[DRIBLES LITERÁRIOS]
BRASIL E ALEMANHA
[ EVENTOS ] [LEIT UR A | DRIBLES LIT ER ÁRIOS] SELEÇÃO DE ESCRITORES PINDORAMA [BRASIL] E AUTONAMA [ALEMANHA] [ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
TABELINHA LITERÁRIA “FUTEBOL DE PAI PARA FILHO” E “DRIBLES X TÁTICA”
No Brasil, o time de futebol é passado de pai para filho. Impossível (ou quase) imaginar que o filho escapará dessa herança. Na Alemanha, embora haja poucas cidades grandes e, portanto, também poucos times, as rivalidades são muito marcadas, e, em geral, o amor pelo futebol é igualmente passado de pai para filho ou para filha.
3 de junho de 2014, terça-feira, 19h30 Museu do Futebol – Grande Área Praça Charles Miller, s/n | Pacaembu Telefone 11 3664 3848 www.museudofutebol.org.br Atividade e acesso ao Museu (das 19h às 21h) gratuitos.
Os autores são convidados a escrever textos curtos, poemas ou canções sobre suas histórias e sua infância com o futebol, suas vivências com o pai e seu time. Também podem aprofundar a questão para discutir se essas vivências da infância ainda têm alguma coisa a ver com o futebol que encontramos hoje, no qual interesses e lucro desempenham um grande papel.
4 de junho de 2014, quarta-feira, 20h Bar do Zé Batidão Rua Bartolomeu dos Santos, 797 | Chácara Santana www.cooperifa.blogspot.com.br Gratuito
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ] Dribles e tática, improviso e organização – eis as características que distinguem o futebol alemão e o brasileiro. Será que o improviso e a organização valem apenas para o futebol ou ambas as características também representam as duas culturas? Ou tudo não passaria de um preconceito, um clichê? Até que ponto o futebol transporta clichês e que papel eles desempenham? De que forma marcam nossas concepções de mundo? Que funções exercem adversários no futebol como Holanda e Alemanha ou Brasil e Argentina? Os autores são convidados a escrever textos curtos, poemas ou canções sobre o tema determinado.
SARAU DA COOPERIFA
DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO?
7 de junho de 2014, sábado, das 11h às 12h30 Sesc Interlagos Av. Manuel Alves Soares, 1.100 | Parque Colonial Telefone 11 5662 9500 www.sescsp.org.br/interlagos Gratuito
[jogo e Leit ur a ] 5 de junho de 2014, quinta-feira, 16h30 jogo e 19h30 leitura FLUPP no Complexo da Maré | Rio de Janeiro www.flupp.net.br/2014 Gratuito
[JOGO DE FUT EBOL ] PINDORAMA X AUTONAMA 8 de junho de 2014, domingo, às 10h Sesc Interlagos Av. Manuel Alves Soares, 1.100 | Parque Colonial Telefone 11 5662 9500 www.sescsp.org.br/interlagos Gratuito
[E X POSIÇÃO] FUTEBOL – O JOGO SÓ ACABA QUANDO TERMINA Até 29 de junho de 2014 Sesc Vila Mariana Rua Pelotas, 141 | Vila Mariana Telefone 11 5080 3000 www.sescsp.org.br/vilamariana Gratuito
[ INTRODUÇÃO ] [ FUTEBOL E LITERATURA SE ENCONTRAM NA TEMPORADA ALEMANHA + BRASIL 2013-2014 ] Escritores alemães e brasileiros fazem novo amistoso em campo e participam de leituaras no Sarau da Cooperifa, FLUPP, Museu do Futebol e Sesc Interlagos. Muitas histórias interessantes, engraçadas e trágicas em torno do futebol são contadas ao longo das gerações e permanecem vivas até hoje. No mês da Copa do Mundo, de 3 A 8 DE JUNHO DE 2014, o público poderá ouvir essas histórias contadas por escritores, romancistas, poetas, dramaturgos, roteiristas e escritores brasileiros e alemães. Escritores brasileiros e alemães estarão reunidos em São Paulo, no SARAU DA COOPERIFA, MUSEU DO FUTEBOL e no SESC INTERLAGOS, e no Rio de Janeiro, na FESTA LITERÁRIA DAS PERIFERIAS (FLUPP), para leituras, bate-papos e muito intercâmbio literário. Os autores também representam as seleções de futebol de escritores PINDORAMA e AUTONAMA, que se encontrarão pela segunda vez num jogo de futebol no Sesc Interlagos. O projeto, que faz parte da Temporada “Alemanha + Brasil 2013-2014”, é realizado pelo GOETHE-INSTITUT, o Sesc Interlagos e a Kulturstiftung des Deutschen Fussball-Bundes (DFB), em parceria com a Cooperifa, o Museu do Futebol e a FLUPP. Segundo KATHARINA VON RUCKTESCHELL, diretora executiva do Goethe-Institut, “o projeto fomenta de forma especial o intercâmbio entre Brasil e Alemanha, já que une duas áreas importantes no cotidiano social e cultural de ambos os países – futebol e literatura”. Leituras de textos, poemas e canções sobre futebol e os mais diversos assuntos serão feitas durante os encontros: dribles e tática, rivalidade, o futebol de pai para o filho, a várzea, os clichês e o amor ao futebol são alguns deles. Para DANILO SANTOS DE MIRANDA, Diretor Regional do Sesc em São Paulo, “o diálogo entre as artes e a cultura esportiva representa um campo fértil para as ações do Sesc, pois acolhe as complexidades simbólicas mediadas por um processo educativo permanente, orientado no desenvolvimento humano e na autonomia dos cidadãos.” No dia 8 DE JUNHO DE 2014, DOMINGO, ÀS 10H, as seleções de autores Autonama (Alemanha) e Pindorama (Brasil), que já haviam disputado o primeiro jogo de futebol no âmbito da Feira de Frankfurt em 2013, se encontram no Sesc Interlagos. O Pindorama está treinando para a nova partida. As experiências e textos dos escritores são compartilhadas no blog http://blog.goethe.de/pindorama. Mais informações: www.goethe.de/saopaulo
[ ÍNDICE ] [FUTEBOL DE PAI PARA FILHO]
[DRIBLES X TÁTICA]
[ Andreas Merkel ] _________________________________ 06 O segredo [uma história futebolística entre pai e filho]
[ André Argolo ] _____________________________________ 27 O elo sumido
[ Celso de Campos Jr. ] _____________________________ 07 Um batismo no inferno verde
[ Christoph Nussbaumeder ] ________________________ 28 O coração futebolístico
[ Custódio Rosa ] ___________________________________ 07 A porta mágica
[ Custodio Rosa ] ____________________________________ 29 A Função e a Faísca
[ Ecio Salles ] ______________________________________ 08 Anjos sobre o Maracanã
[ Edvaldo Santana ] _________________________________ 30 Hi...Uai
[ Flávio Carneiro ] _________________________________ 09 Conselho de pai
[ Florian Werner ] ___________________________________ 31 OAeoO O primeiro e o último minuto no jogo da criação
[ Frank Willmann ] _________________________________ 10 Floreios e escanteios [ Gregor Sander ] ___________________________________ 11 Febre [ José Luiz Tahan ] _________________________________ 12 Como driblar o Pelé [ Júlio Ludemir ] ___________________________________ 13 Missão [ Junião ] __________________________________________ 14 Meu time não tem título. E a culpa é minha. [ Klaus Döring ] ____________________________________ 15 No more [ Lucas Vogelsang ] _________________________________ 16 No começo, não havia nada; então, veio Günther [ Marcelo Backes ] __________________________________ 18 31 de abril de 2014 ou o dia de São Nunca [ Marcelo Moutinho ] _______________________________ 19 A primeira traição
[ Falko Hennig ] _____________________________________ 32 100 anos de magia – Breve história da bicicleta [ Gustavo Krause ] __________________________________ 33 Os filhos de Pindorama [ Jochen Schmidt ] __________________________________ 33 Ao Brasil eu wuld laik to go [ Jörg Schieke ] _____________________________________ 34 Rei futebol, mãe Terra [três cenas] [ Marcelo Backes ] __________________________________ 35 Pequeno dicionário nostálgico do meu futebol missioneiro - um time de verbetes ao léu [ Nils Straatmann ] __________________________________ 36 A discussão da tática [ Rodrigo Viana ] ____________________________________ 37 Do princípio ao infinito [ Sérgio Vaz ] _______________________________________ 37 Sobre Kichutes e chuteiras
[ Marcos Alvito ] ___________________________________ 20 Filho de peixe
[ Thomas Klupp ] ___________________________________ 38 Eu quero de volta a beleza do futebol brasileiro ofensivo e as sujas vitórias por 1 x 0 da seleção alemã
[ Moritz Rinke ] ____________________________________ 21 Para o meu avô [encontro com Franz Beckenbauer na decisão da Copa da Alemanha]
[ Uli Hannemann ] __________________________________ 39 Primeiro jogar, depois rir
[ Norbert Kron ] ___________________________________ 22 O sonho do Byron FC [ Rogério Pereira ] _________________________________ 23 Meu craque [ Vladir Lemos ] ____________________________________ 24 Um drible impiedoso [ Wilberth Salgueiro ] ______________________________ 25 De pai pra filho & do filho para o pai
[ Vladir Lemos ] ____________________________________ 40 As traves ----------------------------------------------------------------Escalação ___________________________________________ 41 Biografias Autonoma ________________________________ 42 Biografias Pindorama ____________________________ _ _ _ 45 Dicionário português-alemão ________________________ 48 Ficha técnica ________________________________________ 51
[FUTEBOL DE PAI PARA FILHO]
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[ANDREAS M ERKEL]
O SEGREDO [UMA HISTÓRIA FUTEBOLÍSTICA ENTRE PAI E FILHO] A
coisa mais entediante é se recordar de algo, um pro-
Pois é disso que se trata, ao final das contas: todos pre-
blema fundamental da literatura. Esta é a história de como
cisam de um segredo, mas ninguém consegue guardar
eu sempre odiei o futebol (e odiei como se odeia apenas
um segredo. Pois, ao fim e ao cabo, o segredo precisa ser
aquilo que se conhece ou se consegue fazer melhor). Eu
revelado (exceto, talvez, em Twin Peaks, mas quem sabe
me chamo Paolo e venho da Andaluzia. O maior medo
se isso simplesmente não se deve ao fato de que nada
do meu pai era o de que seu filho pudesse se tornar um
mais ocorreu ao autor).
homossexual. No mundo do meu pai alguém não era ho-
Refleti por muito tempo acerca disso ao escrever meu
mossexual, mas sim se t o r n a v a homossexual. Portanto,
romance. E, quando o terminei, e ele de fato encontrou
e ainda no mundo do meu pai, ele me mandou já bem
uma pequena editora andaluza que o publicasse (e tam-
cedo ao futebol, a fim de que seu filho não se tornasse
bém foi lido, entre outros, por meu pai), pensei: agora
um bichinha, um boiola, um baitola. O mundo do futebol
você revelou seu segredo. Exatamente como todos os
estaria destinado a me proteger disso (ou me endurecer
outros assassinos em série, investigadores do FBI, pros-
contra essa possibilidade): disputas de bola, cabeçadas,
titutas ou viciados bem ativos e funcionantes no mundo
toques de calcanhar... Meu pai era, ele próprio, um homem
ocidental da nossa cultura narrativa. Mas o livro não se
antes delgado, quase um desses casos suaves, por assim
tornou um sucesso monstruoso, muito menos além das
dizer. Meio italiano, treinou com módico sucesso o tercei-
fronteiras da Andaluzia. E então tudo não era mais tão
ro quadro do Real Betis de Sevilha (... muitas brincadeiras
ruim assim (daquele modo que torna tudo ainda pior, o
e toques entre os homens na hora da ducha). Já quando
modo dos sonhos abandonados ou das coisas ainda mui-
eu era garoto, ele não conseguia me ensinar muita coisa.
to mais kitschs, que em algum momento não se tem mais
Eu era um talento e consegui chegar inclusive ao segundo
a coragem de contar a quem quer que seja).
quadro dos b é t i c o s antes de perder a vontade, largar tudo e me dedicar a coisas bem diferentes.
O que eu queria dizer, no fundo: ao final das contas o que se faz é ver futebol junto com o próprio pai, do
Com pouco mais de vinte anos, eu teria gostado de me
modo normal que pai e filho costumam fazer. Os jogos
vingar do meu pai, mostrando que não me interessava
do Real Betis, ou então os que passam na televisão. Não
mais por futebol e me tornando homossexual. E prefe-
posso dizer que guardo alguma recordação digna de ser
rindo escrever. Não consegui fazer nenhuma das três coi-
mencionada, de uma única partida que seja. E também
sas muito bem (é possível, sim, continuar se interessando
não posso dizer que com isso acabei desperdiçando meu
por algo que no fundo se odeia, se agora quisermos falar
tempo ou talvez minha vida. E talvez isso já seja todo o
enfim de futebol). Por algum tempo, andei pelos bares
segredo que eu desta vez realmente não estava preten-
gays da Andaluzia, não apenas os de Sevilha, e por lá co-
dendo revelar a ninguém.
nheci alguns homossexuais, dos quais ainda hoje sou muito amigo. Quero dizer, sem que haja havido qualquer contato sexual entre nós. Pois eu consegui inventar para mim mesmo o seguinte segredo: para os outros eu vivia (em termos andaluzes) a vida glamorosa de um homossexual, enquanto secretamente mantinha relações hete[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
rossexuais com diversas mulheres, das quais ninguém
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sabia, a não ser as mulheres e eu. Em seguida escrevi um misterioso romance sobre essa vida. Na época, era importante para mim ter um segredo. Percebi quantos livros, filmes, canções de rock tratam desse assunto na nossa cultura. Twin Peaks, Arquivo X, até Karlsson do Telhado da Nobel sueca Astrid Lindgren. O espectador, leitor ou ouvinte quer tremer junto com o narrador, tanto quando ele revela o segredo, como quando o segredo acaba sendo descoberto.
X
[CELSO DE CAM POS JR.] [CUSTÓDIO ROSA]
UM BATISMO NO INFERNO VERDE Sempre tive uma pontinha de inveja daqueles que, como meu pai, tornaram-se palestrinos tendo o privilégio de assistir, em campo, às sinfonias de Ademir da Guia e Dudu, de Leão e Luís Pereira. Ou daqueles, como minha avó Olímpia, que acompanharam as incríveis proezas de Junqueira e Oberdan, de Djalma Santos e Julinho Botelho. Pois a geração da qual faço parte forjou-se palmeirense a ferro e fogo, na década perdida de 1980. Estrear nos estádios justamente na fatídica final contra a Inter de Limeira? Bem-vindos ao meu mundo. O jogo aconteceu em 3 de setembro de 1986 – e cada minuto daquela noite seguirá para sempre tatuado em minha memória. No caminho entre o bairro de Pinheiros e o Morumbi, a bordo de uma Caravan prata, meu velho fez uma emocionada preleção, explicando-me que estávamos diante de um momento histórico: a primeira decisão de campeonato do Palmeiras desde 1976. Para um garoto de oito anos de idade, a noção de um jejum de uma década era incompreensível – literalmente, maior do que a vida. Ao desembarcar no Cícero Pompeu de Toledo, porém, isso já parecia coisa do passado. A festa de 75 mil pessoas indicava que o sofrimento tinha data e hora para acabar.
