REVISTA MAIO 2020

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SUMÁRIO

MAIO 05 ENTREVISTA EM CHAMADA COM ZÉ DUARTE 11

ENTREVISTA DEPUTADO FRANCISCO CÉSAR

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REPORTAGEM MAIS GRISALHOS, MAIS CUIDADOS

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CRÓNICA JOÃO CASTRO

A VÓS, ILHAS, MEUS AMORES

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O OUTRO LADO DOS HERÓIS

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CRÓNICA RICARDO SILVA DESTAQUE FRASES DO MÊS CRÓNICA ANTÓNIO VENTURA

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Balanço da pandemia nos açores durante o mês de abril

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EDITORIAL

PASSOS PARA A NORMALIDADE O Governo Regional e o Governo da República anunciaram, na semana passada, medidas que permitissem, paulatinamente, o regresso à normalidade na Região e no país. António Costa anunciou o abandono do estado de emergência, sem prejuízo de que se pudesse voltar ao confinamento obrigatório – não fôssemos nós deitar a perder o esforço que se realizou no último mês e meio. Agora, em estado de calamidade, o território continental vê os primeiros freixos de luz daquele que será o regresso à normalidade a que estávamos habituados – já abriram, desde o dia 4 de maio, cabeleireiros e manicures, lojas com porta aberta para a rua até 200m², livrarias e comércio automóvel. Nos transportes públicos, estabeleceu-se a lotação de apenas 2 3, sendo obrigatório o uso de máscara aquando da utilização dos transportes públicos. Em breve, no dia 1 de junho, abrirão as lojas superiores a 400m² ou inseridas em centros comerciais. No entanto, a questão que perdura é – não será um erro abrir tão cedo? Estaremos nós a dar um passo em frente para, daqui a um mês, voltarmos a dar quatro para trás? Na Região, as ilhas que deram os primeiros passos foram, justamente, aquelas que nunca registaram qualquer caso positivo ativo pelo novo coronavírus – Santa Maria, Flores e Corvo. Nessas ilhas, já se pode “respirar” de alívio, também sem prejuízo de que se regresse ao confinamento, não vá uma segunda vaga do vírus arruinar tudo o que tem sido feito até então. Poderá, eventualmente, assistir uma segunda vaga, mas os Açores deixaram bem claro que não vão baixar as guardas. Nessas ilhas, abriram, no dia 6 de maio, estabelecimentos comerciais, 04 NOMAIO20

industriais e de prestação de serviços. As aulas presenciais dos três ciclos de ensino básico, bem como do secundário, serão retomadas no dia 11 de maio, “sendo necessário o uso de máscara e a disponibilização de desinfetante para as mãos, bem como para toda a comunidade educativa”. Nas restantes seis ilhas, especialmente na ilha de São Miguel, o concelho do Nordeste continua com a cerca sanitária, em virtude do aparecimento de novos casos associados à Estrutura Residencial desse concelho. Nos restantes, as cercas sanitárias continuaram e, muito bem, até ao dia 4 de maio. Agora, pensemos. E se não tivessem sido as cercas sanitárias na ilha de São Miguel? Será que a situação seria a mesma do que aquela que se verifica aos dias de hoje, onde o número de recuperados é superior ao número de casos ativos? A Autoridade de Saúde Regional considera que as cercas sanitárias contribuíram para a circunscrição do vírus. Entretanto, monitoriza-se permanentemente a situação em todas as ilhas, esperando que, em breve, as pessoas possam sentir segurança em saírem à rua. O uso de máscara já é obrigatório em espaços fechados, o que talvez ofereça uma segurança diferente. No entanto, só se respirará de alívio na Região e, em todo o Mundo, quando for descoberta a vacina que seja capaz de combater o vírus. Até lá, mesmo que o número de infetados seja zero, basta abrirmos as portas a não residentes, basta, por um segundo, baixarmos a guarda para, aí, deitar tudo a perder. Oxalá que nem se chegue a vislumbrar um cenário desses. Oxalá a vacina não esteja longe de ser conhecida. CLAUDIA CARVALHO DIRETORA ADJUNTA

FICHA TÉCNICA: ISSN 2183-4768 PROPRIETÁRIO ASSOCIAÇÃO AGENDA DE NOVIDADES NIF 510570356 SEDE DE REDAÇÃO RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR, 9500-093 PONTA DELGADA SEDE DO EDITOR RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR, 9500-093 PONTA DELGADA DIRETOR/EDITOR RUI MANUEL ÁVILA DE SIMAS CP3325A DIRETORA ADJUNTA CLÁUDIA CARVALHO TPE-288A REDAÇÃO CHEFE REDAÇÃO RUI SANTOS TPE-288 A, CLÁUDIA CARVALHO TPE-288 A, SARA BORGES, ANA SOFIA MASSA, ANA SOFIA CORDEIRO REVISÃO ANA SOFIA MASSA PAGINAÇÃO MÁRIO CORRÊA CAPTAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGEM RODRIGO RAPOSO E MIGUEL CÂMARA DEPARTAMENTO DE MARKETING, COMUNICAÇÃO E IMAGEM CILA SIMAS E RAQUEL AMARAL PUBLICIDADE TERESA BENEVIDES E RAQUEL AMARAL MULTIMÉDIA RODRIGO RAPOSO INFORMÁTICA JOÃO BOTELHO RELAÇÕES PÚBLICAS CILA SIMAS Nº REGISTO ERC 126 641 COLABORADORES ANTÓNIO VENTURA, JOÃO CASTRO, RICARDO SILVA CONTACTOS MARKETING@AGENDADENOVIDADES.COM ESTATUTO EDITORIAL: A NO É UMA REVISTA DE ÂMBITO REGIONAL (NÃO FICANDO EXCLUÍDOS OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA E COMUNIDADES PORTUGUESAS ESPALHADAS PELO MUNDO). A NO DISPONIBILIZA INFORMAÇÃO INDEPENDENTE E PLURALISTA RELACIONADA COM A POLÍTICA, CULTURA E SOCIEDADE NUM CONTEXTO REGIONAL, NACIONAL E INTERNACIONAL. A NO É UMA REVISTA AUTÓNOMA, SEM QUALQUER DEPENDÊNCIA DE NATUREZA POLÍTICA, IDEOLÓGICA E ECONÓMICA, ORIENTADA POR CRITÉRIOS DE RIGOR, ISENÇÃO, TRANSPARÊNCIA E HONESTIDADE. A NO É PRODUZIDA POR UMA EQUIPA QUE SE COMPROMETE A RESPEITAR OS DIREITOS E DEVERES PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; NA LEI DE IMPRENSA E NO CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS JORNALISTAS. A NO VISA COMBATER A ILITERACIA, INCENTIVAR O GOSTO PELA LEITURA E PELA ESCRITA, MAS ACIMA DE TUDO, PROMOVER A CIDADANIA E O CONHECIMENTO. A NO REGE-SE PELO CUMPRIMENTO RIGOROSO DAS NORMAS ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS DO JORNALISMO E PELOS PRINCÍPIOS DE INDEPENDÊNCIA E PLURALISMO.


Zé CANTOR duarte AÇORIANO CLÁUDIA CARVALHO

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ENTREVISTA

ENTREVISTA EM VÍDEO NA VERSÃO DIGITAL

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ENTREVISTA

Zé Duarte: Trabalho no distrito escolar de São Diego, na parte administrativa de uma escola primária. Essa é a minha pro ssão diária durante a semana. Aos ns de semana, faço ligação com a música e também com as brincadeiras do Zé da Adega. Quando era jovem, comecei a tocar nas ilhas com 14/15 anos e nos grupos musicais. A tendência foi começar a tocar instrumentos musicais, começar pelo baixo, depois viola, piano. Tenho aqui vários instrumentos ao meu lado, em que toco meia dúzia de instrumentos diferentes. A música foi primeiro, comecei a fazer músicas originais, tocávamos músicas conhecidas, os covers, a música de outros, mas pessoalmente sempre gostei de fazer músicas originais, começando quando tinha 18 anos, com a primeira, que se chama “Baleia Baleia”. A partir daí, o meu pai fazia sempre as letras e dei continuidade a fazer músicas para as letras dele. Ele tem centenas de letras maravilhosas. Tinha a ideia de fazer a criação de um boneco de brincadeira e tentei. A primeira vez tentei fazer duas vozes, tentar fazer a parte cómica

e pensar no que vou dizer e fazer, não me estava a dar muito certo. Mas depois experimentei a fazê-lo ao vivo. A criação do Zé da Adega está ligada às adegas que vocês imaginam que existem no Pico, porque toda a gente tem uma casa e depois tem a segunda casa, que se chama as adegas, que têm vinho e aguardente. Veio a criação do nome devido às adegas, claro. Ser o Zé da Adega… O artista está quase sempre com os copos, é natural dele, portanto torna-se ainda mais engraçado, porque apresenta-se em palco a maior parte das vezes já com os copos e, conhecendo o Zé da Adega, torna-se a parte da brincadeira. Aí, houve uma grande receção por parte das pessoas, porque principalmente os açorianos gostam muito de uma brincadeira e de rir. Havia mais aceitação da parte do Zé da Adega, do ventríloquo, do que a parte musical, que muita gente faz. Havia uma coisa diferente, única. O Zé da Adega começa a fazer espetáculos locais, na Califórnia começa a ter nome, vou para o Canadá,

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ENTREVISTA

desde a costa oeste a leste já participei, costa leste dos Estados Unidos, o Zé da Adega também já esteve em São Miguel a fazer atuações e, portanto, faz-se um enredo à volta de um boneco, que felizmente não envelhece nem muda a feição, tal como eu. Criou-se esta estrutura, muito diferente daquilo que eu estava habituado, por isso posso dizer que hoje em dia, devido ao Zé da Adega, ele já passou à minha frente nos convites para fazer espetáculos. Ele diz que já está farto de me aturar, eu já o disse para ele ir sozinho (aos espetáculos), mas mesmo assim penso que ele não consegue. Faço espetáculos e depois termino o espetáculo com o nosso amigo Zé da Adega, que faz rir as pessoas e até canta, faz as suas brincadeiras… Eu já estou a car farto dele e ele a car farto de mim, digamos assim. E: Olá Zé da Adega, tu estás bom? Zé da Adega: Eu, estou bom? Estou melhor que bom!

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ENTREVISTA

E: Como é que tens estado fechado em casa? Como é que isso tem sido? Zé da Adega: Olha, imagina lá tu! Fechado em casa com este (Zé Duarte)! Tem sido uma desgraça! É para ver qual é que domina o bar melhor, ou mais depressa, ver quem é que bebe mais aguardente. Zé Duarte: Eu não bebo muita… Zé da Adega: Não, não bebes… Zé Duarte: Ele é que toma conta da garrafa de aguardente e eu às vezes tomo conta da garrafa de vinho Verdelho, do Pico. Zé da Adega: Pois, quando eu estou distraído! Zé Duarte: Tu é que andas meio distraído. Zé da Adega: Eu é que pago as favas? Zé Duarte: Alguém tem de pagar. Mas o Zé da Adega tem-se portado bem… Zé da Adega: Tenho, já estou farto de estar em casa. Zé Duarte: Porque é que estás farto? Zé da Adega: Olha, nunca tal pensei ter mais álcool nas mãos do que no fígado. Mas tenho-me portado bem, já estou farto de estar com a minha Maria aqui em casa! Eu até te digo mais, se isto dura mais um mês, só um é que escapa aqui em casa. E: Qual é que será dos dois? Zé da Adega: Eu não sei, eu já tentei fugir para ser

preso, mas eles não me querem apanhar. Zé Duarte: Mas este vírus, isto é um vírus natural! Zé da Adega: Não, não. Eu penso que este vírus foi inventado por uma mulher. Zé Duarte: Por uma mulher? Zé da Adega: Sim, por uma mulher. Zé Duarte: E porque é que dizes isso? Zé da Adega: Olha, conseguem manter os maridos em casa, parou o futebol e fecharam os bares. Eu estou sempre no vinho.

