REVISTA ABRIL 2020

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SUMÁRIO

ABRIL 05

ENTREVISTA EM CHAMADA COM HELDER MEDEIROS

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CRÓNICA JOÃO CASTRO

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ENTREVISTA DEPUTADO CARLOS FERREIRA

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DESTAQUE FRASES DO MÊS

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REPORTAGEM EVOLUÇÃO DAS MULHERES AÇORIANAS NO MERCADO DE TRABALHO

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CRÓNICA RICARDO SILVA

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ENTREVISTA NUNO RODRIGUES MESTRE DO RANCHO DE ROMEIROS DE S. ROQUE

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ENTREVISTA FILIPE TAVARES

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CRÓNICA ANTÓNIO VENTURA

JUVENTUDE É SINÓNIMO DE DESEMPREGO

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PEREGRINAÇÃO NA ILHA GRANDE FECHADA

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A EVOLUÇÃO DO COVID-19 NOS AÇORES

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EDITORIAL

É TEMPO DE ESQUECER CORES PARTIDÁRIAS Quer queiramos aceitar ou não, a verdade é que a Região sofre com o COVID-19. Vasco Cordeiro tomou, e muito bem, a decisão de declarar o estado de contingência para todo a Região até ao dia 31 de março. Soube-se que essa decisão prorrogará por mais um mês. Na altura, essa tomada de decisão foi vista, pela maior parte da população, como um exemplo proativo daquilo que significa ser-se Presidente do Governo Regional. A verdade é essa – a atitude de Vasco Cordeiro foi tomada precocemente em relação ao resto do País, que já registava centenas de casos positivos. Na altura, dentro das suas competências, proibiu que atracassem cruzeiros nos Portos da Região, já que isso poderia significar uma ameaça à estabilidade que se vivia naquela altura. Decisão acertada. No entanto, ficava sempre, em aberto, a questão mais perguntada por todos – e os aeroportos? Porque não fechava Vasco Cordeiro todos os aeroportos da Região para que não se deixasse entrar o vírus? Na verdade, não podia nem pôde fazê-lo. O espaço aéreo não é competência do GRA, mas sim do Governo da República. Essa decisão caberia ao Presidente da República, quando decidiu decretar o estado de emergência, mas não o fez. Para o PrimeiroMinistro, era importante que não se encerrassem as ligações da TAP com a ilha Terceira para garantir a coesão territorial. Muitos consideravam esse argumento como não sendo válido. Afinal de contas, não é ele que cá está. Não é o Senhor PrimeiroMinistro que sabe que os hospitais da Região não estão preparados para ter um número de casos como aqueles que se assistem hoje em Portugal Continental. Os Açores são 9 ilhas dispersas pelo Atlântico. O hospital de referência na Região para internamento de doentes em estado crítico é apenas um – o hospital de Santo Espírito, na ilha Terceira. Eram estes os argumentos que se usavam para justificar o encerramento dos aeroportos nos Açores. Mas o senhor Primeiro-Ministro não os 04 NOABRIL20

considerou. Até hoje continuamos abertos, a receber voos da TAP com encaminhamento dos passageiros para confinamento obrigatório em três unidades hoteleiras nos Açores. O Presidente do Governo Regional, embora muitos possam discordar, foi até ao máximo das suas competências. Agiu, e bem, enquanto acionista maioritário do Grupo SATA, encerrar todas as ligações de e para o arquipélago. Graças a essa decisão, a ilha do Corvo ficou livre de qualquer risco de entrada do vírus. Como se já não bastasse os movimentos da TAP para os Açores, muitas pessoas continuam a achar caricato interromperem o seu tempo de quarentena, infringindo aquilo que foi imposto pela Autoridade Regional de Saúde e metendo em perigo todos os açorianos. No outro dia, ouvia-se um casal dizer que recusava estar em confinamento numa unidade hoteleira, porque a sua residência era a ilha de São Miguel, não se justificava ficarem 14 dias isolados num hotel. A todos – a todos os cidadãos, a todos os políticos, a todas as entidades e organizações. Não é tempo de se brincar à saúde pública, nem muito menos de julgar decisões que são tomadas diariamente sob pressão. É muito fácil arranjar uma solução diferente daquela que foi tomada, mas não deve ser nada fácil ser quem as toma, arrecadando com as possíveis consequências dessa decisão. Basta vermos o cerco sanitário em todos os concelhos da ilha de São Miguel. É preciso coragem para fechar esses concelhos durante 14 dias. Não basta olharmos a cores políticas, não basta criticarmos o partido socialista porque é o partido socialista que está no poder. Basta, mais do que nunca, unirmos as nossas forças para caminharmos no bem comum e não de remarmos para o lado contrário, acreditando que, em breve, tudo estará bem e regressará à normalidade, ainda que com os seus efeitos. CLAUDIA CARVALHO DIRETORA ADJUNTA

FICHA TÉCNICA: ISSN 2183-4768 PROPRIETÁRIO ASSOCIAÇÃO AGENDA DE NOVIDADES NIF 510570356 SEDE DE REDAÇÃO RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR, 9500-093 PONTA DELGADA SEDE DO EDITOR RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR, 9500-093 PONTA DELGADA DIRETOR/EDITOR RUI MANUEL ÁVILA DE SIMAS CP3325A DIRETORA ADJUNTA CLÁUDIA CARVALHO TPE-288A REDAÇÃO CHEFE REDAÇÃO RUI SANTOS TPE-288 A, CLÁUDIA CARVALHO TPE-288 A, SARA BORGES, ANA SOFIA MASSA, ANA SOFIA CORDEIRO REVISÃO ANA SOFIA MASSA PAGINAÇÃO MÁRIO CORRÊA CAPTAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGEM RODRIGO RAPOSO E MIGUEL CÂMARA DEPARTAMENTO DE MARKETING, COMUNICAÇÃO E IMAGEM CILA SIMAS E RAQUEL AMARAL PUBLICIDADE TERESA BENEVIDES E RAQUEL AMARAL MULTIMÉDIA RODRIGO RAPOSO INFORMÁTICA JOÃO BOTELHO RELAÇÕES PÚBLICAS CILA SIMAS Nº REGISTO ERC 126 641 COLABORADORES ANTÓNIO VENTURA, JOÃO CASTRO, RICARDO SILVA CONTACTOS MARKETING@AGENDADENOVIDADES.COM ESTATUTO EDITORIAL: A NO É UMA REVISTA DE ÂMBITO REGIONAL (NÃO FICANDO EXCLUÍDOS OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA E COMUNIDADES PORTUGUESAS ESPALHADAS PELO MUNDO). A NO DISPONIBILIZA INFORMAÇÃO INDEPENDENTE E PLURALISTA RELACIONADA COM A POLÍTICA, CULTURA E SOCIEDADE NUM CONTEXTO REGIONAL, NACIONAL E INTERNACIONAL. A NO É UMA REVISTA AUTÓNOMA, SEM QUALQUER DEPENDÊNCIA DE NATUREZA POLÍTICA, IDEOLÓGICA E ECONÓMICA, ORIENTADA POR CRITÉRIOS DE RIGOR, ISENÇÃO, TRANSPARÊNCIA E HONESTIDADE. A NO É PRODUZIDA POR UMA EQUIPA QUE SE COMPROMETE A RESPEITAR OS DIREITOS E DEVERES PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; NA LEI DE IMPRENSA E NO CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS JORNALISTAS. A NO VISA COMBATER A ILITERACIA, INCENTIVAR O GOSTO PELA LEITURA E PELA ESCRITA, MAS ACIMA DE TUDO, PROMOVER A CIDADANIA E O CONHECIMENTO. A NO REGE-SE PELO CUMPRIMENTO RIGOROSO DAS NORMAS ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS DO JORNALISMO E PELOS PRINCÍPIOS DE INDEPENDÊNCIA E PLURALISMO.


ENTREVISTA

HELDER MEDEIROS COMEDIANTE, YOUTUBER E ESCRITOR

SOFIA CORDEIRO

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ENTREVISTA

ENTREVISTA EM VÍDEO NA VERSÃO DIGITAL

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ENTREVISTA

Como descobriu esta sua habilidade para fazer vídeos? Eu comecei a fazer vídeos ainda antes de haver Internet. Comecei a fazer vídeos mais a sério, aliás comecei quando era pequeno com os meus irmãos em casa, o meu pai na altura tinha uma daquelas câmaras grandes que eram do tamanho de um micro-ondas e a gente fazia aqueles vídeos caseiros de comédia, coisas tolas muito toscas. Foi depois na universidade, por aí em 1997/98 que eu comecei a fazer vídeos mais a sério. Quando entrei para a tuna, para os Tunídeos, nós fazíamos umas brincadeiras lá. Só por aí em 2006 é que eu criei uma conta no YouTube, onde comecei a meter esses vídeos antigos que tinha feito até então e depois nalmente lembrei-me de fazer um vídeo, tipo uma dobragem, que foi o “Se a guerra das estrelas fosse feita nos Açores” meti no tal canal do YouTube que não tinha outra função a não ser servir de arquivo para as coisas que já tinha feito. Epá! E o vídeo foi viral, houve montes de gente a ver e ganhei o gosto e comecei a fazer e o resto é história. Então o seu primeiro vídeo foi o da Guerra das Estrelas, certo? Sim, que eu z de propósito para o YouTube. Aliás, o primeiro que eu z foi o do He man ”E se o He man fosse feito nos Açores”, mas depois eu z o da Guerra das Estrelas e achei que o da guerra das estrelas cou melhor e publiquei primeiro, foi assim! E depois como é que foram surgindo essas novas ideias para mais vídeos? Ah, isso depois surge no dia a dia. Basta a gente olhar à volta e o que não falta é inspiração. Eu vou-me inspirando desde as coisas pequenas da vida, do dia a dia, as coisas corriqueiras da nossa vida… O atender o telemóvel, o colega do serviço essas coisas pequenas até às coisas grandes, até aos grandes acontecimentos mundiais, os acontecimentos no nosso país. Epá! Vou bebendo inspiração do dia a dia e o que não falta são coisas de onde tirar ideias. Como é que foi sair da vertente da internet, gravar o vídeo para depois atuações em palco? Foi o inverso, primeiro comecei a fazer espetáculos ao vivo e depois é que comecei a fazer os vídeos a

sério. E como eu estava a dizer, já na universidade, aqueles tais vídeos que comecei a fazer a sério eram para apresentar nas atuações ao vivo que eu já fazia com a tuna nas partes da comédia e depois, durante 2006, fui sempre fazendo espetáculos de comédia de sketches com amigos meus. Depois zemos um grupo que era o grupo “Os Tunalhos”, que era um grupo de comédia e por aí em 2006 é que comecei a fazer os vídeos, mas antes disso sempre z espetáculos ao vivo, portanto a transição foi feita foi, exatamente ao contrário. Primeiro z espetáculos ao vivo e depois é que comecei a fazer os vídeos. Qual foi até agora o seu vídeo que teve maior sucesso? Isso é difícil de responder e eu vou-te explicar porquê. Os meus vídeos vão mudando de plataformas, por exemplo, o meu vídeo mais visto no YouTube agora é o do “Hel med foi à América”, tem dois milhões e tal ou três milhões de visualizações. Mas, por exemplo, eu tenho vídeos “Se Rambo fosse feito nos Açores”, “Se o Titanic fosse feito nos Açores”, por exemplo, no Facebook está com cinco milhões ou lá o que é, mas que entretanto já tenho outro tanto no YouTube, mas que tive de apagar por causa dos copyright, meti no Facebook mas depois também apagou, ou seja, fui perdendo o histórico das visualizações, portanto, ele agora está com cinco milhões, mas já não sei quantas é que ele já teve e é difícil para mim dizer qual é o que tem mais visualizações. Tem várias vertentes nos seus vídeos, como por exemplo, o “se fosse feito nos Açores”, o “Hel med foi à América”, são vídeos mais descontraídos. Quais são os que dão mais prazer a fazer e quais são os que dão mais trabalho? Os que dão mais prazer são aqueles que eu próprio estou a rir-me do quão parva é a ideia, ou seja, quando me consigo fazer a mim rir é bom sinal, esses dão me prazer. Uma pessoa às vezes faz, mas não está muito inspirada, mas quer produzir, às vezes nós temos vontade, mas não temos a inspiração e às vezes tentamos forçar a inspiração e depois acaba por ser um bocadinho trabalhoso e não sai assim nada de especial. Os que eu gosto mais de fazer são os que eu faço várias personagens. Aqueles “se fosse feito nos Açores” lá está, eu gosto de fazer, mas que nessa fase eu basicamente só faço porque as pessoas me pedem, NOABRIL20 07


ENTREVISTA

porque se fosse por mim já tinha deixado de fazer, porque o formato em si acho que se esgota, não passa daquilo, mas o pessoal parece que não se farta, ou seja, para mim enquanto criativo, para mim não tem mais nada a oferecer, mas como as pessoas querem que eu faça… Os que dão mais trabalho a fazer são onde eu faço vários personagens a falar comigo mesmo, que implica trocar de roupa, mudar de plano de câmara, mudar o microfone, mudar as luzes, dizer as deixas todas, mudar outra vez de personagem e depois perco muito de tempo na edição para aquilo bater tudo certo… São esses que dão mais trabalho. Falando agora da nossa atualidade, desta pandemia que se hoje vive, como é que está a ser o seu quotidiano, mudou alguma coisa enquanto comediante? Está a fazer ainda mais vídeos? Mudou tudo, não pelo facto de ser comediante, mas pelo facto de ser humano, mudou tudo, mudou tudo no mundo inteiro. Neste momento eu estou em casa em quarentena já há quase vinte

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dias, ou seja, já perdi a conta aos dias o que é mau sinal, mas estou há uns vinte dias já fechado com os meus miúdos. E muda tudo, obviamente! As tais fontes de inspiração, uma pessoa, está em casa é difícil ir buscar inspiração, é difícil ir buscar ideias. Depois também essa depressão coletiva acaba também por bater numa pessoa. Só se fala no COVID-19, só se fala no Coronavírus, uma pessoa também não tem assim grandes coisas para falar e é um tema assim delicado porque, para fazer piadas sobre isso, uma pessoa tem de ter alguma sensibilidade, porque há pessoas a morrer. O que tenho tentado fazer com os meus vídeos ultimamente e que tem tido bastantes visualizações no Facebook e no YouTube, é aliar um bocado a comédia à mensagem útil, ou seja, pegar nos vídeos para passar uma mensagem importante que é o “ quem em casa”, o “protejam-se”, en m… Estou a usar a arma que eu conheço, que é a comédia, para tentar ser útil.