AH, SORTUDA!
M
inha primeira vez no Estádio Palestra Itália, o campo do Palmeiras, foi em um domingo de manhã, na década de 1970, quando acompanhava meu pai, que jogava o Campeonato Paulista de Bocha pelo Clube de Campo do Castelo. As canchas de bocha, assim como de outros esportes, ficavam embaixo da arquibancada do estádio. Para um menino de dez ou 12 anos, era fascinante ver aquela antiarquibancada acima de nossas cabeças, cumprindo a função de teto em vez de assentos. Em certo momento (foi meu pai que me deu este presente? Como saber?), alguém do Palmeiras me chamou de canto. Ali, abriram para mim uma porta mágica e, na minha frente, se materializou um universo de cimento, tribunas e verde, um lindo estádio vazio sob um domingo de sol. I n e s q u e c í v e l ! Meu pai veio de Santa Catarina, sul do Brasil, Estado sem tradições futebolísticas. Já era rapazote e ainda não tinha preferências por clube, embora jogasse bem futebol. Assim como no Norte e Nordeste, em Santa Catarina quase todos torciam por times do Rio de Janeiro, sede das principais redes de comunicação que espalhavam as preferências clubísticas por ondas de rádio AM. Meu pai se recusava a ser colonizado dessa maneira. Depois de passar por Porto Alegre e Brasília, adotou São Paulo como cidade. Casou com minha mãe na mesma vila em que nasceram e chegou aqui disposto a amar um clube. Um amigo corintiano, querendo convencê-lo, convidou-o para assistir a um jogo, o derby contra o Palmeiras. Mais que o resultado do jogo, vitória do alviverde, costumo dizer que é o time que escolhe a gente. Ali ele foi escolhido pelo Palmeiras. Outros parentes, sem relação direta conosco nem sangue italiano, também são palmeirenses. Não sei explicar. Sendo um sujeito contido, que poucas vezes me levou ao estádio, meu pai não foi um torcedor tão influente, apesar de recusar jogar bocha pelo São Paulo, nosso outro grande rival da cidade. Seja por identificação com ele, seja por espírito familiar ou mesmo porque também fui escolhido, a semente palmeirense foi plantada em mim. Logo após a morte de meu pai, em 1996, minha mãe foi jogar bocha, pelo mesmo Clube de Campo do Castelo, contra o Palmeiras, na mesma cancha sob aquelas mesmas arquibancadas. Eu, adulto, já não acompanhava mais essas partidas. Ela entrou no meio do jogo como substituta em uma partida totalmente perdida. Era uma maneira de os amigos consolarem-na pela perda recente. Pois, na melhor partida de bocha de sua vida, minha mãe conseguiu virar um jogo impossível. Festejada e levantada pelo grupo, saiu pela mesma porta mágica que décadas antes foi aberta para mim. Sentou no cimento frio da arquibancada, sentindo que não estava sozinha. No imenso estádio escuro, o silêncio como testemunha, com a noite caindo, chorou aquela vitória, a única, em que todos nós ficamos felizes com uma derrota do Palmeiras.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Havia mais. Em uma dessas surpresas que ocorrem apenas em dias abençoados, eis que, nas galerias do estádio, um colega de meu pai o avista – e, correndo em nossa direção, me pergunta: quer entrar em campo com o time? E eu, que sonhava com a arquibancada, de repente me via no vestiário, perambulando entre meus ídolos, os gigantes de camisas verdes que se aqueciam para atropelar o adversário. Supervisionando tudo estava o capitão Vagner Bacharel, desfalque para aquela partida: com uma bota de gesso no tornozelo direito, exalava confiança na vitória. Ainda guardo seu autógrafo para provar que tudo aquilo foi real. Pouco depois das 21h, como no estouro de uma boiada, subimos para as quatro linhas. O barulho enlouquecedor da torcida, as luzes cálidas, o gramado infinito; nada ali, nem de longe, remetia a uma tragédia – e, talvez por isso mesmo, ela tenha acontecido. No apito final de Dulcídio Wanderley Boschilla, meu pai e eu embarcávamos de volta para casa, em uma silenciosa viagem que só acabaria sete anos depois. Mas aí, em 12 de junho de 1993, com o talento de Evair e Zinho, com a raça de Edmundo e César Sampaio, comandantes do massacre sobre o arquirrival Corinthians na decisão do Paulista, já era a vez de minha irmã se iniciar palmeirense.
A PORTA MÁGICA
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[ECIO SALLES]
ANJOS SOBRE O MARACANÃ Há quem diga com orgulho que nasceu torcedor do seu time. “Eu nasci vascaíno”, “sou tricolor desde que nasci”, “antes de nascer eu já era flamenguista”, ou então mostra uma foto de si bebê com um b o d y z i n h o alvinegro. O fato é que todos esses têm a paixão pelo time como uma predestinação, algo inescapável. Eu não. Torcer – torcer mesmo, não dizer que torce –, para mim, foi uma escolha. Eu me gabo de ter-me tornado vascaíno numa noite precisa, da qual me lembro com nitidez. Como quase tudo que permanece, minha v a s c a i n i d a d e foi forjada no sofrimento. Sei que a véspera desse acontecimento tinha sido um dia ruim. Cheguei da escola cedo. A mãe estava fora, cuidando de sua paciente. O pai estava fora, supostamente servindo e protegendo a cidade. O irmão e a irmã estavam em casa, com a moça que fazia a faxina e cuidava das crianças até a hora de a mãe chegar. Mas, os irmãos eram pequenos; a moça, desatenta. Foi aí que tive a ideia. Nunca gostei de pássaros presos. Eu sei, porque era um, de asas cortadas, engaiolado numa casa-cárcere, como se fosse um dos supostos bandidos que o pai prendia, como se fosse um dos passarinhos que o pai criava-encarcerava.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Foi nesse dia que decidi soltar um deles. Soltei. Logo o canário, o bichinho mais caro que o pai criava. O pai chegou à noite, com sua farda azul, seu coturno preto, sua arma preta e prata, seu quepe azul, sua raiva cinza. Lembro pouco desse dia, a não ser pelos doces de Cosme e Damião na casa da vizinha umbandista, à tardinha. E pela surra à noite. Uma surra daquelas, como se eu fosse um dos supostos bandidos que o pai prendia. Começou com um tapa de mão aberta. Só que muitos outros viriam depois. No final, pra arrematar, bateu-me com o troféu que ganhou na rinha de galos, uma base de madeira com um galo dourado de asas abertas em cima. A asa do galo me raspou no peito, fez uma ferida que na hora inchou, ficou em carne viva. No dia seguinte, produziu uma incômoda casquinha de ferida.
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O dia seguinte... Foi um dia completamente diferente. O pai estava de folga, já que trabalhava em turnos de 24 por 24 horas. A mãe estava de folga, era enfermeira e também trabalhava dia sim, dia não. Aquela quarta-feira, desde cedo, cheirava a fogos de artifício. Tinha decisão no Maracanã. Vasco e Flamengo. O Vasco de Dinamite, o Flamengo de Zico. O Vasco tinha feito uma bela campanha. Ganhou a Taça Guanabara, só perdeu um jogo, para o América, e Mazaropi, o goleiro com nome de ator, tinha passado vários jogos sem tomar gol. E agora, só faltava ganhar este jogo pra ser campeão carioca.
O título do primeiro turno, eu tinha achado legal, mas eu ainda era vascaíno porque o pai era, a mãe era, e naquela família de nordestinos agrestes, nunca era bom contrariar os mais velhos. A mãe, na dificuldade de comprar uma camisa oficial do cruz-maltino, fez uma em casa. Com um truque de água sanitária sobre uma camisa preta, ela fez a faixa diagonal branca, da cintura do lado direito até o ombro do lado esquerdo. Mas não teve jeito de fazer a cruz-de-malta no peito. Fui assim mesmo, sem o símbolo vermelho que identifica os vascaínos de verdade. O jogo foi duro, o Vasco precisava vencer pra ser campeão. O Flamengo também, para provocar novos jogos e tomar ou atrasar o título da Colina. O final do jogo foi 0 x 0. O da prorrogação também. A decisão foi pros pênaltis. Pela primeira vez, experimentava uma dor sem razão no peito, uma taquicardia que me dava medo. Alguma coisa mudou em mim. Como todos ali, gritei, pulei, xinguei e fui xingado. Soube naquele dia que eu era bacalhau. Eu era parte de um oceano branco e preto que se batia contra outro, vermelho e preto. O primeiro pênalti foi cobrado pelo adversário, gol. Depois, Paulinho, pelo Vasco. Gol também. E assim foi. Quatro cobranças pra cada lado, quatro a quatro o jogo. Então, Tita, jovem atacante rubro-negro, ajeitou a bola. Mazaropi se posicionou. Eu na arquibancada sem ar, sem palavras, trêmulo, ofegante, tenso. Tita bateu no canto direito do goleiro, que voou e defendeu. Não sei se o que houve depois foi um grande barulho ou um grande silêncio. Sei que Roberto Dinamite pegou a bola, andou até a marca, pousou a bola com delicadeza, correu e bateu... Eu vi a fumaça dos fogos no céu, elas assumiam formas brancas que eu pensei serem anjos sobre o Maracanã. A mãe e o pai me abraçaram. O pai esbarrou seu anel de São Jorge na ferida em meu peito, que sangrou. O sangue atravessou o pano da camisa na parte da faixa branca, espalhou-se até formar uma espécie de cruz vermelha bem na altura do peito, no lado esquerdo. E ali, debaixo dos anjos de fumaça, eu chorava, pulava, dançava e, de repente, comecei a cantar com a multidão: “Vamos todos cantar de coração...”
[FLÁVIO CARNEIRO] CONSELHO DE PAI
Escuta, meu filho, ouve bem o que vou te dizer: essa aí, do seu lado, essa que você tanto queria e agora é sua, essa que tirou suas noites de sono, essazinha com quem você dorme abraçado, olha, meu filho, escuta o que estou te dizendo: não confia nela, não. Vai ser sua companheira? Vai, isso é certo. Enquanto estiver com você, vai ser dócil, obediente, uma santa! Agora, quando estiver na presença de outros homens, ela talvez te deixe na saudade. Desculpa te dizer isso, filho; na verdade, estou dizendo o que você já sabe, não é? Você já viu como essa aí adora uma brincadeira, adora quando pode rolar à toa, livre, leve e solta, a danada. Você sabe que seus amigos também gostam dela, são seus amigos, mas, na hora do vamos ver, não tem essa, não. Então me escuta, trate bem dela, trate bem, não na hora de dormir, não é disso que estou falando, não é preciso dormir abraçado com ela, não; estou falando lá naquela hora, no meio dos seus amigos e também dos inimigos, ou mesmo desconhecidos, nessa hora é que você precisa cuidar muito bem dessazinha aí, cuidar com carinho e firmeza, entendeu? Não dá bobeira, não, meu filho, ouve o que seu pai está dizendo. Não, não precisa ficar agarrando a coitada, deixa disso, filho, parece criança, deixa disso. Não é assim que funciona, não é agora, não. E já vai esquecendo essa aí, daqui a pouco ela fica velha, acabada, não vai ser novinha assim a vida inteira; ninguém, nada é. E quando ela estiver toda ferrada, velhona mesmo, sabe o que você faz? Quer saber mesmo o que você faz? Troca por outra mais nova. Troca, sem remorso, ela vai ficar jogada num canto qualquer, e você, seus amigos e inimigos, e mesmo os desconhecidos, vocês só vão querer saber da outra, a nova, boa de pegar, boa de tocar, que maravilha a juventude, a novidade, ô, maravilha.
Meu filho, a bola era um patrimônio dos deuses, só eles podiam jogar, o campeonato no Olimpo era uma coisa que nem te conto! Tudo liderado pelo chefão dos deuses, o dono da bola, das camisas, do campo, de tudo, um tal de Zeus. E Prometeu disse: esse negócio está muito chato, esse monte de bichos de um lado, um monte de deuses do outro, vou dar uma mexida nisso aqui. E mexeu mesmo, de verdade. Roubou a bola de Zeus e disse ao primeiro homem que apareceu na frente dele: “Toma, é sua!” Zeus ficou muito zangado com aquilo, muito mesmo. Amarrou Prometeu no alto de uma montanha e mandou uma águia devorar seu fígado todos os dias. Como ele era um deus, no dia seguinte o fígado estava lá de novo, inteirinho, pronto pra ser devorado de novo. Mas Prometeu não ligava, ele sabia o que tinha feito, sabia o presente que tinha dado aos homens. Isso é pra você ver, meu filho, como essa aí tem um passado que a condena; desde o início dos tempos ela foi motivo de discórdia. Trocou os deuses por reles mortais e nem ligou; talvez tenha ficado até feliz por ser assim tão disputada. É vaidosa, essa aí; toma cuidado, filho, ela pode estar com você num segundo e, no segundo seguinte, já ser de outro homem. Fica de olho aberto, escuta o que estou te dizendo. E tem mais uma coisa, só mais uma coisa que eu quero te dizer. Ih, dormiu. Falei tanta bobagem que você dormiu, meu pequeno, tão pequeno, tão frágil assim dormindo, nem parece o deus que é. Foi melhor, melhor nem ter ouvido mesmo. Dorme, meu craque, flor dos meus cuidados, dorme. Amanhã, quando você acordar e sair de casa, levando nos braços essa redondinha maravilhosa que papai te deu, amanhã, vê se faz um gol pro seu pai, um golzinho só, promete? Você é o dono da bola; então, agora dorme, descansa, amanhã tem jogo, meu filho, amanhã tem jogo.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Escuta, meu filho, vou te contar uma história. Escuta só, você que gosta de histórias, ouve essa. Era uma vez, muito antigamente, na época em que só existiam os deuses e eles adoravam brigar entre si, não faziam outra coisa senão brigarem uns com os outros, eternamente, imagina isso, ninguém morria, eram todos eternos, então as brigas eram quase eternas também. Nessa época, dois deuses sem mais o que fazer na vida resolveram inventar uma coisa diferente: os animais. Combinaram que um deles, Epimeteu, iria fazer o rascunho. E o outro, Prometeu, daria a versão final. Epimeteu saiu inventando os bichos e dando a cada um deles suas qualidades: força pra esse aqui, rapidez pra aquele ali, esse vai ser de couro, aquele vai ter garras, o outro vai respirar debaixo d’água etc. Quando chegou a vez de inventar o animal chamado homem, as qualidades já haviam acabado. Epimeteu não se tocou disso, que precisava deixar alguma coisa pra gente. Não sobrou nada, nadica de nada.