E: Zé da Adega, tu até podes apanhar o vírus, não és diferente de ninguém. Zé da Adega: Não, não consegue entrar comigo. Eu estou desinfetado por dentro e por fora. Eu desinfeto-me todos os dias por dentro e por fora, eu se vou ao mercado, estou bem protegido, tenho uma máscara, queres ver? Esta é a minha máscara. Estou seguro, porque estou protegido do vírus, e tem álcool, vê lá. Queriam era uma destas para vocês! Zé Duarte: Estás bem, muito bem protegido. Agora estou a ver porque é que não entra com ele. Zé da Adega: Comigo não vai, não entra! Não

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ENTREVISTA

entra, estou desinfetado por dentro e por fora. Zé Duarte: É isto que eu tenho que aturar todos os dias! E: Zé Duarte, porque é que tu não o mandas embora? Zé Duarte: Eu já tentei… Mas ele não vai. Zé da Adega: Eu já pensei nisso. Zé Duarte: Ele já pensou, mas ele não vai, não sei porquê. Já o mandei fazer espetáculos sozinho… Zé da Adega: Vou pensar nisso também. Eu penso que aqui o Zé Duarte é o contrário dos políticos.

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Tu não mexes com a boca e falas muito, os políticos mexem com a boca e não dizem nada! Zé Duarte: Estás a ver? É assim que eu tenho que aturá-lo! Zé da Adega: E eu! Zé Duarte: É mútuo.


Francisco César

Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista dos Açores (GPPS/A) e Deputado do PS/ Açores na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA)

CLÁUDIA CARVALHO

Sabemos que é deputado desde 2008 e em março de 2019 foi eleito Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista dos Açores. Desde muito novo, o sentido de participação ativa na sociedade esteve sempre incutido no seu modo de estar e agir. Foi isso que o motivou a ser porta voz e representante do povo açoriano? Vim para os Açores com três anos de idade, no início da década de oitenta, quando o meu pai foi eleito deputado regional e a minha mãe pediu transferência da Biblioteca Nacional para a então, Biblioteca Pública de Ponta Delgada. Cresci no meio da participação política, dos atores políticos, sociais e culturais - regionais e nacionais – vivenciei as “lutas” das campanhas eleitorais, os debates ideológicos acesos e as longuíssimas reuniões políticas, como quem acompanha e torce pelo seu clube de futebol favorito, mas, curiosamente, nunca pensei em ser deputado nos Açores, foi um acaso. Tenho muito boas

memórias desse tempo! Em 2008, em Lisboa, tinha a vida organizada, do ponto de vista pessoal, um curso superior de Economia a três meses do m – entretanto já concluído – e um percurso político nacional, autónomo e reconhecido, de que me orgulhava muito. Num determinado dia, recebi um telefonema do Berto Messias (atual Secretário Regional Adjunto da Presidência para os Assuntos Parlamentares) a convidar-me para a lista de Deputados de São Miguel. Foi como se tudo o que tivesse considerado para o meu futuro tivesse sido, em 10 minutos de conversa, abalado nas suas fundações. Não conheço um Açoriano que, no seu âmago, não gostasse de voltar à sua terra para concretizar os seus sonhos. Podemos sair dos Açores, mas os Açores não saem de nós. Apesar de alguma oposição familiar existente quando estamos na casa dos vinte anos, tudo aparenta ser fácil! - achei que poderia ajudar a minha terra, à minha maneira, por isso aceitei.

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ENTREVISTA

Enquanto Presidente do GPPS/A, embora pese o facto de ser deputado, ser o representante de um grupo parlamentar deve ter associado, inerentemente, um peso acrescido. Como é que gere esse sentido de responsabilidade? R: Ser deputado é uma função temporária de duração limitada (4 anos) que exige de nós muito trabalho e dedicação, embora parte deste trabalho não seja sempre visível. Gosto das dimensões do que faço, - embora já exerça funções há algum tempo gosto da função de ouvidor da população, das visitas ao terreno, da dialética parlamentar e de materializar uma ou várias ideias. A responsabilidade de gerir todas estas dimensões, por temperamento pessoal, dão-me entusiasmo na realização do meu trabalho. Ser presidente do Grupo Parlamentar – portanto, depositário da con ança de todos os meus colegas socialistas - apenas acrescenta ainda mais responsabilidade e mais satisfação no que faço. É um compromisso que procurarei cumprir com toda a dedicação e entusiamo até ao nal do meu mandato, em outubro deste ano. Porquê representar o Partido Socialista e não outro partido político? Sou um reformista convicto, laico, liberal nos costumes, adepto de uma economia de mercado aberta ao exterior, globalizada, ambientalmente responsável, bem regulada e com um papel do Estado forte, solidário e corretor de desigualdades. Acredito no Estado-providência - semelhante ao modelo nórdico - numa saúde e educação universais e tendencialmente gratuitas, defendo no direito à habitação, à cultura e à solidariedade. Acredito no sistema “Político”, que nos trouxe o maior ciclo de desenvolvimento económico e social da história da humanidade, na democracia representativa, assente em partidos políticos abertos e reformados e na necessidade de uma comunicação social privada e pública vigorosas. Não conheço outro espaço político, que não seja o do Partido Socialista, onde me sinta melhor enquadrado com as minhas convicções. Desde 2008 e até então, qual considera ter sido a intervenção que destacasse ou a proposta que tenha levado a cabo e que o tenha feito sentir-se orgulhoso enquanto pessoa e deputado? Não é uma pergunta fácil, pois já levo quase 12 anos de função de Deputado tendo exercido diversos 12 NOMAIO20

“NÃO CONHEÇO OUTRO ESPAÇO POLÍTICO, QUE NÃO SEJA O DO PARTIDO SOCIALISTA, ONDE ME SINTA MELHOR ENQUADRADO COM AS MINHAS CONVICÇÕES.”


ENTREVISTA

papéis em várias áreas de intervenção. Fui relator e presidente da Comissão Permanente de Economia, durante 8 anos, sendo coautor de mais de 400 relatórios e pareceres a leis, fui vice-presidente do Grupo Parlamentar, durante 10 anos, fui coordenador do PS em diversas Comissões de Inquérito, realizei centenas de intervenções em plenário, fui proponente de dezenas de resoluções, decretos-legislativos regionais em áreas tão diversas como sejam: ambiente, sistema de incentivos, scalidade ou área social… Mas talvez, o momento em que tenha tido mais orgulho do trabalho realizado ocorreu quando, a propósito de um pedido de scalização preventiva da constitucionalidade feito pelo Representante da República à norma que instituía a Remuneração Complementar - no auge da austeridade do governo de Passos Coelho -, tenha cado responsável, a par da Deputada Isabel Almeida Rodrigues e de dois nossos adjuntos, de construir o parecer do Parlamento que foi enviado aos senhores juízes. Passado um mês, o Tribunal Constitucional, pela primeira vez na história da autonomia regional, produzia um acórdão favorável às nossas pretensões autonómicas, neste caso, no que dizia respeito à instituição da Remuneração Complementar. Foi um bom momento.

Os trabalhos parlamentares, por força de natureza maior, tiveram de ser reajustados ao panorama atual que se vive no Mundo e na Região. Dessa feita, o próximo plenário será feito por videoconferência e, até agora, também as comissões o têm sido. Como é que foi, para si e para o partido, adaptar a esta realidade? Como tenho sempre dito, a nosso Parlamento não para, adapta-se! O Parlamento Açoriano sempre foi um exemplo de pioneirismo em termos de utilização de novas tecnologias, nomeadamente, através do uso do sistema de videoconferência nas suas delegações para a realização de audições e de Comissões Parlamentares. Se é certo que estamos, comparativamente, muito mais avançados do que outras instituições e parlamentos, com muito mais reuniões e trabalhos parlamentares, também é certo que esta solução deve ser encarada como uma solução de recurso e provisória. Não é possível, inde nidamente, o parlamento, tal como toda a sociedade, concretizarem a sua atividade NOMAIO20 13


ENTREVISTA

por meios telemáticos. Somos todos seres sociais, precisamos de interação e proximidade.

Na Comissão Permanente da ALRAA, no dia 18 de março, a rmava que “Nós deparamonos com a maior ameaça de saúde pública que esta geração de Açorianos alguma vez viveu”. Como é que vê as linhas de orientação e ação do executivo açoriano? Considera que a ação do Governo Regional tem sido su ciente para mitigar os efeitos do COVID-19? Este é, sem dúvida, o maior desa o que já conhecemos, no tratamento, nas suas consequências e na sua evolução. Para quem gosta, como eu, de história, talvez se lembre da metáfora do “Titanic”, não no sentido que vulgarmente conhecemos

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da tragédia em lme, mas sim, da arrogância da sociedade de então - no auge da revolução industrial e do uso do carvão- tão soberba e convencida da invencibilidade da sua tecnologia, apelidava, orgulhosamente, o trágico navio, de “inafundável”, que nem “Deus o afundava”. Foi um balde de água fria, uma lição, à sociedade, tal como agora, que nos fará crescer e evoluir para um patamar melhor e mais humilde. O Governo dos Açores cumpriu a sua obrigação de proteger os seus cidadãos, indo, por vezes, mais longe nas medidas do que a República, outras vezes, adaptando medidas nacionais à nossa realidade. O Governo dos Açores cumpriu a sua obrigação, como se veri ca pelos resultados positivos da infeção – embora lamentando

as vítimas mortais ocorridas – ao mesmo tempo que criou um conjunto de medidas de apoio para sustentar a atividade económica e o emprego. Olhando de uma forma comparativa a outras realidades semelhantes, os Açores têm estado à altura dos desa os com que se têm confrontado.

Sabendo que é alguém formado e informado na área da Economia, quais são as suas previsões para o regresso à normalidade nos Açores? Será que, ainda no ano de 2020, será possível restabelecer, paulatinamente, a normalidade depois desta pandemia? A resposta é simples: não sabemos! Há muitas variáveis desconhecidas nesta equação de retoma. Não sabemos ainda


ENTREVISTA

qual o comportamento do vírus e dos próprios cidadãos após o alívio de algumas medidas de con namento económico e social. Não sabemos qual a velocidade das descobertas cientí cas na procura de uma cura e/ou na produção de uma vacina acessível a todos. Nem sabemos, qual o real impacto económico desta pandemia, nem os seus efeitos nos comportamentos dos consumidores. Sabemos sim, que quanto mais longa for a paragem, maior é a probabilidade de uma crise conjuntural passar a estrutural. As boas notícias são de que o bloco económico em que estamos inseridos e os poderes públicos, em todas as suas dimensões, europeia, nacional e regional, estão, nas suas palavras, dispostos a tudo para podermos ultrapassar esta enorme crise. Com base no que sabemos, tudo o resto se mantendo constante, o nal de 2021 será, provavelmente o tempo da retoma. Também na área do Turismo, que tanto importa para os Açores, como é que acha que será possível reerguer o destino Açores após a pandemia? R: Tenho sobre esta matéria uma opinião muito própria. Os Açores não têm um problema de “produto turístico” ao contrário de outros destinos. Aliás, o tipo de turismo que “vendemos”, relacionado com a vivência e fruição da nossa natureza e das nossas gentes dão-nos, à partida, vantagens comparativas. Temos sim, para já, um problema em todos os mercados emissores e na utilização do único meio de transporte viável

para cá chegar, o avião. Há, portanto, fatores que não dependem de nós, mas sim da conjuntura internacional. De momento, devemo-nos adaptar, ajudar o setor, e o emprego que dele depende, enquanto passamos pela tormenta, trabalhar os mercados mais próximos para garantir o máximo de uxos turísticos disponíveis e, aproveitar o momento, para ajudar a proceder-se a uma restruturação e modernização do setor. É preciso ter consciência de que este momento será extremamente condicionado pela diminuição de recursos públicos disponíveis, fruto da diminuição, mais do que previsível, da receita scal, daí que o papel de uma União Europeia solidária será primordial para podermos alavancar as políticas públicas de apoio ao setor.

Em que medida entende que a pandemia do COVID-19 possa ter alguma in uência nas Legislativas Regionais de outubro? Estou certo de que os Açorianos e as Açorianas tomarão, entre muitas outras coisas, em avaliação o trabalho do Governo dos Açores neste âmbito. Mas não terão apenas em conta este trabalho. Será a avaliação de um trabalho de 8 anos que está alicerçado numa história de desenvolvimento sustentado da Região. Um desenvolvimento que só será possível manter com uma equipa conhecedora da realidade em que vivemos, ambiciosa, com visão de futuro e com resultados à vista de todos.