CARLOS FERREIRA

DEPUTADO NA ALRAA PELO PSD/AÇORES

CLAÚDIA CARVALHO

O que o fez ingressar pela vida política? Quais eram as suas expetativas? A atividade política é fundamental para melhorar a vida das pessoas e criar condições de desenvolvimento em cada uma das nossas ilhas, e na Região de forma global. Eu exercia funções de responsabilidade ao nível da segurança pública, e quando o desa o me foi lançado, encarei-o como um reconhecimento pelo trabalho de todos os polícias com quem trabalhava e como uma oportunidade para intervir em áreas mais diversi cadas. A segurança é uma pedra nuclear da nossa vida, e nesta função tenho a possibilidade de defender medidas de melhoria da segurança e de muitas outras áreas da nossa vida coletiva. A minha expetativa era – e é – representar bem quem nos elegeu, ajudando a resolver problemas e apresentando propostas construtivas para melhorar a qualidade de vida das pessoas, no Faial e nos Açores. Porquê escolher representar o PSD e não outro partido político? A democracia precisa de alternativas, precisa de ser arejada. Se assim não for,

criam-se vícios que minam a prática política e a con ança das pessoas no funcionamento das instituições. Quando o PSD me desa ou a aceitar este desa o, esse foi um dos aspetos que ponderei e me levou a aceitar. O Faial e os Açores precisam dessa mudança, desse arejamento da política. Se entendemos que algo tem de mudar, e nos desa am a fazer parte dessa mudança, temos que ponderar muito bem se estamos, ou não, disponíveis para ajudar a construir a mudança necessária. Eu decidi responder: “sim, estou disponível”. De que comissões faz parte atualmente? Integrei a Comissão Eventual de Inquérito à Rede de Cuidados Continuados Integrados da Região Autónoma dos Açores, no período em que esta desenvolveu a sua atividade. Faço parte desde o início da legislatura, da Comissão Permanente de Política Geral, que tem na sua esfera de competências, entre outras, a área da Proteção Civil, de que sou responsável setorial no meu grupo parlamentar. Na área da Proteção Civil, o PSD/ Açores tem mostrado ter uma visão NOABRIL20 09


ENTREVISTA

clara sobre o que pretende. Para além das posições públicas e dos requerimentos que materializam a scalização da ação do governo e servem também para alertar para problemas identi cados, apresentámos iniciativas legislativas concretas para melhorar o funcionamento do Serviço de Suporte Imediato de Vida (SIV), para a elaboração do Plano Regional de Emergência de Proteção Civil dos Açores e para a Revisão da Portaria de Condições de Trabalho dos Bombeiros Tripulantes de Ambulância. Estamos convictos de que, com estas medidas, o trabalho dos agentes de proteção civil na região faz-se hoje com melhores condições. E daremos continuidade a este trabalho. Enquanto deputado na ALRAA, qual poderá ser considerado o momento que mais destacaria ao longo das suas intervenções? Eu não gostaria de destacar um ou outro momento. É preciso representar as pessoas que nos elegem ao longo dos 4 anos de mandato e não apenas num momento ou dois meses antes das eleições seguintes. Considero que os deputados do PSD eleitos pelo Faial têm sido muito consistentes, colocando sempre a defesa dos interesses dos faialenses no centro da sua ação, em conjugação com a plena assunção do seu papel de deputados de toda a Região.

Enquanto vereador e ex-candidato à Câmara da Horta, e deputado na ALRAA, como considera que devem ser articulados os esforços entre poder local e regional? Onde acha que há uma maior e cácia política, no sentido de entender às reais necessidades das populações? A articulação de esforços entre poder regional e local é uma exigência crescente para melhor atender às necessidades dos cidadãos. O poder local é muitas vezes olhado como o mais frágil dos poderes públicos, nomeadamente ao nível de freguesia, mas é precisamente aquele que está mais próximo das pessoas e dos seus problemas. Por isso mesmo, é no poder local que pode haver maior e cácia na gestão de recursos públicos para atender às necessidades da população. A nível parlamentar, temos protagonizado esta conjugação de esforços com as juntas de freguesia, dando como exemplo as ações relativas ao ramal

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de acesso ao Monte da Guia, nas Angústias; ao Castelo da Rocha Negra, nos Cedros, ou ao Polo de Pedro Miguel do Jardim Botânico do Faial, após a articulação com os executivos das respetivas juntas. Atingimos uma fase, no entanto, em que é necessário ir mais longe na capacitação das autarquias locais, com critérios transparentes e sem terem de estar de mão estendida, e o presidente do PSD/Açores já apresentou o seu programa para o concretizar. Sendo natural da ilha do Faial, e acompanhando de perto, tanto a nível local, como regional, os prejuízos provenientes do furacão Lorenzo, como lidou a população local com esta intempérie? Acha que estão a ser tomadas as devidas diligências da maneira mais correta e efetiva? A população do Faial e as populações das ilhas afetadas de um modo geral, e as várias autoridades públicas, lidaram muito bem com o furacão e as suas consequências imediatas. As pessoas revelaram uma grande entreajuda e solidariedade para enfrentar a intempérie e ajudar os mais atingidos. O problema foi, e continua a ser, a fase seguinte. O governo regional, que esteve muito bem na fase inicial, não foi depois consequente e revelou-se incapaz de cumprir a sua missão. Não é aceitável que se deixe uma ilha mais de 50 dias sem abastecimento, e do mesmo modo é incompreensível que mais de seis meses depois, uma pessoa possa continuar sem saber quando vai regressar à sua casa atingida, ou outra pessoa continue sem saber se vai poder reconstruir a casa destruída. A eutanásia é sem dúvida um assunto que marca a ordem do dia a nível nacional, mais recentemente devido à aprovação da sua despenalização. Como olha para esta medida? A eutanásia é um assunto fraturante para a sociedade portuguesa. Entendo que o PSD fez bem em deixar à consciência de cada um a formulação da sua posição. Enquanto agente político e ex-Comandante da PSP, e tendo em conta as manifestações e a insatisfação generalizada das forças de segurança um pouco por todo o país, reivindicando mudanças nas suas carreiras, consegue rever-se


ENTREVISTA

na situação dos seus ex-colegas de pro ssão? Eu continuo a ser polícia de pro ssão, embora agora sem exercer, porque a lei não permite a acumulação de funções. As reivindicações dos pro ssionais de polícia são antigas, na maior parte dos casos, como por exemplo o subsídio de risco, que é da mais elementar justiça. Sim, revejo-me na maioria das reivindicações e, sabendo que não se consegue resolver tudo de um momento para o outro, entendo que muitos dos problemas que se arrastam há largos anos deveriam já estar solucionados. Por outro lado, lembro que muitas vezes o que os polícias e outros pro ssionais precisam é de se sentirem respeitados, pelos seus concidadãos e pelos poderes públicos. Com José Manuel Bolieiro agora ao “leme” do PSD/Açores, considera que estão reunidas as condições para o partido se a rmar na Região, apontando já às próximas eleições regionais? O PSD/Açores está organizado, tem um presidente que congrega grande reconhecimento e quadros muito bem preparados nas variadas áreas de governação. Está em condições de apresentar aos açorianos uma alternativa credível e de con ança, para manter o que os Açores têm de positivo, e implementar medidas concretas para resolver

problemas tão graves como os que temos na saúde, nos transportes, nas dependências, no insucesso escolar e no abandono escolar precoce, para referir apenas alguns. Vejamos o contexto que estamos a viver. A prova de que o PSD está preparado é o conjunto de propostas que apresentou para combater a pandemia da COVID-19 na nossa Região e que estão a ser implementadas. Dou como exemplos o alojamento de emergência para pro ssionais de saúde, que o governo veio logo a seguir dizer que ia assegurar; a solução para recolha de amostras sem obrigar ao transporte de casos suspeitos, que acabou por ser implementada; a suspensão de voos da SATA para os Estados Unidos e Canadá, que foi concretizada poucos dias depois; ou o questionário de avaliação do risco e deteção precoce a preencher por todas pessoas chegadas à Região, que foi também implementado. O PSD está pronto para trabalhar com todos e para todos. Compete aos açorianos atribuir-lhe esta con ança.

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REPORTAGEM

EVOLUÇÃO DAS MULHERES AÇORIANAS NO MERCADO DE TRABALHO O trabalho e o emprego constituem um elemento fulcral na vida dos indivíduos (Rocha et al., 1999: 80), seja como forma de sobrevivência ou de construção da sua identidade social (Diogo et al., 2017:17). A atividade laboral contempla não só as funções de reprodução da estrutura económica, como também as de relações sociais que por sua vez assumem ainda maior relevo nas relações e diferenciações entre os homens e as mulheres na sociedade (Rocha et al., 1999: 80). Segundo Rocha et al., (1999), a mudança social, que ocorreu devido às transformações na esfera do trabalho ao longo do século, teve consequências inegáveis tanto na organização da vida ativa como nos grupos sociopro ssionais, que destacou um forte crescimento dos índices de atividade feminina. Assim, o processo de feminização do emprego que se observou ao longo deste último século permitiu a promoção social das mulheres e facultou os meios para a sua emancipação (Rocha et al., 1999: 84). No entanto, este fenómeno de feminização instaurou-se de forma diversa no contexto europeu (Rocha et al., 1999: 84). Desta forma, o breve ensaio que se segue pretende caraterizar e compreender a evolução das mulheres no sistema de trabalho ao longo das últimas três décadas na Região Autónoma dos Açores, tendo como base os censos de 1991, 2001, 2011 retirados do INE e do PORDATA. Realça-se que apesar de se centrar na população açoriana, teremos também a referência às restantes regiões do país com o intuito de comprar e compreender a evolução das mulheres no mercado de trabalho e perceber as

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SARA BORGES

discrepâncias existentes no país. Recorremos, deste modo, à análise das taxas de atividade feminina, mas num primeiro momento iremos enquadrar a temática do trabalho, em especí co do trabalho feminino. Desta forma, e segundo Ramos (2017), durante o século XX observamos a transição de uma sociedade fordista para uma pós-fordista. Em relação à primeira, esta demarcava-se pela centralidade do trabalho, onde predominava uma relação remunerada com um vínculo contratual estável e com baixa con itualidade social, fundamentando, dessa forma, a autonomia e a cidadania, explicando o porquê do termo trabalho ser intrinsecamente associado à noção de emprego (Kovács, 2002; Ramos, 2017). Na época pós-fordista, assistimos a uma rutura com a sociedade antecedente, sendo assim, registamse grandes transformações na sociedade e nas formas de trabalho, seja a nível tecnológico ou a nível da complexidade das relações sociais e de mercado (Campos, 2013). Estas transformações colocaram em causa conceitos e representações sobre o trabalho e o emprego que foram sendo estabelecidas desde o início do século XX (Kovács, 2002). Entre as diversas alterações destaca-se a fragilização do Estado-Providência, que possibilitou uma maior liberdade de ação por parte das empresas, resultando num cenário de proliferação de empregos precários (mal pagos, incertos e sem perspetivas de progresso pro ssional), sendo neste cenário que se encontra parte da participação feminina no mercado de


