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Industrialização: Possibilidade real ou miragem? Narrativa modista, ou oportunidade concreta?
A industrialização é dos temas mais sonantes, quando se fala da estruturação e desenvolvimento da economia de Mocambique. O termo recolhe apoios em um amplo sector social e económico de Moçambique, não obstante as dissonâncias existentes quanto ao conteúdo e forma que a industrialização deve seguir em Mocambique.
A última Conferência Anual do Sector Privado, a XVII CASP, foi a mais recente e significativa exaltação da industrialização em Mocambique, com o Governo e o Sector Privado, compulsando sobre os diferentes ângulos através dos quais se pode e se deve enxergar o tema.
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O evento realizou-se sob o lema “Transformação, Inovação e Sustentabilidade para a Competitividade Industrial”, um lema que capta, os diferentes desafios que o processo de industrialização enfrenta, ou seja, os desafios assumiram outra postura e passaram a exigir dos principais stakeholders uma formatura mais elaborada, interventiva e eficaz.
O.Económico esteve na XVIII CASP, atento ao desenrolar do programa estabelecido e partilha aqui, algumas das principais opiniões que emergiram no evento no que a industrialização, particularmente, diz respeito.
O Ministro da Indústria e Comércio Silvino Moreno, um dos principais rostos do evento, considerou a industrialização como sendo um segmento vital do tecido económico nacional, como alavanca essencial e um catalisador do desenvolvimento económico inclusivo e sustentável.
Moreno essencialmente reiterou que a indústria continua a ser uma das prioridades para a transformação estrutural da economia do País, para a mudança qualitativa do crescimento do PIB e elevação da competitividade da economia nacional e sua inserção no mercado modelo, porque segundo frisou, a industrialização do País não deve só contribuir na transformação local das potencialidades nacionais, na substituição das importações, mas também deve alavancar as exportações e também pode servir de diversificação das exportações do País, acrescentando que as evidências mostram que a industrialização e transformação da estrutura económica permitem a um País acelerar o seu desenvolvimento em termos reais, e todos os casos de desenvolvimento económico moderno, acelerado e sustentável são associados em particular ao crescimento da industrialização, frisou o Silvino Moreno.
O Ministro fundamenta as suas convicções, com o facto de a industrialização ser para a maioria dos países o prenúncio de crescimento acelerado, em virtude de (i) a indústria transformadora impulsionar a produtividade e a mudança estrutural, fazendo passar a economia de actividades de baixa para alta produtividade e, (ii) a industrialização impulsiona o progresso tecnológico que é o principal factor de inovação. Depois de se referir a política e estratégica industrial em vigor e ao próprio Programa Nacional
Industrializar Moçambique (PRONAI), instrumentos que actualmente presidem os esforços de industrialização em curso no País, disse que o contexto actual da indústria nacional oferece bastantes desafios, mas também oportunidades, sobretudo na componente de substituição das importações pelo fomento das exportações e avançou com dados estatísticos, dizendo que não obstante dos factores conjunturais desfavoráveis a produção da indústria transformadora cresceu na ordem de 3,2%; 15,8%; 3,6%; 14%; 9%; e 6%, entre os anos 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, respectivamente.

O Ministro partilhou estatísticas mais actuais. Disse que entre 2016 a 2022, foram instaladas no país 39 novas indústrias de grande dimensão nas diversas áreas da actividade, sobretudo na indústria alimentar e de bebidas, metalurgia, e 94 novas unidades de média dimensão.
No mesmo período foram licenciadas na actividade industrial cerca de 2459 de dimensão micro, 1295 de dimensão pequena, 73 dimensão média, 28 dimensão grande.
Em termos de geração de postos de trabalho Silvino Moreno avançou que foram criados entre - 2016 –2022 cerca de 55.869 empregos directos, dentre os quais 5.016 gerados pela indústria de dimensão Micro, 32.315 pequena dimensão, 10.462 média dimensão, e 5.649 de grande dimensão.
Relatando sobre os espaços legalizados reservados para implantação de parques industriais Silvino Moreno disse que o País conta com uma área total de 2037,63 hectares (Ha), distribuído entre os distritos de Dondo com 800 Ha, Barué 50 Ha, Vanduzi 900 Ha, Macati 50 Ha, Mossorizi 15 Ha, Matxaze 72 Ha, Moatazi 100 Há e Funhalouro 50,63 Ha.
No que concerne a localização geográfica da indústria Silvino Moreno, trouxe a ribalta um mapeamento dos Parques Industriais que o País dispõe actualmente, tendo as províncias de Maputo com 2 Parques (Beleluane e Matama), Gaza 1 (Zona Económica Especial de Agronegócio Limpopo), Inhambane 1 Parque (Inhambane), Manica 1 Parque (Vanduzi), Sofala 1 Parque (Munhava), Tete 1 Parque (Moatize), Zambézia 1 (Zona Económica Especial de Mocuba), Zambézia 1 Parque (Mocuba), Nampula 3 Parques (Topuito, Nacala, Ribarué) e Cabo Delgado 2 Parques (Afungi e Palma).
Concluindo, mas também falando sobre o Programa Nacional Industrializar Moçambique (PRONAI), Silvino Moreno destacou o crescimento sustentado do peso da indústria transformadora no PIB em 8,8% em 2019, com uma projecção de crescimento de 9,8% em