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A VÓS, ILHAS, MEUS AMORES No passado mês de abril, a pandemia continuava a impor o isolamento e o distanciamento social. Para mim, foi mais do que isso, pois impôs-me também o distanciamento literário. Empresas, lojas, bares e restaurantes fecharam, mas a cultura também fechou. Claramente subestimei o acesso fácil aos livros e às bibliotecas. Restava-me apenas a minha própria biblioteca pessoal, que embora me orgulhe do seu pequeno grande tamanho, infelizmente não contêm assim tanta literatura regional e isso é inteiramente mea culpa. Todavia, aventurei-me na minha estante, convicta em encontrar algo digno o su ciente que pudesse expor na minha crítica literária. Por detrás de Frankenstein, de Mary Shelley, encontrei um pequeno livro que havia adquirido como oferta, digamos, do Doutor Vamberto Freitas, meu antigo professor de inglês durante a minha licenciatura na Universidade dos Açores.

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ANA MASSA

A Neo, como assim se chama, foi uma iniciativa pensada e coordenada por outro antigo professor meu na UAç, John Starkey, luso-americano casado e residente no arquipélago há uns longos anos, possuindo raízes em Nova Iorque. Esta iniciativa contou, portanto, com vários colegas seus, cá e na América, alunos, escritores açorianos, tornando-se em algo transnacional. Acolhe de tudo um pouco, desde poesia, contos, crónicas, fotogra a, recensões, etc. A sua primeira edição surgiu em 2001, contando com a participação de Urbano Bettencourt, Álamo Oliveira, Cristóvão de Aguiar, entre muitos outros. Na minha estante encontrava-se a edição de 2009 e ao folheá-la encontrei a temática digna que tanto procurava. Achei pertinente apresentar uma pequena “ode” às nossas ilhas, apresentada por Victor Rui Ramalho Bettencourt Dores, de forma a exaltar o que de melhor há nas “ilhas de Bruma” e


CRÍTICA LITERÁRIA

esquecer, nem que por um pouco, o que de pior se está a passar atualmente nelas. Victor Rui Ramalho Bettencourt Dores (1958), natural da ilha Graciosa, é professor, escritor, encenador e crítico literário açoriano. Licenciado em Germânicas pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, é atualmente professor na Escola Secundária Manuel de Arriaga, na cidade da Horta, no Faial. Desde 1998, é representante da Região Autónoma dos Açores no Conselho Nacional de Educação. Em Visões das Ilhas, Victor Dores delicia-nos com pequenas, mas calorosas, declarações de amor a cada uma das nove ilhas. Em primeiro lugar, Santa Maria “é a es nge misteriosa”, o ponto mais oriental das ilhas, rodeado por pedra calcária, baías profundas, “enseadas amenas”, cuja expressão máxima do amor se encontra no Farol da Ponta do Castelo ou na praia de São Lourenço. São Miguel é a “ilha verde” dos parques feéricos e jardins de sonho, “ananás de ternura”, o “chá da tradição” e o vício do tabaco. Ser de São Miguel é car na doca e na avenida a ver os navios zarpar. É a ilha dos milagres do Senhor Santo Cristo, da tradição de “um povo que trabalha e tem fome de sonho e sede de in nito”. A Terceira, “a ilha dos monumentos e dos cronistas”, é a mais histórica de todas. Embora

seja a ilha das touradas, dos arraiais, das “alcatras suculentas”, do “alfenim conventual”, das Danças de Entrudo, das quintas de S. Carlos e das matas da Serreta, o Monte Brasil não tem comparação. A Graciosa é a mais feminina de todas elas, com a sua “vulva vulcânica – a inquietante beleza da tua Furna do Enxofre”. O céu é límpido, o mar de cristal, o que torna as tardes de banho no Carapacho e na Praia ainda melhores. “Povo pacato, afável e laborioso” que produz tudo quanto é saboroso, desde as queijadas, à “aguardente envelhecida em cascos de carvalho” e o cheiro da meloa tão doce.

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CRÍTICA LITERÁRIA

São Jorge enche o olhar de qualquer viajante com as suas “falésias alcantiladas”. Ilha comprida, montanhosa, é como “um navio que deu à costa nos baixos da Urzelina”. As Fajãs são portais para regiões utópicas. O “queijo secular” é a riqueza da ilha e as mantas são “poemas bordados à mão”. A ilha do Pico e a sua montanha assemelham-se ao “seio de deusa deitada de costas no meio do Atlântico”, onde “bate o coração do arquipélago”. Ilha dos baleeiros, dos corajosos, do vinho verdelho “que chegou à mesa dos Czares”, dos baldios, dos alambiques. O Faial é a ilha marinheira, “apetecível como a quilha de um barco”. É a atração de muitos turistas que nunca irão entender “as cinzas aquietadas do teu Vulcão, nem a catedral do silêncio da tua Caldeira”. Na cidade da Horta, cabem todos os veleiros possíveis. É uma paragem obrigatória e um repouso das aventuras marítimas daqueles que são “oceanicamente livres”. O Corvo, embora seja a ilha mais pequena, certamente “cabem todas as ilhas deste mundo” no seu Caldeirão. É a ilha da “tirana saudade”, da solidão, da esperança de um barco à vista e de uma partida. Por m, mas não menos importante, as Flores, o Jardim do Atlântico ou a “Suíça Açoriana”, revestida de hortênsias em toda a sua terra. Desde a Rocha de

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Bordões às montanhas, socalcos, ribeiras e lagoas, tudo apresenta uma paisagem idílica. No ilhéu de Monchique reside o ponto mais ocidental não só do arquipélago, mas da Europa. E assim terminam estas cartas de amor, nas quais se expressam todos os motivos que fazem o autor se apaixonar tão abertamente. Claro que a sua condição de ilhéu tomará grande parte desta paixão, inerente a quem tenha nascido nas ilhas. No entanto, tal não invalida que esse amor cego não seja sentido por quem vem de fora, por quem entra e sai e nunca ca, mas que leva um pouco da ilha em si.


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REPORTAGEM

MAIS GRISALHOS, MAIS CUIDADOS?

SARA BORGES

É do conhecimento geral que a população em Portugal está envelhecida, no entanto este cenário não é exclusivamente português. Este cenário encontra-se em outras sociedades, principalmente, europeias. Segundo Rosa (2012), foi a partir da segunda metade do século XX, que estas sociedades começaram a defrontar-se com o “duplo envelhecimento”, isto signi ca que as pirâmides etárias registaram um envelhecimento na “base” e no “topo” desta pirâmide. Contudo, apesar do fenómeno do envelhecimento demográ co ter adquirido uma dimensão mundial, este apresenta-se com intensidades diversas consoantes os países, e no mesmo país pode possuir intensidades diferentes tendo em conta as regiões (Rosa 2012; Marques et al., 2016). Sendo assim, no grupo dos mais envelhecidos, encontram-se as regiões mais desenvolvidas da Europa, na qual “Portugal não é, neste grupo, uma exceção” (Rosas, 2012, p. 26). Com efeito, as melhorias no bem-estar das populações, que vão evoluindo em registos temporais diversos, por vezes só compreensíveis a longo prazo, realçam a interdependência entre dinâmica demográ ca e políticas públicas, particularmente as implementadas no setor da saúde (Moreira e Henriques, 2014). Apesar de não haver um consenso em relação aos impactos económicos causados por estas dinâmicas, eles são inevitáveis, vive-se mais e os avanços cientí cos e tecnológicos permitem que sejam vividos com mais saúde, no entanto o que para uns autores é considerado um “problema” (Silva, 2013), para outros é visto como um “desa o” (Capucha, 2014; Marques et al., 2016), referindo-se estes últimos à diminuição do ratio entre população jovem e idosa, uma vez que o aumento do número de idosos pode gerar um aumento nos custos com cuidados de saúde, bem como os inerentes às despesas com pensões “num contexto

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REPORTAGEM

regressivo da força ativa necessária para assegurar os respetivos pagamentos” (Rodrigues e Leão, 2014, p. 19). O problema do envelhecimento, ou até mesmo da velhice, está associada às incapacidades físicas que surgem em idades mais avançadas. De acordo com Fernandes (2001), o novo risco da velhice, a “dependência”, transformou-se no maior desa o nos últimos tempos. Neste cenário de “dependência” são vários os agentes envolvidos (famílias, Estado, organizações privadas)vque procuram “avaliar custos e encargos e dividir responsabilidades” (Fernandes, 2001, p.46). A palavra “envelhecimento” é cada vez mais

recorrente no nosso dia a dia, seja em conversas no quotidiano ou em intervenções políticas. Contudo, é necessário distinguir os diferentes tipos de envelhecimento existentes e que são essenciais ter em conta quando procedemos ao ajustamento entre a população existente e as suas necessidades, sendo assim, especialmente quando nos referimos às políticas públicas que abrangem esta faixa etária. Desta forma, temos três tipos de envelhecimento: o “triplo envelhecimento” que possui as mesmas caraterísticas do “duplo envelhecimento”, quer isto dizer que se regista uma importância estatística dos idosos (envelhecimento no «topo» da pirâmide etária) ou à diminuição da importância estatística

Tabela 1 - Esperança de vida à nascença: total e por sexo (PORDATA)

dos jovens (envelhecimento na «base» da pirâmide etária), e se acrescenta o aumento da idade média da população (Rodrigues, 2018); seguidamente, temos o “envelhecimento do envelhecimento”, que se refere à camada mais idosa dentro dessa faixa etária (o grupo com mais de 80 anos), e por último temos “envelhecimento solitário”, este incide na diminuição dos núcleos familiares que se traduz num aumento de idosos que vivem só (Rodrigues, 2018). Deste modo, a demogra a tem um papel fulcral na explicação das mudanças sociais,

contribuindo para uma melhor compreensão e, consequentemente, para um melhor planeamento das políticas públicas, sejam de cariz social, de saúde, das pensões, da educação e as económicas (Marques et al., 2016). Segundo Moreira e Henriques (2014), o início do século XXI, em Portugal, foi marcado por longos e estáveis ciclos de vida, acompanhados por saldos naturais nulos ou negativos desde 2009, que demarcaram a dinâmica da população portuguesa, seja a nível nacional como regional. Sendo assim, os ciclos de vida dos indivíduos da população

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portuguesa nunca foram tão extensos como é atualmente e as projeções realizadas em alguns estudos apontam para um aumento progressivo (Marques et al., 2016; Rosa e Chitas, 2010). Esta a rmação pode ser validada se observarmos as estatísticas relativas à esperança média de vida. Segundo os dados do PORDATA (tabela 1), em 1960, a esperança de vida à nascença rondava os 64 anos, para os homens 61 anos e para as mulheres 66 anos. E vai crescendo de forma progressiva em 2001, 2011, e em 2017 registamos uma média de 81 anos, 78 anos para os homens e 83 anos para as mulheres. De acordo com Marques et al., prevêse que para 2040, a esperança de vida à nascença aumente para “os 85 anos, 81,8 anos nos homens e 87,3 nas mulheres” (2016, p. 215). Este progressivo aumento deve-se às melhorias das condições de vida, a um maior acesso aos cuidados de saúde, que resultou num decréscimo da taxa de mortalidade e isto permitiu aos indivíduos “usufruir de um maior bem-estar e serem cidadãos ativos por mais tempo” (Marques et al., 2016, p. 213). Sendo assim, se por um lado a diminuição da mortalidade, especialmente na descida da mortalidade infantil, começou por ser um fator de

