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Economia solidária: o cooperativismo como meio de transformação social Por Josinaldo Reis do Nascimento[1] e Ana Patrícia Reis da Silva[2] Bragança é uma cidade imbricada entre a terra firme e os ricos manguezais que margeiam o litoral paraense. Localizada às margens do rio Caeté, nordeste do estado do Pará, sua origem remonta, oficialmente, a 1613. Bragança ocupou lugar de destaque na economia do Pará, configurando-se como pólo produtor de gêneros agrícolas, em que o principal mercado consumidor era a capital do estado. Tanto que havia uma estrada de ferro que a ligava diretamente à Belém. A ferrovia foi vital para o progresso do município e de toda “zona bragantina”. Prestes a completar 400 anos, estudos demográficos mostram um crescimento significativo da população de Bragança. Segundo o IBGE, o município chegou a 105 mil habitantes em 2010. Com o crescimento demográfico, problemas existentes em médias e grandes cidades começam a surgir em Bragança. Isso é fruto de uma concepção ideológica de que a única forma de fugir para uma vida supostamente melhor é a migração, muitas vezes para a periferia empobrecida das médias e grandes cidades. Estas condições adversas chamaram a atenção do fundador e presidente da Cáritas Diocesana de Bragança, o padre João Nelson Magalhães, que desde 2005 realiza um trabalho social cristão, direcionado a duas grandes vertentes: urbana e rural. O principal mecanismo de inclusão social e melhoria na qualidade de vida dos assistidos é a Economia Solidária, utilizada como fonte transformadora em busca de soluções não capitalistas para o desemprego. Isso é possível a partir da inserção da massa socialmente excluída em um novo setor econômico, formado por pequenas empresas e/ou cooperativas.

Reciclando a esperança Na zona urbana de Bragança, após vários debates na periferia, surgiu o projeto “Reciclando a esperança”, com ações de identificação e formação com os catadores e catadoras de materiais recicláveis que trabalhavam no “lixão” da cidade, em condições totalmente inóspitas. As primeiras atividades de formação foram desenvolvidas com cinco catadores e, em alguns casos, com apenas dois. Contudo, com resultados palpáveis ao longo dos anos, o processo organizativo avançou para a coleta seletiva nos principais bairros da cidade, proporcionando a comercialização dos materiais coletados diretamente à

indústria de beneficiamento em Belém e outros centros urbanos, eliminando o atravessador que comprava a preço irrisório o material coletado. Inicialmente, a coleta seletiva era realizada usando o “reciclomóvel”, tecnologia social desenvolvida pela Cáritas, posteriormente selecionada para o Prêmio de Tecnologia Social do Banco do Brasil, em 2007. Os reciclomóveis foram adquiridos com o apoio do comércio local. Com a implantação da coleta seletiva de forma periódica, as famílias que se encontravam alheias ao processo que vinha se dando neste campo se sensibilizaram e muitas já estão separando de maneira sistemática os seus resíduos e começando a contribuir com a preservação do meio ambiente e com a vida dos catadores. A Cáritas Diocesana de Bragança realiza acompanhamento e formação permanentes destes trabalhadores e trabalhadoras. Atualmente, em terreno doado pela própria Diocese, o grupo de catadores construiu um galpão, com apoio de organizações internacionais. Lá são feitas a seleção e o armazenamento dos materiais coletados e onde também se faz a compactação do material, com o consequente aumento da produção. Outra conquista importante da categoria foi a aquisição de um pequeno caminhão, por meio de um convênio com o governo do estado, em 2010, que, a partir daí, dinamizou ainda mais o processo de coleta de materiais na cidade, aumentando a produtividade do grupo, assim como a renda e o poder aquisitivo das famílias assistidas. Em 2011, o grupo de 100 catadores e catadoras formalizaram a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis dos

Caetés (Coomarca), que é responsável por gerar diretamente cerca de 20 empregos e diminuir os impactos ambientais provocados pelos resíduos sólidos na cidade.