Prometeu não gostou daquilo e então disse: “Quer saber de uma coisa? De todos os animais, o homem vai ser o único que joga bola”.
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[FRANK WILLMAN N]
FLOREIOS E ESCANTEIOS
Durante minha infância, nossa família muitas vezes passava o verão em Fuhlendorf. Uma pequena localidade no limite inferior de Darß. Nunca havia o suficiente para o verdadeiro mar Báltico. Meus pais não pertenciam à classe trabalhadora, e por isso não passávamos férias nas colônias da FDGB, central sindical única da Alemanha Oriental. Os galinheiros reformados de camponeses matreiros eram nossa hospedaria. Mas podíamos buscar todos os dias nosso franguinho frito no restaurante local. A cidade ficava junto à laguna. Um líquido marrom, morno, coroado por gigantescas superfícies espumosas. O paraíso de estrume era alimentado por grandes indústrias agrícolas. A região, atualmente sem visitantes, agora se promove com seu caráter natural e indolente. Espantoso. Em 1978, centenas de pobres-diabos cruzavam a região em busca de lazer nas proximidades. Em alguns dias, abríamos mão de nosso franguinho frito. E íamos de Trabant até o mar Báltico. Praia de nudismo em Prerow. Acordar às seis da manhã. Depois, entrar na fila dos trabis. Os castelos de areia formavam seis filas na praia. Como em todos os lugares, em algum momento o bando de adolescentes se encontrava na praia da laguna. Entrar na água cálida, porém, não era opção. Rezava a lenda que um saxão o tentara certa vez. Diziam que, ao sair da água, sua pele tinha se soltado aos pedaços do corpo.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Uma imagem bonita se formava ao observador plácido. Poucos metros antes do líquido da laguna, as garotas descansavam sobre suas toalhas. Um pouco além dali, os garotos jogavam futebol. Ambos os partidos fingiam que a atividade um do outro não lhes interessava. O sol brilhava para todos e o tempo era um momento relativo. Em meio ao bando das garotas, Isabella se sobressaía. Seus cabelos compridos emolduravam feições angelicais. Quando ela aparecia, lebre e raposa deitavam-se, pacíficas, a seus pés. Ela era a deusa de Fuhlendorf.
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Todos os garotos jogavam futebol. Tanto fazia se sabiam ou não jogar. O objetivo de cada um deles era tocar o coração da adorada. Muitos de nós disputavam na praia da laguna o jogo de suas vidas. O pequeno Icke, de Berlim, estava especialmente encantado por Isabella. Era um daqueles baixinhos, ágeis. Passes geniais, dribles perigosamente incendiários. Ele dedicava a Isabella cada uma de suas jogadas bem-sucedidas. O problema de Icke era seu tamanho. Seu corpo se aprumava do chão em magrelo 1,59 metro. Muito pouco para chamar a atenção. Entre os garotos de catorze, quinze anos, ele era o anão. E ele sabia pelos seus livros que, no final da história, o anão nunca se casa com a filha do rei. É o bobo da corte. Às vezes, pode ser anão malvado.
Dennis usava jeans e camiseta ocidentais. Dennis era goleiro. Entre as traves, era uma figura impecável. Sempre que não havia serviço para ele como goleiro, Dennis refazia a risca do cabelo com um pente azul e sorria. Sorria na direção das garotas. Durante toda uma semana ele sorria na direção das garotas e ajeitava a risca do cabelo. Icke via o sorriso. Mas, no campo, Icke não tinha tempo de jogar charme para as meninas. Os olhos dele fixavam a bola. No campo, ele era jogador demais e sempre se esquecia de apresentar sua pessoa de maneira sedutora às garotas. Quando se deitava à noite na cama, muitas vezes ele chorava. Ele se via no campo. Icke estava ao lado de Dennis e olhava para cima. Os dentes de Dennis brilhavam ao sol. Icke acreditava todos os dias em sua chance. Seu jogo se tornava cada vez mais divino. Mas Isabella não se interessava por futebol. A praia da laguna era igual à vida. Depois de uma semana, Isabella decidiu-se pelo loiro e alto Dennis. A partir de então, Dennis ia até ela depois do jogo. Ele a beijava na boca. Eles saíam juntos. Além de Isabella e Dennis, outros casais se formaram. Beijos inocentes atrás do galinheiro. As garotas tinham um cara. Os meninos, uma mina. Icke não ganhou nenhuma mina. Icke tinha jogado futebol durante o dia. À noite, ele não conseguia pegar no sono. No dia anterior à partida, jogamos futebol pela última vez. As garrotas, como sempre, estavam sentadas um pouco afastadas. Icke tomou a bola e saiu correndo em direção de Dennis. Seu rosto era uma careta. Icke mirou, preparou o chute e lançou a bola com uma força tremenda entre as pernas de Dennis. Dennis gemeu. Dennis caiu. Já ao primeiro grito de Dennis, Isabella se levantou e correu até o amado contundido. Dennis estava embotado no campo. Isabella, indignada. Icke riu. Ele riu alto. Não por malícia, por apreensão. Isabella olhou para Icke. Ela disse apenas uma palavra. Ela a disse com muito desprezo... A N Ã O . Depois, pegou o braço de Dennis, que apreciou seus cuidados carinhosos e rapidamente se restabeleceu. E logo voltou a sorrir. Icke estava sozinho. Icke pensou no pente azul de Dennis. Icke saiu correndo e gritando até a laguna e se jogou dentro dela. Encerramos o jogo. O casalzinho sentou-se junto. Depois de um tempo, Icke saiu da água. Sua pele ainda estava lá. Pouco antes de desaparecer, ele se virou e gritou: pra mim, jogar é transar. Cinco anos mais tarde, vi Icke na televisão. Estava jogando na Copa da UEFA por um conhecido time da RDA, na Alemanha Ocidental. Depois do jogo, ele ficou por lá. Icke aprendera coisas.
[GREGOR SANDER] FEBRE
Meu pai não é de falar muito. Venho do nordeste da Alemanha, às margens do mar Báltico, um mar pequeno que, na verdade, mais parece um grande lago. Não é muito salgado e, mesmo no verão, a água mal passa dos 20 graus. A maior parte das pessoas que vivem por lá não fala muito. “Hum” ou “pode ser” é o que quase sempre basta como resposta para as perguntas. Isso é bem normal. As pessoas também não são muito emotivas. “Dançar” é uma palavra desconhecida, e as alegrias são, antes, internas. E quem toma banho de mar, na verdade, são apenas os turistas. A praia de Warnemünde deve ser o contrário da de Copacabana. Também meu pai não é uma pessoa especialmente emotiva. É simpático, reservado e cortês, mas não carrega o coração na ponta da língua. No caso dele, sempre existiu e continua existindo uma exceção: o futebol. Quando eu era garoto, não conseguia entender como em alguns dias meus programas de TV favoritos, a Vila Sésamo ou, mais tarde, Bonanza, de repente não eram apresentados e, no lugar deles, era mostrada uma partida de futebol. Eu achava isso de um tédio inacreditável. Empolgante, porém, era o que acontecia com meu pai. Ele empurrava um assento para a frente do aparelho e já poucos minutos depois tinha um surto. Pelo menos se for levado em conta seu comportamento costumeiro. Bufava, berrava e praguejava. Pulava da cadeira, batia palmas, às vezes exultava brevemente, para logo em seguida fixar os olhos na televisão, concentrado de novo. Eu não entendia absolutamente nada. Não compreendia o que podia ser tão empolgante naquele jogo a ponto de arrancar meu pai de sua conhecida postura estoica. A bola era jogada de um lado a outro sem parar e, quando terminava de fato dentro do gol, este não valia porque um dos jogadores estava no lugar errado. Impedido. “O que significa impedimento, papai?” Meu pai rechaçava minha pergunta com um aceno, sem olhar para mim: “Mais tarde”. Mas também mais tarde ele não me explicava o que era, porque eu nem queria saber e apenas esperava que na semana seguinte pudesse ver Garibaldo e Funga-Funga de novo, em vez de Franz Beckenbauer e Berti Vogts.
Quase todas as noites havia visita. Amigos de meus pais, minhas tias e meus tios. Todo o mundo bebia cerveja, aguardente e vinho. Até minha avó às vezes via os jogos. Todos fixavam os olhos naquele aparelho em preto e branco como se estivessem hipnotizados, como se Deus estivesse jogando em pessoa naqueles campos. E todos mudavam completamente. Até mesmo minha mãe gritava: “Manda pra dentro!”, ou “derruba ele!” Era realmente inacreditável e, de algum modo, contagiante. Aquilo tomou conta de mim como uma febre, e, desde então, não apenas gosto de jogar futebol como também gosto muito de ver futebol. Na televisão ou, melhor ainda, no estádio. Meu pai não me deixou um time de herança. Mas isso já é outra história.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Mas então houve uma Copa do Mundo que mudou minha vida. A de 1978, na Argentina. Eu tinha dez anos de idade e já ia à escola. A seleção da Alemanha Oriental, onde eu vivia, não tinha nem se classificado, e a da Alemanha Ocidental, campeã da copa anterior, jogava tão mal que chegou a perder até para a Áustria. Mas essa não era a coisa mais decisiva. Pelo menos não para mim.
Pois os jogos eram mostrados à noite, e normalmente àquelas horas eu já estaria na cama havia um bom tempo, porque no dia seguinte precisava ir à escola. Mas eu estava doente. O caso não era especialmente grave, eu tinha me resfriado ou algo assim, e já me sentia bem melhor. Mas só por causa disso podia ficar acordado quando queria assistir aos jogos. Se não quisesse, teria de ir para a cama. Na época, ainda se via bem menos televisão; fiquei acordado, portanto, a fim de assistir aos jogos que aconteciam na América do Sul. Só porque não queria ir para a cama, e não porque aquilo me interessasse de modo especial.
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[JOSÉ LUIZ TAHAN]
COMO DRIBLAR O PELÉ
Nasci em Santos, mas sou santista apenas de nascimento. Meu pai foi daqueles jogadores desconhecidos, que no final dos anos 1950 foi obrigado a abandonar o futebol por obra da sua mãe, minha vó, que o prendeu no quarto enquanto empresários batiam na porta do sobrado da família para convidarem o meu pai a viver uma nova vida, se transferindo dos juniores do São Paulo para ser jogador do Verona, na Itália. Minha vó árabe, uma não tão boa negociante, enxotou os engravatados, porque aquilo não era coisa de gente séria, jogar bola. O Zito tinha então 18 anos e só gostava de jogar bola na vida. Mais adiante conheceu minha mãe, tiveram dois filhos, mas o jogador continuava ali, respirando, nas entranhas do Zé Tahan, um jogador nato.
Meu pai perdeu tudo no jogo, que deve mesmo se chamar de azar. Manteve o casamento, sei lá como, meu velho era habilidoso mesmo, e manteve o respeito pelo seu time, que virou o meu, o São Paulo Futebol Clube. Acho bonito lembrar que o que ficou entre mim e o meu pai foi o mesmo amor pelo mesmo time. Ele morreu antes de conhecer o meu caçula, hoje com quatro anos. Meu filho é são-paulino, numa cidade que se orgulha do seu time e da sua história misturada a esse time. Quando o Zé Miguel estava na barriga da mãe, aconteceu uma passagem memorável. Virei editor de uma obra do Pelé, sobre o Pelé. E estivemos juntos, por conta da festa de lançamento do livro. Pelé olhou a barriga da minha esposa, a Ana, e já adiantou um decreto real: “Para quando vem esse santista?“. Pensei comigo: “Não vai ser fácil, não vai ser fácil”. Na sequência da conversa, me aparece uma camisa infantil do Santos não sei de onde, que é entregue ao Rei. E ele capricha, usando um daqueles canetões próprios para tecido: “Para o futuro santista, Miguel, com um abraço do tio Edson Pelé”. Pensei num plano no mesmo instante, ainda bem que ele estava na barriga da mãe. Aliás, a mãe é santista dupla, de nascimento e de time, minha situação não era simples. Enquanto o pequeno Zé Miguel ia crescendo, vendo jogos comigo, sempre o São Paulo venceu todos os jogos, e o seu uniforme varia muito, até o azul do Chelsea serviu outro dia, quando dávamos socos no ar abraçados, depois de um golaço deles, quer dizer, do “São Paulo”.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Usamos juntos camisas do nosso time, ele resiste a todas as ofertas de mudança de credo, olhando para mim, me dando segurança.
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E a camisa do Santos assinada pelo Rei está devidamente escondida no fundo da gaveta mais esquecida da casa, talvez eu mostre a ele no futuro. Deixa a fase do São Paulo melhorar, daí mostro, prometo.
José Luiz Tahan é livreiro, editor, e é o camisa 8 do Pindorama, mesma posição do seu pai.
[JÚLIO LUDEM IR] MISSÃO
Uma das poucas missões que restam aos homens é fazer com que seu filho varão torça pelo mesmo time de futebol que eles, com o ardor com que deve se entregar à carne das mulheres. Meu pai fracassou em ambas as missões antes de me abandonar, quando eu tinha uma idade não muito diferente da de Pablo naquela noite de dezembro de 1995. Não perdi uma única chance para acusá-lo desses dois delitos, ainda que eu próprio os tenha repetido na relação com meu único filho. Pelo menos na relação com os defeitos, consegui superar meu pai. Tenho todos os defeitos – e eles se manifestam particularmente na relação com Pablo, que abandonei quando ele tinha apenas um ano de idade. Mas na epifania que tive ao descermos juntos do ônibus, vi-me enfim como o herói que um homem só consegue ser aos olhos de um filho varão. Vi esse herói nos olhos dos filhos de vários amigos – e sempre os invejei com o fígado, ainda que mantendo a discrição ou, pelo menos, com a ilusão de que estava mantendo. É para imitar esse herói que os meninos começam a torcer pelo mesmo time do pai. Se o pai o decepciona de modo irremediável, ele vai torcer exatamente pelo rival histórico. Essa decepção pode levá-los a não amar as mulheres também. Eu seria o herói pela razão mais elementar e estúpida – por causa da força física de que precisaria para atravessar a multidão compacta e ruidosa, amontoada no entorno do Maracanã, que, embora oficialmente tenham sido vendidos apenas cerca de 90 mil ingressos, estava ali em um número não inferior a 160 mil pessoas. A torcida do Flamengo resolvera ir em peso para salvar o ano do centenário, trágico até aquele momento, apesar de algumas contratações extraordinárias, como a de Romário e Edmundo. Vários cabeças de bagre ganharam títulos tidos como impossíveis devido a uma espécie de doping que vem das arquibancadas, do nosso entusiasmo inquebrantável. Não seria diferente com um time que, por pouco, não foi rebaixado para a segunda divisão e que antes disso perdera um título com o humilhante gol de barriga do traíra do Renato Gaúcho.