REPORTAGEM

trabalho (Kovács, 2002; Ramos, 2017). Desta forma, o conceito de exibilidade reveste-se de uma grande importância para compreender as novas formas organizacionais e a insegurança laboral que se alastra (Ramos, 2017). Segundo Giddens (2013), as taxas de atividade feminina na Europa no início do século XX caraterizavam -se por serem muito baixas. Este autor enfatiza um conjunto de motivos que permitiram o aumento da atividade feminina durante o decorrer do século. Sendo assim, Giddens começa por destacar a 1ª Guerra Mundial, sendo que nesta época registou-se um aumento da taxa de emprego feminino devido à falta de mão de obra. Observou-se assim uma quebra do padrão pré-estabelecido que, mesmo após o m da Guerra, não volta a ser xado da mesma forma (Giddens, 2013). Seguidamente, temos os anos após a 2º Guerra Mundial, em que a divisão do trabalho com base no género mudou radicalmente. Observamos uma democratização das relações conjugais e na articulação entre família e trabalho pro ssional (Giddens, 2013). Por outro lado, temos o facto da atividade da mulher incidir no setor dos serviços. Em Portugal, no ano de 2011, a taxa de atividade das mulheres no setor terciário era de 74,5% (Casaca, 2013). Esta feminização explica-se segundo Ramos (2017) e Casaca (2013), pelo facto de serem segmentos que socialmente são associados a tarefas desenvolvidas pelas mulheres no interior do espaço doméstico. Desta forma, todo o percurso de integração da mulher no mercado de trabalho é marcado por tensões,

estagnações e até mesmo regressões (Rebelo, 2002). Contudo, é visível um movimento de reequilíbrio entre os sexos no mercado de trabalho a partir de 1960, porém este movimento apresenta muitas especi cidades (Rebelo, 2002). De acordo com Baptista (2014), a evolução da mulher no mercado de trabalho português ao longo do tempo foi alvo de maior ou menor visibilidade, tendo em conta as conceções políticas e sociais das épocas. Em Portugal, segundo Tomás (2015), as mulheres sempre trabalharam, o que se vem alterando é o teor, a natureza e o estatuto do trabalho. De acordo com os estudos de Tilly e Scott (citados por Baptista, 2014), o trabalho das mulheres e dos homens até 1930 encontrava-se equilibrado, contudo depois dessa data regista-se uma saída das mulheres do mercado de trabalho, essa situação deveu-se em grande parte pelo regime autoritário que se instaurou na década de 1930 e devido à conceção ideológica que ele propagava, na qual era atribuída à mulher o papel de doméstica, de cuidadora do lar e do bem-estar familiar. No entanto, nas décadas de 1960/70, o país sofreu grandes perdas a nível populacional devido ao surto emigratório e à Guerra Colonial. Por este motivo, muitos homens abandonaram o país e as mulheres tornaram-se os chefes de família (Diogo, 2007), tendo como consequências um novo ciclo da mulher no mercado de trabalho, segundo Baptista (2014), em 1970 as mulheres representavam 24% da população ativa, também na década de 1970. Com o m do regime autoritário, observamos um elevado crescimento da taxa de

GRÁFICO 1 – TAXA DE ATIVIDADE FEMININA NOS AÇORES, NOS ANOS DE 1991, 2001 E 2011 (EM %) FONTE: INE, CENSOS 1991, 2001 E 2011 NOABRIL20 13


REPORTAGEM

atividade feminina, crescendo para 61,5% (Tomás, 2015). A prestação de trabalho assalariado foi durante muito tempo uma realidade que diferenciou homens e mulheres (Tomás, 2015). Este assalariamento decorreu de forma tardia para as mulheres. Este processo resulta de um efeito geracional no qual é possível comparar as gerações de avós, mães e lhas referente às taxas de participação no mundo laboral (Tomás, 2015). Assim, “a pertença geracional carrega assim as vincadas marcas relativas às diferenças de oportunidade, claras pelo menos, em termos de regime de prestação de trabalho” (Tomás, 2015, p. 5). Em níveis quantitativos, segundo os dados do INE (2012), em Portugal, as mulheres existem em maior quantidade e possuem uma maior longevidade, são mães cada vez mais tarde e de menos lhos, em relação ao risco de pobreza este é superior para as mulheres. No que diz respeito à inserção no Ensino Superior, representam a maioria, no entanto a integração no mercado de trabalho apresenta-se problemática para elas, sendo que possuem as taxas de desemprego mais elevadas. Em relação ao Açores, esta região, que se demarcava por possuir os níveis mais baixos, no que diz respeito à atividade feminina no contexto português, conheceu um incremento dessa taxa (Diogo, 2007). Contudo, não foi o su ciente para eliminar a diferença em relação ao valor nacional. Sendo assim, é de elevada importância perceber as

razões que explicam essa diferença (Diogo, 2007). Segundo Diogo (2007), podemos destacar dois tipos de razões, as de nível macro e as de nível micro. No que diz respeito às questões de nível macro, tem por base a importância económica que atividades marcadamente masculinas têm na região, como é o caso da agricultura, construção civil e pescas (Diogo, 2007). Em relação ao nível micro, este incide nas representações sociais vigentes, até ao momento do estudo, em que se observa a importância do papel tradicional dos sexos, a divisão das tarefas, na qual o homem mantêm o estudo de provedor do lar, enquanto que a mulher se mantêm como cuidadora deste (Diogo, 2007). Desta forma, ao analisar as taxas de atividade feminina, em diversos períodos, podemos perceber a sua evolução, como também, como se encontra distribuída pelas diversas regiões. Assim, ao observarmos o Grá co 1, veri cámos que a taxa de atividade feminina os Açores, entre o ano 1991 e 2011 duplicou, passou de 21,1% para 48,5%. Com efeito, em 1991, a taxa de atividade das mulheres, entre as diferentes ilhas, oscilava entre um valor mínimo de 15,3% na Graciosa e um máximo de 27% no Faial. Vinte anos depois, em 2011, apesar de se veri car um acréscimo a Graciosa continua a registar o valor mais baixo na região 43,2%. Sendo assim, em 2011, a taxa de atividade das mulheres em todas as ilhas é superior a 40%, observando-se assim um grande aumento ao nível da participação das mulheres numa região que se demarcava no contexto nacional por deter baixas taxas.

GRÁFICO 2 – TAXA BRUTA DE ATIVIDADE POR SEXO, NOS AÇORES DE 1991 – 2018 (EM %) FONTE: INE, PORTADA 14 NOABRIL20


REPORTAGEM

O Grá co 3 revela a evolução deste indicador em Portugal, entre 1991 e 2018. A taxa de atividade feminina em Portugal teve uma evolução positiva em todas as regiões do país entre 1991 e 2018, conhecendo um aumento de 11,3 pontos percentuais: de 43,2 para 54,5.

GRÁFICO 3 – TAXA BRUTA DE ATIVIDADE FEMININA EM PORTUGAL POR NUT II, NOS ANOS DE 1991, 2001, 2011 E 2018 (EM %) FONTE: INE, PORDATA

Ao longo destes 27 anos, a região dos Açores foi a que registou um maior aumento nessa taxa, de 28,1% para 52,4%. Contudo, os Açores integram com o Alentejo (50,8%) e o Centro (53,9%), as regiões com a menor presença feminina no mercado de trabalho em 2018. Em relação às outras regiões de Portugal, registamos que, em 1991, a região do Norte e Lisboa é que apresentavam os maiores valores, 53,5% e 46,3%, respetivamente. Em 2018, observamos que a região Norte continua a deter uma elevada taxa de atividade no contexto nacional (54,3%), no entanto foi ultrapassado pelo algarve (56,8%), Madeira (56,8%) e por Lisboa (55,8%). No que diz respeito aos Açores, seria interessante perceber quais as razões que levaram ao aumento exponencial da taxa de atividade feminina no período de 1991-2018. Salienta-se o facto de termos procurado bibliogra a regional que justi casse essa alteração, mas não encontramos. Desta forma, realçamos como possível razão uma alteração das mentalidades em relação ao trabalho, como também uma necessidade da parte das mulheres em obter a sua independência económica.

GRÁFICO 4 – TAXA DE ATIVIDADE FEMININA, UE28 (2018) (%) FONTE: OBSERVATÓRIO DAS DESIGUALDADES NOABRIL20 15


REPORTAGEM

Por último, temos o Grá co 4, que retrata a taxa de atividade feminina na União Europeia, em 2018. Nesse ano, a Islândia era o país europeu com os maiores níveis de participação feminina no mercado de trabalho (77,9%), seguida da Suíça (62,9%) e da Suécia (62,6%). Por sua vez, era entre os países do Sul da Europa onde se veri cava as menores taxas de atividade feminina, nomeadamente, em Itália, Grécia e Croácia com valores de 41,1%, 44,3% e 45,5%, respetivamente. Portugal (54,5%) apresenta valores de participação feminina no mercado de trabalho superiores à média europeia (52%) e superior aos países do Sul da Europa. Sendo assim, podemos a rmar que numa época de mudanças estruturais, os processos de modernização permitiram que os movimentos pela causa das mulheres se expandissem por toda a Europa, contribuindo para que estas se tornassem protagonistas do seu destino nesses mesmos processos de mudança (Tomás, 2015). Deste modo, Portugal, não indiferente à tendência de mudança global, também apresenta transformações, embora os “ecos de mudança lhe [chegassem] diferidos no tempo” (Tomás, 2015, p. 6). Uma das transformações mais notórias incide nas formas de trabalho e observa-se através das taxas de atividade feminina, apresentadas ao longo deste breve ensaio, a emancipação social da mulher, a sua libertação parcial da esfera doméstica. Assim, as taxas de atividade geral cresceram em virtude da pro ssionalização das mulheres. Segundo Tomás (2015), as tendências, percetíveis no longo prazo, apontam para uma partilha equilibrada de participação entre homens e mulheres que integram indiscriminadamente as forças produtivas do país. No caso concreto dos Açores, uma das regiões do país onde a participação das mulheres no mercado de trabalho era mais baixa em 1991, conheceu uma grande evolução a este nível, seguindo a tendencial nacional de simetria e similitude por sexos. No entanto, continua a apresentar em 2018, uma das taxa mais baixas nas regiões de Portugal, situandose em penúltimo lugar com um total de 52,4%, ultrapassando o Alentejo com 50,8%. Sendo assim, no contexto nacional, as taxas de atividade destacam que “as implicações mais signi cativas na articulação entre conjunturas demográ cas e de emprego são as migrações e a 16 NOABRIL20

pro ssionalização feminina” (Tomás, 2012, p. 64). No contexto regional, embora com valores mais baixos, “a Região Autónoma dos Açores segue de perto o modelo de evolução geral que se esboçou, tanto a nível da participação na atividade global como em termos de divisão sectorial do emprego” (Tomás, 2012, p. 70).

BIBLIOGRAFIA Baptista, Virgínia do Rosário (2014) Re exões sobre a evolução do trabalho feminino em Portugal, http://www.barometro.com. pt/2014/10/05/re exoes-sobre-a-evolucao-do-trabalho-feminino-emportugal/ acedido em 27 de novembro de 2019. Campos, A. (2013). “Trabalho, Quali cação, Poder e Precariedade: Uma abordagem dinâmica à estruturação dos modelos produtivos, a partir de um estudo de caso da pro ssão cientí ca”. Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, nº 25, 11-32. Casaca, S. (2013), “As novas dinâmicas laborais e os desa os da articulação com a vida familiar”, Sociologia, Problemas e Práticas, nº 72, 31-52. Diogo, F. (2007), “Singularidades do trabalho feminino nos Açores: do macro ao microssocial” in Actas do VI Encontro de Sociologia dos Açores, Ponta Delgada, Centro de Estudos Sociais, pp. 89-101. Diogo, Fernando (coord.), Palos, Ana Cristina, Diogo, Ana Matias, Tomás, Licínio e Silva, Osvaldo (2017). Juventude Açoriana e Mundo do trabalho, Ribeirão, Húmus. Giddens, A. (2013). Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Kovács, I. (2002). As metamorfoses do emprego. Ilusões e problemas da sociedade da informação. Oeiras: Celta. Ramos, V., (2017), “Informalidade, estabilidade e precariedade: uma análise sequencial das trajetórias pro ssionais ao longo das últimas décadas - Introdução”, Sociologia, Problemas e Práticas, nº 84, 43-62. Rebelo, G., (2002), Trabalho e Igualdade. Mulheres, Teletrabalho e Trabalho a Tempo Parcial. Oeiras: Celta. Rocha, Gilberta Pavão Nunes; Medeiros, Octávio; Tomás, Licínio; Madeira, Artur; Borralho, Álvaro (1999). A situação das mulheres no Açores. Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Ponta Delgada. Rocha, Gilberta Pavão Nunes; Santos, Amélia; Tomás, Licínio (2005) Entre margens: percursos para uma vida ativa. Direção Regional da Juventude, Emprego e Formação Pro ssional. Ponta Delgada. Tomás, Licínio Manuel Vicente (2012), Conjugação dos Tempos de Vida. Idade, Trabalho e Emprego, Lisboa, Editora Mundos Sociais. Tomás, Licínio Manuel Vicente (2015, abril). Filhas de uma outra sorte: as gerações de mulheres face ao trabalho e ao emprego. In Atas do VIII Congresso Português de Sociologia, “40 Anos de Democracia(s): progressos, contradições e prospetivas”, Universidade de Évora, Évora.