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rejuvenescimento da estrutura etária, em seguida contribui para o envelhecimento da população ao deslocar os níveis de mortalidade para idades mais tardias (Moreira e Henriques, 2014, p. 91). O aumento da taxa de envelhecimento preocupa a sociedade, sobretudo a nível político e económico, parte desta preocupação recai sobre os níveis de dependência e os riscos que surgem do desequilíbrio demográ co. Contudo, há autores que defendem que este desequilíbrio não é um problema, mas um desa o para as políticas públicas. Segundo Eduardo Castro et al., (citado por Marques et al.,), o discurso sobre o envelhecimento da população “é alarmista, super cial e sem rigor, e pode-se acrescentar preconceituoso” (2016, p. 216). Desta forma, com a inversão da pirâmide os idosos ganham um lugar de destaque no sentido em que as famílias e as políticas públicas têm de dirigir e planear os seus recursos a esta faixa etária. No que diz respeito à saúde em Portugal, esta sofreu grandes alterações ao longo da história, tendo em conta o contexto político e social vivido, no caso português a prestação de cuidados de saúde e de assistência teve na sua origem a


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iniciativa religiosa e corporativista (Rodrigues e Leão, 2014). Desta forma, até ao período contemporâneo a prestação desses cuidados esteve ao encargo das Misericórdias, parte deste protagonismo por esta instituição deveu-se ao facto de se encontrarem distribuídos pelo território, possibilitando, desse modo, uma maior proximidade à população (Rodrigues e Leão, 2014). Sendo assim, segundo Rodrigues e Leão (2014), as questões da saúde só passaram para o interesse do poder local apenas na sociedade contemporânea, especi camente no século XIX, só neste momento é que foi merecedora de enquadramento legislativo e intervenção permanente. A par disto, as tomadas de decisão sobre as matérias de saúde só ocorriam esporadicamente, em situações de emergência nacional. Durante o século XX, Portugal registou transformações de carácter político, social, cultural, económico, entre os quais se destacam as alterações na prestação de cuidados de saúde. No contexto português e quanto à importância das políticas de saúde, estas só se tornam possíveis após o 25 de abril de 1974. Deste modo, houve uma grande alteração na forma como eram abordadas as questões de saúde. Passamos de uma

lógica de prestação de cuidados pouco abrangente para uma lógica universal, fundamentada na prevenção e atenta às necessidades da sociedade (Rodrigues, 2018). Com efeito, o surgimento dos Ministérios de Saúde ao longo da segunda metade do século XX demonstram a consciencialização sobre a importância das questões de saúde, no caso de Portugal o Ministério da Saúde só foi criado em 1958 (Rodrigues, 2018). Segundo Rodrigues e Leão, “torna-se incorreto falar de políticas de saúde para períodos anteriores à segunda metade do século XX” (2014, p. 34), a rmando que as políticas de saúde são relativamente recentes e que enquanto “tomadas de decisão concertada” não ultrapassam os sessenta a oitenta anos. Como já foi referido anteriormente, nas últimas décadas observou-se um aumento considerável em relação à esperança média de vida, associado a uma redução das taxas de mortalidade e de fecundidade (Estevens & Martins, 2014). Simultaneamente a este aumento da longevidade da população portuguesa, assistimos a uma inovação ao nível de equipamentos e infraestruturas de apoio social, em especí co nas áreas da saúde e educação, como também um crescimento do rendimento médio per capita que resultou numa melhoria das condições

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de vida e estes aspetos, por sua vez, traduzem-se num grande aumento da despesa pública, o que, segundo Estevens & Martins (2014), signi ca que a saúde é uma das áreas mais afetadas. Sendo assim, ao mesmo tempo que se observou a evolução demográ ca, desenvolvia-se o Estado Social Português (Estevens & Martins, 2014). Ou seja, a criação e evolução deste Estado Social “está assente nos três grandes pilares do contrato social europeu: valorização individual (educação), proteção na vida ativa (saúde) e proteção na vida inativa (segurança social), os quais in uenciam o per l da despesa pública” (Rodrigues, 2018: 58). Portanto, assistimos a uma mudança das estruturas demográ cas (fruto do envelhecimento) que reproduz novos desa os para a sociedade. Dentro destes desa os temos o sistema de saúde que, devido ao envelhecimento dos utentes e dos pro ssionais, demonstra ser um dos setores mais afetados (Estevens & Martins, 2014). Rodrigues (2018) salienta o facto de em Portugal se remeter a questão dos idosos para segundo plano e aponta para que as medidas tomadas permaneçam focadas no “binómio idososustentabilidade” (2018, p. 79). Revela, ainda,

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que só após o “Plano Nacional de Saúde para os Idosos”, em 2004, é que as políticas de saúde direcionadas para este grupo ganharam direitos de debate público e legislativo (Rodrigues, 2018, p. 80). No entanto, surgem outros autores (Silva, 2013) que referem que as últimas décadas demonstram uma evolução nas mudanças nas políticas de saúde e que esta evolução se deve ao trabalho de instituições internacionais, tais como, OCDE, Banco Mundial, Organização Mundial de Saúde e União Europeia, que marcam decisivamente um olhar amplo sobre os sistemas de saúde que in uenciam a formulação e implementação de políticas (Silva, 2013). Desta forma, os relatórios publicados por estas instituições estabeleceram três grandes nalidades para esta área das políticas públicas centrados simultaneamente “na sua sustentabilidade e na e ciência, no acesso e equidade dos modelos de prestação de cuidados de saúde e na qualidade dos serviços prestados” (Silva, 2013, p. 124). No que diz respeito ao conceito de velhice, esta é “uma criação da história” (Cardoso et al., 2012, p. 607) e nesta história engloba, por um lado, o processo de industrialização das


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sociedades europeias e a emergência de uma classe trabalhadora envelhecida e, por outro, a articulação entre as políticas económicas e sociais no campo de ação do Estado-providência (Cardoso et al., 2012). Por estes motivos, veri case na sociedade contemporânea a consolidação da “transferência de responsabilidade face às gerações mais velhas da família para a sociedade” (Cardoso et al., 2012, p. 607). Assim sendo, entende-se por políticas sociais de velhice um conjunto de “intervenções públicas que estruturam as relações entre velhice e sociedade, encerram em torno da sua evolução todo o trabalho permanente de construção e de reconstrução da realidade social da velhice” (Cardoso et al., 2012, p. 612). Segundo Capucha (2014), o fenómeno do envelhecimento tende a ser tratado em grande parte da literatura sobre o estado social, como um “problema” para a manutenção das políticas sociais. Porém, de acordo com a perspetiva deste autor, são as próprias sociedades modernas que têm vindo a criar o envelhecimento e o “risco da velhice” (2014, p.115). Sendo assim, Capucha defende que os trabalhos se focam no que está por ser resolvido e ignoram o que foi conquistado, “em particular a questão da sustentabilidade nanceira das políticas sociais” (2014, p. 120), recorrendo a esta via como forma de fazer o estado social recuar sob o pretexto de constrangimentos nanceiros incontornáveis. No que diz respeito às utilizações dos serviços de saúde e às despesas associadas, podemos veri car que estas não estão indiferentes ao fenómeno do envelhecimento, segundo Estevens e Martins (2014), a despesa na saúde tende a aumentar de acordo com a idade dos indivíduos. Em Portugal, como na generalidade dos países da OCDE, o Estado é considerado como o principal nanciador das despesas de saúde, no entanto, nas últimas décadas temos registado uma maior interferência do setor privado (Henrique et al., 2014). De acordo com Henrique et al., (2014), se associarmos o investimento privado às infraestruturas, atualmente, concluídas, esta situação poderia dar ao Estado português uma oportunidade de reajustar os seus recursos, permitindo a sua intervenção em outras áreas que carecem de investimento, adequando à nova realidade demográ ca. No entanto, surgem autores que veem esse investimento privado por uma outra perspetiva.

Capucha (2014) realça o facto das soluções que se têm observado tenderem pela adoção de um “welfare mix” que conta com maior presença do sistema privado. Contudo, esta solução não é isente de riscos, especialmente em termos da cobertura das populações de menores recursos e de recuo na qualidade das políticas” (Capucha, 2014, p. 120). De um modo geral, as políticas sociais tendem a ser consideradas como custos que recaem sobre a economia, em contrapartida a intervenção reguladora do estado é vista como uma vantagem para o bom desempenho do mercado (Capucha, 2014). Ora, a realidade tem mostrado que estas opções produzem NOMAIO20 25


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mais desigualdades, mais recessão, mais austeridade e exaustão da capacidade de sofrimento dos setores mais frágeis da sociedade” (Capucha, 2014, p. 125). Realça que “é no mercado que se geram as desigualdades sociais e a discriminação” (Capucha, 2014, p. 125) e que na categoria dos idosos a discriminação é dupla. Primeiro, tal se deve ao facto de que, quando ativos, essas pessoas eram mal remuneradas e, consequentemente, quando passaram para o regime de pensionista usufruem de baixas pensões. Seguidamente, Capucha refere que “se oferece serviços de apoio e cuidados pessoais a preços inacessíveis e totalmente desajustados em relação à qualidade que possuem” (2014, p. 125). Desta forma, o autor defende que a privatização gera mais problemas do que os que resolve e coloca em causa a solidariedade e a coesão social, o que representa não só custos sociais, como também económicos, muito elevados. Para além do Estado, não podemos esquecer que a família desempenha um papel fulcral no apoio aos mais idosos, a “família é o lugar primordial das trocas intergeracionais” (Fernandes, 2001, p. 47). Sendo assim, a solidariedade familiar é uma fonte

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de entreajuda, mas que tem a sua ação limitada pelas suas próprias contingências e recursos (Capucha, 2014). Observam-se famílias que tendem a deslocalizar-se em relação às residências dos mais idosos, em que prevalecem duplas carreiras pro ssionais (Capucha, 2014), realçando-se as mudanças no trabalho feminino. As mulheres eram, e ainda continuam a ser, as responsáveis pelos cuidados prestados, contudo com a sua entrada no mercado de trabalho di culta esta entreajuda (Fernandes, 2001). Em contrapartida, as instituições de solidariedade social, apesar de desempenharem um papel importante, “[confrontam-se] com di culdades em responder à intensi cação e diversidade dos problemas que decorrem da dependência na velhice” (Fernandes, 2001, p. 50). Desta forma, o Estado, de acordo com Capucha, “é a entidade melhor quali cada e colocada, e de facto a maior responsável por assegurar a qualidade de vida aos idosos” (2014, p. 125). Uma das possíveis vias para assegurar a qualidade de vida dos idosos, e que é consensual entre alguns autores (Capucha, 2014; Estevens e Martins, 2014; Rodrigues, 2018), é a possibilidade de viverem de


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forma ativa a velhice, o que constituiria como sendo um fator protetor contra riscos de doença, de empobrecimento, de exclusão e de segurança. Estevens e Martins (2014) defendem uma outra noção sobre fenómeno de envelhecimento demográ co, contrapondo-se à conceção de este ser um fenómeno negativo com impactos indesejáveis no sistema de segurança social, de saúde e no mercado de trabalho. Sendo assim, pretendem equacionar as oportunidades que advêm desse fenómeno. A população idosa (população com idade igual ou superior a 65 anos), pode ter um papel ativo e de relevância na sociedade, tendo em conta que será uma população que tende a ser cada vez mais escolarizada (Estevens & Martins, 2014). Desta forma, podem desempenhar papéis na transmissão de património cultural, na criação de novas pro ssões e produtos (tendo em conta as especi cidades deste grupo), como também num processo de dinamização em áreas de serviços comunitários e redes de apoio social (Capucha, 2014). Sendo assim, realçamos que a “solidariedade não é um “luxo” de tempos de abundância, é um requisito do equilíbrio social, da coesão e da produtividade, principalmente relevante em tempos de crise” (Capucha, 2014, p. 126-127). Em suma, podemos aferir que o modo como a sociedade trata os seus idosos demonstra um indicador de qualidade que pode oferecer a todos os cidadãos, e que as políticas sociais não podem ser substituídas por modos elementares de solidariedade mecânica, tendo por base a família, quando esta já não está em condições de oferecer cuidados de forma digna.