2024 e 11,8% até 2030, em termos de substituição de importações o PRONAI em 2019 não se materializou em substituição de importação, porém perspectiva a substituição de importação até 2024% em 10%, 23% em 2027 e 43% em 2030. No que diz respeito ao incremento das exportações de produtos industriais o PRONAI perspectiva um crescimento de 5% até 2024, 10% em 2027 e 20% em 2030, e na geração de postos de trabalho directo na indústria em 2024 o PRONAI prevê a criação de 118 000 postos de trabalhos, 159 000 postos de trabalhos em 2027 e 215 000 em 2030.
Para Mateus Magala, a solução que ilumina o caminho de Moçambique é a industrialização, mas essa industrialização, segundo considerou, deve ser assente também ao pensamento da migração para a IV revolução industrial, e que se adapte ao contexto actual, porque Moçambique ainda tem aspectos básicos da primeira revolução industrial que ainda não foram resolvidos, citando como exemplos a criação da indústria de serviços básicos, como vestuário, calçados, meios de transporte, energia, alimentação, habitação, entre outros.
O Ministro dos Transportes e Comunicações, não descurou o facto de Moçambique estar atrasado em muitos aspectos das revoluções industriais precedentes, mas considerou que a digitalização é uma importante componente para saltar etapas e aproximar-se de níveis de desenvolvimento mais avançados. Disse mesmo que
“sem a digitalização, Moçambique não deve sequer pensar em participar com substância e efectividade na IV revolução industrial”, uma simbiose biológica, física e digital, onde o robô é aquilo que nós chamamos um ser humano genuíno, que compete pelas mesmas oportunidades económicas, com maior destaque para o emprego. Sublinhando, disse ainda o
• Mateus Magala, Ministro dos Transportes e Comunicações “Precisamos de criar uma indústria pronta para o futuro com os seus benefícios emergentes”, rematou o governante governante que a reflexão sobre a industrialização deve ser em volta das grandes transformações que o mundo de hoje está a conhecer e das perspectivas de futuro. O Ministro abordou também a interconexão que deve existir entre a industrialização e as infra-estruturas de transportes e logística, porque, para ele, a industrialização é uma variável dependente da infra-estrutura de transporte e logística, admitindo que o continente africano tem um grande défice de infra-estrutura, o que acarreta muitos custos, penalizando a própria industrialização.
Apoiando-se nas estatísticas do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Mateus Magala disse que se estima que a África precise anualmente de cerca de 130 a 170 US$ mil milhões para suprir esse défice de infra-estrutura, e com o valor investido actualmente pelos governos fica um Gap de cerca de 70 a 100 US$ mil milhões por ano, e se esse défice de infra-estrutura fosse coberto, o PIB continental cresceria em média 2 a 4%, a mais do que já cresce, terminou Mateus Magala.
O Director Executivo da CTA, Eduardo Sengo, falando sobre o contexto actual da indústria nacional, disse que há uma tendência de redução da contribuição da indústria transformadora em particular no PIB. Nessa perspectiva, analisando-se os dados sobre o sector industrial, ao se decompor os custos operacionais percebe-se que o custo das matérias-primas tem sido bastante penalizador para o desempenho da indústria, pelo que considerou este custo como o “calcanhar de Aquiles” para a indústria moçambicana. Avançou que em cada unidade monetária produzida pelo sector manufactureiro moçambicano, 30% é gasto com a aquisição de matéria-prima, embora esta cifra tenda tanto a reduzir com o tempo, pelo que já esteve em cerca de 32%.
O Director Executivo da CTA clarificou que comparativamente aos outros factores de produção, a matéria-prima é o principal insumo que contribui grandemente para a competitividade industrial, sem relegar para o segundo plano a questão da infra-estrutura sobretudo as infra-estruturas de transporte e logística, que acresceram nos últimos 3 anos em mais de 40%, e particularmente para Cabo Delgado que cresceu em 60%, portanto, para além do custo com as matérias-primas, o sector industrial é penalizado também pelos custos inerentes a logística que têm que ver com a movimentação de produtos industriais, desde a origem até a distribuição nos mercados. Debruçou-se Eduardo Sengo sobre a questão do tempo de viagem, que aumentou por causa das condições da estrada que não só aumentam o tempo de viajem, mas também aumentam os custos operacionais conjugados com os danos de veículo e mercadorias, que afectam no aumento do custo logístico. Outro constrangimento, recorrente, é a persistência de uma carga tributária desincentivadora do investimento na manufactura,
“os tributos que são obrigados a contribuir tanto para os municípios, como para os ministérios e tribunais, representam cerca de 40% da carga tributária, para além dos outros impostos que a indústria tem obrigação de pagar”. Disse.
O economista revelou, pelo estudo conduzido pela CTA, que a indústria alimentar, é uma das essenciais da nossa economia, dando exemplo da indústria do óleo onde já existem refinarias que estão a trabalhar em Moçambique, enfrentando porém, desafios desde os custos com importação de matéria-prima que expõem estas indústrias a riscos cambiais, e também a elevada carga tributária.
Eduardo Sengo revelou que neste momento o País tem um consumo em termos de importação de US$ 12 mil milhões anuais, o que significa que, de facto, há um mercado em Moçambique, apenas se precisa estruturar como oportunidades de negócio para o sector privado.