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NUNO RODRIGUES

MESTRE DO RANCHO DE ROMEIROS DE SÃO ROQUE A romaria é uma tradição incontornável neste mês de abril. Infelizmente, devido à situação atual que estamos a passar, muitas peregrinações tiveram de ser canceladas e muitos irmãos não tiveram a oportunidade de percorrer a sua caminhada de Fé. A NO Revista teve, no entanto, a oportunidade de falar com o irmão Nuno Rodrigues, mestre do rancho de São Roque, um dos poucos que realizou a peregrinação. Falámos com o irmão Nuno no início da jornada e no final, de modo a captar da melhor forma a verdadeira essência desta caminhada. Este foi um ano muito especial para o rancho, uma vez que comemora o seu 25º. aniversário. Nuno Rodrigues falou-nos um pouco da experiência, dos sacrifícios e do significado por detrás desta tradição. ANA MASSA

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Há quantos anos é mestre deste rancho? Este ano faço 20 anos, portanto 20 romarias como mestre. O que é que o fez tornar-se romeiro? Acima de tudo foi a curiosidade. Há 25 anos, foi fundada a primeira romaria em São Roque e senti aquela curiosidade de experimentar. A partir daí tenho vindo sempre durante esses 25 anos. Depois comecei a gostar da experiência dessa semana e nunca mais parei. Fale-me um pouco da importância desta tradição. Essa tradição é muito importante porque é um momento em que as pessoas param na sua vida para refletir, para rezar. Com a agitação do dia a dia, muitas vezes temos dificuldades em poder parar um pouco, tirar um pouco de tempo para nós, isolarmo-nos do mundo, daquilo que nos distrai, das redes sociais, da própria televisão e

assim vamos só pensando em nós, nos nossos problemas e arranjar forma de os tentar solucionar quando chegarmos às nossas casas. Consegue explicar-me o significado de alguns dos objetos que os romeiros carregam consigo durante toda a viagem? Toda a nossa indumentária tem significado. Portanto, o lenço é o símbolo máximo do romeiro, que nunca se pode tirar de cima dos ombros e simboliza a coroa de espinhos. O manto que foi colocado em cima de Jesus Cristo. A saca, que nos vai pesando nas costas, simboliza a cruz que Cristo carregou e o cetro, que também foi entregue a Jesus Cristo. Estamos todos vestidos da mesma forma, todos vestidos por igual, embora varie as cores e os formatos, mas todos de xaile e lenço. Somos todos iguais, na romaria não há pobres e não há ricos, temos todos o mesmo


ENTREVISTA

estatuto social. O vosso rancho celebra o seu 25.º aniversário este ano. O que é que isto significa para o rancho? 25 anos significa que já conseguimos manter esta tradição durante muito tempo. É sinal que temos vindo a dar alguma coisas às pessoas e a responder a algumas dúvidas de Fé que elas possam ter ou outros a criar algumas dúvidas. Se conseguimos, durante esses 25 anos, ter pessoas que façam a caminhada connosco é porque no nosso rancho as pessoas realmente sentem que vão à procura e que encontram alguma coisa. Na nossa freguesia, nunca houve tradição de romeiros. Há 25 anos, surgiu essa iniciativa e temos vindo sempre a manter esta tradição ao longo deste tempo. Acha que esta é uma tradição que ainda conta com a participação dos jovens? Sim, eu tenho neste rancho muita gente nova e cada vez mais os jovens têm vindo a aderir, devido ao facto de outras pessoas terem vindo e gostado da experiência e falarem com os seus amigos, trazendo-os para virem consigo. Acima de tudo é importante o passar da palavra pelos amigos. É sinal que os jovens já falam mais das suas experiências de Fé e de acreditarem em Deus. É importante que o sangue seja sempre renovado. Graças a Deus temos tido sempre irmãos novos todos os anos, embora uns anos mais e outros menos. Este ano, tivemos o reencontro de um pai com o filho, que iam os dois noutros ranchos, e o filho decidiu vir para o de São Roque.

Acha que embora o esforço físico extremo é uma viagem que vale a pena? Sim, sem dúvida. Vale a pena todo esse cansaço e chegarmos à nossa freguesia, sermos recebidos. Os momentos de convívio que nós passamos, aqueles momentos de reflexão. É muito proveitoso e vale mesmo a pena todo esse sacrifício. Como se sente após mais uma semana, mais uma caminhada ao longo destes anos? Sinto-me acima de tudo feliz e contente por a caminha ter corrido bem, por todos os meus irmãos terem chegado bem de saúde e acima de tudo felizes e com um sentimento de Fé muito grande. Ao longo dessa semana houve algum dia ou algum momento que o marcou mais? A mim marcaram-me alguns momentos especiais como um pôr-do-sol bonito, o parar o vento. São momentos que, para mim, me marcaram especialmente. Acredito que a qualquer um deles houve pequenos pormenores que foram marcando individualmente. Portanto, o pôr-do-sol pode ter sido bonito para mim e não para outro irmão, porque é uma semana muito pessoal e consoante o nosso espírito e as nossas forças, cada momento é diferente para cada irmão. Quais são as suas expetativas para os próximos anos do rancho? A próxima expetativa é fazer agora os 50 anos. Já não será comigo, certamente, mas é manter o nível de espiritualidade, a união e a interajuda que tem havido sempre.

NOABRIL20 19


REPORTAGEM

JUVENTUDE É SINÓNIMO DE DESEMPREGO A par das várias mudanças que acontecem nas sociedades contemporâneas, os processos da vida adulta sofrem alterações que moldam a noção do que é ser jovem e a sua transição para o estatuto de adulto, pois os percursos escolares são cada vez mais longos e as inserções pro ssionais mais tardias e instáveis entre muitos outros fatores que implementam nos mais novos a condição adulta. Atualmente, a juventude é sociologicamente entendida como uma realidade social, historicamente recente, que surgiu através das modernas sociedades industrializadas e escolarizadas. Deste modo, o termo juventude traduz um espaço social que decorre entre a infância e a maturidade humana, entre a total dependência social e a emancipação que se alcança com a obtenção do estatuto social de adulto. Com o avanço da modernização das sociedades e correspondente complexi cação do desempenho de funções sociais, tem-se vindo a assistir a um prolongamento da aprendizagem social ou socialização dos indivíduos. São sobretudo as crescentes necessidades de quali cação e especialização ocupacionais que fazem com que ocorra um retardar progressivo do ingresso na vida adulta principalmente no caso dos jovens. É neste sentido que dizemos que o aparecimento da juventude é um produto histórico do processo de industrialização tecnológica das sociedades e da escolarização de massas. Deste modo, a juventude não é uma realidade biológica ou natural, nem algo que se compare com meros critérios etários, mas sim uma condição social que se constitui histórica e socialmente. Quer isto dizer que “a juventude, como produto da evolução histórica das sociedades, se condiciona e diferencia socialmente, mas que, para além da diferenciação social das juventudes e dos jovens, 20 NOABRIL20

SOFIA CORDEIRO

há algo que os constitui como sujeito social autónomo e, portanto, também como objeto de análise especí co, que é precisamente a sua condição social” (Braga da Cruz et al, 1984: 285). A condição social é uma situação de dependência e subordinação caraterizada pela inexistência dos elementos que conferem a cidadania social, ou seja, é a existência de interesses coletivos de geração que identi ca socialmente a juventude. Na atualidade, torna-se cada vez mais difícil de nir não só quando começa ou acaba a juventude, mas também quando é que os jovens transitam para a fase adulta. Ora, “o acesso à idade adulta é basicamente determinado pelo ingresso na vida ativa, ou seja, pelo início de uma ocupação pro ssional e completa-se pela aquisição de uma autonomia social, que se corporiza pela emancipação não só económica, mas também habitacional da família de origem, com a constituição de agregado próprio, e pela aquisição de direitos e deveres cívicos” (Braga da Cruz et al, 1984: 285). No entanto, estes acontecimentos já não ocorrem de forma linear e demarcados no tempo, passando a constituir percursos longos, complexos e individualizados. Todos os estudos que abordam a passagem dos jovens para a vida adulta enfatizam a relevância da entrada destes no mercado de trabalho como o passo fundamental para esta transição. Neste contexto, Diogo refere que este passo é encarado sob um ponto vista de incertezas, uma vez que a precariedade relacionada com o emprego jovem acaba por funcionar como uma barreira à própria independência dos jovens (2010: 4). Nesta transição para a vida adulta, os jovens de nem metas e objetivos a atingir em quatro dimensões de vida: riqueza, felicidade, educação


REPORTAGEM

e a carreira pro ssional. Só que o caminho para lá chegar não é rápido nem de fácil acesso e só os mais hábeis conseguem lá chegar mais rápido e com sucesso. Contudo, nota-se que o primeiro emprego ou é precário ou leva muito tempo a suceder. Aliás, veri camos segundo Guerreiro; Abrantes que “a relação dos jovens com o sistema de emprego é (…) pautada por uma sucessão de empregos precários e provisórios, intercalados com momentos (mais ou menos longos) de formação ou de desemprego dando origem a “trajetórias yoyo”. (2004: 40). Dito isto, podemos reforçar a ideia de que o casamento e a constituição de família tendem a ser adiados, atrasando assim a chamada transição para a vida adulta. No entanto, além destas transformações, muitos dos jovens tendem a adiar as suas decisões e responsabilidades de uma forma consciente quanto à vida adulta, mantendose mais sob a alçada dos pais e utilizando a fase de transição para um mundo de experiências, escolhas e de uma autonomia condicionada. Por outro lado, certos jovens ambicionam “aproveitar a vida”, isto é, vivê-la sem preocupações maiores, logrando assim a vida noturna (bares, discotecas), viajando e divertindo-se antes de assentarem e de assumirem as responsabilidades inerentes à vida adulta e posteriormente constituição de família

(Guerreiro; Abrantes, 2004: 39). Contudo, podemos a rmar que o prolongamento e a complexi cação das transições surgem especialmente devido à contração das oportunidades no mercado laboral, ou seja, esta realidade vai complicar e condicionar os indivíduos na perfeita assunção das responsabilidades e encargos relacionados com a vida adulta e independente. De igual modo, notamos que boa parte destes jovens abordam a transição para a vida adulta de uma forma cautelosa, perspetivando-a como um risco. De acordo com Giddens, “a noção de risco […] é inseparável das ideias de probabilidade e de incerteza […] O risco refere-se a perigos calculados em função de possibilidades futuras. Só tem uso corrente numa sociedade orientada para o futuro. Uma sociedade que tenta ativamente desligar-se do passado – na realidade, a primeira caraterística da civilização industrial da era moderna” (Giddens, 2006: 32-33). Sendo assim, estes jovens preferem dar passos seguros nesta transição, isto é, só se inserem nesta quando possuírem o mínimo de condições económicas, sociais e académicas que lhes possibilite uma vida adulta tranquila e segura.

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CRÍTICA LITERÁRIA

PEREGRINAÇÃO NA ILHA GRANDE FECHADA

Neste mês de romarias e de peregrinações, de devoção e Fé, achei por bem escolher um autor que retratasse a convicção admirável destes homens (e mulheres) de Deus. Achei também propício este tema uma vez que, devido à infeliz situação atual em que vivemos, muitos romeiros não tiveram a oportunidade de realizar a sua caminhada sagrada pela ilha e, em jeito de homenagem, venho trazer um pouco do que é esta experiência tão única e sentida. Serão, portanto, as palavras de Daniel de Sá na obra Ilha Grande Fechada que servirão de pincel para a tela que pretendo expor. Daniel Augusto Raposo de Sá nasceu na freguesia da Maia, concelho da Ribeira Grande, na Ilha 22 NOABRIL20

ANA MASSA

de São Miguel, a 2 de março de 1944. Fez o Curso de Magistério Primário, cursou Filoso a e saiu de São Miguel para frequentar o curso de Teologia no seminário Comboniano de Valência, na Espanha. Após tantos anos fora da ilha, decidiu lecionar no ensino Básico, na Maia, onde passou o resto da sua vida, até 2013. Exerceu vários cargos públicos, foi secretário regional da Comunicação Social e Desporto, na Junta Regional dos Açores; deputado nas primeiras duas legislaturas da Assembleia Regional; vereador da Câmara Municipal da Ribeira Grande; e membro da Assembleia Municipal do mesmo concelho. Ganhou a Medalha de Ouro de Mérito Municipal.