Esse esforço quase teve um elemento trágico, do qual só conseguimos escapar por causa de um lance de sorte que não permitiu que os cerca de 30 segundos (os mais demorados de toda a minha vida) em que o perdi de vista no meio da multidão se transformassem em dois minutos, que provavelmente se tornariam duas horas, dois dias. Mas, tão logo me recuperei desse susto, fiz de Pablo um escudo humano – única maneira de não nos desencontrarmos de novo – e abri passagem na torcida do Flamengo como quem foge de uma catástrofe, como se atrás de nós as lavas de um vulcão adormecido havia séculos tivessem acordado para se vingar de todos os crimes que cometera, inclusive contra a saúde mental de Pablo. Estava em uma via Crúcis (ele era a minha cruz) em que tentava salvar não a humanidade, mas a mim mesmo. Terminaria aquela caminhada quase impossível não no monte ao lado de dois bandidos vulgares, mas como um herói que a gente só pode ser aos olhos do filho varão. Saímos da fila do ingresso como quem acabara de comprar batatas no mercado negro no meio da guerra, mas aquela conquista ainda não era o bastante para que pudesse dizer que era um homem melhor. Para que todo aquele sacrifício valesse a pena, precisaríamos enfrentar um desafio ainda maior – chegar às roletas da arquibancada, que até o fim daquela noite seriam destruídas pela multidão faminta de títulos, querendo redimir nosso time na base da raça, do amor, da paixão, como diria uma das músicas que criamos décadas depois. Mais uma vez coloquei Pablo à minha frente e comecei a empurrá-lo com a força que só a tem um povo que durante séculos precisou do próprio braço para levar comida para casa. A multidão cantava o hino à medida que avançava, meu filho junto com ela, eu junto com ele. Aquele elo nos fazia extraordinariamente fortes. Invencíveis mesmo.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Não sei quanto tempo precisamos para desembocar nas roletas das arquibancadas – apenas que chegamos e que antes de subirmos a rampa olhamos um no olho do outro e nos abraçamos com o ardor de quem está se entregando à carne das mulheres. Nosso abraço tinha o entusiasmo da torcida do Flamengo, cantando para o mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro. Tive ali a certeza de que Pablo seria Flamengo até morrer. Minha missão estava cumprida.
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[JUNIÃO]
MEU TIME NÃO TEM TÍTULO. E A CULPA É MINHA.
D
izem os antigos que meu pai foi ótimo volante. Não o vi jogar com adultos, mas acredito. O velho tinha todo o perfil, esguio, pernas tortas, tinha ginga, desfilava mesmo. Deu as minhas primeiras lições futebolísticas e o primeiro uniforme completo da Ponte Preta, a Macaca, assim como era conhecido o esquadrão de Campinas, nosso time do coração. Perdi a conta de quantos domingos fui com ele ao Moisés Lucarelli, estádio Majestoso, ver nossa macaquinha jogar. Meu pai e eu brincamos de bola muitas vezes. Eu era a Ponte Preta, ele, outro time que escolhia na hora. Nunca me deixava ganhar, o que me enfurecia.
Vieram campeonatos de colégio, jogos de bairro contra bairro, e eu no meio. Adorava. Em outro certame, minha Macaca vibrava, corria, ganhava jogos espetaculares, mas nada de títulos. “Ponte Preta sempre, sempre”, dizia o hino, cujo coro meu pai me ensinou a engrossar. Não falava muito quando a Ponte perdia, e ainda corria, brincava e ganhava de mim. A diferença física já era menor. Tal qual a Ponte em campo, minha vitória parecia ser questão de momento, mas que nunca chegava. Era quase uma superstição nossa: quando eu ganhasse do meu pai, a Ponte também seria campeã.
O tempo foi passando e eu peguei muito gosto pela redonda e mais ainda pelo nosso time. Brincava sempre que podia, bola nos pés e camisa da Macaca no coração. Na escola, em casa, na rua, nos campinhos, era meu esporte preferido e uma maneira de me autoafirmar no coletivo da molecada. Ser escolhido por último pelos capitães, para mim, já era uma derrota. Via os jogos no campo ou na TV, saía imitando os craques do meu time, que eram vários na época. Nesse tempo meu pai ainda corria bem e ainda brincávamos de bola. Mesmo esquema: eu, Ponte, ele, outro time, que sempre saía vencedor, e eu sempre furioso.
Veio a adolescência, com as mudanças e as dificuldades mil. Físicas, emocionais e as que a gente mesmo inventa. Envolvido nos estudos e nos medos que essa fase da vida nos apresenta, continuei a brincar de bola, mas em ritmo menor. Menor também ficou a frequência dos diálogos com meu velho, que, na época, parecia cansado e sem estímulo. Sem estímulo como a Macaca, que, sem rompantes de criatividade em campo e fora dele, caía para a segunda divisão. Caiu também a nossa profecia. Ganhar do meu pai para quebrar o feitiço já não fazia mais sentido. Sempre ouvia que a adolescência era um período complicado, mas me perguntava se precisava ser tanto. Crises pessoais, problemas em casa, meu time na segunda divisão: tempos estranhos, nada mais fazia sentido. Será que existia uma lógica ou trama de mau gosto por conta dessas coincidências? Resolvi culpar o azar.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Com o passar do tempo, meu time e meu pai, que já não brincava de bola comigo, ficaram mal das pernas, cada qual à sua maneira. O time hoje tenta se levantar. Meu pai, ponte-pretano convicto e sem título, agora assiste aos jogos lá do andar de cima. Minha paixão pelo meu time e pelo futebol continua, mais sóbria, mas continua. Aprendi a ver meu pai como uma pessoa que errava e tinha problemas como qualquer mortal. Entendi que ganhar ou perder é do jogo. Cheguei até a perdoar o azar que recebeu minha ira por aqueles tempos. Cresci.
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Hoje tenho um filho pequeno e estou ensinando a ele o amor pelo meu time. Ele parece que comprou a ideia. Brincamos bastante de bola e, como meu pai, deixo com o pequeno a alegria de ser a Ponte Preta. Mas com um detalhe: sempre o deixo ganhar. Vai que a sorte muda, né?
[KLAUS DÖRING] NO MORE
O
vestiário do ginásio de esportes de inverno – bem ao lado do Waldstadion – cheira a conhaque. Francês. As últimas bandagens são colocadas; no cotovelo, a cotoveleira da marca “Bauerfeind”; no joelho, a meia de borracha na cor de camuflagem “rosa-carne”. Quase invisível para o inimigo. Nenhuma palavra é pronunciada nas catacumbas antes da batalha, quando dores e torturas estão à espera, pelotaços de couro grosso, gritos marciais e calor insuportável. São 15 horas, como todas as segundas-feiras quando o clube de professores do pai se reúne para bater uma bolinha. Aqui, no terreno do Eintracht, num dos campos secundários, que são tão caídos como tudo nesse clube; aqui, todas as segundas-feiras, para os professores que gritam e dão botinadas está em jogo tudo que está longe de qualquer sala de aula, onde têm de ensinar tudo aos outros – ano após ano. Segunda após segunda. Aos seis anos, ele apenas assistia ao pai no futebol das segundas, mas muitas vezes seu olhar vagava até o estádio mais além: aquela arena, na qual ele também queria jogar um dia. Ali, na geral, vira Graboski pela primeira vez, na companhia do pai; ali queria jogar como estrela do Eintracht Frankfurt – pelo menos é o que está anotado no seu diário daquela época. E aqui e agora, aos doze anos, ao lado do estádio, finalmente daria seu primeiro passo em direção à grande arena. No meio-campo do time de professores com as camisetas amarelas. Olhou furtivamente ao redor no vestiário e observou a equipe de professores veteranos do pai preparando-se para o jogo. E jurou a si mesmo: você nunca será assim, um jogador aposentado, com joelhos estragados e a pele grossa, curtida pelo F r a n z b r a n n t w e i n , aquele tônico aromatizado, usado para fricções.
Não joga no meio-campo, como durante tanto tempo, mas é goleiro da sua equipe de escritores seniores e puxa a perna de maneira quase imperceptível ao resgatar a bola de trás das suas traves, na grama, para o tiro de meta. Curva-se sempre sobre a perna esquerda; o quadril direito não permite fazer igual. Seu olhar recai sobre a grande rampa de esqui nas proximidades do campo. Ali, os campeões olímpicos suaram, se doparam e sofreram por seu país. Ele também suou por seu país; porém, mais por causa do uniforme justo do que pela atividade de goleiro, nessa tarde de início de verão norueguês, quente demais. Ajeita disfarçadamente a joelheira “Bauernfeind” sob a calça comprida de goleiro. Só um pouquinho, bem na posição correta, que estabiliza a articulação para que consiga chutar. Talvez seja apenas estabilidade mental, quem é que sabe? Também poderia chamar seu zagueiro, mas quer dar o chute, tem que dar o chute. Depois de uma operação simples no joelho e, na verdade, desnecessária, sua cartilagem foi consumida, tirando dele a atuação na linha, seus dribles, trivelas e tiros livres, e corroendo o jogo que ele tanto amava – até ele revidar, continuar a jogar o jogo, posicionando-se lá onde antes suas cobranças de falta cheias de efeito entravam, fazer as defesas, apesar da dor lancinante com a qual seus s t r e p t o s (como ele chama, de maneira cínica e carinhosa, os germes) lembram-lhe que existem. Limpa o suor do rosto com a manga da camisa de goleiro e sente no tecido o cheiro do tônico aromatizado. Seu olhar vai da bola na pequena área e atravessa o campo – ele busca seu objetivo, um jogador livre, de branco e preto, no meio-campo, mas todos estão marcados pelos inúmeros sujeitos do Norte em vermelho, que, apesar da idade avançada e da ocasião – um jogo amistoso durante a Feira do Livro em Lillehammer –, não dão um sorriso. Nenhum jogador livre – isso significa ir o mais longe possível e para a segunda bola, como diz o técnico. O mais longe possível ou – ele olha para o joelho esquerdo – talvez acabar chamando o zagueiro. Deixar que ele bata, o mais longe possível. [ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ] 15
[LUCAS VOGELSANG]
NO COMEÇO, NÃO HAVIA NADA; ENTÃO, VEIO GÜNTHER Ao chutar, escorrega, não consegue tocar debaixo da bola, mas bate meio com o lado de dentro do pé, a bola nem sobe; em vez disso, transforma-se num passe perfeito para o centroavante. Só que para o vermelho e, como ironia do destino, sem a fisgada dos s t r e p t o s . O sujeito do Norte vem driblando na sua direção, passa ao seu lado e empurra a bola com tranquilidade para levar o time à dianteira. Na hora de tirar a bola da rede, rígido feito um pau, tamanha sua vergonha e seu susto, o centroavante passa sorrindo na sua frente. “One more”, cicia-lhe, quer meter mais um. Oito minutos para o final ― é o que mostra seu relógio de pulso dos dias de maratona, um tempo há muito passado ―, seu tiro de meta deve ter selado a derrota. “Ânimo”, grita o zagueiro, depois de ele ter dado uma cabeçada na trave, como sempre faz quando erra. Ao levantar a cabeça, vê como o feliz centroavante segura a coxa durante a corrida vitoriosa até o círculo central e para abruptamente. “No more”, sorri amargo para si.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Uma hora mais tarde, o vapor das duchas quentes e do conhaque francês paira no ambiente. As últimas bandagens Bauerfeind são retiradas. Está sentado no canto do vestiário do clube, para o qual fugiu, já que, como tantas vezes, o vestiário dos escrevinhadores estava lotado. Ouve dois velhos guerreiros, por volta dos setenta, do time dos “seniores” daqui, ou talvez até de um grupo de professores, depois de suas batalhas, a maneira como analisam um ataque, aquele que definiu o jogo. Aquele chute, bem direto e certeiro, sem esforço, sem nenhuma vibração na coxa nem na articulação, quase imperceptível, uma bola na qual o tempo parece ter parado. Os velhos no vestiário emudecem e sorriem cabisbaixos para essa bola e o tempo depois.
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Nesse silêncio, pensa numa defesa, sua defesa aos 91 minutos – depois do 2 x 2 aos 85 minutos pelo tiro livre e direto de seu centroavante e do 3 x 2 do volante aos 89 minutos, no ângulo. O volante, com o qual sempre formava dupla naquela época, antes dos s t r e p t o s e dessa defesa. Esse voo, sim, realmente, quase sem peso, embaixo da rampa de esqui, quando ele estica a mão esquerda, dá um peteleco na bola para fora do ângulo do gol, gira-a ao redor da trave, fazendo com que ainda a resvale suavemente, para depois se enterrar na grama além do limite do campo e lá ficar até o apito final. Um instante para a eternidade. E jura a si mesmo nunca mais jurar nada.
N
os anos 1950, em Berlim, minha avó teve três filhos. Desde a reunificação das Alemanhas são quatro, mas esta é outra história, que aconteceu em Dresden, no tumultuado pós-guerra. Por isso, falar dela agora nos levaria longe demais. O primeiro filho, nascido pouco depois do final da guerra, era um escoteiro social-democrata. Um linha-dura. O segundo, hoje funcionário de uma gigantesca indústria química, era um puxador de fumo convicto, que pintava pastilhas para o estômago com hidrográfica marrom, depois as triturava e vendia como haxixe no pátio da escola. O terceiro era meu pai, que, no mesmo pátio, durante uma partida de futebol entre alunos do quinto ano, a dois metros do gol lançou a bola a vinte metros de altura e, depois disso, decidiu se tornar nadador, até o dia em que deixou de tocar a borda da piscina em uma competição distrital e, por isso, resolveu largar o esporte e se tornar advogado. Mais tarde, a todos que perguntavam pela razão desse abandono, ele dizia como desculpa e, em todo caso, também para desarmá-los, que um advogado sem barriga é um aleijado. Portanto, o linha-dura gostava da floresta, e o outro, da erva. Do gramado, porém, ninguém gostava. Na casa da minha avó, futebol só tinha lugar quando meu avô xingava o aparelho de TV nas copas do mundo. Do contrário, a relação com o futebol era muito norte-americana. Sabiam o que era, mas preferiam ocupar-se de outras coisas. Por isso, não havia amor nem pelo jogo nem por um time que meu pai pudesse me transmitir em herança. Entre ele e eu as coisas se deram de maneira totalmente oposta. Enquanto os outros pais, desde o nascimento dos filhos, costumavam aguardar com ansiedade, como uma cerimônia, o dia em que os levariam ao estádio – o filho com cerca de seis anos, e o pai com a mesma idade nesse dia –, meu pai era obrigado a ir ao estádio porque não queria que eu, então com 11 anos, fosse sozinho. Portanto, meu pai provavelmente descobriu seu amor pelo futebol em uma tarde chuvosa de outono, em meio à corrente de ar que percorria o estádio Olympia, na época ainda sem cobertura nem espectadores. Em meados dos anos 1990, o Hertha BSC, time fanfarrão na segunda divisão, chegava a ser tão atrativo quanto uma estação de quarentena para leprosos. Em média, iam ao estádio 3.500 homens em jaquetas de jeans sujas e que não conseguiam decidir quem odiavam mais: se o time, suas mulheres ou eles próprios. O adversário era o Meppen ou o Oldenburg. Por mim, meu pai aceitou ir para a segunda divisão. E foi logo muito bem recompensado ao final de sua primeira temporada como torcedor de futebol. Com a ascensão à primeira divisão. E uma festa barulhenta, sobre a qual eu gostaria de falar aqui.