Referências bibliográ cas Capucha, Luís (2014) “Envelhecimento e políticas sociais em tempos de crise”, Sociologia, Problemas e Práticas, nº 74, 113-131. Cardoso, S., Santos, M. H., Batista, M. I., Clemente, S. (2012). “Estado e políticas sociais sobre a velhice em Portugal (1990-2008)”, Análise Social, nº 204, 606-630. Estevens, J., Martins, M. R. O. (2014). Despesa em saúde e envelhecimento: Portugal no contexto europeu. In T. Rodrigues, M. R. Martins (Org.) Envelhecimento e Saúde. Prioridades Políticas num Portugal em Mudança. Lisboa: CEPESE. Fernandes, A. (2001). “Velhice, solidariedade familiares e política social: itinerário de pesquisa em torno do aumento da esperança de vida”. Sociologia, Problemas e Práticas, nº 36, 39-52. Henrique, F., Machado, G., Leão, C. (2014). Considerações Finais: Portugal 2030. Prioridades Políticas em Saúde. In T. Rodrigues, M. R. Martins (Org.) Envelhecimento e Saúde. Prioridades Políticas num Portugal em Mudança. Lisboa: CEPESE. Marques, T. et al., (2016). “Nascer é envelhecer: uma perspetiva demográ ca evolutiva territorial na construção do futuro de Portugal”. Revista de Geogra a e Ordenamento do Território (GOT), n.º 10, 207-231. Moreira, M. J. G., Henriques, F. C. (2014). Mudanças demográ cas e estado de saúde em Portugal entre 1970 e 2013. In T. Rodrigues, M. R. Martins (Org.) Envelhecimento e Saúde. Prioridades Políticas num Portugal em Mudança. Lisboa: CEPESE. PORDATA (2018), Esperança de vida à nascença: total e por sexo. Rodrigues, T. (2018) Envelhecimento e políticas de saúde. Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos. Rodrigues, T., Leão, C. (2014). A saúde em Portugal: atores e temporalidades. In T. Rodrigues, M. R. Martins (Org.) Envelhecimento e Saúde. Prioridades Políticas num Portugal em Mudança. Lisboa: CEPESE. Rosa, M. J. V., (2012) O envelhecimento da sociedade portuguesa. Fundação Francisco Manuel dos Santos. Lisboa. Rosa, M. J., Chitas, P., (2010) Portugal: os números. Fundação Francisco Manuel dos Santo. Lisboa. Silva, M. V. (2013). “Políticas Públicas De Saúde. Tendências recentes”, Sociologia, Problemas e Práticas, nº 69, 121-128.

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CRÓNICA

JOÃO F. CASTRO

PROFESSOR MESTRADO EM GESTÃO PORTUÁRIA

COVID 19 e o Mar

joaocastro@sapo.pt

Em tempos de pandemia, face ao vírus COVID 19, destaca-se o convívio com a restrição de liberdades individuais, o condicionamento de direitos coletivos, mesmo percebendo os riscos futuros para a economia. Será certamente relembrada a forma como a sociedade se organizou para enfrentar o desconhecido. A solidariedade manifestada, que traduziu resultados, sem necessitar de ir além de limites razoáveis. Com o passar do tempo, os desa os sobem o nível de exigência. Num caminho, cheio de incertezas, que terão se ser ultrapassadas, caminhando. Já não há, como voltar para trás. A redução de rendimentos, a incerteza, as angústias face ao futuro recentram as preocupações. Tudo aponta para alterações signi cativas, à escala global, na forma como vivemos e trabalhamos. Os negócios estão em quebra de produção, reduzindo os seus investimentos, face a uma quebra da procura, com consequências nas cadeias de abastecimento e de valor. Este é um sinal, que se evidencia na área dos combustíveis fósseis, com as empresas do setor a anunciarem quebras nos resultados, decorrentes da contração, provocada pela COVID 19, e das medidas de con namento, que zeram cair o preço do petróleo, com quebras acentuadas na procura, e consequente produção, de energia por parte de empresas e consumidores. Abril de 2020, cará lembrado pela paragem de navios petroleiros,“por todo o mundo”, por não terem como descarregar

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face à drástica redução do consumo. A capacidade de armazenamento em terra, cou lotada, perante a redução da procura. Se os aviões não voam, se os veículos não transitam, não há consumo, logo não há quem compre petróleo, que não é escoado dos navios tanque, que tratam do seu transporte, cando parado sobre os oceanos, Estes também podem ser sinais positivo. Várias têm sido as notícias a dar nota de uma redução signi cativa dos níveis de poluição do ar na Europa, na China e ‘no mundo’, coincidentes com as medidas rigorosas, em curso, que têm colocado cidades e países inteiros em isolamento. Importa também perceber em que medida esta situação poderá ter re exos no meio marinho, que bem sabemos não tem conseguido reagir de forma sustentável às pressões a que tem estado sujeito. Importa encontrar novas medidas, para alcançar mares de qualidade, saudáveis e produtivos. A coragem parece ser a palavra chave, quando olhamos para o futuro. Importa reforçar a con ança, na sociedade e nas instituições, dotando o coletivo da capacidade de encontrar as respostas que se exigem. Aos sacrifícios que serão colocados, exige-se um compromisso, traduzido no exemplo, para os ultrapassar. No respeito pelos direitos dos outros porque, em boa verdade, são os nossos, também. Regras básicas…p’ra andar no Mar!


Pub


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Por Ricardo Silva “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera Há livros, lmes, músicas ou arte que por uma razão ou outra só conhecemos tardiamente, embora tenhamos acompanhado a sua grande aceitação nos meios onde apareceram. Foi o que se passou com a este livro. Publicado em 1982, em tempos em que frequentava o meio universitário por motivos de formação académica, seria incorreto dizer que dele não ouvi falar, anos mais tarde, até pelo apelativo nome que tem. Segundo a crítica literária europeia é a obra magistral – a magnum opus - de Milan Kundera e uma das mais importantes da segunda metade do século XX. Parto, por isso, para a sua leitura já duplamente avisado. Da importância reconhecida do livro e do estilo do autor que, previamente, conheci pela leitura de uma outra obra sua “A Ignorância”. Situado no universo social e político da Checoslováquia de 1968, o enredo ou a história deste romance apresenta-nos quatro personagens principais - Tomas, Tereza, Sabina e Franz - de grande densidade e complexidade que nos conduzem por digressões e pequenos ensaios losó cos de grande qualidade. É uma obra de grande valor humano, uma espécie de crónica sobre a natureza humana onde o Amor, o Destino, a Liberdade e a Felicidade vão proporcionando re exões de grande profundidade. É um livro de parar, ler, sublinhar frases e parágrafos pela sua beleza. Pode exigir até, com algum distanciamento temporal ou não, uma releitura. Em termos de espaços damo-nos conta, para além de Praga, da presença de Genebra, Roma, Paris, Nova York e outras cidades menores por onde vivem as personagens. Aliás são estas que dão ao livro o seu “peso”! Tomas, urbano, médico cirurgião, polígamo ou melhor, um femeeiro libertino, prisioneiro de um Amor que nunca esperou ter e com pensamento político avisado. Tereza, vinda de um mundo rural, sensível e de grande efervescência interior. Nada com ela é calma e serenidade. Só a sua fragilidade cativa e aprisiona Tomas, para além de através dela virem re exões maravilhosas. Sabina é a antítese de Tereza! De forte 30 NOMAIO20


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personalidade, determinada, sabendo o que quer a cada momento, é uma amante da Liberdade, sobretudo, incluindo o campo sexual. A sua ideia de traição é a procura da liberdade e por via dessa da felicidade, embora efémera. Artista – é uma pintora - complexa, profunda, re exiva e politicamente formada é amante de Tomas e depois de Franz. Este, também médico, dócil, amoroso, honesto, forte em termos físicos, mas fraco interiormente. Estas personagens fazem o romance, mas não só. Por elas chegam-nos re exões losó cas interessantes – logo a abrir com a negação da ideia de Nietschze sobre o Mito do Eterno Retorno – “um dia tudo se repetirá tal como o havíamos vivido e que mesmo essa repetição se repetirá de novo in nitamente.” Milan Kundera parte deste mito para desa ar os leitores recordando brevemente a loso a de Parménides (séc. VI a.C.) sobre a divisão do mundo em pares contrários: ser - não ser; luz - obscuridade, quente - frio, etc. para chegar à exceção da dualidade leveza – peso, questionando o que é um e outro: “uma só coisa é certa. A contradição pesado – leve é a mais

misteriosa e ambígua de todas as contradições.” O mote para o título do livro e para o romance está lançado. Composto por sete partes, a terceira, “As palavras Incompreendidas”, marca uma passagem e uma paisagem digna de registo no livro. São desenvolvidas re exões sobre o “que é ser Mulher” nas suas diversas variações de mãe, esposa, amante, associadas a cargas emotivas fortes e diferentes; sobre a “Fidelidade e a Traição” e a beleza de cada uma ligadas, simultaneamente, à sua esconjuração; sobre a “Música” como a arte que mais se aproxima da Beleza: “Di cilmente conseguiremos car aturdidos com um romance ou com um quadro, mas podemos inebriar-nos com a Nona Sinfonia de Beethoven (…) e com uma canção dos Beatles. (…) A música é libertadora da solidão e da clausura.” Este capítulo prossegue com notas bonitas sobre “A luz e a obscuridade”, “A estética”, “A força” e o “Viver na verdade” entre outras. Ainda não sendo um Nobel da Literatura pode ser que ainda em vida Kundera o seja – já tem 91 anos -, mas é, sem dúvidas, um autor multifacetado e de grande inovação literária. Força-nos a estar concentrados e não é com uma leitura ensonada e leve que nos permite entrar no seu bonito mundo. O escritor Ítalo Calvino de niu bem este admirável livro: “o peso da vida, para Kundera, está em toda a forma de opressão. O romance mostra-nos como, na vida, tudo aquilo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba bem cedo por se revelar de um peso insustentável.” Não podia terminar sem uma palavra sobre o pano de fundo político onde a ação do romance se passa: “A Primavera de Praga” que terminou com a invasão das tropas do Pacto de Varsóvia, na noite de 20 para 21 de Agosto de 1968, com a entrada de, no mínimo, 400 mil soldados na capital checa. Foi o m de um sonho dos checoslovacos que acreditaram que era possível, dentro do regime comunista ter mais liberdade, mais democratização na imprensa, no ensino, nas artes e na economia sem melindrar a URSS. Só que a leveza desta esperança era vista pelo peso da URSS como uma adesão do país ao capitalismo e tal situação não era aceitável dentro do bloco comunista eurosoviético. Hoje, Milan Kundera voltou a recuperar a sua condição de cidadão checo – que lhe tinha sido retirada pelo estado comunista – com o devido pedido de desculpas pela atual república checa, continuando, contudo, a viver em França. É um livro em que bem podemos dizer “A leitura vale a pena.” NOMAIO20 31


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O outro lado dos heróis SOFIA CORDEIRO

Em tempos difíceis, procuramos as melhores respostas das pessoas certas. É o que acontece com o artigo deste mês, entrevistei uma enfermeira do Hospital do Divino Espírito Santo (HDES) sobre a destreza e habilidades físicas e mentais que um pro ssional de saúde tem ou deve ter para enfrentar um vírus tão agressivo como o coronavírus. A enfermeira em questão já exerce funções há seis anos, mas não começou à partida numa unidade hospitalar: “eu inicialmente quando terminei o curso comecei a trabalhar foi numa clínica privada. Trabalho no Hospital do Divino Espírito Santo vai fazer agora em junho quatro anos. Mantive, entretanto, esse trabalho em part-time, mas neste momento estou simplesmente só com o hospital”. Perguntei também se a sua rotina sofreu alterações ou se continua a mesma, ao que responde que “isto claro que é uma novidade, digamos assim, não é uma novidade no sentido bom é apenas uma situação estranha para todos nós e claro o facto de ser pro ssional de saúde tem sido uma rotina bastante diferente, porque também há alterações constantes nas nossas funções no hospital e tem

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sido um desa o, mas as coisas estão a correr bem dentro daquilo que é esperado com todo esse fator surpresa também associado a esta altura de pandemia, mas tudo se vai organizar e tudo se vai organizando aos poucos, por isso é como eu digo um desa o constante todos os dias”. Portanto, o que se passa nos Açores e a nível nacional foi uma completa surpresa para qualquer pro ssional de saúde, tendo este que se adaptar à nova realidade. Perguntei-lhe, naturalmente, se é este tipo de carreira requer alguma preparação mental e destreza para lidar com situações difíceis, responde a pro ssional que “claro que é, isso são aspetos que nós no curso base de enfermagem ninguém nos ensina, ninguém nos treina para estas situações de pandemia e tem também a ver com o apoio que encontramos nos outros elementos da equipa, nos outros pro ssionais de saúde não só nos enfermeiros, mas nos médicos, assistentes operacionais. Nós apoiamo-nos em todos eles, na nossa família que também é a partir das tecnologias como estamos a usar hoje para esta entrevista que nós entramos em contacto com eles e claro que tem muito a ver com a nossa