CRÍTICA LITERÁRIA

Foi distinguido enquanto O cial da Ordem do Infante D.Henrique e Insígnia Autonómica de Reconhecimento. Ilha Grande Fechada, cuja primeira edição é de 1992, é uma novela que, em nove capítulos, conta a história de João, um el romeiro que nascera e crescera na ilha de São Miguel. Estes nove capítulos contêm subtítulos de outras obras de escritores açorianos, como por exemplo Gente Feliz com Lágrimas de João de Melo; Lugar de Massacre de José Martins Garcia ou (Sapa)Teia Americana de Onésimo de Almeida. Cada título expressa o signi cado de situações vividas por João. Cada capítulo corresponde a um dia na vida do romeiro. A narrativa constrói-se através da consonância entre passado e presente, entre os problemas do país na altura e a vida pessoal do protagonista. João lutara na guerra colonial, passou dois anos em Angola e regressa um herói, no entanto regressa sem conseguir esquecer o pesadelo que passara. Como promessa desesperada por ter sobrevivido à guerra, cumpre a peregrinação durante nove dias em volta da ilha, para de seguida exilar-se da mesma para o Canadá. «A ilha, toda inteira. Passo a passo há-de João andá-la de ponta a ponta, duzentos e cinquenta quilómetros em redor, cinquenta léguas compridas de cansaços e Ave-Marias». Esta ânsia em querer sair da ilha e emigrar levanta certamente uma questão muito sensível da nossa açorianidade. No primeiro capítulo, João inicia a sua viagem, despede-se da mulher, Irene, e dos lhos. No segundo dia, ou capítulo, já «há momentos em que o cansaço parece maior do que as forças de se poder com ele». É-lhe estranho não passar a noite com Irene desde a guerra. João relembra a sua chegada à ilha enquanto sobrevivente da guerra. A ilha que, durante meses, parecia uma utopia inatingível. No terceiro dia, João está feliz por se reencontrar com Irene e os lhos. O encontro é alegre, no entanto João entristece com as notícias de Diana, «a sua cadela meio rafeira meio pastor alemão, que nunca o larga de manhã à noite», que não comia desde que ele partira. Para o romeiro, despedir-se de Diana seria o mais difícil e «tinha vergonha de dizer

isso fosse a quem fosse, as pessoas não iriam compreender, e decerto se sentiriam ofendidas, a mãe ou o pai, um qualquer dos amigos, se se vissem comparados com um animal e a perder na comparação». No quarto dia, «João começa a perceber que há-de ser assim até se acabar a romaria: levantarse ainda cansado e ensonado, e com os pés a ameaçarem não aguentar a caminhada». No quinto dia, «sob o xaile e o lenço, os romeiros suam». O pó que cobre João anseia por chuva e no sexto capítulo as suas roupas cam encharcadas, apagando a poeira do caminho. No sétimo dia, o rancho chega à cumeeira das Sete Cidades. «Ali, Deus dispensa o altar e a liturgia, e qualquer pregação, que seja mais do que a paisagem somente, são palavras inúteis». João relembra a lenda da origem das lagoas, umas das muitas histórias que ligam todas as ilhas numa só, «porque a única ilha são as nove, remendos soltos de pedaços de chão cosidos pelas linhas de um horizonte de mar». Na sua última noite de peregrinação, no oitavo capítulo, João tem um sono inquieto, no entanto «sentia o cheiro da sua terra e da sua casa, era como se, apurando o ouvido, a voz de Irene e dos lhos surgissem entre as pausas do canto do rancho cansado». Enquanto sonhava, relembra o momento, em criança, de quando havia sido expulso de casa, juntamente com os pais e irmãos, a rmando que esse momento teria originado o seu desejo de sair, pois «João nunca perdoou à ilha». No nono dia, «João já se via a chegar a casa, esquecendo o cansaço, a sujidade, e a barba de nove dias». Cumpre a promessa e regressa a casa com a ânsia de querer logo partir. Marcara as passagens para o dia seguinte, nada o impedia, a não ser Diana. João fala-lhe como se fosse gente. Tal discurso de um homem sofrido. «Não deixo para trás nada que me faça falta, a não seres tu, Diana», a rma. João tenta despedir-se da ilha enquanto conversa com a cadela. Brinca com Diana, que lhe obedece em todas as ordens. «Morre, Diana. A cadela deitou-se, imitando a morte sem saber o que imitava. João pegou no sacho, ergueu-o e apontou à cabeça. A pancada caiu certeira e fulminante». João destrói o seu último vínculo à ilha. NOABRIL20 23


CRÍTICA LITERÁRIA

Creio que Ilha Grande Fechada acaba por tratar não só este lado popular e tradicional da nossa açorianidade, mas também destaca este signi cado tão próprio de emigrar, de querer partir sicamente, mas nunca o conseguir espiritualmente, pois «sair da ilha é a pior maneira de car nela», assim a rma o irmão João.

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REPORTAGEM

A EVOLUÇÃO DO COVID-19 NOS AÇORES A situação em que nos encontramos hoje na Região Autónoma dos Açores teve o seu início no dia 11 de março, quando Vasco Cordeiro, Presidente do Governo dos Açores, declarou o estado de alerta da região até ao dia 31 de março. Há data não haviam casos positivos nos Açores, mas no panorama nacional, e segundo um grá co da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Publica, existiam no país 59 casos con rmados de Covid-19. Dois dias depois, a 13 de março, o país quase que duplicava os casos positivos, eram agora 112. Neste mesmo dia, e apenas dois dias após o estado de alerta, dado a evolução da pandemia a nível nacional, já que nos Açores ainda não se veri cava nenhum caso, Vasco Cordeiro declara estado de contingência até 31 de março. No dia seguinte surge o primeiro caso de Covid-19 nos Açores que, segundo a Autoridade de Saúde Regional, corresponde a um indivíduo do sexo feminino, de 29 anos, residente na ilha Terceira, com história de passagem por Amsterdão, na Holanda, e Felgueiras, em Portugal continental. A 18 de março Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, declara estado de emergência em todo o território nacional, com duração prevista até ao dia 2 de abril, e com a possibilidade de prorrogação. Há data o país contava com 642 Covid positivos. No mesmo dia surgiu o segundo caso de infeção pelo novo coronavírus nos Açores, um indivíduo do sexo feminino, de 49 anos da ilha de São Jorge, que fez uma viajem, em grupo, no cruzeiro MSC Belissima, com destino ao Dubai, e realizado entre 7 e 14 de março. No dia 19 de março surge o terceiro caso na 26 NOABRIL20

RUI SANTOS

Região, um indivíduo do sexo feminino, de 24 anos de idade da ilha do Faial. Em relação a este caso, Tiago Lopes, Diretor Regional da Saúde, a rmou que foi detetado a 13 de março no aeroporto da Horta, tendo sido, no imediato, colocado em quarentena, tal como os restantes passageiros da aeronave. O quarto caso surge no dia 21 e correspondeu a um indivíduo do sexo feminino, com 60 anos, da ilha de São Jorge pertencente ao mesmo grupo que viajou de cruzeiro. No dia seguinte surgiram sete novos casos, cinco em São Jorge, um na Terceira e outro em São Miguel. Na ilha de São Jorge, três indivíduos do sexo masculino, com idades entre 43 e 52 anos, e dois do sexo feminino, de 45 e 68 anos, todos integrados no grupo de oito pessoas que fez a viagem de cruzeiro ao Dubai. O segundo caso con rmado na ilha Terceira corresponde a um indivíduo do sexo masculino, de 40 anos. O caso con rmado na ilha de São Miguel é um indivíduo do sexo masculino, de 24 anos devido ao contacto com um indivíduo de Portugal Continental infetado. A 23 de março surge mais um caso positivo em São Miguel, trata-se de um indivíduo do sexo feminino, de 23 anos de idade, com história de passagem recente pelos Países Baixos, somando um total de 12 caos con rmados na Região. No dia 24 con rmaram-se mais 5 casos positivos, dois na ilha Terceira, um no Pico e dois em São Miguel. Na ilha Terceira, tratou-se de dois indivíduos do sexo feminino, com 20 e 37 anos. O indivíduo de 20 anos esteve em contacto com um caso positivo diagnosticado em São Jorge, enquanto o indivíduo de 37 anos esteve


REPORTAGEM

GRÁFICO COM BASE NOS DADOS DA AUTORIDADE DE SAÚDE REGIONAL E DO DIRETOR REGIONAL DA SAÚDE

em contacto com o segundo caso con rmado na Terceira. O caso con rmado no Pico foi um indivíduo do sexo masculino, de 53 anos, com passagem pelo Canadá, onde teve contacto com um caso positivo. Os casos con rmados em São Miguel corresponderam a um indivíduo do sexo masculino, de 31 anos, e um indivíduo do sexo feminino, de 22 anos, que participaram no mesmo cruzeiro associado aos casos detetados em São Jorge. Como aconteceu no dia anterior, no dia 25 também surgiram mais cinco casos de Covid-19 nos Açores, dois deles na Terceira, outros dois no Faial e um em São Miguel. Na Terceira, tratou-se de dois indivíduos do sexo masculino, de 25 anos e 29 anos. O primeiro teve contacto com dois casos positivos registados na ilha, surgindo o primeiro caso de contágio local na Região, na freguesia de São Mateus, por 2 elementos que convivem em conjunto e que viajaram recentemente para o

continente, acabando por passar o vírus a outro individuo, iniciando-se assim uma cadeia de transmissão primária que, segundo Tiago Lopes, apesar disso “não está disseminada a infeção”, enquanto o segundo fez o mesmo voo do grupo de participantes no cruzeiro ao Dubai. Os casos con rmados no Faial correspondem a um indivíduo do sexo feminino, de 67 anos, e a um indivíduo do sexo masculino, de 38 anos, ambos com passagem recente pela cidade do Porto. Enquanto que o caso con rmado em São Miguel é um indivíduo do sexo feminino, de 30 anos, que também participou no referido cruzeiro ao Dubai. No dia 26 con rmou-se dois casos no Pico. Trata-se de dois indivíduos do sexo feminino, de 24 e 51 anos, que tiveram contacto com o caso diagnosticado no Pico a 23 de março e divulgado pela autoridade de saúde a 24. Segundo o Diretor Regional da Saúde, o contágio deveu-se à realização de uma viagem que foi feita em conjunto

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REPORTAGEM

por esses três indivíduos. No dia posterior, 27 de março, surgiu mais um caso em São Miguel, tratando-se de um indivíduo do sexo masculino, de 39 anos, que havia viajado para fora da região recentemente há data do diagnóstico. A 28 de março diagnosticaram-se dois caos, um deles São Miguel e outro na Terceira. O de São Miguel um indivíduo do sexo feminino, de 37 anos que viajou, em grupo, para o exterior e regressou no mês de março. Tiago Lopes referiu que a viagem “já aconteceu depois de divulgarmos e sensibilizarmos para não viajar para o exterior”. O caso detetado na Terceira foi um indivíduo do sexo feminino, de 35 anos, sem relação com os casos detetados anteriormente na ilha, sendo que “terá viajado a bordo da mesma aeronave onde viajou um caso positivo que foi detetado no continente”. O dia 29 de março foi o que registou o maior aumento diário do mês, foram detetados 15 casos, seis dos quais em São Miguel, dois na Terceira, cinco no Pico e dois no Faial, num total de 42 casos há data na Região. Em São Miguel, foram diagnosticados dois indivíduos do sexo masculino, de 38 e 47 anos, e quatro indivíduos do sexo feminino, três deles entre 19 e 33 anos e um com 80 anos. Quatro desses casos têm histórico de viagem recente ao exterior da Região. De um deles

originou-se transmissão local através uma cadeia de transmissão primária, no concelho da Povoação, tendo sido criado um cordão sanitário no concelho para conter a população. Segundo o Tiago Lopes o cordão serve para “ter um maior controlo dos residentes e para identi car os contactos próximos com o devido tempo”. Os dois casos detetados na Terceira foram um indivíduo do sexo masculino e um indivíduo do sexo feminino, com 50 e 47 anos, respetivamente, e estão relacionados com o caso detetado no dia 28 nesta ilha. Quanto aos cinco casos positivos da ilha do Pico, são dois indivíduos do sexo masculino, de 42 e 71 anos, e três indivíduos do sexo feminino, com 3, 39 e 64 anos. Pertencem ao mesmo agregado familiar, sendo que dois indivíduos estiveram recentemente no estrangeiro. Nessa ilha existe uma primeira cadeia de transmissão primária “está muito focalizada e localizada”. Quanto aos dois casos diagnosticados no Faial, estes correspondem a um indivíduo do sexo masculino, com 43 anos, e um indivíduo do sexo feminino, com 42 anos. Os dois casos estão relacionados e ambos têm história de deslocação recente ao exterior da Região. No dia 30 de março surgiram mais cinco casos na ilha de São Miguel. Foram diagnosticados dois indivíduos do sexo masculino, de 37 e 49 anos, com história de viagem recente ao exterior da

GRÁFICO COM BASE NOS DADOS DA AUTORIDADE DE SAÚDE REGIONAL E DO DIRETOR REGIONAL DA SAÚDE

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REPORTAGEM

Região, e três indivíduos do sexo feminino, com idades compreendidas entre 24 e 59 anos. Tiago Lopes mencionou que quatro destes casos apresentam um historial de viagem ao exterior, nomeadamente ao continente e ao estrangeiro, e um caso, residente no concelho da Povoação resultou de transmissão local. No último dia do mês, 31 de março, foram diagnosticados outros dois casos, um deles no Pico e outro em São Miguel. O indivíduo do Pico é do sexo masculino, com 57 anos de idade e com história de viagem recente ao exterior, não pertencendo ao agregado familiar de cinco casos reportados a 29 de março. Em relação ao último caso con rmado, trata-se de um indivíduo de São Miguel, residente no concelho da Povoação, e que “já era expectável o caso positivo de hoje na Povoação”, a rmou, há data, Tiago Lopes. A fechar o mês de março, os Açores contam com o total 2051 vigilâncias ativas, 38 casos suspeitos, 10 internados e 49 casos con rmados com o vírus Covid-19. Por ilha e concelhos, veri cam-se em São Miguel 12 casos em Ponta Delgada, cinco casos na Povoação, um caso na Lagoa e um caso na Ribeira Grande. Na ilha Terceira são quatro casos

em Angra do Heroísmo e cinco casos na Praia da Vitória. Na ilha do Pico, são quatro casos na Madalena e cinco casos em São Roque. São Jorge tem dois casos nas Velas e cinco casos na Calheta. O Faial tem, até agora, cinco casos na Horta. Dado esta evolução o Governo Regional, na sequência de uma reunião extraordinária do Conselho do Governo que decorreu no dia 30 de março, por videoconferência, e após ouvida a Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores, declarou, a 31 do mesmo mês, a prorrogação da situação de contingência na Região até ao dia 30 de abril, não excluindo nova prorrogação deste prazo ou “a passagem à fase seguinte prevista no Regime Jurídico do Sistema de Proteção Civil da Região Autónoma dos Açores”, ou seja, a fase de calamidade pública regional. A nível nacional, também relativamente ao dia 31 de março, e segundo a Associação Nacional dos Médicos de Saúde Publica, existem 52086 suspeitos, 7443 con rmados (+1035 do con rmado no dia 30), 627 internados, 188 dos quais em cuidados intensivos, 160 óbitos e 43 recuperados.