O CEO do Grupo Intelec Holding, S.A Salimo Abdula, disse que ainda há muito trabalho por se fazer, e o que se fez até ao momento é extremamente diminuto para as potencialidades que o País apresenta em vários aspectos.
Salimo Abdula, disse ser urgente e importante, que Moçambique se industrialize porque muitos anos estão a passar, contudo, a indústria continua estagnada, situação que se deve ao facto de o ambiente do País não ser favorável ao apoio industrial, pese embora agora haja algumas acções que estão a ser tomadas pelo Governo.
Salimo Abdula disse que o País esta todo de olhos postos na industrialização, e esta missão positiva de continuar a incentivar para que haja uma industrialização inserida na transformação dos recursos que Moçambique dispõe, não deve ser descartada para que se possam instalar parques industriais junto as fontes de matéria-prima, portanto, os recursos minerais, florestais, até mesmo o recurso emergente de que hoje tanto se fala que é o gás. Salimo Abdula, alertou, no entanto, sobre as elevadas expectativas no que concerne a industrialização de Moçambique, dando a entender que essas expectativas devem ser geridas.
Salimo Abdula apontou dois pilares que segundo as suas acepções são extremamente importantes para a revitalização da indústria, e começou por falar do acesso a transferência de tecnologia, e depois estendeu a sua intervenção para a clássica narrativa do acesso a financiamento para operacionalizar as indústrias através dos recursos naturais.
Mubarak Razak empresário com interesses no sector industrial e membro do actual elenco directivo da Associação Industrial de Moçambique (AIMO), sugeriu que no contexto do mapeamento das indústrias existentes, mais do que mapeá-las é necessário diagnostica-las,


“perceber quais os problemas as empresas e indústrias enfrentam e como os resolver”.
No entanto, o empresário foi categórico nas palavras e disse que, do Governo os empresários querem apenas a facilidade de fazer o negócio, e o Governo tem que saber quais são os problemas presentes que minam o ambiente de negócio e tentar resolver, porque dinheiro os empresários sabem que têm que ir buscar ao banco. Mubarak Razak estendeu a sua intervenção e disse, “Em uma situação adversa, antes de procurar os mortos, deve-se resgatar os sobreviventes”, ou seja, antes de implantar novas indústrias, as Greenfields, deve-se resgatar o parque industrial existente, porque há muita indústria antiga, as Brownfields que podem estar moribundas, mas que devem ser resgatadas
• Adelino Buque
“Não podemos ter uma revitalização da indústria com um comércio tão desorganizado quanto desestruturado”
O empresário Adelino Buque, membro do Conselho Directivo da CTA, referiu-se aos aspectos a jusante da indústria, e disse que não se pode ter uma revitalização da indústria com um comércio tão desorganizado quanto desestruturado, conforme a realidade presente.
Para Adelino Buque, se Moçambique quer de facto progredir do ponto de vista de industrialização, é importante que o Governo tome a consciência de que o sector do comércio está desorganizado, pelo que de nada vai adiantar se industrializar, se o comércio estiver desestruturado, porque o produto da industrialização se não acompanhado por um comércio organizado, os produtos das indústrias, ou seja, os OutPuts poderão não ter um mercado para absorver essa produção.

Adelino Buque observou que é importante que o Governo olhe de forma bastante responsável a questão do comércio informal, sem necessariamente acabar com o comércio informal, mas é urgente que se crie condições para que este sector entre no quadro legal e não porque tem que pagar imposto, como se tem dito, pelo que, é preciso que se mude de narrativa do ponto de vista do que é que se pretende, quando se insta os agentes económicos do sector informal a emigrarem para o sector formal. Adelino Buque disse ser importante que no processo de industrialização, a indústria tenha em conta a sua actividade de produção, distribuição, e que as outras coisas devem ser feitas por outros actores, ou seja, deve haver uma interconexão da indústria com o sector de serviços de comércio, seja ele a retalho ou grosso, acrescentou que o grosso das indústrias existentes no nosso território vende até a retalho, “e isso é muito perigoso”.