REPORTAGEM

personalidade e com a nossa força mental para superarmos isto tudo e encararmos tudo como algo passageiro, algo que ninguém está à espera e qualquer pessoa pode ser apanhada nesta teia do COVID-19 e claro que ninguém está preparado, mas estamos aqui para nos apoiarmos uns aos outros e trabalhar todos os dias para que esta pandemia demore o menos tempo possível”. Procurei saber na sua opinião pessoal como é lidar com uma pandemia e a resposta foi “claro, não tem sido fácil. Não vou mentir”, pois além de ser um vírus “silencioso”, como assim o classi ca, “a maior parte das pessoas é portadora do vírus e não apresenta sintomatologia e nós acabamos quase por estar constantemente no nosso serviço com um clima de suspeição. Portanto, em relação aos doentes que nos chegam do domicílio como em relação aos próprios colegas, porque, como já têm conhecimento, já há pro ssionais de saúde que estão infetados no hospital, mas claro que é complicado e é uma adaptação diária como já referi. Mesmo as próprias equipas não estão a trabalhar ao mesmo tempo e há redução de pessoal precisamente por essa razão, por não

sabermos muitas vezes com o que estamos a lidar e se existir por ventura alguma situação que se con rme de COVID-19 termos sempre pessoal pronto a ajudar toda a gente e a continuarmos a cuidar dos doentes, porque é verdade que estamos numa situação de pandemia, mas todas as outras morbilidades e doenças continuam a existir e os doentes continuam a precisar de car internados e claro isto é tudo de difícil gestão”. O clima que se vive num hospital com doentes infetados é de descon ança, incerteza, coragem e dedicação. Falando na situação da região e tendo em conta que esta entrevista foi realizada a nove de abril, perguntei se a situação da região estava controlada e nesta altura, a resposta não podia ser mais que “isto é uma questão que penso que ninguém consegue responder nem mesmo o diretor regional da saúde com todos os comunicados diários e com todas as delegações de saúde que trabalham todos os dias e todo o pessoal da linha de saúde Açores. Isto é uma situação que vai se vivendo o dia a dia e muitas vezes de hora a hora, porque as coisas mudam, porque num dia não há casos e as pessoas cam contentes e com sentimento de esperança, no

“O CLIMA QUE SE VIVE NUM HOSPITAL COM DOENTES INFETADOS É DE DESCONFIANÇA, INCERTEZA, CORAGEM E DEDICAÇÃO.” NOMAIO20 33


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dia a seguir voltam a aparecer casos positivos.” Em relação aos equipamentos de proteção individual para os pro ssionais de saúde no hospital, a enfermeira confessa ter havido roturas de stock “a nível de desinfetantes, a nível de equipamentos de proteção individual sejam as luvas sejam as máscaras”, mas que “neste momento penso que todas estas di culdades estão a ser ultrapassadas” e “por isso é um ajuste que tem sido feito constantemente e toda a administração hospitalar trabalha neste sentido que todos os pro ssionais estejam o mais protegidos possíveis e claro com a falta dos pro ssionais de saúde isso ainda ca pior do que está atualmente”. Por curiosidade, perguntei também se já trabalhara ou se estivera em contacto com algum infetado, mas a resposta foi não, “mas entretanto, tenho falado com outros colegas que trabalham noutros serviços, nomeadamente, o serviço de urgência e tenho outros colegas noutras unidades hospitalares da região que têm tido contacto com doentes suspeitos e que estão, realmente, na linha da frente no combate a esta pandemia e claro que é uma situação complicada, porque se nós

conseguíssemos ver o vírus de alguma forma, era uma forma de nos protegermos todos, mas claro é um trabalho que tem de ser feito por todos nós e vamos ver como já referi se isto não demora muito tempo”. A enfermeira revela ainda que os outros pro ssionais vivem “um clima de tensão mais que um medo. Eu diria que é um clima de tensão que se vive, porque também já referi muitas vezes o vírus não dá propriamente uma sintomatologia que seja possível de identi car logo e de associar imediatamente ao COVID-19. Muitas vezes e também provavelmente, proveniente desse clima de tensão claro que ao surgir um caso positivo acho que nós devíamos ter uma atitude mais solidária e de encarar realmente esta situação como algo que está fora do nosso controlo. Nós não conseguimos prever quais são as pessoas que vão realmente estar infetadas e ninguém tem propriamente culpa daquilo que lhe acontece. Nós acabamos por ser todos vítimas desta situação que estamos a viver e que foge ao nosso controlo e nós temos mais que fazer do que lidar com acusações ou outras complicações associadas ao

PROFISSIONAIS VIVEM UM “CLIMA DE TENSÃO MAIS QUE UM MEDO”.

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nosso trabalho. Acho que nós temos é que nos unir e sermos solidários neste sentido, porque ninguém tem culpa do que nos está a acontecer e temos é que nos unir todos nesta luta e claro preservar a saúde de todos, porque a saúde de todos está dependente da saúde de cada um de nós neste momento”. No entender da enfermeira, no âmbito das medidas que foram implementadas pela direção regional da saúde, o hospital tinha “as coisas já planeadas, ou seja, já estávamos preparados para receber o COVID-19”, mas refere que “tem sido um problema de difícil gestão mesmo como existe já pro ssionais de saúde infetados no HDES. Há uma constante readaptação das equipas para se conseguir cuidar de todos os doentes e mesmo em termos dos equipamentos de proteção individual é a mesma coisa, nós temos sempre feito adaptações, há sempre novas indicações e tem sido complicado nesse sentido, o que não quer dizer que nós não vamos ultrapassar essa situação (…)”. A autoridade de saúde “tem tido a preocupação diária de falar nos pro ssionais de saúde e que são eles realmente que estão na linha da frente,

não só os enfermeiros como os médicos, todos os assistentes operacionais têm tido essa preocupação de dizer se este pessoal que está na frente da batalha, digamos assim, se está também a ser afetado e de que forma está a ser afetado e que medidas é que as instituições estão a tomar para que estas di culdades sejam ultrapassadas e claro que não existem medidas perfeitas e disso nós temos consciência, mas claro que estamos todos a trabalhar para que haja perfeição neste sentido e para que todas estas coisas sejam ultrapassadas e que daqui a uns anos quemos na história como aqueles que estiveram na linha da frente no combate à COVID-19. Esperamos que que realmente tudo bem!”. Portanto, pode-se concluir que esta situação, sem precedentes, é difícil para todos, especialmente aqueles que lidam diretamente com ela. Embora nenhuma formação teórica ou prática consiga ensinar um pro ssional de saúde a saber lidar com uma pandemia, o seu sentido de adaptação, de união e solidariedade é inato a qualquer um neste ramo de trabalho.

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Balanço da situação de pandemia nos Açores durante o mês de abril RUI SANTOS

Para além dos dados do Covid-19 no mês de abril na Região, são referidos os acontecimentos relacionados com a pandemia que marcaram os Açores durante esse período. No inicio do mês, dia 02 abril, Vasco Cordeiro, Presidente do Governo Regional, anunciou novas medidas a adotar a partir das 00h00 de 03 de abril até às 00h00 do dia 17 abril, de entre as quais o cerco sanitário em todos os concelhos de São Miguel, cando interditadas as deslocações entre concelhos, decisão tomada devido aos resultados laboratoriais à data que levaram a Autoridade de Saúde Regional (ARS) a considerar que a ilha de São Miguel se encontrava “em situação epidemiológica potencial de transmissão comunitária ativa com elevado risco de cadeias de transmissão em todos os concelhos da ilha”. Neste mesmo dia, existiam 2704 vigilâncias ativas, 60 casos suspeitos, 14 internamentos e 63 casos positivos ativos na Região. Para além das cercas sanitárias em todos os concelhos da ilha, também foi encerrado o “atendimento ao público em todos os serviços públicos da Administração Regional Local, estabelecimentos comerciais, industriais e serviços na ilha de São Miguel”, com exceções não só à 36 NOMAIO20

garantia do abastecimento de bens essenciais à população de São Miguel e à manutenção da atividade de setores “fundamentais” para o objetivo, mas também à circulação “justi cada” a serviços, como por exemplo às unidades de saúde, à assistência a idosos, a menores e pessoas vulneráveis. O incumprimento das restantes regras corresponderia, portanto, a punição com “pena de prisão de 2 anos e 8 meses” para quem não estivesse identi cado como positivo para o Covid-19 e “com pena de prisão até 8 anos” para os casos positivos no domicílio que não cumprissem as medidas de isolamento. No dia 04 de abril surgiu o primeiro caso de recuperação de infeção por Covid-19 na Região. Tratou-se de um indivíduo do sexo feminino, de 29 anos, da cidade de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira. A ARS informou que “entendese por caso recuperado a realização de duas análises negativas consecutivas para infeção por coronavírus SARS-CoV-2, que causa a doença COVID-19”. A dia 07, a ARS informou que um passageiro com infeção por coronavírus SARS-CoV-2, desembarcara no Aeroporto de Ponta Delgada no dia 05 de abril. O indivíduo viajara no voo


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TP 1867, que saiu de Lisboa com destino a Ponta Delgada, onde aterrou pelas 11h00 de 5 de abril, e viajava no lugar 1 D, “sendo que os demais passageiros se encontravam a uma distância de segurança”. O homem, não residente na Região, encontravase em hospitalização domiciliária na cidade do Porto, de onde se evadiu. Segundo Tiago Lopes, Diretor Regional da Saúde (DRS), o mesmo “ludibriou a Delegação de Saúde no preenchimento do questionário que é feito à chegada à Região”, incorrendo assim “nos crimes de desobediência, de falsas declarações e propagação de doença”. Relativamente a este caso, a ARS referiu ainda

que “na sequência de aviso emitido pela equipa médica que acompanhava o doente, o Delegado de Saúde Concelhio de Ponta Delgada ativou os dispositivos estabelecidos, designadamente a intervenção das forças de segurança e o transporte do indivíduo para o Hospital do Divino Espírito Santo”, sublinhando que após o desembarque, “todos os passageiros seguiram para con namento obrigatório em unidade hoteleira”. A 08 de abril o DRS anunciou o primeiro óbito relacionado com a pandemia do Covid-19 nos Açores. O homem de 90 anos encontrava-se no Hospital do Divino Espírito Santo (HDES) e já possuía um historial “de problemas agravados e

Grafico Com base nos dados da Autoridade Regional de Saúde

prolongados de saúde, não chegando a desenvolver sintomas mais graves do novo Coronavírus”. Até à data, existiam três indivíduos recuperados. A 14 de abril procedeu-se à libertação de reclusos em território nacional, alguns por cumprimento da sua pena, outros por perdão de pena e outros ainda com licença de saída administrativa. No dia 22 Tiago Lopes informou que do estabelecimento prisional da Terceira saíram 22 ex-reclusos, da cadeia da Horta foram libertos três ex-reclusos e do estabelecimento prisional de Ponta

Delgada foram libertos 55 reclusos. Tiago Lopes explicou ainda que Maria Teresa Luciano, Secretária Regional da Saúde, contactou os estabelecimentos prisionais, pedindo colaboração para que os reclusos não fossem libertos antes da realização de testes, pedido que não teve “recetividade” por parte da Direção Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais, pois “os estabelecimentos prisionais não são tutelados por nenhum organismo da Região”. No entanto, foram fornecidos os contactos e NOMAIO20 37