CASOS CONFIRMADOS 31 DE MARÇO

TERCEIRA FAIAL SÃO JORGE SÃO MIGUEL PICO

9 5 7 12 9

TOTAL: 42

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CRÓNICA

ABASTECIMENTO MARÍTIMO JOÃO F. CASTRO

PROFESSOR MESTRADO EM GESTÃO PORTUÁRIA

joaocastro@sapo.pt

A União Europeia e o Mundo atravessam, o que parece, um pesadelo. Face ao vírus COVID 19, com níveis alarmantes de propagação, justi cando a declaração de pandemia pela Organização Mundial de Saúde, no passado dia 11 de março, quando já registava 118 mil casos de infecção, em 114 países e mais de 4.000 mortes. Sem que se conheçam, com precisão, as consequências de uma situação desta natureza, é consensual que a contenção deste fenómeno passa pela imposição do isolamento às pessoas e famílias. As palavras ‘guerra’ e/ou ‘frente de batalha’ começam a ser repetidas num contexto em que Portugal declarou o Estado de Emergência, o que não acontecia desde 1975. Esta situação descobre a fragilidade dos processos de construção social, bem como, dos valores em que assenta. A incerteza passa a ser uma evidência, tendo como objetivo um nal feliz que todos desejamos, mas que já percebemos, não ocorrerá! As recomendações incidem sobre duas ações a considerar: por um lado “ car em casa”, por forma a reduzir os contatos interpessoais e por essa via as probabilidades de propagação; por outro “testar, testar e testar”, por forma a despistar quem não for portador do vírus, capacitando para a retoma da normalidade (possível) do dia a dia, em segurança, minimizando as causas da crise económica, que se avizinha, e permitindo que outros se possam também proteger. Nem tudo são más notícias, várias organizações parecem reinventar-se, na procura de novos caminhos, no sentido de potenciar capacidades, para enfrentar esta “crise”. O teletrabalho parece nalmente, assumir-se como uma resposta assinalável para muitas das interações sociais. Há organizações que anunciam a capacidade de produção de testes, ao COVID 19, utilizando 30 NOABRIL20

reagentes de origem nacional, conferindo assim conhecimento e capacidade própria para dimensionar e ltrar o problema. Outros adaptamse às necessidades, reconvertendo-se para, por exemplo, produzir ventiladores invasivos, identi cados como uma das principais carências, em contexto hospitalar, no combate às infeções respiratórias constatadas, ou mesmo adaptam a sua actividade para o desenvolvimento e produção de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), para utilização médica, como luvas, batas, máscaras, fatos isolantes que, antes eram importados. São tempos em que se evidencia o potencial e a necessidade do colectivo, em que repensamos os mecanismos, os valores e o papel de cada um na construção social. (Re) Centrando o prioritário, remetendo para segundo plano, por exclusão de partes, o acessório (supostamente), onde se destacam três dimensões (ou sub-sistemas) sociais fundamentais, designadamente: ‘Segurança’; ‘Comunicações’ e ‘Energia’. A dimensão da ‘segurança’, ou de ordem pública, incluindo o sub-sistema de pro ssionais de saúde, assume-se como determinante, quer nos mecanismos de prevenção, quer na intervenção junto das populações afectadas. A dimensão das ‘comunicações’, permite assegurar o humanismo, no funcionamento da sociedade, enquanto suporte de interação social, suportando as conexões entre pessoas e organizações. A dimensão de ‘energia’: quer seja proveniente de combustíveis (fósseis e não fósseis); quer do abastecimento agroalimentar, resultante dos processos de produção e distribuição de alimentos. É neste contexto que a condição insular da Região Autónoma dos Açores, obriga à salvaguarda das ligações portuárias e aeroportuárias, com distâncias entre si que podem chegar aos 600 Km,


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por forma a garantir o transporte de mercadorias, sobretudo de bens alimentares, tendo como referência as necessidades anuais (em tempo de normalidade) de cerca de 2,3 milhões de toneladas pela via marítima e de, aproximadamente 2.000 toneladas por via aérea. E neste contexto que o Governo Regional, para a resposta que se exige, adaptou um avião, da SATA Air Açores, para a função de carga, visando corresponder às necessidades de transporte, de bens de primeira necessidade, de material hospitalar e de carga urgente, entre as 9 ilhas dos Açores. É neste contexto que constatamos a ine cácia, de uma eventual plataforma logística nos Açores. A situação parece deixar claro que, não corresponderia às necessidades, agravaria os custo logístico, traria di culdades acrescidas no

abastecimento e sobretudo, aumentaria os riscos de inoperacionalidade, face à inevitabilidade de ocorrência de sismos, de furacões e também de... pandemias. Mais uma vez, está claro, a importância da logística e do abastecimento alimentar, mesmo para permitir car em casa, em tempo de COVID 19, no mar dos Açores!

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Pub


“O POVO AÇORIANO É O EXÉRCITO QUE LEVARÁ OS AÇORES À VITÓRIA NESTE COMBATE”. VASCO CORDEIRO, PRESIDENTE DO GOVERNO REGIONAL

“TRANQUILIDADE E SERENIDADE PERANTE ESTA SITUAÇÃO QUE É MUITO COMPLEXA E EVOLUI HORA A HORA E QUE EXIGE COMPORTAMENTOS DE PREVENÇÃO MUITO IMPORTANTES SOB O PONTO DE VISTA INDIVIDUAL PARA QUE CADA UM CUIDANDO DE SI, TODOS CUIDAMOS DE TODOS”. JOSÉ MANUEL BOLIEIRO, PRESIDENTE DO PSD/AÇORES

“NÓS DEPARAMO-NOS COM A MAIOR AMEAÇA DE SAÚDE PÚBLICA QUE ESTA GERAÇÃO DE AÇORIANOS ALGUMA VEZ VIVEU”. FRANCISCO CÉSAR, PRESIDENTE DO GRUPO PARLAMENTAR DO PS/AÇORES

“ENQUANTO MUITOS ESTÃO EM ISOLAMENTO VOLUNTÁRIO OU EM QUARENTENA, TODOS OS DIAS OS AGRICULTORES CUMPREM A SUA ROTINA, INDEPENDENTEMENTE DAS AMEAÇAS, E IMPRIMEM O SEU ESFORÇO E A SUA DEDICAÇÃO PARA QUE TODOS OS AÇORIANOS TENHAM ALIMENTO À SUA MESA”. JORGE RITA (PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO AGRÍCOLA DOS AÇORES NOABRIL20 33


CRÓNICA

Por Ricardo Silva “Dêem-nos alguma coisa em que acreditar - O discurso do 10 de Junho e outros textos”, de João Miguel Tavares, É um pequeno livro, enxuto, de capa colorida cujas cores sugerem a bandeira nacional. Apropriada ao dia que alude e remetendo para uma guração abstrata. Alberga o discurso que pôs o país “a pensar” a partir do dia em que foi proferido: o 10 de junho de 2019, em Portalegre. Dele faz parte também o discurso do dia 11 de junho, lido na cidade do Mindelo, em Cabo Verde, onde a comemoração da existência da Comunidade Portuguesa continuou. Para além disso, reúne ainda um bonito texto denominado “história de dois discursos”, mais duas entrevistas e dois artigos escritos para o jornal Público. Pode parecer muito na descrição ou na sua menção, mas na verdade não o é, porque o importante neste livro é a qualidade dos dois discursos, tanto pela forma como pelo conteúdo. Numa escrita uída, corrente e de fácil entendimento, o texto torna-se quase pessoal. Comemorando o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o 10 de junho, já se esparsa um pouco no seu objetivo principal – porque possui vários na sua intenção -, costuma ser, infelizmente, envolvido num cerimonial algo distante do povo, na minha ótica, impróprio de uma República centenária. Não analisaremos isso agora, mas a tradição até agora começa logo pelos convidados de honra a proferirem o discurso principal. Normalmente pomposa, a palestra costuma ser de redondo léxico e pesado conteúdo que, na maioria das vezes, não chega ao cidadão português comum, ora pela profundidade concetual ou pela cansativa extensão. Em 2019 não foi assim! João Miguel Tavares honrou-se de ser o primeiro lho da democracia portuguesa a presidir às comemorações do dia 10 de junho. Fê-lo bem e diferente. Tenhamos esta justiça. E ao fazê-lo com a simplicidade com que o fez usando uma linguagem clara, percetível, sensível e objetiva pôs o país a re etir sobre a sua mensagem – não isenta de críticas, é certo, mas poucas, algumas ciumentas - que se 34 NOABRIL20


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apresentou multifacetada e, sobretudo, de na emoção. Ao a rmar que Portugal não falhou com ele, em termos sociais, porque o ensino público e o seu esforço pessoal operassem a elevação social de que foi alvo e que de outro modo não seria possível. É verdade e muitos o esquecem atribuindo culpas ao país do esforço, em qualquer domínio, que nunca quiseram ter. A partir desta ideia deriva para outras mais críticas, sobretudo, nos últimos 20 anos, alertando para a falta de um(uns) desígnio(s) nacional(ais), um objetivo claro para a sociedade portuguesa. Alude à angústia da juventude que tem de emigrar; ao nosso descontrolo das contas públicas; a uma justiça que se quer melhor e mais célere; a um combate mais forte ao favorecimento de terceiros - mais transparência e rigor – em detrimento do talento e do mérito. Refere o distanciamento do cidadão da política e do processo político onde o fosso entre o “nós” (eu, a minha família, os meus colegas e os meus amigos) e “eles” (os políticos, as instituições e as autoridades estatais) é de dimensão atlântica. “Nós” não temos nada a ver com “eles”! Embora existente na sociedade portuguesa este último sentimento é um desa o de todos, não sendo fácil a conjugação de esforços para o ultrapassar por uma miríade de fatores. Defende ainda que a partir da ideia de comunidade, da paixão de pertencer a este coletivo português podemos, não querendo ser

melhor que outro, ser um povo que acredita em si próprio, com um sentimento forte de pertença, assente na História, conquistador de desa os e crente no outro português que vive ao meu lado. Todos contam! Ninguém vence sozinho: “Sozinhos somos ninguém”. Uma outra nota marcante é “sobre cada um de nós recai a responsabilidade de construir um país do qual nos possamos orgulhar”. Quão forte e verdadeira é esta ideia. Olhemos mais à nossa volta! Observemos amigos, familiares, companheiros de trabalho e vejamos se não são exemplos a seguir na perspetiva de estarmos a construir uma sociedade mais justa e progressista. Andamos tantas vezes à procura do exemplo exterior quando ele se encontra ao nosso lado na forma mais comum e anónima. Daqui parte a ideia para a parte principal do discurso e que veio a dar o título ao livro ao referir que “o que melhor distingue as pessoas não é serem de esquerda ou de direita, mas a rmeza do seu carácter e a força dos seus princípios. Aquilo que se pede aos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, é que nos deem alguma coisa em que acreditar”. Esta ideia força marcou o 10 de junho e sensibilizou o país em termos de comentário político-social e de comunicação social generalizada. Aponta uma responsabilidade à liderança política de Portugal, qualquer que seja ela, mas não desresponsabiliza o comum dos cidadãos. Todos têm que sentir que contam – a mulher, o idoso, o operário, o professor, o jovem, o (i) emigrante, etc. – que contam para servir o seu, o nosso país através da ação diária com efeito real e palpável. Todos constroem o seu currículo na sua luta diária pela felicidade pessoal e familiar, o que acresce o serviço, simultâneo, ao país. Ninguém se pode vangloriar de ser maior ou melhor do que o seu concidadão quando todos lutam por um Portugal diferente. Sem dúvida que este livro pequeno, mas de dimensão concetual muito interessante coloca-nos a pensar, merece a nossa atenção pela força da mensagem, que não sendo desde o início rebuscada ou empolada, caiu, pela simplicidade, no coração dos portugueses. Julgo que poderá cair também no seu! Nota: O discurso do Mindelo, a 11 de junho, foi diferente, abordando outras questões do relacionamento da jovem nação, Cabo Verde, com Portugal, mas não deixa de ser muito interessante a sua leitura. Recomendo-o também.

