se, dessa maneira, o sistema Françafrique, ironicamente homófono à frase France à fric, que indicaria o interesse da França em ganhar dinheiro com a África. Paralelo aos acordos oficiais de cooperação, frequentemente são relatadas ações mais obscuras coordenadas pelas antigas metrópoles, como a incitação à guerra, a intervenção em eleições locais e mesmo o afastamento de lideranças, ainda segundo Thimonier. Nesse período, a França, que chegou a ter mais de 20 colônias somente na África, tornou-se a principal “parceira” de suas antigas colônias, com acordos de cooperação econômica, militar, judiciária, técnica, cultural e financeira, executados a partir de um corpo de técnicos e conselheiros franceses, enviados aos novos países para criar instituições, estabelecer programas de desenvolvimento econômicos e formar governantes locais, segundo o mesmo texto. A administração dos novos governos era formada basicamente junto às elites étnicas locais, sendo que o apoio local foi um fator essencial para fortalecer esse tipo de relação, que pode ser denominada também como uma neocolonização. Uma importante análise do neocolonialismo na África é feita por Ndlovu-Gatsheni (2013), que procura indicar os paradoxos do atual modelo de poder global e suas continuidades com a ligação colonial mesmo após as independências africanas, que não teriam gerado sistemas mais libertários ou socialmente justos, sim um “mundo neocolonizado pós-colonial” na África. Se no período colonial as potências europeias já haviam imposto sua língua, moeda, sistema administrativo e jurídico, a relação de cooperação tende a manter a influência privilegiada desses países na África. Foram implementadas


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