Günther Jauch, apresentador do programa W e r w i r d M i l l i o n ä r, correspondente alemão do S h o w d o M i l h ã o, de Sílvio Santos, e o time berlinense Hertha BSC não têm muita coisa em comum. De terno, sorridente, pau-para-toda-obra na emissora de TV RTL, Jauch é um modelo de sucesso que arrebanha simpatias. Já o Hertha é um time que, no jogo milionário da Bundesliga, costumava perder todas as chances antes da pergunta de 500 euros. No entanto, Jauch, há anos conhecido torcedor do Hertha, é para mim o rosto mais emblemático da ascensão do time há 17 anos. Eu tinha 11 anos quando o árbitro Frank Gettke encerrou a partida contra o KFC Uerdigen pouco antes das cinco horas do dia 8 de junho de 1997. O Hertha tinha voltado à primeira divisão. Para mim, foi um momento singular, pois eu não conhecia o desgaste nem a dor de anos na segunda divisão. Só havia descoberto minha simpatia pelo Hertha BSC poucas semanas antes, quando o time jogou em casa contra o Waldhof Mannheim. Foi a primeira partida de futebol de verdade a que assisti no estádio Olympia. Antes disso, eu considerava o estádio um lugar que só se podia visitar sendo alguém especial. Eberhard Diepgen, prefeito de Berlim, por exemplo. Ou Rolf Eden, último playboy berlinense. Talvez tenha sido por isso que, até então, eu só estivera ali duas vezes. Com meu pai. Em uma partida seguida de fogos de artifício e na OpelCup, um torneio-relâmpago entre o Bayern de Munique, o AC de Milão e o Paris St. Germain. Com assobios para Matthäus. E os subsequentes fogos de artifício. Meu pai adora fogos.
Para ultrapassar a cerca, só era preciso ter uma daquelas fitinhas coloridas que dividem os torcedores em castas.
Com um largo sorriso de ascensão no rosto, passou por nós, dirigindo-se à área vip. Tomado pelos antigos reflexos, meu pai seguiu Jauch. Eu segui meu pai. Na entrada, estávamos logo atrás dele. O segurança já o tinha reconhecido. Mesmo assim, o tão famoso Jauch, fazendo graça, puxou um pouco a manga de sua camisa e virou o pulso para cima. A fitinha. O segurança assentiu e riu. Meu pai também virou o pulso, copiando Jauch. Eu copiei meu pai. O segurança continuou a rir. Estávamos do lado de dentro. A primeira divisão parecia boa: autógrafos, pula-pula, Coca-Cola de barril e, para terminar, fogos de artifício. Depois desse dia, eu bem que quis mandar estampar a escrita “Jauch” em uma camisa do Hertha. Mas acabei ficando com a de Sergej Mandreko, um tadjique excêntrico, com rosto marcado pela melancolia russa. De certo modo, combinava mais com o Hertha BSC.
Faz alguns anos que mal consigo ir ao estádio. A não ser quando meu pai, que compra os ingressos com antecedência, liga e me pergunta se não quero ir junto. Eu o acompanho, porque não quero deixá-lo ir sozinho.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Também por causa disso, lá estava eu de novo no final da temporada, sentado na arquibancada. Com meu pai, que tinha ouvido que a ascensão do Hertha seria desenhada à noite, com luzes no céu. Após o apito de encerramento, o estádio Olympia transformou-se em uma festa popular, com cerveja de graça no Maifeld e Frank Zander. Na retrospectiva nostalgicamente embelezada, uma dessas tardes é a que mais se aproxima da imagem ideal de felicidade infantil. Só faltava uma coisa: os autógrafos. Os jogadores: Kruse, Covic, Dinzey. Além disso, meu pai estava muito longe de brindar, como um amigo do peito, com a galera de jaqueta suja e cara cheia, vinda da periferia. Por isso, logo se encontrou o local de desejo comum: tínhamos de dar um jeito de entrar na isolada área vip, em que os jogadores comemoravam e os filhos dos convidados de honra, entre os quais certamente também Eberhard Diepgen e Rolf Eden, tinham seu próprio pula-pula.
Eu não tinha nenhuma; em compensação, tinha um pai que, no início dos anos 1970, fabricou o próprio bracelete de segurança e conseguiu entrar pelos fundos do Deutschlandhalle para assistir ao show do The Who. Um pai que já tinha entrado com um engradado de cerveja para reabastecer o estande 6 do Waldbühne, no show dos Rolling Stones. E, em seguida, ainda convenceu um dos roadies a lhe dar um compensado com o desenho da enorme e icônica língua de cor vermelho vivo para pendurar no bar de um amigo. Ou seja, embora não soubesse como se lança uma bola a dois metros do gol, meu pai sabia como conseguir entrar nos lugares. Um jurista sem truques é um aleijado. Porém, na falta de um disfarce convincente, tínhamos de torcer para conseguir uma feliz coincidência e, assim, superar o segurança na entrada. Desta vez, a sorte trouxe alguém de terno e sorridente: Günther Jauch.
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[MARCELO BACKES]
31 DE ABRIL DE 2014 OU O DIA DE SÃO NUNCA S
olene, sisudo, meu filho arrastou os chinelos até mim, gaguejou ao falar:
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
— Pai, por que eu preciso torcer pro Grêmio? — Ora, meu filho, que pergunta é essa, agora? — É que eu queria ser campeão de alguma coisa... — Eu até ia te dizer que o importante é competir, meu filho, mas nós já, já vamos ser campeões do mundo de novo. — Campeões do mundo? Mas... — Lembra do jogo de hoje à noite, contra o time do papa Francisco? — Pois é, fui ao colégio de camiseta, como o senhor mandou, e um amiguinho me falou que ela era parecida com um pijama. — Besteira, filho, esse teu amiguinho deve ser macaco. — Mas pai, não é feio dizer isso? Depois do Daniel Alves, tá todo mundo comendo banana por aí. E, além do mais, me disseram que o Grêmio é um dos times mais... — Ah, não, moleque, não me vem com essa. Absurdo nos acusarem dessas coisas, tu não vês que as nossas três empregadas são pretas, nosso motorista é preto, e até o teu guarda-costas é preto? — É mesmo, pai, mas eu gostaria de ter pelo menos um colega gremista pra torcer comigo na Copa do Mundo! — É porque moramos no Rio de Janeiro, meu filho. E esquece essa coisa de Copa do Mundo, outro dia te levo num bar ali em Copacabana, o nome é Os Imortais, tu sabes bem por quê, pra ver um jogo. Vais ver como até aqui no Rio não faltam gremistas. Que tal se fôssemos hoje à noite mesmo? — Eba, pai, eba!
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Ele se foi, um pouco cabisbaixo, finalmente se foi, devo ter escapado de mais essa. Duvido que a Maria Alice não esteja metendo coisas na cabeça dele, também vou pedir pra ela avisar às empregadas que não tragam mais os filhos pra cá; do contrário, o Marquinhos ainda acaba, Deus me livre, flamenguista ou coisa assim, mas pode deixar, amanhã é outro dia, essa goleada de duas semanas atrás vai ser esquecida, muito bem esquecida; se esse menino pelo menos não tivesse me perguntado o que significa “ser comido de quatro”, mas criança esquece logo, Gauchão é cafezinho, e amanhã, com o time classificado pra ganhar o tri da Libertadores, vou comprar pra ele os dois uniformes oficiais completos, do modelo novo, que acaba de sair, e vai ficar tudo bem, ou melhor, vou comprar só o reserva, o branco, com aquelas ondas bonitas em azul e preto no peito, assim esse menino não terá mais a desculpa do pijama, tenho certeza de que não vai resistir, e, com a vitória de hoje à noite, ainda por cima, a merda é que terei de ir até Copacabana com essa violência toda, quem
sabe se ele não se esquece, e eu posso ver o jogo aqui em casa mesmo, acho até que já vou pedir uma picanha no Diagonal, uma pena que o Antiquarius não entregue em casa, outro dia me falaram que tava tendo assalto logo ali, na General Artigas... O interfone... O quê? Não acredito! Maria Alice, Maria Alice, ô, Maria Alice, manda trancar as portas que estão assaltando o prédio. Parece que chegaram no apartamento do nono, depois só vai faltar a cobertura, pegaram o porteiro e o segurança, não deixa o Marquinhos sair, chega de tomar sorvete, obeso do jeito que ele está, merda, logo hoje que vou ter de pagar essa fortuna em Imposto de Renda, esse país é mesmo uma merda, onde se viu uma coisas dessas, pelo menos deixei pro último dia, mas eu devia mesmo era investir esse dinheiro na segurança do prédio e depois processar o governo... Alguém está chutando a porta, caramba, não acredito, se não fosse a glória de hoje à noite, eu queria muito que isso tudo não estivesse acontecendo, que fosse mentira, que não passasse de fantasia, de mais uma dessas histórias pra boi dormir, mas, caramba, é a mais pura verdade, o que é que eu vou fazer agora... — Socorro! Ai!
[MARCELO MOUTINHO] A PRIMEIRA TRAIÇÃO
Clube que relevou ao mundo jogadores míticos, como Garrincha e Nilton Santos, o Botafogo viveu nas décadas de 1970 e 1980 um longo jejum de títulos. Foram 21 anos sem conquistar campeonatos, nem mesmo em âmbito regional. As torcidas dos rivais não perdoavam: a cada eli minação, faziam soar nas arquibancadas um irônico “Parabéns a você”, festejando o novo aniversário sem taça. -
Não era fácil ser botafoguense nessa época. Muito menos convencer uma criança a torcer pelo Botafogo. Meu pai sempre contava a história de um amigo que, apavorado com a possibilidade de o filho apartar-se da linhagem alvinegra da família, ligava a TV nos jogos do Atlético-MG, então em ótima fase. A transmissão sem som e a camisa semelhante, com listras brancas e pretas, criavam as condições para que ele pudesse garantir ao garoto que aquele timaço era, sim, o Botafogo, o clube deles, o maioral. Às favas com a ética quando a questão é de honra.
Gabriel Garcia Márquez, muito provavelmente por só ter se tornado torcedor aos 23 anos, já adulto formado, conseguiu fixar esse átimo no qual nasce o afeto por um time. “O primeiro instante de lucidez em que me dei conta de que tinha virado um torcedor intempestivo foi quando percebi que durante toda a minha vida eu tive algo do qual sempre me orgulhei e que agora me incomodava: o senso do ridículo”, escreveu ele. Talvez torcer, sejamos pais ou filhos, fiéis ou traidores, signifique isso mesmo. Evocar o ridículo que há em todos nós. Já não importa a camisa que vestimos.
Meu pai, também botafoguense, não tentou qualquer drible nos fatos. Era cintura dura, o velho. E o resultado foi que me tornei tricolor. Mais: não satisfeito, obrigava-o a me levar aos jogos do Fluminense e testemunhar todo o desenvolvimento da paixão, um processo que se sedimenta qual cimento de arquibancada. A eleição de um time que não o do pai é a primeira traição do homem, uma espécie de pecado original. Talvez seja também o primeiro grito de autonomia. De qualquer forma, configura ato imperdoável aos olhos daquele que trocou nossas fraldas. Por isso, a luta para evitar o desvio se inicia cedo. Ainda somos bebês, e já nos fantasiam com camisas de times de futebol. Quando pai e mãe torcem para equipes diferentes, então, podemos dizer que a disputa começa literalmente no berço. E sempre há aquele tio, malicioso, que tenta emplacar seu clube por meio de um presentinho inocente. As fotografias com camisas rivais serão o constrangedor flagrante a nos perseguir pela eternidade. [ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Minha definição foi simples: não iria optar pelo Botafogo, já que não parecia promissor torcer para um time que não ganhava títulos. Flamengo e Vasco, os dois outros clubes grandes do Rio, tampouco me eram simpáticos. Restou o Fluminense. A escolha precedeu a paixão, e não há como precisar quando as duas coisas se amalgamaram, perdendo as fronteiras.
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[MARCOS ALVITO]
FILHO DE PEIXE... Há coisas muito difíceis de dizer ao próprio filho. Não me lembro do que disse, nem se disse alguma coisa, no dia em que ele mirou um homem que vivia na rua e fuzilou, do alto da bondade dos seus quatro anos: “Papai, por que a gente não leva ele pra casa?” Mas um dia houve uma pergunta ainda mais difícil de responder. O garoto era louco por futebol. O fim de semana todo se passava nas quadras, nos parques ou em qualquer outro lugar com uma superfície mais ou menos plana. Almoço na vovó? Tudo bem: antes e depois do almoço, jogo no play, apesar do piso de azulejos. Um contra um. Claro que eu sempre o deixava vencer. Dizia pra mim mesmo que era para ele ganhar confiança. Para treinar a perna cega, a esquerda, facilitava as jogadas em que ele usasse a canhota. E eu começava ganhando por dois, três gols de vantagem pra testar a fibra dele. No final, sempre aquela vitória por placar apertado e uma comemoração apoteótica que eu tinha que assistir fingindo estar triste. Ele nascera apressado, um mês antes do previsto. Eu e a mãe dele fomos correndo pro hospital num Fiat 147 caindo aos pedaços. No dia seguinte, na maternidade, passado o susto, ponho a cabeça pra fora do quarto e vejo um espetáculo dantesco. Meu filho nascera cercado de tricolores, vascaínos e botafoguenses. Em cada porta havia uma bela e refinada meia de tricô com as cores adversárias. Aquilo não podia ficar assim.