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FILIPE TAVARES PRESIDENTE DA DIREÇÃO DA ARTAC

Filipe Tavares, 38 anos, açoriano, é um homem de causas, que persiste na luta, dando voz a muitas vozes pelo desenvolvimento sustentável dos Açores. Não aceita o “rótulo” de ativista – considera-se um cidadão interessado e com amor à sua terra. Fundador da Ventoencanado Produções, produziu e realizou, em 2013, o seu primeiro lme, “A Viagem Autonómica”, um documentário ccional em torno da história da Autonomia dos Açores. Em 2016, fundou a ARTAC, uma associação que se dedica ao desenvolvimento de projetos nas áreas do Turismo, Ambiente, Cultura e Saúde. É o diretor do Eco-Festival Azores Burning Summer, é uma das vozes mais ativas na luta contra a construção de uma incineradora em São Miguel e tem revolucionado a gestão ambiental em diversos eventos que se realizam nesta ilha. Durante a crise pandémica COVID-19 que afeta os Açores e o Mundo, Filipe Tavares não se tem poupado nas críticas, apelos, elogios e recomendações.

CLAÚDIA CARVALHO

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Filipe, em primeiro lugar, gostava que nos falasse de uma forma mais “íntima” sobre si. Em que momento da sua vida decide ser um ativista na Região? O que o motivou a ter este papel de cidadão participante e ativo? Nunca me apercebi disso, talvez porque o ativismo nunca tenha sido uma intenção e porque surge naturalmente! O ativismo é uma postura que se desenvolve e se manifesta de diferentes formas consoante a personalidade, experiência, consciência cívica e inteligência emocional de cada um. Não sou adepto de rótulos, nunca me designei como “ativista”, no entanto, penso que todos deveríamos ser ativistas e se assim fosse deixaria de fazer sentido usar essa designação. A nossa sociedade tem di culdade em lidar com a diferença. Na generalidade, as pessoas associam o ativismo ao radicalismo ou extremismo e eu não pretendo ser rotulado dessa forma. Apesar de ter uma tendência para romper com o que está estabelecido, valorizo muito a ponderação e a transformação a médio e

longo prazo. Interesso-me por questões universais e pelo desa o de mudar algo localmente. Procuro informar-me e intervir de forma ativa, responsável e construtiva. O ativismo é uma força que vem de dentro, resulta da vontade de servir e isso para mim é viver em verdade e de acordo com os meus princípios, custe o que custar, doa a quem doer. Sempre que me entrego a uma causa, faço-o com o compromisso de ir até ao m. Já recusei abraçar algumas causas porque senti que iria enfraquecer o meu empenho noutras. É frequente as pessoas dirigirem-se a mim, dizendo “porque não dizes nada sobre isto, e sobre aquilo?” a minha resposta passou a ser sempre a mesma: “estou ocupado com outras causas, porque não te dedicas tu a essa luta?”. Não é fácil dizer não quando a voz interior te diz “tens de fazer alguma coisa por isto”. As causas “roubam” muito tempo pessoal, exigem um empenho profundo e uma boa dose de persistência. Criamse muitas inimizades e desilusões, por


ENTREVISTA

outro lado, surgem novos contactos, desenvolvese o espírito de união e camaradagem. Sempre tive um per l independente, dou muito valor à liberdade, sinto uma grande alegria em ajudar e fazer a diferença na vida de alguém. Há uma frase que considero particularmente estimulante: “o que damos, pertence a nós para sempre”. Sendo Presidente da Direção da ARTAC - Associação Regional para a Promoção e Desenvolvimento Sustentável do Turismo, Ambiente, Cultura e Saúde. Diga-me qual a vossa missão e que responsabilidade sente? A ARTAC pretende quebrar tabus, trazer inovação e propor novos caminhos para uma evolução sustentável da nossa Região. Desde a sua criação, em 2016, a ARTAC tem promovido diversas iniciativas nas áreas do Turismo, Ambiente e Cultura, destacamos o Eco-Festival Azores Burning Summer onde, para além da programação musical, organizamos debates sobre sustentabilidade, uma exposição de veículos elétricos e uma feira de ecodesign. Em 2018, promovemos a FREE - Feira Regional da E ciência Energética e em 2019, iniciámos o projeto Zero Waste através do qual colaboramos na de nição de novas estratégias de gestão ambiental para as autarquias.

Na área da Saúde, promovemos a realização de um documentário sobre o estudo de investigação “Yoga nos Cuidados de Saúde Primários”, desenvolvido por Sara Ponte (interna de Medicina Geral e Familiar e vice-presidente da ARTAC), numa parceria com a Unidade de Saúde Ilha de São Miguel (USISM). O lme foi exibido no festival FISFA 2018 durante o congresso da Organização Mundial de Médicos de Família, que se realizou em Nova Deli - Índia. Em 2020, iniciámos o Programa Comunitário de Saúde VIVE, que propõe um conjunto de intervenções para a promoção de saúde mental e ativa no sistema público de saúde da Região Autónoma dos Açores. O projeto VIVE está protocolado com a USISM e conta com o apoio da Direção Regional da Saúde. Trata-se de um projeto pioneiro em Portugal. A ARTAC colabora com diversas entidades, sobretudo na transmissão de recomendações ambientais. Enquanto responsável pela ARTAC, sinto o dever de garantir que cumprimos os nossos compromissos e atingimos os nossos objetivos com sucesso. Procuramos servir a nossa comunidade, atuando de diversas formas nas áreas a que nos dedicamos.

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ENTREVISTA

Falemos, agora, sobre o tema que marca a atualidade – COVID-19. Desde a sinalização dos primeiros casos em Portugal tem defendido um conjunto de medidas a adotar no combate à propagação do coronavírus nos Açores. Para si, o que é que faz sentido? Ser proativo ou ser reativo? Sem dúvida que a proatividade é a chave para o sucesso do combate a esta pandemia. Não me canso de dizer “com o coronavírus nunca é cedo para agir”. Nos Açores, falhámos ao não conseguirmos evitar a entrada do vírus no arquipélago. É tão importante prevenir quanto sensibilizar a população para se proteger e preparar o Serviço Regional de Saúde, as forças de segurança e outros serviços indispensáveis para enfrentar o pior cenário de contágio. A melhor forma de ganhar uma guerra é evitando-a, estando pronto para a mesma. Estamos a combater um vírus com um período de incubação que poderá ultrapassar os 20 dias. O vírus tem sofrido mutações, transmite-se através de pessoas assintomáticas e poderá levar à morte. Perante esta ameaça temos três hipóteses: A. esperar por uma eventual vacina B. adotar a estratégia de imunidade de grupo C. promover o isolamento social e outras medidas de contenção do vírus As hipóteses A e B são arriscadas e terão como resultado um grande número de mortes e o colapso dos serviços de saúde. A hipótese C é a mais sensata, oferece maior segurança e é aquela que tem sido adotada nos países que demonstram melhores resultados no combate a esta pandemia. Qualquer que seja a abordagem, terá, inevitavelmente, efeitos negativos na Economia. No início desta crise em Portugal, a opinião pública dividia-se entre car ou não em casa, fechar ou não serviços e empresas, receber ou não turistas, numa perspetiva de salvar a economia. Vários empresários desvalorizaram a gravidade da pandemia, mas cedo mudaram de opinião. O encerramento de serviços e empresas e o cancelamento de reservas era inevitável. Mais cedo ou mais tarde, os trabalhadores iriam sentir insegurança, seriam afetados pelo contágio e os clientes igualmente. Manter empresas e serviços ativos iria atrasar ainda mais o regresso a uma possível normalidade e prejudicar ainda mais a economia. 38 NOABRIL20

Desde o surgimento dos primeiros casos de COVID-19 em Portugal sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, os Açores seriam atingidos por este agelo. A única forma de o evitar seria através do isolamento do arquipélago ou do con namento de todos os passageiros que entrassem na região. No seu entender, considera que a Região estava preparada para combater a COVID-19? Nenhum país do Mundo estava preparado para enfrentar esta pandemia, nem mesmo os países orientais que estão mais familiarizados com a possibilidade de um contágio desta natureza. A noção de que o número de infetados e mortos iria aumentar exponencialmente generalizou-se, assim como a corrida aos equipamentos e materiais hospitalares que, de momento, são escassos e estão a ser alvo de desvios. O Governo dos Açores começou de forma lógica, criando um “Grupo Técnico de Coordenação” para acompanhar a implementação de procedimentos e medidas de nidas a nível nacional e internacional, bem como a sua adaptação à estrutura regional. Acontece que os Açores são uma região insular com características muito distintas da realidade continental: 9 ilhas, 6 das quais sem hospitais, o que obriga a evacuação, e com uma elevada incidência de doenças crónicas (grupos de risco). Perante esta realidade, não poderíamos pensar que as estratégias adotadas no continente seriam as mais adequadas para a Região. O isolamento das ilhas era um trunfo forte que teria de ser jogado, o quanto antes, em defesa da população açoriana. Era fundamental impedir a entrada de pessoas na região e isolar em hotéis todos os casos positivos e suspeitos que surgissem nas 9 ilhas. Do ponto de vista da contenção do vírus, faltou uma estratégia e caz. Cometeram-se erros muito graves nos aeroportos e no acompanhamento dos passageiros. Perante a recusa de suspensão de voos por parte do Governo da República, a Autoridade Regional de Saúde impôs e bem a quarentena obrigatória a todos os indivíduos que entrassem na Região. No entanto, qualquer um desses indivíduos era um potencial portador do coronavírus e jamais poderiam ter sido enviados para as suas residências sob pena de virem a contagiar os seus familiares e, consequentemente, a sua comunidade. Falhámos na prevenção e abrimos caminho à propagação da COVID-19.


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Em relação à movimentação aérea, como interpreta a posição da República, face ao pedido de suspensão de voos efetuado pelo Governo dos Açores? A Autonomia dos Açores sofreu o mais duro golpe da sua história! A incapacidade de recorrer ao isolamento que a ergueu, para poder proteger o seu povo! Os argumentos que o Governo da República usou para justi car o encerramento de fronteiras e aeroportos nacionais foram os mesmos que o Governo dos Açores usou para proteger o povo açoriano da ameaça que vinha de Portugal continental e do estrangeiro. A República falhou com os açorianos e isso é algo que jamais esqueceremos. Este foi um ataque direto ao coração da nossa Autonomia, à “livre administração dos Açores pelos açorianos”. Também tem estado na ordem do dia a questão das cercas sanitárias – tal como foi o caso de Ovar. Qual a sua opinião sobre a aplicação desta medida nos Açores. Na minha opinião o isolamento das localidades deveria existir desde o momento em que a crise pandémica foi declarada. Trata-se de uma medida altamente e caz na contenção do coronavírus porque permite: • reduzir drasticamente a movimentação terrestre, • impedir que quem viole a quarentena possa sair da sua localidade e disseminar o vírus, • aplicar de forma e caz a cerca sanitária em caso de contágio alargado ou descontrolado, • aplicar testes de forma metódica e por áreas geográ cas, • identi car as áreas geográ cas COVID-19 Free e suspender a quarentena de forma gradual e segura. Dois exemplos – Macau e Itália. Preocupa-o que os Açores e Portugal Continental, em geral, estejam a cometer os mesmos erros que Itália? São inúmeros os casos con rmados, as mortes… Agir ou reagir? Portugal bene ciou da experiência dos países que foram afetados mais cedo pelo coronavírus e isso permitiu uma melhor preparação para enfrentar esta pandemia. O exemplo de Itália

serve precisamente para demonstrar os efeitos devastadores de uma ação tardia e da atitude negligente de uma grande parte da população. O país cou incapacitado de superar esta crise com os seus próprios meios. Por outro lado, Macau, muito próximo do epicentro da COVID-19, demonstrou que a aplicação imediata de medidas extremas como o fecho de fronteiras e suspensão de voos, complementadas pela generalização das medidas de proteção pessoal como a utilização de máscaras, higiene regular e isolamento social, permitiram dominar o contágio num curto espaço de tempo. O caso da República Checa é o mais indicado para se poder avaliar a performance de Portugal no combate à COVID-19. Estes dois países têm praticamente a mesma população, cerca de 10 milhões de habitantes. Os primeiros casos de coronavírus registados na República Checa e Portugal surgiram nos dias 1 e 2 de Março, respetivamente. A República Checa atingiu os primeiros 100 casos positivos no dia 12 de Março e declarou o Estado de Emergência por 30 dias no dia seguinte. Portugal atingiu os primeiros 100 casos no dia 13 de Março e apenas declarou o Estado de Emergência no dia 18. Os Checos encerraram as escolas no dia 11 de Março e os portugueses no dia 16, nesse mesmo dia ambos avançaram com restrições nas fronteiras. No dia 18 de Março o Governo Checo tornou obrigatório a utilização de máscaras de proteção e no dia 23 proibiu ajuntamentos de mais de duas pessoas que não pertençam ao mesmo agregado familiar. Apesar do número de testes realizados ser praticamente o mesmo nestes os dois países, Portugal apresenta, atualmente, um número de casos positivos três vezes superior ao da República Checa, e o número de mortes é quatro vezes mais. Por cá, a Autoridade Regional de Saúde revelou-se muito pouco ambiciosa na aplicação de medidas de contenção no início desta crise. Era fundamental que, durante o mês de Fevereiro, tivessem preparado uma eventual suspensão dos voos para os Açores. A meu ver, a Autoridade Regional de Saúde não reagiu em tempo útil e de forma e caz ao “boicote” da proteção dos açorianos promovido pelo Governo da República na questão do movimento aéreo. Agir cedo, de forma organizada e unida, é essencial para vencer esta pandemia. Temos de continuar a apostar no isolamento social e a garantir a proteção adequada a todos os pro ssionais de saúde, forças de segurança e outros trabalhadores que garantem NOABRIL20 39