Agricultura e extrativismo como parceiros A agricultura familiar é um universo profundamente heterogêneo, seja em termos de disponibilidade de recursos, do acesso aos mercados ou na capacidade de geração de renda e acumulação de capital. Neste campo de diversidade, as ações da Cáritas Diocesana tiveram que ser realizadas de forma mais articulada, unindo várias comunidades de agricultores familiares e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Bragança. Esse processo culminou, em 2010, na formação da Cooperativa Mista de Agricultura Familiar dos Caetés (Coomac), que, em parceria com o Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (DED), atualmente chamado GIZ (fusão das organizações GTZ, DED e INWENT), iniciou o projeto “Extrativismo sustentável de oleaginosas”. São realizados trabalhos de sensibilização e formação junto a várias comunidades agrícolas do município, no sentido de fornecer informações necessárias para acabar com as práticas seculares de queimada, bastante utilizadas pelo sistema tradicional de agricultura em todo estado, e, principalmente, incentivar a coleta de sementes de espécies vegetais oleaginosas oriundas de áreas dos igapós. Isso é realizado com o intuito de preservar as matas ciliares e, em contrapartida, proporcionar um complemento na renda destes agricultores. O agricultor familiar que

antes não coletava as sementes e destruía, muitas vezes de maneira inconsciente, os igapós de suas propriedades, hoje se sente incentivado a preservar estas áreas, pois dela retira as sementes necessárias para extrair o óleo. Esse óleo, após ser beneficiado, gera produtos como cosméticos, com isso gerando aumento da renda dessas famílias de forma sustentável. O processo de organização do grupo está bem avançado. Já ocorreram vários cursos, capacitações, oficinas e intercâmbios nos âmbitos técnicos e de gestão, dentre eles: cooperativismo solidário, comunicação e marketing, viveiros de mudas, horticultura, embalagens artesanais, revitalização de nascentes, produção de ração animal a base de restos de vegetais, certificação orgânica das oleaginosas e ação de mecanização de terra. Atualmente, o projeto conta com um parceiro comercial, empresa situada em Ananindeua, que garante a compra de toda produção de óleo vegetal extraído de semen-

tes de plantas que são abundantes na região amazônica, como o buriti, andiroba e murumurú. Já para a comercialização local, o grupo produz artesanalmente, distribui e comercializa cosméticos, como óleos, sabonetes e hidratantes oriundos destas oleaginosas. Cerca de 40 agricultores familiares participam diretamente das atividades como sócioscooperados da Coomac, que vivem em 27 comunidades da região bragantina. Porém, indiretamente, as ações atingem um número bem mais expressivo, chegando a 192 agricultores familiares e extrativistas de produtos florestais não madeireiros, moradores das comunidades agrícolas do município de Bragança e municípios adjacentes. Estes números crescem continuamente, à medida que as informações acerca dos benefícios e ações do projeto são difundidas na região. As sementes utilizadas na produção dos cosméticos começam a chegar de outras cidades, o que soma mais de 374 famílias envolvidas no processo produtivo das oleaginosas. A Coomac, além se configurar como uma fonte de emprego e renda destes agricultores envolvidos em todos os elos da cadeia produtiva, também é vista como uma alternativa para alguns jovens, que antes vislumbravam a saída do campo em busca de trabalho assalariado nas zonas urbanas, evitando assim o êxodo rural na região e contribuindo para formação de uma mentalidade diferenciada acerca das relações comerciais e com o meio ambiente historicamente ocupado por seus antepassados. [1] Biólogo, professor de Associativismo e Cooperativismo do Instituto Federal de Educação, CiênciaeTecnologiadoPará-CampusBragançae voluntário da Cáritas Diocesana de Bragança. josinaldoreis@yahoo.com.br 2 Assessora técnica do GIZ- Cooperação Alemã para o Desenvolvimento e voluntária da Cáritas DiocesanadeBragança.ana.patty@hotmail.com


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