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informação de quem iria ser liberto, possibilitando a ARS fazer o despiste após libertação dos mesmos, o que originou a deteção de dois casos positivos, resultando “aí sim, numa maior recetividade por parte Direção Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais no sentido de que todos aqueles que, de ora avante, tivessem perdão ou cumprido a sua pena que os pudéssemos fazer o teste”, e posteriormente, devido aos dois casos positivos detetados, foram testados os guardas e funcionários prisionais e reclusos das alas onde se encontravam os casos positivos. Em relação aos contactos próximos que estes casos positivos tiveram aquando do seu transporte da ilha Terceira para a ilha de São Miguel, onde foram

colocados sob quarentena uma unidade hoteleira, o Diretor Regional revelou que foram identi cada as pessoas que tiveram contacto com esses casos con rmados, no sentido de também serem testadas. No dia 16 de abril dois ex-reclusos foram visitar as suas famílias, segundo a comunicação social presente, “livremente” e foram transportados de regresso à unidade hoteleira pela PSP sem qualquer equipamento de proteção. Tiago Lopes disse que a situação foi acompanhada pela Delegação de Saúde de Ponta Delgada e da Ribeira Grande e que poderá ter ocorrido um “erro de comunicação” com a PSP. Foram identi cados os agentes que zeram o transporte dos ex-reclusos

Grafico Com base nos dados da Autoridade Regional de Saúde para unidade hoteleira e a viatura foi submetida a desinfeção. Posteriormente, Tiago Lopes esclareceu ter havido uma confusão em relação aos dois ex-reclusos libertos do estabelecimento prisional de Angra do Heroísmo, que testaram positivo e que se encontravam em con namento, em contraposição “os dois ex-reclusos que se deslocaram à Ribeira Grande são provenientes do continente e não os 38 NOMAIO20

dois positivos”. No entanto, estes dois ex-reclusos do continente foram identi cados e colocados em unidade hoteleira. O Diretor Regional de Saúde admitiu que “foi uma falha que aconteceu e temos de aprender com esse erro”. Alguns dos reclusos foram libertos do território continental e chegaram aos Açores em voos comerciais, situação que segundo o DRS surgiu de “uma falha de comunicação entre os responsáveis


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ao nível do território continental que gerem os estabelecimentos prisionais, quer aqui na Região, foi uma situação que aconteceu e neste momento estamos a trabalhar para evitar danos maiores”, tentando uma colaboração e melhor comunicação para que estes casos fossem identi cados e testados. No dia 24 de abril Tiago Lopes revelou que, depois de todos os reclusos e funcionários do Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo terem testado negativo, iriam ser realizados novos testes para se conseguir garantir a positividade daqueles dois casos. A 16 de abril Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, assinou a segunda prorrogação do estado de emergência em Portugal, até 02 de maio, com esperança de ter sido a última. Neste dia, segundo a Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, havia 18841 casos con rmados em território nacional. No mesmo dia, Vasco Cordeiro, depois de ter auscultado os pareceres da Coordenadora de Saúde Pública dos Açores e da ARS, assim como os vários presidentes de câmara de São Miguel, anunciou a prorrogação das cercas sanitárias em cada um dos concelhos da ilha até às 00h00 do dia 1 de maio.

A Região contava, até à data, com 2098 vigilâncias ativas, 278 casos suspeitos, 21 internamentos e 86 casos positivos ativos com o novo coronavírus. O dia 18 de abril cou marcado pelo maior número de diagnosticados com covid-19 nos Açores desde o início da pandemia e até ao nal do mês. Foram 21 novos casos positivos detetados nesse dia, dos quais 16 indivíduos do sexo feminino, entre os 25 e 99 anos de idade, e cinco indivíduos do sexo masculino, entre os 42 e 93 anos de idade, relacionados com o Lar da Santa Casa da Misericórdia do Nordeste, em São Miguel, e um caso diagnosticado na ilha Graciosa, o último do mês nessa ilha, um indivíduo do sexo feminino com 57 anos de idade, que se encontrava em contexto domiciliário. O dia 22 de abril foi o último dia em que foram diagnosticados casos com a doença Covid-19 nos Açores, iniciando-se no dia seguinte o que viria a ser o período mais longo sem novos casos diagnosticados na Região desde o início da pandemia e, pelo menos, até ao nal do mês de abril. O dia 24 de abril foi o dia com mais análises realizadas, tendo sido 646 sem nenhum caso positivo diagnosticado, somando assim dois dias NOMAIO20 39


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consecutivos sem novos casos de Covid-19 nos Açores. A 26 de abril surgiram sete recuperados, sendo o dia com o maior número de recuperações desde o início da pandemia, elevando o total de 27 recuperados do dia anterior para 34. Neste mesmo dia Tiago Lopes fez um balanço das cadeias de transmissão. A 25 de março fora identi cada a primeira cadeia de transmissão local na Região. Desde aí foram identi cadas sete cadeias de transmissão nos Açores, duas na Terceira, uma primária na freguesia de São Mateus, com três casos positivos e com origem de viagem ao exterior que cou con nada a esses três elementos, a outra também con nada com três casos positivos e com história de viagem. Uma outra con nada na ilha do Pico, com cinco casos positivos e também com origem numa viagem ao exterior. Quatro cadeias de transmissão em São Miguel, duas no concelho da Povoação e outras duas no concelho de Ponta Delgada. Destas últimas, Tiago Lopes anunciou como extinta uma das cadeias de transmissão do

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concelho da Povoação, cadeia primária com três casos positivos, originada por viagem ao exterior, cujos casos originais, à data, já se encontravam recuperados. Foi também dada como extinta uma outra cadeia de transmissão, também primária e com os três casos positivos recuperados, no concelho de Ponta Delgada, que havia sido originada pelo contacto com um indivíduo do continente. Outras duas cadeias de transmissão encontravamse con nadas por não apresentarem, “ao longo dos últimos dias e ao longo da última semana, qualquer registo de disseminação e propagação”, uma das quais em Ponta Delgada (com dois casos positivos) e outra na Povoação, “a mais longa delas todas”, que chegou a quaternária, envolvendo, à data, 68 casos positivos e com impactos no HDES e no Lar da Santa Casa da Misericórdia no Nordeste. Até dia 26 haviam sido testados um “total de 1.928 pro ssionais de saúde, 40 continuam a aguardar por resultados, 1.866 tiveram resultado negativo, 17 positivos”. Destes, nove foram no HDES. Esta cadeia de transmissão chegou ao Lar da Santa Casa da Misericórdia do Nordeste por via de uma


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utente do lar infetada, com deteção no dia 07 de abril, depois de a mulher de 88 anos, ter estado internada no HDES. A primeira recuperação relacionada com este lar foi a 28 de abril, um homem de 67 anos, que se encontrava internado no HDES. No total foram infetados com Covid-19 33 utentes e 10 funcionários do lar do Nordeste, de entre os quais surgiram nove óbitos, até ao nal de abril. A 29 de abril ocorreram os últimos dois óbitos do mês, nomeadamente de uma mulher de 86 que se encontrava internada no HDES por via de transferência da Estrutura Residencial para Idosos do Nordeste. O segundo óbito correspondeu a um homem de 56 anos, de Ponta Delgada, que já se encontrava internado também no HDES e cuja infeção decorreu da cadeia de transmissão secundária da unidade hospitalar, encontrandose já em cuidados paliativos no momento do seu internamento. Já era o sétimo dia consecutivo sem a deteção de novos casos positivos na Região quando Tiago Lopes sublinhou que havia “alguma ansiedade para saber quando nos irá ser dada ordem de

soltura”, alertando para importância em relembrar que esse regresso à quase normalidade deverá ser condicionado às medidas de etiqueta respiratória e de higiene pessoal que devem continuar a ser praticadas pela população. O diretor a rmou que a total normalidade não poderá ser atingida ainda, mas que será feito o possível para garantir o “maior conforto de livre circulação entre todos”. No dia 30 de abril surgiram mais cinco casos recuperados, os últimos casos de recuperação do mês, relativos a três indivíduos do sexo masculino, com idades compreendidas entre 24 e 51 anos, das ilhas de São Miguel e do Pico, e a dois indivíduos do sexo feminino, com 42 e 57 anos de idade, da ilha do Pico. Desde o início do surto até ao dia 30 de abril registavam-se 7567 casos suspeitos, 6550 com resultado negativo, 879 destes aguardavam resultados e colheita. Dos 138 casos positivos à data, 80 estavam ativos, 45 recuperados e 13 óbitos. Dos casos ativos, 60 são da ilha de São Miguel, cinco no Pico, cinco no Faial, cinco na Graciosa, três na terceira e dois em São Jorge. A pandemia evoluiu de forma diferente entre as

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O PRESIDENTE DO GOVERNO REGIONAL ANUNCIOU UM DOCUMENTO QUE COMPORTA DIFERENTES CRITÉRIOS NECESSÁRIOS PARA UMA SAÍDA “SEGURA” várias ilhas do arquipélago. O dia 22 de março foi o último dia em que surgiram novos casos na ilha de São Jorge, todos eles relacionados com o grupo que havia realizado um cruzeiro ao Dubai, cando o vírus con nado somente a este grupo que se encontrava de quarentena. A pandemia estagnou também na ilha do Faial, sendo que os últimos casos diagnosticados foram a 29 de março e tinham historial de viagem ao exterior. A 02 de abril foram diagnosticados os últimos dois casos positivos na ilha Terceira, por contacto com um caso positivo. No dia 07 de abril a ilha do Pico teve o último caso positivo, também relacionado com viagem ao exterior da Região. No dia 18 a Graciosa ainda teve um caso positivo diagnosticado em contexto domiciliário, que tinha recebido alta recentemente do HDES, em Ponta Delgada. O dia 22 foi o último dia em que se registaram casos positivos em São Miguel e, consequentemente, nos Açores. Foram 42 NOMAIO20

sete casos relacionados com o lar de idosos da Santa Casa da Misericórdia do Nordeste e os restantes respeitantes a uma utente admitida e a uma pro ssional de saúde do HDES. As restantes ilhas, nomeadamente Santa Maria, Flores e Corvo nunca tiveram um caso positivo diagnosticado desde o início da pandemia até ao nal de abril. Com base nessa diferente evolução de ilha para ilha, o Presidente do Governo Regional anunciou, no último dia do mês, um documento, de consulta pública, que comporta diferentes critérios necessários para uma saída “segura” da pandemia, com situações variadas e justi cadas para diferentes agrupamentos de ilhas, assim: As ilhas do Faial, Pico, São Jorge e Terceira mantiveram o estado de contingência; A ilha Graciosa ca em estado de contingência até 31 de maio;


REPORTAGEM

A ilha de São Miguel mantém regras de quarentena até 31 de maio e as Cercas sanitárias até ao dia 4 de maio; As ilhas de Santa Maria, Flores e Corvo passam, a partir do dia 4 de maio, para o estado de alerta. Numa altura em que tudo poderá começar a abrir de forma faseada, a distribuição e utilização de máscaras pela população em geral foi outro assunto de importância debatido durante o mês de abril. No dia 16, o DRS explicou que as máscaras cirúrgicas e de bico de pato “não são recomendáveis para uso generalizado da população”, informando que após o uso de máscaras comunitárias ter sido analisado pela DGS em conjunto com a Infarmed, o Instituto Português de Qualidade e com a ASAE, estes emitiram, no dia 14 de abril, soluções técnicas para eventual

fabrico local de máscaras sociais ou comunitárias”, tendo sido determinadas duas empresas da Região para esse mesmo fabrico. Tiago Lopes aconselhou o uso das mesmas em “espaços interiores fechados onde possam encontrar-se várias pessoas”, como medida de proteção adicional ao distanciamento social, à higiene das mãos e à etiqueta respiratória. Dado isto, o Diretor Regional referiu que as máscaras sociais ou comunitárias serão distribuídas pela população (três máscaras por família) “durante a próxima semana, com as devidas instruções de utilização”, salientando ainda que o facto de serem distribuídas máscaras não implica que a população volte à vida social. No dia 27 Tiago Lopes chamou a atenção para a circular informativa lançada pela Direção Regional de Saúde (DRS), no dia 24 de abril, acerca do uso das máscaras comunitárias que estavam a ser NOMAIO20 43


