Rostos, Olhares e Identidade

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Rostos, Olhares e Identidade

Comunidade Portuguesa. Frequentei uma escola anglófona porque não me aceitaram numa escola de língua francesa pela simples razão de não ser de origem francófona, mas acabei por adquirir as duas línguas porque parte das minhas aulas eram em imersão bilingue. Em 1973, os meus pais decidiram regressar definitivamente aos Açores. Eu tinha nove anos e a minha ideia do regresso ao Canadá penso que nasceu no mesmo dia da chegada aos Açores, não gostava absolutamente nada de lá viver. Quando ia aos Açores de férias gostava imenso, tinha a minha avó que fazia tudo por mim, aqueles primos todos, mas viver lá permanentemente era diferente. Por exemplo, eu em Outremont ia em fato de banho para a piscina que ainda ficava afastada da nossa casa mas nos Açores não podia fazer isso porque era mal visto; aqui brincava com rapazes, lá não podia fazê-lo porque também era mal visto. Coisas simples mas aos nove anos de idade não podia compreender essas proibições que apareceram assim, dum dia para o outro, na minha vida. Não havia electricidade, algumas ruas eram de terra batida, a casa de banho era lá fora, passei a ser alérgica a tudo quanto era alimentos, detergentes e sabões, não sei se era o meu corpo que se rebelava dessa forma mas o certo é que foram anos muito complicados. Eu era a novidade lá da terra, toda a gente queria conhecer-me, falar comigo, meter-se comigo. Lembro-me de estar na aula da professora Elisa, na terceira classe, no meio daqueles alunos com uma pronúncia tão diferente daquela a que eu estava habituada, e com idades tão diferentes uns dos outros, alguns já eram quase homens e mulheres, e isso impressionou-me muito.» Quando fala da adolescência, ainda hoje a Nisa se debate num misto de emoções por vezes contraditórias. Faz uma longa pausa para arrumar as ideias. Começa a falar pausadamente. «Eu tive tudo quanto uma jovem pode querer, desde a educação, os meus pais puseram-me numa escola privada, tive óptimos professores que puxaram bem por mim, que perceberam que eu gostava de aprender. Mas nunca me senti parte, senti-me sempre um pouco alheia, o meu sentido de identidade não estava bem definido e mantive sempre aquela ideia de regressar ao Canadá, que quando fosse adulta voltaria. Não posso dizer que era infeliz, mas também não era feliz, havia qualquer coisa que me faltava. O facto de estar interna num colégio privado, o Colégio S. Francisco Xavier, em Ponta Delgada 98


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