- Tio, podemos jogar? Meu filho olhou para mim com alguma preocupação, mas com confiança. Pedi que dividissem os times e avisei que ia ser um jogo limpo, sem pontapé. Ao time do meu filho só dei uma instrução: vamos passar a bola pro garoto. Aqueles meninos não eram bobos, toda a hora deixavam meu moleque na cara do gol. Melhor do que isso, meu filho perdera o medo deles, entendera que eram apenas meninos. Ele já fizera várias escolinhas de futebol. Aos poucos ia ficando claro para ele que a genética pesava, filho de perna de pau nunca vai ser craque. Eu também passara a minha infância sonhando ser jogador. Sonhando mesmo: eu tinha um sonho repetido de que estava jogando uma final no Maracanã com a camisa dez do Mengão, fazia o gol da vitória e ouvia a galera gritando o meu nome. Claro que com ele não era diferente. Eu o deixava sonhar à vontade. Mas ele ia percebendo as suas limitações, ia se comparando com outros e entendendo que o sonho ficava a cada dia mais distante. Um dia, quando íamos para a casa da vovó, promessa de um a um no play, ele me segurou levemente pelo braço e, me encarando com olhos tristes, fez a pergunta que cravou um punhal na minha alma: - Pai, eu nunca vou ser jogador de futebol, não é?
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
- Meu amor, tá tudo bem? É que eu esqueci uma coisinha lá em casa, vou buscar e já volto.
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Voltei com minha camisa dez do Flamengo, tamanho grande. Pendurei a dita cuja na porta, soberana. As enfermeiras já entravam no quarto dando gargalhada. Meia de tricô é o cacete... Depois disso, não há como reclamar que o guri fosse alucinado por futebol e pelo Flamengo. Era tão apaixonado que, certa vez, no Maraca, é claro, começou a chorar diante da derrota para o São Paulo por dois a um. Em torno, um monte de marmanjos comovidos tentando consolá-lo. A única coisa que lhe disse foi que só se é torcedor na derrota, a vitória é pra qualquer um. Nunca mais ele chorou. Não por isso. Claro que eu tentava levá-lo a lugares onde houvesse outros garotos para ele jogar uma pelada de verdade. Mas mesmo com o time já formado ele queria me ver dentro de campo com ele. Houve um dia na Lagoa que estava tão quente que não havia ninguém ao redor. Eu já estava conformado em ter que jogar o nosso tradicional um a um. Eis que ao longe, vejo um grupo de garotos se aproximando. Eram meninos pobres, um com a indefectível caixinha de engraxate. Chegaram com educação:
Tentei sair pela tangente, dizendo que não era impossível, coisa e tal. Mas ele não estava pra brincadeira. Acho que naquele dia ele deixou de vez de ser criança. Pois arrematou sem perdão: - E por que você sempre deixa eu ganhar?
PARA O MEU AVÔ
[MORITZ RINKE]
[ENCONTRO COM FRANZ BECKENBAUER NA DECISÃO DA COPA DA ALEMANHA]
Já
existiram vários momentos nos quais eu poderia ter me tornado um admirador de Franz Beckenbauer. Em 1974, por exemplo, durante a Copa do Mundo; eu tinha seis anos de idade. Meu avô, que na verdade desde 1945 estava de saco cheio de personalidades luminares, sempre dizia: “Sem o Franz e a noite de Malente jamais teríamos derrotado os holandeses!” A noite de Malente aconteceu na Escola Esportiva de Schleswig-Holstein depois da derrota por 0 X 1 contra a Alemanha Oriental na Copa do Mundo, gol de Sparwasser. Em Malente havia quartos minúsculos, sanitários e banheiros apenas no corredor. Em algum desses banheiros, Beckenbauer teria se tornado uma personalidade luminar. Meu avô era maquinista na cervejaria “Kaiserbrauerei Beck & Co”, em Bremen. No ano de 1974, também meu avô fez um discurso com o espírito de Beckenbauer e de Malente na pequena sala de estar dos maquinistas, que queriam parar o trabalho. Pouco tempo depois, a produção expandiu de Hemelinger (uma espécie de Sparwasser) para a Beck’s em barril distribuída no país inteiro. Quando meu avô foi enterrado, 25 anos depois de seu último dia de trabalho, falei de Malente no cemitério de Bremen. E da sala de estar dos maquinistas. Da Beck’s não havia ninguém no enterro, provavelmente aqueles que ainda conheciam meu avô já estivessem todos mortos. Uma semana depois acabei conhecendo Beckenbauer na decisão da Copa da Alemanha no Olympiastadion de Berlim, nós inclusive fomos apresentados, pelo então chanceler da Alemanha, acho que ele pensou que eu fosse Brdaric, atacante do Hannover 96, clube de sua cidade natal. Não quero me gabar citando nomes, mas Karl-Heinz Rummenigge também estava ao nosso lado, e inclusive Oliver Bierhoff. Cara, BIERhoff, eu pensei, o pátio da cerveja em português, isso com certeza é um sinal!
“Quer dizer que o senhor escreve poesias?”, perguntou Beckenbauer. Entrementes eu já havia lhe esclarecido que eu não era Brdaric, do Hannover 96, mas sim escritor.
Apenas Beckenbauer estava completamente voltado para mim, o único que me dava atenção ali, de resto eu parecia a mim mesmo como Woody Allen naquele filme em que ele diz numa festa de grandes industriais que é escultor independente. Mas quando se está falando com Beckenbauer, de repente todos passam a dirigir a palavra a nós! “Meu nome é Walter Gagg, Director of the Executive Office of the FIFA-President. A Copa do Mundo na África do Sul corre sérios riscos, o senhor precisa nos ajudar!” “Eu?”, eu perguntei. “Sim”, disse Gagg, “a FIFA pagará tudo de volta depois da Copa do Mundo.” “Mas eu não posso dar dinheiro à FIFA, o senhor deveria perguntar ao chanceler, eu posso contribuir no máximo com uma caixa de Beck’s por mês, minha família continua recebendo uma caixa por mês, porque meu avô trabalhava na Beck’s.” Mais tarde eu estava diante do banheiro de honra (ele tinha uma única privada!) e pensei comigo, ora, mas não é possível, a FIFA vem implorar justamente a mim! De repente, a porta do banheiro se abriu, e Beckenbauer saiu lá de dentro. “Ah, alô”, disse ele, mais uma vez completamente voltado para mim, e depois foi para a prorrogação da decisão da Copa da Alemanha. Eu já estivera nesse banheiro de honra no intervalo, antes de mim quem o ocupara havia sido Matthias Sammer, da Federação Alemã de Futebol. Mas agora, não havia comparação: o perfume era incrível, eu cheguei a me sentar no vaso tocando o tampo, coisa que nunca faço. Como Beckenbauer deixara o banheiro agradável e fresco! Queria só ver como isso aqui estaria, eu pensei, se antes de mim o banheiro tivesse sido usado por Joseph Blatter da FIFA ou por Josef Ackermann do Deutsche Bank, que não têm a menor ideia do que é o espírito de Malente e um banheiro e uma privada para o uso de todos. Fiquei dez minutos. E também pensei muito no meu avô, que por certo teria gostado de contar essa história a seus colegas da cervejaria Kaiserbrauerei.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
“Meu avô admirava muito o senhor, ainda que ele fosse de Bremen e o senhor bávaro”, eu disse a Beckenbauer. “Meu avô falava muitas vezes da noite de Malente.” “Ah, Malente”, disse Beckenbauer. Ele parecia comovido. O então chanceler disse ainda: “Vivi coisa semelhante certa vez numa convenção do partido, em Mannheim, o momento em que todos se unem em torno de uma causa!” Também o chanceler agora parecia comovido consigo, em meio ao burburinho daquela sala de honra de grandes atores representando a si próprios. Ambos pareciam voltar os olhos para o passado, um a Mannheim, onde esteve próximo da base, o outro a Malente, onde um grande espírito habitou um quarto minúsculo num momento decisivo.
“Não, Herr Beckenbauer”, eu respondi, “mas um colega meu de Munique escreve inclusive poesias sobre futebol. O senhor conhece O d e a K a h n?” “Existe então uma O d e a K a h n?”, perguntou Beckenbauer entusiasmado, e foi se informar com Rummenigge se ele conhecia a referida ode, mas Rummenigge disse apenas: “Hum, não, ode??”, enquanto já conversava com alguém.
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[NORBERT KRON]
O SONHO DO BYRON FC
C
om olhar distante, nas alturas, a mão escrevendo números no ar, meu pai estava sentado ao meu lado na arquibancada fervilhante do setor principal, no sol, enquanto Beckenbauer, embaixo de nós, fazia trivelas encantadas, Müller dava giros impossíveis, que convertia em gols, ou Maier estendia-se todinho, dando pulo de gato para catar a bola. O estádio urrava, meu coração de criança batia forte, mas meu pai flutuava sobre tudo numa presença ausente, e desenhava sinais no teto de vidro do estádio, como se anotasse estratégias numa imaginária prancheta de táticas. Não, ele não ligava a mínima para o futebol, assim como não ligava para a política mundial nem para os números da bolsa, esse homem nada esportivo com o olhar errante e a barriga saliente – um pai com dois pés esquerdos, que em pensamento estava sempre em outro lugar: junto aos seus livros e poetas, que ele carregava dos seus grupos de estudo na universidade até o quarto de dormir.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
Enquanto outros pais lecionavam patacoadas em mesas de bar ou mexiam em motocicletas com músculos cavalares, ele se enterrava em sebos e procurava pelas primeiras edições de românticos alemães, pelos primeiros números da A t h e n ä u m ou D e s K n a b e n W u n d e r h o r n , em cujas histórias se recolhia como numa torre de marfim. O fato de vez ou outra descer de seu celestial reino romântico e ir comigo, em alguns sábados mundanos, ao estádio Olympia de Munique, onde o Bayern jogava, não diferia em nada daquilo que eu, em vão, procurava nele na realidade concreta: expressão de puro amor paterno.
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Hoje sei o que ele via quando seu olhar se descolava do jogo: um elenco imaginário no placar mental. Nele, Schwarzenbeck não ficava na zaga, Breitner não ocupava o meio-campo; não, nele Tieck corria em chuteiras de sete léguas e Chamisso jogava com a camisa de Schlemihl. Não era Kapellmann que cumpria sua missão nas laterais, mas o valoroso Wackenroder avante seguia como monge no lado de lá e, na pequena área adversária, Novalis, com careca à la Hoeneβ, ansiava pela flor azul.1 Evidentemente que o público não cantava “Olê-olê, F-C-B”, e sim uma das canções de Rückert: “Vivo sozinho no céu do Bayern, apaixonado pelo Bayern, embriagado pelo Bayern”.2 Nos jogos noturnos uma lua cheia, clara como refletor, iluminava o estádio e transformava o jogo sonâmbulo em poesia de Eichendorff: “Foi como se, em silêncio, / o céu beijasse a bola”.3 E quando o Bayern tornava a ganhar um campeonato, os jogadores não recebiam a feia saladeira da Bundesliga, mas o “Pote de ouro” de E.T.A. Hoffmann.
Meu pai morreu há tempos, morreu olhando a parede de livros no quarto, seus românticos o acompanharam enquanto sua alma voltava para casa. Hoje, porém, seu so nho continua vivo dentro de mim; hoje fantasio um futebol que é “poesia universal progressiva”, totalmente no sentido da filosofia schlegeriana de treino, e que não conhece fronteiras nacionais espirituais. Nenhum time alemão, nem mesmo o Bayern, é o meu time do desejo – esse tem um futebol romântico universal e se chama Byron FC. Nele, Chateaubriand joga como Ribéry, e Wordsworth, como Robben. Schweinsteiger é Coleridge; Lahm, Edgar Allan Poe; Puschkin fica no gol. E no ataque dançam, claro, os mais românticos de todos os jogadores, os brasileiros, cujos pés poéticos são puro samba: José de Alencar, Casimiro de Abreu e Machado de Assis. -
Isso para um jogo de sonho. Apenas um se mantém. E continua sempre jogando no Byron FC. É Thomas Müller. Dele, a canção infantil romântica já enuncia: “O moinho faz chuá no rio inteiro, chuá-chuá Dia e noite, Müller é seu moleiro, chuá-chuá ele defende o campo inteiro e colhe os gols, coitado do frangueiro chuá-chuá, chuá-chuá”.4
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------1 Novalis (1772-1801) é sempre retratado de peruca longa. Uli Hoeneβ – ex-jogador da seleção alemã que presidiu o Bayern até ser afastado, em março de 2014, por evasão fiscal – tem pouquíssimo cabelo. Desde o romance de Novalis, H ein ric h vo n O f t e r din g e n , a flor azul é símbolo do romantismo.
No original de Friedrich Rückert (1788-1866): “Ich leb’ allein in meinem Himmel, / In meinem Lieben, in meinem Lied!” [Vivo sozinho no meu céu / no meu amor, na minha canção!] 2
3 No original de Joseph von Eichendorff (1788-1857): “Es war, als hätt‘ der Himmel / die Erde still geküsst” [O céu beijara a Terra].
Tradução livre de: “Es klappert die Mühle am rauschenden Bach, klipp-klapp / Bei Tag und Nacht ist der Müller stets wach, klipp-klapp / Er rackert das ganze Spielfeld sich ab / Und erntet die Tore, und die nicht so knapp / klipp-klapp-klipp-klapp-klippklapp”.
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FC BYRON
[ROGÉRIO PEREIRA] MEU CRAQUE
A
quele menino lá embaixo é meu filho. A cada dia se parece mais comigo. A magreza lhe sustenta o corpo. O cabelo fino escorre pela testa. Dois dedos de cada pé grudados pela falha genética — somos unidos pelos defeitos. Está correndo. Entre os demais, é pequeno, mirrado. Quase insignificante. Tem quatro anos. Já sou um homem grande, anuncia com frequência. Estou aqui em cima e o observo. Todo fim de tarde de sexta-feira, venho ao ginásio da escola. É coberto e confortável. As arquibancadas sempre vazias. Não desejo nada. Venho apenas para vêlo. Quando chego, ele já está na quadra. Pertence àquele mundo. É o menor da turma. Corre para todos os lados carregado por uma sincera alegria. [Aquela ali serve. Pegávamos o facão e — sem qualquer remorso ambientalista —, sangrávamos as árvores adequadas às nossas necessidades. Dois troncos deveriam ter forquilha: as traves. O travessão precisava ser liso e bem reto. Os buracos eram cavados com uma enxada banguela no chão de terra seca. Baleia imaginária gania faminta a um canto.]