ENTREVISTA

a nossa subsistência. A utilização generalizada de máscaras de proteção é recomendada assim como a implementação de uma quarentena geral obrigatória com sanções duras para quem prevaricar. Que repercussões pensa que o COVID-19 terá no setor do Turismo? Como é que as empresas poderão sobreviver? As atividades relacionadas com a mobilidade e o contacto entre pessoas estão a ser fortemente afetadas por esta crise pandémica, devido ao seu contributo na propagação do coronavírus. O Turismo é um dos setores mais afetados, tudo parou e não se sabe até quando. Milhões de postos de trabalhos estão em risco, companhias aéreas, agências de viagens, unidades de alojamento, aluguer de transportes, restauração, são muitas as empresas relacionadas com o Turismo que estão a ser severamente afetadas. O Verão de 2020 “ardeu” e o que resta aos pro ssionais de turismo é recorrer às medidas de apoio do Estado e acompanhar o evoluir da situação. Eventualmente algumas unidades de alojamento local poderão converterse em alojamentos de longa duração, pois a falta de alojamento já se notava antes do coronavírus e os preços praticados eram excessivamente altos. A restauração tem conseguido reagir a esta crise, adaptando os seus serviços para entregas ao domicílio e take away. Algo que se espera deste setor é que promova a segurança alimentar e todas as medidas de proteção necessárias no contexto atual para conquistar a con ança dos clientes. É importante re etir sobre a forma como vivemos, sobre o desejo insustentável do crescimento económico, a cultura do capitalismo, o consumismo desenfreado e a quantidade de futilidades que nos rodeia. Quero acreditar que esta “pausa” irá permitir a cada um de nós re etir sobre a sua existência, a sua relação com os outros e com o lugar onde vivemos. Uma boa terra para se viver é uma boa terra para se visitar. Os Açores têm dado sinais de querer progredir para um modo de vida mais sustentável, é fundamental que compreendamos a importância de caminhar nesse sentido e de participar nesta mudança. Será um erro insistir no mesmo modelo de desenvolvimento que enferma o nosso planeta. Precisamos reinventar a forma como vivemos, ser mais humanos, estar conectados uns com os outros e com o nosso planeta. 40 NOABRIL20

Há alguma medida que gostasses de ver implementada no âmbito da prevenção do COVID-19 e que aches que não está em curso? Esta é uma situação dinâmica. Durante o mês de Março, a ARTAC recomendou ao Governo dos Açores uma série de medidas para serem aplicadas em momentos especí cos. Algumas das quais foram adotadas na íntegra ou parcialmente, mas com vários dias de atraso, por exemplo: a suspensão dos voos do exterior e inter-ilhas, o con namento obrigatório em unidades hoteleiras das pessoas que viajavam para os Açores e o isolamento das localidades com controlo de fronteiras pelas forças de segurança. Consideramos urgente o alojamento de todos os casos positivos e suspeitos em unidades hoteleiras com vigilância policial, pois é a forma mais e caz de impedir e/ou reduzir a transmissão local do coronavírus. A aplicação da quarentena geral obrigatória é também uma medida essencial para contermos a propagação do vírus e salvaguardarmos a capacidade de resposta do Serviço Regional de Saúde. Temos apelado para a necessidade de garantir que pelo menos 6 ilhas dos Açores sejam identi cadas como sendo livres de COVID-19 (COVID FREE). Dado o baixo número de casos positivos, suspeitos ou sob vigilância ativa em determinadas localidades e/ou ilhas, acreditamos ser possível, através do con namento obrigatório em unidades hoteleiras, impedir ou minimizar a ocorrência de transmissão local do coronavírus. Esta medida é estratégica porque reduz a probabilidade de ocorrerem evacuações (dispendiosas) a partir das ilhas onde não existe Hospital. A identi cação de ilhas e/ou localidades COVID FREE dará esperança e irá motivar as populações que se encontram isoladas e em quarentena! A proteção dos pro ssionais de saúde é uma prioridade vital para o combate a esta pandemia. Como tal, a Região deverá dotar os serviços de saúde com equipamentos de proteção adequados e submeter todos os pro ssionais de saúde a testes de diagnóstico periódicos para diminuir o risco de infeção e evitar o colapso do Serviço Regional de Saúde. Por m, defendemos que a Região deverá constituir uma equipa multidisciplinar para avaliar a atual gestão do combate à COVID-19, identi car as falhas e limitações, bem como preparar o


ENTREVISTA

Serviço Regional de Saúde e outras entidades intervenientes para uma eventual 2ª vaga de contágio. “Açores em Casa”, fale-nos deste projeto e de como irá ajudar a população durante o período de quarentena? Com a chegada da crise pandémica COVID-19 a Portugal, muitos projetos e empresas passaram a prestar os seus serviços online e ao domicílio, contudo a sua divulgação não se encontra centralizada, o que obriga a uma pesquisa individual que poderá ser ine caz e bastante demorada. Numa perspetiva de facilitar a consulta e o acesso as esses projetos e empresas, a ARTAC em parceria com a WAKA Web Studio, criaram a plataforma digital “Açores em Casa” para alojar e divulgar o maior número possível de projetos e serviços que podem ser prestados online ou com

entrega ao domicílio, de modo a facilitar a vida a todos aqueles que estão a cumprir a quarentena. Deste modo reduzimos a probabilidade de a população sair de casa, contribuindo para conter a propagação do vírus. Os projetos ou empresas de qualquer uma das ilhas dos Açores poderão registar-se gratuitamente na plataforma. O procedimento é simples e rápido, basta aceder a www.acoresemcasa.pt e efetuar o registo.

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CRÓNICA

António Ventura

A alimentação humana e a COVID-19

Deputado pelo PSD Açores na Assembleia da republica

Vivemos uma pandemia que nos veio demonstrar que, apesar dos avanços da ciência, ainda somos muito “frágeis”, em termos de proteção da saúde pública. A verdade é que precisamos investir na investigação médico-cientí ca como uma prioridade do Estado. Todavia, sempre que existem crises de qualquer género, interessa assegurar a alimentação humana e o seu abastecimento. Na realidade, a alimentação humana assume-se, atualmente, como uma das grandes temáticas da contemporaneidade. Desde as contaminações alimentares, passando pelas doenças dos animais que ciclicamente provocam crises, até à obesidade, são situações de saúde ligadas à prevenção que a sociedade deveria estar mais vigilante e preocupada. A alimentação humana é uma temática que não está con nada exclusivamente à saúde, pelo contrário, envolve e cruza vários setores, entre os quais, a educação, a produção, a transformação, o consumo e o marketing. É neste enquadramento que não existe nos Açores uma atuação direcionada e participada destes vários setores nesta grande inquietude da sociedade. Falo de objectivos, de meios, de debate, de ações, de planeamento, en m de uma interligação de diferentes setores onde cada um faz o seu papel em prol de uma melhor alimentação humana, mas de forma combinada e estratégica. Efetivamente, a produção de bens alimentares mais “amigos” da natureza, a transformação de matérias primas agrícolas em produtos que se mantenham éis às suas origens e a educação para este consumo, constituem uma leira que precisa de maior atenção política. Os consumidores têm de ser mais esclarecidos para uma alimentação equilibrada. Recentemente 42 NOABRIL20

foi noticiado que um em cada dez portugueses tem falta de nutrientes essenciais para um bom desenvolvimento físico e intelectual. Também, e numa perspetiva de sustentabilidade futura dos recursos naturais, torna-se imprescindível o esclarecimento e a educação para o consumo. Isto é, a adoção de práticas diárias que implicam um “saber usar para nunca faltar.” Por outras palavras, o consumo das gerações presentes não pode comprometer as oportunidades e a capacidade de consumo das gerações futuras. É em todo este sentido que a própria sociedade organizada deve poder participar na construção de uma estratégia que se inicia na agricultura e termina no consumo, designadamente, Associações de Agricultores, Associações de Transformadores e Associações de Consumidores, ou seja, este assunto da alimentação humana deve ocupar o seu lugar à mesa das preocupações Açorianas por todos os que estão implicados. Falta, decisivamente, elevar-se esta matéria ao patamar político que ela merece. O que comemos e como comemos são decisivamente duas faces da mesma moeda que para serem e cazes necessitam da participação e o direto envolvimento de um misto de setores. Este tema da alimentação humana, infelizmente, ainda não tem a devida atenção do Governo Regional na medida da sua importância atual. É preciso, acima de tudo, vontade política. A pandemia provocada pela COVID-19 veio trazer novamente a necessidade de investir com planeamento e valorizar estrategicamente os produtos de proximidade, isto é, nos produtos locais, aliás, a riqueza de um país ou região também se determina pela sua capacidade de produzir alimentos.


ELETRIFICAÇÃO AGRÍCOLA NA ILHA TERCEIRA 1996-2019 www.iroa.pt facebook.com/iroaazores

Os Açores apresentam um sistema especializado de agricultura bene ciado por excelentes condições edafo-climáticas assente na produção de leite e de carne em pastoreio. Nos últimos 20 a 30 anos, ocorreu uma evolução do espaço agrário e a estrutura fundiária das parcelas que compõem as explorações, resultando numa superfície agrícola útil (SAU) média na ordem dos 4,3 hectares em 1989 para 7,8 hectares em 2009 na ilha Terceira (SREA, 2020). As explorações agrícolas apresentam blocos de parcelas com alguma dimensão, onde construíram complexos agrícolas, estabelecendo os seus pontos xos de ordenha, armazéns, infraestruturas de apoio à sua produção; animal e vegetal, necessitando assim, de energia elétrica para o seu funcionamento, com vista a garantir a sua qualidade e melhores condições de trabalho. Deste modo, damos aqui uma pequena nota do processo da medida de fornecimento de energia elétrica às explorações agrícolas, o que designamos de eletri cação agrícola promovida pelo outrora Instituto Regional de Ordenamento Agrário e a atual IROA, S.A. Este processo, inicia-se com um requerimento dos agricultores dirigido à IROA, SA., onde se analise como ponto de partida a sua viabilidade e estimativa orçamental aferida mediante parecer da

EDA, S.A. Nesta fase de estudo, é ponderado a sua localização, o número de explorações a bene ciar, proximidade de redes elétricas existentes e, por m a adequação da potência necessária para o seu funcionamento, quer ao nível do sistema de ordenha, frio, limpeza, iluminação de acordo com o projeto das instalações elétricas de utilização que tem sido obrigatório a sua apresentação a partir de 2017/2018. Nas situações em que o fornecimento de energia elétrica, implica a construção de um ramal de média tensão para alimentar um posto de transformação e a respetiva rede de baixa tensão até à entrada das propriedades, o processo é mais moroso, envolvendo a projeção e licenciamentos. Nos casos, em que já existe rede de baixa ou posto de transformação na proximidade, o processo é mais simples e célere, bastando a sua projeção de prolongamento de rede área de baixa tensão. A última fase corresponde ao investimento das instalações elétricas nos termos da cabimentação orçamental da IROA, S.A. Assim, vamos apresentar os dados do investimento realizado desde de 1996 a 2019, ano em que se iniciou a construção das primeiras instalações elétricas na ilha Terceira. Nos quadros abaixo, apresentamos os resultados destes 24 anos

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por tipo de exploração e o seu investimento médio. Mais tarde e no ano 2011, a IROA, S.A. pretendeu melhorar as caraterísticas técnicas das redes áreas de baixa tensão nos caminhos com a introdução de postes de madeira tratada e normalizados no lugar dos postes de betão armado, que se caracterizam pela sua maior longevidade e em média 30% menor que o custo dos postes de betão. Esta opção veio permitir um melhor enquadramento ambiental e paisagístico, num espaço agrário composto por uma matriz de campos fechados por muros de pedra na zona de baixa a média altitude, e nas zonas mais altas, com pastagens ladeadas de bardos de árvores de criptoméria. Este tipo de rede área de baixa tensão é composta por postes de madeira geminados em zonas de curva/ início e m de linha onde o esforço é maior, e em troços retilíneos de menor esforço

(alinhamento) com postes singulares. epois desta opção ter sido testada, foi introduzida uma nova solução de redes mistas, isto é, introduzindo poste de betão no lugar dos postes de madeira geminados, e mantendo os postes de madeira singulares em alinhamento para o transporte do cabo elétrico.

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