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distribuídas pela Região. O Diretor de Saúde fez a distinção entre três tipos de máscaras: os Respiradores (Filtering Face Piece, FFP), são um equipamento de proteção individual destinado aos pro ssionais de saúde; as máscaras cirúrgicas, um dispositivo que previne a transmissão de agentes infeciosos das pessoas que utilizam a máscara para as restantes; e por último as máscaras não-cirúrgicas, comunitárias ou de uso social, que são dispositivos de diferentes materiais têxteis, destinados à população geral e não certi cados. Assim, foi emitida pela DRS uma recomendação para a utilização de máscaras cirúrgicas para todos os pro ssionais de saúde, pessoas com sintomas

CASOS CONFIRMADOS

NOVOS CASOS

31 DE MARÇO

30 DE ABRIL

TERCEIRA FAIAL SÃO JORGE SÃO MIGUEL PICO GRACIOSA

09 05 07 12 09 00

TERCEIRA FAIAL SÃO JORGE SÃO MIGUEL PICO GRACIOSA

respiratórios e pessoas que entrem e circulem em instituições de saúde. Também foi recomendada a utilização desse tipo de máscara a pessoas mais vulneráveis, nomeadamente idosos (mais de 65 anos de idade), com doenças crónicas e estados de imunossupressão, devendo ser usada sempre que saiam de casa. A utilização de máscaras cirúrgicas foi alargada a outros elementos de alguns grupos pro ssionais, durante o exercício de determinadas funções, na qual não é possível manter uma distância de segurança entre pessoas, nomeadamente a pro ssionais das forças de segurança, militares, bombeiros, distribuidores de bens essenciais ao domicílio, trabalhadores nas instituições de

TOTAL DE CASOS CONFIRMADOS 02 01 00 09 01 01

TERCEIRA FAIAL SÃO JORGE SÃO MIGUEL PICO GRACIOSA

11 06 07 21 10 01

Total: 56 solidariedade social, lares e rede de cuidados continuados integrados, agentes funerários e pro ssionais que façam atendimento ao público, onde não esteja garantido o distanciamento social. A 30 de abril já haviam sido distribuídas algumas máscaras comunitárias na ilha de São Miguel, mas não no resto do arquipélago. Relativamente a esta situação, o DRS a rmou que o facto de as 270 mil máscaras ainda não terem sido distribuídas pelas famílias açorianas não 44 NOMAIO20

põe em risco o trabalho feito nem a e cácia da aplicação de outras medidas, sublinhando que “a medida principal é, efetivamente, o distanciamento físico, as regras de etiqueta respiratória e a lavagem frequente das mãos”, reforçando que as máscaras de uso comunitário ou social “são uma medida adicional”, considerando não haver nenhuma previsão de data para a sua distribuição porque “não existe uma urgência ou emergência relativamente à sua entrega”.


“TENHO SENTIDO, DA PARTE DOS PARTIDOS POLÍTICOS, UM CLIMA DE GRANDE UNIÃO”. VASCO CORDEIRO, PRESIDENTE DO GOVERNO REGIONAL

“O ACESSO AOS MEIOS TECNOLÓGICOS QUE VENHAM A SER ADOTADOS DEVE SER UNIVERSAL, SOB PENA DE SE GERAR UMA MAIOR DISCRIMINAÇÃO EDUCACIONAL E SOCIAL”. JOSÉ MANUEL BOLIEIRO, PRESIDENTE DO PSD/AÇORES

“Há uma conclusão que se pode tirar já desta crise: os governos têm de ouvir e saber ouvir os parceiros sociais e os partidos da oposição. Ninguém é dono da verdade. Saber ouvir é meio caminho andado para ultrapassar a situação em que vivemos” Luís Maurício, Presidente do GPPSD/A

“Estes são sobretudo tempos que revelam a coragem e esperança, de todos aqueles, que todos os dias, no seu trabalho fazem a economia funcionar, dos que enfrentam esta terrífica doença e daqueles que a combatem, nos hospitais, nos centros de saúde e na rua… A estes fica a nossa homenagem e o nosso compromisso, aqui verificado, com esta posição, de tudo fazer para que nos possam ajudar a ultrapassar esta tormenta”. FRANCISCO CÉSAR, PRESIDENTE DO GRUPO PARLAMENTAR DO PS/AÇORES NOMAIO20 45


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CRÓNICA

Economia circular António Ventura

As novas oportunidades de negócio

Deputado pelo PSD Açores na Assembleia da republica

A União Europeia está disposta a comparticipar o surgimento de iniciativas de investimento no âmbito da chamada economia circular. Uma vontade de louvar e a qual não podemos car distraídos. Se esta atitude era importante antes da pandemia, agora, assume urgência, tendo em conta, a lição de sustentabilidade ambiental que estamos a retirar desta dramática crise provocada pela COVID-19. Este tipo de economia caracteriza uma maior durabilidade dos nossos recursos, pois permite recuperar, refazer, renovar, reutilizar e reciclar, em vez do tradicional modelo de “extrair – fabricar – consumir – deitar fora” que é designado por economia linear. Ou seja, na chamada economia

circular os recursos mantém-se por muito mais tempo na economia e voltam a gerar valor, o que representa um benefício para o futuro da espécie humana. Por outras palavras, tudo o que deitamos fora poderá ser novamente utilizado para outro m. Este é o novo desa o da humanidade, utilizar os nossos recursos naturais, que são nitos, de uma forma mais inteligente e sustentável (durável e viável), caso contrário estamos em perigo. Neste sentido, começam a nascer, embora ainda de forma tímida, alguns projetos em determinadas áreas, como sejam nos resíduos urbanos e na agricultura. Mas, existem outros setores onde a União

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CRÓNICA

Europeia indica como suscetíveis de aparecerem ideias inovadoras e lança um convite ao empreendedorismo, designadamente nos desperdícios alimentares, nos restos da construção civil, na eletrónica, nos resíduos de madeira e nos subprodutos da agricultura. Eu próprio fui relator na Comissão dos Assuntos Europeus de uma proposta de regulamento europeu que permite estimular a produção de adubos a partir de matérias-primas orgânicas, alterando para o efeito o quadro normativo vigente. A legislação será modi cada para incentivar a produção destes adubos. Os objetivos prendem-se com a necessidade de retirar pressão sobre os recursos minerais, aumentar a vida fértil dos solos, diminuir a produção de adubos químicos, reduzir as importações, melhorar o ambiente e tornar os

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preços mais acessíveis para o agricultor. A economia circular é, assim, uma nova oportunidade para a criatividade e a iniciativa pessoal e, com isso, para a criação de empresas e postos de trabalho. Uma área que as próximas gerações agradecem e esta deve ser a nossa responsabilidade, deixar aos nossos lhos um planeta habitável. Novas possibilidades de negócio podem ocorrer nos Açores, com a consequente criação de emprego, especialmente na área dos subprodutos agrícolas. Exista, para isso, a necessária divulgação, incentivo e mobilização por parte dos Governos Regional e da República, porque o desemprego nos Açores, infelizmente, vai ser dramático e vai atingir muitas famílias.


A ÁGUA É INDISPENSÁVEL À VIDA E À AGROPECUÁRIA www.iroa.pt facebook.com/iroaazores

A água é um recurso indispensável para a vida que habita o nosso planeta. Encontra-se nos diferentes estados físicos (sólido, líquido e gasoso), estando em movimento contínuo na forma de ciclo, alimentado pela energia solar. Ao longo da História as diferentes civilizações estabeleceram-se e desenvolveram-se sempre em função da disponibilidade da água, sempre nas proximidades de nascentes ou rios.. A revolução industrial provocou um aumento signi cativo da pressão exercida pelas sociedades na utilização da água, o que desencadeou uma diminuição da disponibilidade deste recurso, na sua forma potável. Para corresponder à demanda da sociedade atual importantes alterações na obtenção de água foram introduzidas nos sistemas hídricos, modi cando tanto as correntes, como a quantidade de água disponível em todo o conjunto de ecossistemas associados. Trocando os poços pelos furos, os cântaros pelas bombas, e as fontes pelas torneiras. Não obstante, a água continuará a ser indispensável para o desenvolvimento destas mesmas sociedades que a utilizam de uma forma insustentável o que, num futuro possivelmente próximo, na eventualidade da sua degradação, ou mesmo da sua escassez, levará a con itualidades

entre os diferentes povos numa tentativa da sua sobrevivência. É por esta razão que se torna premente abordar cada vez mais a utilização racional da água pelas sociedades, numa perspetiva de disponibilidade futura e não apenas quando as questões surgem oportunamente em problemas de quantidade (excesso, em fenómenos de cheias, ou escassez, em períodos de seca), qualidade (pela presença de agentes microbiológicos patogénicos, ou pela mineralização das águas termais que as tornam e cazes no tratamento de diversas doenças) e custos associados à sua exploração (dívida ou lucro). Na sociedade atual, a água potável já não é exclusiva para beber, pelo seu manuseio e domínio é agora canalizada para utilizações industriais, lavagens, regas e abeberamento animal. O responsável pelo consumo insustentável é o fácil acesso e disponibilidade de água. Veri cado nos países desenvolvidos, com o abastecimento domiciliário o consumo aumenta exponencialmente, sendo aos poucos reduzido com as campanhas de consciencialização e com a ocorrência dos períodos de seca, onde sentiram a necessidade de racionamento do recurso. Na Agropecuária, comparativamente com a NOMAIO20 49


n o | w w w. no r ev i s ta .p t

população humana, nota-se um aumento da população animal e consequentemente cresce a necessidade por alimentos, e reforça-se a disponibilidade de terras com aptidão de solos para agricultura. O acesso à água para este setor ainda faz-se muito através de postos de abastecimento (fontes onde os utilizadores se deslocam para abastecer), este método de abastecimento evoluiu no sentido da distribuição de água, mas resultou no aumento do consumo, este ainda incrementou quando este abastecimento

é feito de forma gratuita e sem registos, como é veri cado em alguns locais. Alguns a rmam ser “desenvolvimento”, outros questionam onde vão buscar este recurso para satisfazer as novas necessidades. Este “desenvolvimento” resulta em mais secas e faltas de água, ou em alguns casos, o deterioramento da qualidade da água quando esta provém de aquíferos basais (reservatórios naturais de água na base das ilhas, que está em contacto com água do mar).

HIDROGEOLOGIA A água que corre pelas nossas torneiras, não é a mesma que cai do céu pelo fenómeno que de uma língua corrente chamamos de chuva. O que as distingue é o enriquecimento em nutrientes, mineralização absorvida das rochas. Por isso, como as ilhas açorianas são todas compostas por diferentes formas e interações dos complexos vulcânicos particulares de cada ilha, a água é diferente de ilha para ilha e, até mesmo, dentro das próprias ilhas. O meio vulcânico revela um elevado grau de compartimentação dos sistemas aquíferos, responsável pela ocorrência de dois tipos distintos: um basal e outro suspenso. O sistema aquífero basal é limitado perifericamente pelo mar, correspondendo a uma lentícula de água doce que sobrenada água

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salgada mais densa proveniente de in ltrações do mar, o que implica um constrangimento sobre a exploração dos aquíferos e um signi cativo impacto sobre a qualidade dos recursos. Os aquíferos suspensos surgem associados a níveis pouco permeáveis (ex.: paleossolos). Dependendo das características do terreno, estas formações hidrogeológicas podem ser múltiplas no mesmo Maciço, ocorrendo de forma sobreposta. A captação de água nestes aquíferos faz-se, maioritariamente, através de nascentes ou, nalguns casos, por furos. A distribuição das nascentes no Arquipélago patenteia a grande heterogeneidade do comportamento hidrogeológico do meio vulcânico, bem como os contrastes geomorfológicos e climáticos existentes.


n o | w w w. no r ev i s ta .p t

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS Os novos desa os dos tempos modernos é a adaptação às alterações climáticas, onde prevê-se períodos de chuva mais curtos e de maior intensidade, ou seja, o que chove em cinco dias vai chover em 5 horas. Como os nossos terrenos não estão aptos para naturalmente armazenarem esta água neste curto espaço de tempo, soluções terão de ser implementadas para armazenamento rápido. Possivelmente será um retorno da cultura das cisternas e tanques de captação das águas pluviais, uviais e da chuva.

Paulo Filipe Silva Borges Licenciado em Geologia Mestre em Geociências, ramo do ambiente e ordenamento Pub


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