Logo, estão todos amontoados em cima da bola. Pés, pernas, mãos e braços disputam uma atrapalhada batalha. Não há vencedores. Quem faz gol sorri. Quem leva também sorri. Para eles, o futebol é tão importante quanto um picolé de uva numa tarde ensolarada de domingo. [Pelé jogava no meu time. O nosso Pelé era gordo; chamava-se Joelson e chutava com a perna esquerda. As crianças não se importam com falsificações.] Acaba a aula. Entro na quadra e o ajudo com a mochila. Ele transpira. O rosto avermelhado. Caminhamos lado a lado em direção à saída do ginásio. Sua cabeça bate na minha cintura. Coloco a mão esquerda em seu ombro direito. Ele está feliz. Olha para cima. Eu estou aqui. Olho para baixo. Ele está ali. Somos dois meninos chutando uma bola de plástico num campinho de terra. Baleia nos segue de perto.
O calção esconde toda a perna. A camisa desce e escorrega até abaixo dos joelhos. Um pequeno Judas à espera da malhação. Enquanto ele não cresce, preciso diminuir o uniforme azul, que ostenta o número 42 às costas. Alguns pais gritam, passam instruções. Desejam filhos craques, gênios prematuros. Sonham com o orgulho de gols que nunca fizeram. Acreditam na possibilidade do grito. Eu apenas observo. Ele sabe que estou aqui. A bola é um animal a ser domado numa savana de cimento. Em disparada, é perseguida por uma horda famélica. Desajeitadas formigas no torrão de açúcar debaixo da mesa da cozinha.
O chute sai fraco. A bola para sem dificuldade nas mãos do goleiro. Ele me olha. Eu sorrio e faço um gesto de aprovação. O chute reto, bem calibrado. Faltou um pouco de força. Aos quatro anos, chutar uma bola é dar a volta ao mundo. Retorna correndo para o meio da quadra. As passadas são rápidas e simétricas. Já sabe correr. O professor posiciona todos os jogadores. A organização dura míseros segundos.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
[A mãe sabia que estávamos perto de casa. Nem se preocupava. Dividíamos os times e passamos a infância nos estropiados campinhos de terra. Todos largados, meio sem rumo. Queríamos jogar futebol. A bola era de plástico. Passes certeiros de Kichute, Conga ou descalços. Um time de indigentes. Quando não tinha bola, qualquer embalagem servia: álcool, água sanitária, detergente. A bola nem sempre é redonda.]
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[VLADIR LEMOS]
UM DRIBLE IMPIEDOSO Vejam a herança que o futebol me deixou. Mas já aviso que, no fim, não irei poupá-los do drible mais impiedoso que sofri. Trago, como muitos, um imenso baú impalpável, repleto até a boca de recordações. O aprendizado que veio com toda essa riqueza, extraído de lances e sensações, o tenho usado parcamente e de modo especial, porque quis o destino que se apresentassem a mim um tanto tardiamente uns infantes terríveis, dados a criar um time que veio a se chamar Pindorama. Não me perguntem, por favor, como foi que aprendi ou quem me ensinou a jogar bola, pois tenho dúvidas se aprendi. Sou de um tempo em que isso era quase instinto. Como é hoje, não sei. Não sou desse tempo. Sou de outro, das bolas tocadas com pés descalços em terrenos baldios.
[ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ]
O futebol a mim se apresentou assim, simples. Mas quem me revelou suas minúcias e deixou ver sua alma foi meu velho pai. Qual não foi? Um homem que me acostumou às sensações de estar numa arquibancada sem maiores traumas. A certa altura, então, o que se desenhava em campo passou a ter mais importância do que as guloseimas possíveis naqueles momentos de diversão. A face rude e nobre dos campos de várzea, onde a precaução sugeria que o melhor era assistir aos jogos um pouco distante, deixando as crianças sentadas no capô da velha Brasília, de portas abertas, tornando fácil a fuga em caso de briga.
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Meu pai - não tenho pretensões – foi, como muitos, um tipo de catedrático que, com certas práticas, me fez deduzir e compreender todos os pequenos e grandes detalhes que faziam o Jabaquara ser tão diferente da Portuguesa Santista, que, por sua vez, era uma coisa que nada tinha a ver com o Santos. E fui descobrindo nisso tudo um fascínio, empolgado como só poderia estar alguém que nunca tivesse imaginado que aquela brincadeira descoberta nas ruas pudesse ser tão profunda, que desafiasse e brincasse tanto com nossos sentimentos e sentidos. Supostamente amadurecido, eu, agora, neste instante, percebo como foi se enchendo esse baú. Noto que até a melhor tradução do desencanto com o futebol foi obra do meu velho pai. Quando me perguntava, depois do almoço de domingo, qual seria o jogo da TV, antes de se encaminhar com disciplina quase religiosa para sua sábia sesta. Estava tudo ali. Pois, quando eu assentia, ele refletia por um segundo, para em seguida dizer o que eu já sabia: “Me acorda quando começar o segundo tempo”. Mas eu ia depois lá espiá-lo, via seu sono bom, pensava no jogo e deixava pra lá. Já não era grande coisa o que andava perdendo. E agora, passado longo tempo, olho pra esse baú imenso, que guarda também a presença dele, e não ponho ali lamentos de derrotas nem de vitórias que poderiam ter acontecido. Mas, antes de voltar a fechá-lo, uma coisa sempre me volta, me intriga. Não entendo por que é que, diante de tanto, minha memória acabou sendo vítima de um drible tão impiedoso. Não me deixar lembrar, de maneira viva, uma troca de passes entre nós, uma brevíssima tabelinha que fosse. Se eu a tivesse, pai, ela seria sem dúvida a maior pérola desse meu baú.
[WILBERTH SALGUEIRO] DE PAI PRA FILHO & DO FILHO PARA O PAI [ I. ] “Filho, quando você tinha dez (ou onze) anos, joguei minha cartada final para você, de vez, gostar dessas coisas – de gol, de futebol: fomos à decisão do campeonato estadual. Berrei, xinguei juiz, mas você necas nem pitibiriba. Seu interesse, hoje eu sei, estava em nuvens, picolés, refrigerantes. Errei, confesso (mesmo que tão tarde). Receba este bilhete feito fosse um testamento: não foi por mal, saiba, que fiz o que fiz. Foi pela culatra, foi gol contra, foi torto, foi amor.”
[ II. ] “Pai, na verdade, eu só tinha seis (ou sete) anos, quando fui arrastado pelo senhor, para assistir à partida de futebol. Tudo o que eu ouvia era: ‘Você vai gostar, vai gostar, tenho certeza’. Para a minha vontade o senhor não deu a mínima. Queria que queria que eu amasse futebol, gol, pelada, bola, campo. Muitos anos depois (vou confessar), tornei-me um escritor: o senhor, morto, já não podia nada. Hoje, pai, meu filho joga. Sem berros, sem traumas. Em versos, ouça: somos – sempre – outros.” [ FUTEBOL DE PAI PARA FILHO ] 25
[DRIBLES X TÁTICA: IM PROVISO OU ORGA N IZAÇÃO?]
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[ANDRÉ ARGOLO] O ELO SUMIDO
P
edro Alcântara abre quase sem olhar a garrafa térmica azul, a tampa rachada pelo tombo. No último copo, o café já estava morno, estaria horrível. Mas, pior, acabou. O cansaço acumulado é avalanche. Se já causou a queda da garrafa, o esquecimento de enchê-la, que mal estaria fazendo ao trabalho? Há dezoito horas fuçava documentos. Os homens de terno preto do governo norte-americano haviam dado a ele 12 horas. Esqueceram-se de expulsálo? Ou subestimavam a presença de um sociólogo português em meio a papéis sobre América Latina dos anos 60? Pedro suspirou um ar da derrota. Em ato desleixado, catou peça aleatória no gavetão de metal e o que viu o arregalou como dez copos de café. Estava em Washington por causa de sua tese de mestrado. Procurava, em antigos arquivos confidenciais recémabertos, novas provas do incentivo dos Estados Unidos às ditaduras militares no Brasil, Chile, Argentina e Uruguai, e possíveis conexões com a de Salazar, em Portugal. Pescou relatórios de remessas de dinheiro para difamação de governos democráticos, aconselhamentos de diplomatas para apoio militar aos golpes de estado, workshops a torturadores iniciantes, tudo já sabido e mal explicado. O que o assombrou foi esse relato meio informal, metido a literário, de um espião americano dentro da Cortina de Ferro. Escrito à mão, a letra como de menina em caderno de ortografia, folha solta. A Alemanha Oriental investia muito dinheiro em pesquisas nos esportes. O pai de Pedro tinha sido jogador, defendeu a Seleção de Portugal na Copa de 66, na Inglaterra. A denúncia tinha a ver com futebol, com o Mundial daquele ano, talvez até com a tristeza que o pai regava em torno de seu passado nos gramados:
Os cientistas têm ordem para matá-lo, se preciso descobrir a fórmula do drible a qualquer custo. Nos corredores escuros do laboratório especula-se foi ordem dos soviéticos, que não engoliram a humilhação na Copa de 58 o grande herói Yashin arrasado perante o mundo incapaz diante de um par de meninos abusados Pelé e esse homem torto com apelido de passarinho. Em 62, trucidou a Tchecoslováquia. A Revolução não aceita um Jesse Owens com bola nos pés.
Um oficial de alta patente é quem mais tortura Garrincha pergunta: “Por que só à direita?” “Por que nunca à esquerda?” “É um recado, seu verme? Uma campanha, seu verme?” Quando diz verme, Garrincha acha engraçado diz que parece o motor de seu fusca. Aproxima-se a Copa na Inglaterra os soviéticos querem vencê-la é a propaganda perfeita querem o drible ou acabar com ele. Garrincha suporta dores nunca antes suportadas repete “João, João, João”, e ri doído. Os cientistas suspendem as pesquisas. Garrincha nunca volta ao Rio de Janeiro: abandonado em uma rua de Budapeste vira mendigo. Quase morre no inverno é cuidado por uma mulher bem húngara engaiola-se homem dela. Ao Brasil os alemães devolvem algo parecido com Garrincha. Vive bebendo, joga mal mas poucos notam diferença. A fórmula do drible não é desvendada. O antídoto, sim. O relatório tem uma parte final difícil de ler, escrita com outra caneta, mas definitivamente a mesma letra. Parece que foi molhada. Poucas palavras são claras: pagamento, dirigentes brasileiros, Portugal. Pedro lembra da História. Na Copa de 66, o Brasil é uma bagunça. Garrincha, irreconhecível. No jogo contra os portugueses, Pelé é caçado até sair carregado de campo. Meu pai, pensa Pedro. E o que explica 1970? Os alemães e russos teriam abandonado as pesquisas e a intromissão? Ou os americanos que agiram pelo Brasil, Pelé, general Médici... Acorda na cama do hotel. Está com a mesma roupa. A térmica no criado-mudo. Como chegou? Busca o papel na mochila. Não está.
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
Garrincha, como é chamado em seu país o Brasil foi sequestrado ligado a cabos de força tubos de ensaio duas semanas a vegetar em um porão de Leipzig.
Garrincha grita por algo incompreensível exausto repete baixinho uma palavra várias vezes a mesma palavra “João, João, João”, e ri doído como quem ri da morte.
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[CHRISTOPH NUSSBAUM EDER] O CORAÇÃO FUTEBOLÍSTICO
ELE: ELA: ELE: ELA: ELE:
ELA: ELE: ELA: ELE: ELA: ELE:
Posso deitar meu coração a seus pés? Se você não emporcalhar meu tapete... Meu coração é puro. Isso qualquer um pode dizer. Se fosse o caso, eu naturalmente arranjaria um tapete novinho em folha pra você, até mesmo desenrolaria um tapete vermelho a seus pés, se você quisesse. Eu preferiria um gramado novo. Prometo que dou. E com um estádio em volta – palavra, não há o menor problema. Essa eu quero ver. Mas, falando nisso, por onde anda seu coração? Maldição, não consigo tirá-lo aqui de dentro. Quer que eu ajude? Se isso não for um problema.
E l a t e n t a a j u d a r. ELA: ELE: ELA:
ELE: ELA: ELE: ELA: ELE:
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
ELA:
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ELE: ELA: ELE: ELA:
Ora, mas que situação! Ele é grande demais, também não consigo arrancá-lo. Engraçado. Realmente. Seu coração é grande e você não consegue mostrá-lo. Ou será que há dois batendo em seu peito? De jeito nenhum, sou um torcedor fanático. Você precisa colaborar, já que o estou ajudando. Mas estou fazendo o que posso. Fique quieto... Seu coração bate no lugar. Nem sempre, ele anda meio desafinado. Às vezes também pula de alegria. Há pouco, quando vi você, ele caiu dentro das minhas calças, e estava bem pequeno. Agora... estou conseguindo sentir. Ele é... de pedra. Não! Ele é... ...Ele é duro e redondo. É provável que esteja intumescido. Seu idiota.
Ele chora. ELE: ELA:
ELE: ELA:
Mas é só porque amo você. Não conte histórias. Primeiro, você quer construir um estádio pra mim, e agora arrebenta em lágrimas. Elas não vão nos levar mais longe. Precisamos tirá-lo com uma cirurgia. Ainda bem que tenho uma faca de cortar tapetes! Nada de faca, por favor, ele é sensível! Bobagem. Logo tudo estará resolvido. Trabalhar, e sem titubear. Isso, aqui está ele. Ora, mas é uma bola. Seu coração é uma bola de futebol!
ELE: ELA: ELE:
ELA: ELE:
ELA: ELE:
[LIVREMENTE INSPIRADO EM HEINER MÜLLER] É o que eu já queria lhe dizer o tempo inteiro. Em que time você joga? Pra ser bem honesto, o time ainda nem existe, mas eu gostaria de fundá-lo com você. E para isso existem mais de mil motivos. Quer ser minha parceira de jogo? Estou perplexa. Isso é uma proposta? É a verdade. Você está vendo muito bem que meu coração é puro. Dá pra acariciá-lo, amaciá-lo, amassá-lo. E de quando em vez também chutá-lo. Pode-se tocá-lo até mesmo com a cabeça. Estou maravilhada. Onde devo assinar? Um autógrafo aqui, na bola, é o que basta.
Eles se beijam. ELA: ELE: ELA: ELE:
Você é um homem de bom coração. Juntos somos dois, agora faltam apenas nove. Brincadeira de criança, se quer saber. Já estou feliz com a lua-de-mel. Eu também, e como!
Ele olha para o relógio. ELA: ELE: ELA: ELE:
ELA: ELE:
Por que está olhando para o relógio? Pra resumir, já está tarde: o jogo começa em cinco minutos... Ora, mas isso está começando muito bem. Docinho, vem comigo, convido você, e não se esqueça: meu coração é seu e bate apenas por você. E depois do jogo? É sempre antes do jogo. Sim, um jogo depois do outro, essa é a lição mais fundamental do amor. Mas agora vem comigo. Já estão cantando os hinos.
