Obras literarias fuvest unicamp 2014

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Prende-o, porque, afinal, com alguém ele deve exercer a autoridade. Para o soldado amarelo, Fabiano é apenas um tipo, o tipo social contra quem ele pode exercer sua discriminação e seu autoritarismo. SINHÁ VITÓRIA Sinhá Vitória que já há mais de um ano uma cama de lastro e couro, igual à do seu Tomás da bolandeira. Vêmlhe as recordações da viagem, a morte do papagaio. Tem medo da seção. Mas a presença do marido a deixa segura. A figura de seu Tomás da bolandeira funciona como um modelo um paradigma de gente culta, que a família pôde conhecer. Mas, aqui, sobretudo é importante verificar como Graciliano, atento Talvez à lição machadiana, faz a mulher ocupar um plano psicologicamente distinto do plano masculino. Dizem alguns antropólogos que a mulher te uma reação mais íntima com a natureza que o homem. Entretanto, Graciliano parece inverter esse princípio, pois Sinhá Vitória está mais próxima da cultura do que Fabiano. Portanto, sua “animalização” é menor. O MENINO MAIS NOVO (MMN) Quer ser igual ao pai, e por isso deseja realizar algo notável, para despertar a admiração do irmão e da cachorra. Queria amansar uma égua e montá-la, como o pai fizera. Por isso ele tentar montar o bode, e cai sob risadas do irmão, e a desaprovação e Baleia. Aqui também notamos uma resistência a brutalização, pois o menino continua com seus sonhos de menino, tal como sua mãe, que continua a sonhar com uma cama de lastro de couro. O MENINO MAIS VELHO (MMV) Sente imensa curiosidade pela palavra inferno. Não obtendo explicação do pai, recorre à mãe, que fala em espetos quentes e fogueiras. Ao perguntar à mãe se ela tinha visto tudo isso, Sinhá Vitória lhe dá um cocorote. Indignado, o menino se esconde. Fica abraçado com a cachorrinha. Seu ideal é ter um amigo. “Todos o abandonavam, a cadelinha era o único vivente que lhe mostrava simpatia.” Ao contrário de seu irmão, o menino mais velho já começa a apresenta sinais de mais efetiva (e mais dolorosa) imitação paterna. O desejo de saber o que significava inferno, a, e a lição recebida da mãe, já constituem, por si sós, maneiras de evidenciar como a linguagem não tem boa qualidade no contexto dos retirantes. Isso também explicaria um pouco as dificuldades lingüísticas de Fabiano, que não parecem de origem patológica, mas resultam de inadaptação cultural. E, por outro lado, no plano do narrador, o desejo de saber o que é inferno não passa de uma discreta (mas intensa) ironia, pois todos estavam, afinal, submetidos ao inferno do sol. INVERNO RIGOROSO O inverno também é rigoroso. A família se reúne ao pé do fogo. Fabiano inventa uma história, mas a família não entende, nem ele a sabe exprimir direito.Todos temem a violência ameaçadora da chuva. Também tem a seca, que virá depois. Esta imagem da família reunida, a ouvir uma história contada pelo pai, pode, de certa forma, parecer-nos excessiva. Porque nós, leitores, colocados num plano existencialmente superior ao das personagens, estranhamos que elas ainda tenham tempo para se preocupar com algo supérfluo, tanto mais que a situação delas era de completa abertura. Mas este modo de ler seria incorreto porque as situações de angústia prolongada conhecem bem um movimento de vai-e-vem, entre a angústia e a distração. Graciliano conhecia muito bem esse fenômeno FESTA NA CIDADE Festa de natal na cidade. As roupas da família ficaram apertadas. Os meninos estranham tudo em volta. “Comparando-se ao tipo da cidade, Fabiano reconhecia-se inferir.”

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