Ele a puxa consigo...FIM
[CUSTÓDIO ROSA]
A FUNÇÃO E A FAÍSCA Se o futebol for um templo, sem fronteiras e sem pátria, pode-se entrar nele por duas entradas distintas: Uma é a da diversão, da fantasia, a dança lúdica com a bola, o descompromisso total e absoluto com a linha reta. Chamamos isto de drible. A outra é a da organização, do planejamento, o compromisso com as posições, os espaços e com o resultado final. Chamamos isso de tática. O drible é o desvio de caráter permitido. É quando aquele que diz ser não é, o que diz ir não vai, o que insinua e aponta faz o oposto, e você não pode condená-lo por isso. A tática é a ideia aprisionada. A tentativa de prever e acondicionar, em um invólucro de gente e espaço, toda a imprevisibilidade do jogo. O drible é a infância, onde a brincadeira é obrigatória; a fantasia é a regra vigente; a molecagem, uma doutrina e uma escola pra vida. Caia sentado e aprenda, porque você engana a vida ou a vida vai te enganar. A tática é a maturidade, onde a organização se impõe, a responsabilidade te chama a cumprir sua função, a irresponsabilidade é punida com a humilhação. A queda é outra: você não foi capaz de fazer sua parte. Essas ideias opostas, de liberdade absoluta e aprisionamento do indivíduo, se complementam e se tocam, combatendo uma à outra, mas namorando entre si, como amantes que se odeiam, nutrindo pelo outro uma atração de ocasião.
Um jogo só de tática não é um jogo, mas um combate de robôs sem inspiração. A organização pura de um time, em seu limite, seria uma infantaria em ordem-unida, marchando em direção ao adversário, torcendo para não ter que lidar com aquele objeto redondo e inconveniente, a bola. Como qualquer templo, o futebol está sujeito à cultura do qual faz parte. Ele dialoga como lugar no qual está envolvido, dá e absorve do povo que o circunda.
Da irresponsabilidade de quem acha que tem todo o espaço e tempo do mundo pra viver, se divertir e ainda virar o jogo. Somos crianças adoráveis, veja como encantamos vocês, veja como os seduzimos, como podemos fazê-los sonhar. Por isso, perdoem nossos improvisos. Os alemães são um povo bem mais antigo, feito de gente que trazia de suas aldeias a organização como célula de sobrevivência em um terreno disputado e pequeno. Vencer romanos, segurar os russos e aturar os franceses não é lá tarefa muito fácil, exige disciplina e um grande espírito de grupo. Natural que isso resulte em um futebol tático, feito de obrigações e ocupação de espaço. Os grandes gênios do futebol alemão foram, antes de mais nada, grandes organizadores de jogo. Sua poesia era driblar dentro da funcionalidade. Os grandes gênios do futebol brasileiro eram improvisadores natos, que traziam da rua a faísca do inesperado, adequando-a na busca da vitória. Nos campos amadores do Brasil, o drible é mais importante que o gol. Só perde mesmo para o golaço, que nada mais é do que um gol que se vestiu de drible pra poder se divertir um pouco mais.
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
Um jogo só de dribles seria um jogo sem moral, sem sentido e fadado ao fracasso. Uma espécie de conjunto de focas amestradas, personagens de circo se exibindo em um picadeiro confuso, uma orquestra só de solistas aborrecendo a plateia.
O Brasil é um país jovem, feito de gente misturada. E, por ser jovem, um tanto irresponsável e delinquente, com tanto chão sob os pés, se vale do drible.
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[EDVALDO SANTANA] HI… UAI
O A e o O - O PRIMEIRO E
Eu improviso e você se organiza
[A - APITO INICIAL]
A minha ginga tem a sua disciplina
Na badalada alfa era A. A era Jah, Jah era A. Jah passa a raça. Jah faz data. Jah faz farra, graça. Jah faz plaga natal: Alasca, Saara, Madagascar, Maracanã. Jah trama lama, panda, mamba. Jah planta ganja, ananás: Canaã! Na sanha galã da Canaã, Jah faz Adão, Adam em alemão. Para atrás arranjar o sabadão.
É no desarme com o passe precioso Que a diferença como sempre nos ensina Pra sua tática eu procuro uma saída Quem se desloca nunca tem bola perdida Caio nas pontas costurando uma camisa Pra Beckenbauer Müller Garrincha e Seu Macia Eu acredito na postura desse time Que faz o drible e também ajuda a zaga A habilidade coletiva de menino É novidade no futebol que nunca acaba Hi Hi Hi traz a caipirinha pro alemão ficar em paz
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
Uai Uai Uai Steinhäger com limão é bom demais
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[FLORIAN WERNER]
Adam ama Jah. Adam ama Canaã, gata! Adam é alegria rara: Adam dança lambada, chá-chá-chá, samba. Adam fala: areia, praia, mamma à la carte – caramba. Graças, já, rasta! Adam faz altar. Adam cachimba ganja, Adam manja ananás. Há data Adam faz ramba-zamba. À farra Adam labuta na barra da mata. Satã abomina Já. Satã abomina alegria. Satã abomina dançar samba, gala. Satã abomina a fala de Adam, abarrotada de graças-Canaã-graças-Jah-rasta-blábláblá. Satã ama batata. Satã traça a desgraça de Adam. Satã faz cachaça. Satã saca: Mamba! Mamba indaga: cara? Satã agarra Mamba. Satã abarca a cachaça na cauda da Mamba. Satã fala: Mamba, vá já à chalaça da alfa afetada na cara de Jah! Mamba fala: bá. Mamba agacha na lama da cama de Adam. A cauda da Mamba rasga a braçada de Adam à pancada. Adam acorda. Adam caga e anda. Adam fala, a cara pálida: fantasma, Ganja! Banda! A carniça carrega o que na cauda? Mamba faz zás-trás. A baba da Mamba balança a mama, Adam. A cauda da Mamba crava cachaça à la Satanás a zás-trás na cara da vaca, Adam. Cachaça estala. Adam estaca, acata. Amanhã Jah anda à barra da mata. Adam faz farra. Jah indaga, cara amarga: qual é? Adam brada: marchar! Já! Tatatá!
O ÚLTIMO MINUTO NO JOGO DA CRIAÇÃO Jah fala: Adam, tá mal. Adam faz: aha. Jah ladra, cara de pau: ah, já tá. Deixa estar, Adam. Cachaça faz mal. Adam fala: vá catar balas! Babaca! A cachaça de Satã, bacana pra caramba! Jah fala, não abala: caraca! Já era, Adam. Vambora! Jah abana, clama. Jah alarma. Jah abafa Canaã. Jah manda Adam pastar. Satã gargalha. Adam fala: Oh!*
[O - APITO FINAL] Morto. Orgulho. Horror. Ouro. Rolo. Soco. Ronco. Coco. Louco. Mouco. Scotch. Bongs. Pornô. Pogo. Rock’n’roll. Hotdogs. Hotspots. Dotcom-jobs. Doutor No. Bono Vox. Yoko-Ono-Solo-Songs: Sodom-ah! Conforto no cocho de Sodom-ah, mas Sodom-ah osco do povo tolo. O povo tolo de Sodom-ah louco de orgulho. O povo tolo de Sodom-ah: como ouço rock’n’roll! O povo tolo de Sodom-ah: como olho pornôs softs! O povo tolo de Sodom-ah: como roo bombons! O povo tolo de Sodom-ah: como jogo loto! O povo tolo de Sodom-ah: como fodo bonobos!
Robocop, no topo do horto do povo tolo de Sodom-ah. Robocop, toco, volto logo. O povo tolo de Sodom-ah: olho como tolo. O povo tolo de Sodom-ah: oh, oh! O povo tolo de Sodom-ah: o coro do louvor formo logo. O coro do louvor: logo provo fotos do todo-poderoso. O coro do louvor: louvo o todo-poderoso, oh, oh! O todo-poderoso: oh Sodom-ah! Robocop logo pro longo! Logo, logo! Oh, todo-poderoso, stop! Robocop, bronco: No. O coro do louvor, como goro, tosco! Robocop, como no topo do horto de Sodom-ah! Robocop, como sorvo o povo tolo de Sodom-ah morto. Coco de Sodom-ah, como rolo, rolo, rolo... Robocop: como bombo o coco de Sodom-ah no topo do horto. Robocop: como mostro, grosso. Robocop: como colho os louros do bolo. O todo-poderoso: como sou formoso, soco no oco, gozo, gooooooooooool!**
O
A --------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* A única vogal usada pelo autor até a exclamação final foi o “a” (além do “e” na expressão à la carte). O que é possível no alemão é rematadamente impossível em português, no entanto. Tentou-se, ainda assim, buscar alguma assonância e manter o “a” como a vogal de longe mais usada. (N. T.) ** O mesmo vale para o “o”, única vogal, com duas ou três exceções, no texto original. (N. T.)
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
O povo tolo de Sodom-ah: como choco o todo-poderoso! O todo-poderoso: como provo o horror do povo tolo de Sodom-ah! O todo-poderoso: como cobro o trono do povo tolo de Sodom-ah! O todo-poderoso: oh, o protocolo! O todo-poderoso: como ronco com o povo tolo de Sodom-ah! O todo-poderoso, oh: stop, povo! No coke, no porn, no rock’n’roll! O povo tolo de Sodom-ah: oh, bronco! O povo tolo de Sodom-ah: toc-toc-toc. Votos! O todo-poderoso: como cozo do horror! O todo-poderoso: como colho repolho! O todo-poderoso: como ronco: stop, povo! Corro ou morro! O povo tolo de Sodom-ah: como troço, todo logro, oh! Toco o pó, no gordo do todo-poderoso! Louco! Lombo, todo-poderoso, o horror logo! Hohohohohoho!
O todo poderoso, como vomito! Oh! Moloch! O bolso de Sodom-ah sonoro! O todo-poderoso: porto Robocop, ouço o ronco. Robocop roto do óxido, motor podre, no rosto, só horror. Robocop monótono: Onde? O todo-poderoso: remoto. Robocop: o cocho do povo tolo pro lodo? O todo-poderoso: Logo! Robocop: Bom!
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[FALKO HEN NIG]
100 ANOS DE MAGIA – BREVE HISTÓRIA DA BICICLETA
Talvez isso nunca se torne mais do que um sonho, mas em algum momento quero fazer um gol de bicicleta. Uma vez que quase sempre jogo na defesa, as chances são mínimas, caso eu queira evitar um gol contra, é claro. Assim como todas as invenções geniais, também a bicicleta tem muitos pais ou mães. São várias as datas anotadas como aquela em que a bicicleta nasceu, e são muitos os países que brigam pela honra de ter um de seus filhos como o executor da primeira bicicleta. Se existe uma coisa mágica no futebol, essa coisa é a bicicleta. Domínio absoluto do corpo e acrobacia se unem a uma técnica excelente de arremate num c o n t i n u u m espaço-tempo que só pode ser chamado de inacreditável. A bicicleta tem algo de charlatanice e magia, pois o jogador está de costas voltadas para a bola que vem a seu encontro. Ele salta exatamente no momento correto e se deixa cair para trás a fim de atingir a bola no ar com o peito do pé e mandá-la para o gol. Improvisação e organização se encontram e viram uma coisa só. No entanto, ninguém sabe ao certo quem foi o primeiro ser humano a levar a cabo essa obra de arte.
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
O primeiro a ser mencionado é um inventor brasileiro: Leônidas da Silva, do Rio de Janeiro, a grande estrela brasileira do futebol, chamado de “Homem-Borracha” ou também de “Diamante Negro”, que tornou a seleção famosa em quase 30 jogos. Tratava-se de um sujeito bastante destemido, goleador da Copa do Mundo de 1938, na qual anotou quatro gols de pés descalços apenas no jogo contra a Polônia, entre eles, um de bicicleta.
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Como repórter de televisão, ele inclusive era melhor do que Pelé. Lamentavelmente há pessoas que não o veem como inventor da bicicleta, mas antes como um de seus pioneiros. Indiscutivelmente, no entanto, ele foi o primeiro a fazer um gol de bicicleta numa Copa do Mundo. Parece que todos os países que gostam de futebol têm seu próprio criador, assim como também nas invenções da lâmpada e do cinema muitos países se orgulham de ter os inventores. O Chile, o País Basco e a Espanha brigam em torno de Ramón Unzaga Asia, que, em janeiro de 1914, no estádio Morro, na chilena Talcahuano, teria executado a façanha. Unzaga era um zagueiro como eu, felizmente um gol de bicicleta dele não chegou a ser registrado, até porque certamente teria sido um gol contra. Unzaga, por causa desse truque, deixou de ser mineiro para se tornar capitão da seleção nacional chilena. No Campeonato Sul-Americano de 1920, Argentina, Brasil e Uruguai se surpreenderam com essa maravilha do futebol, que passaram a chamar de “la chilena”.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano descreveu assim esse momento único: “Movendo o corpo inteiro no ar, as costas voltadas para o chão, as pernas disparam a bola para trás com uma viravolta repentina.” Também do Chile vem David Arellano, que apresentou a técnica chamada “la chilena” na Europa com o primeiro gol comprovado. Foi em 1927, na Espanha. Pouco depois, ele se chocou com um jogador espanhol numa disputa de bola e morreu. Mario Vargas Llosa acha que foram os peruanos de Callao que inventaram a bicicleta já nos anos de 1890, em jogos contra marinheiros britânicos. A obra de arte foi difundida com o nome de “chalaca”. Mas quem sabe se os jogadores de Callao não observaram o “bicycle kick”? Sobretudo os ingleses tomam uma foto de 1872 como prova de que a bicicleta foi executada já na época. Nós, os alemães, temos pelo menos o nosso “rei da bicicleta”, Klaus Fischer, que em 1977 fez contra a Suíça aquele que ficou conhecido como o gol do século. Apesar disso, e minha pergunta é séria: quem pode me ensinar a dar uma bicicleta? Espero que um treinador brasileiro abençoado se disponha; pago o que puder.
[GUSTAVO KRAUSE]
[JOCHEN SCHM IDT]
OS FILHOS DE PINDORAMA
AO BRASIL EU WULD LAIK TO GO
S
Quando se lê a própria vida como um romance, sempre
ob a sombra das palmeiras, os meus filhos e as minhas filhas jogam bola. A bola é de meia. Eu roubei as meias dos homens do barco grande para fazer aquela bola, enchendo-a de mato e areia e costurando tudo com fibras de cânhamo. Roubar as meias é perigoso, se as armas deles são grandes e brilhantes. No entanto, mostra-se necessário. Pajé me diz que os homens do barco grande vêm para roubar tudo da gente, da terra à alma. Por isso, devo roubar o que puder deles, por menor e desimportante que seja, para equilibrar um pouco a história. É o que pajé me diz. A bola de meia e mato e areia tira um pouquinho da alma desses homens. Por um instante despe seus pés e os força a tocar o nosso chão. Com essa bola de meia e mato e areia, ainda posso ensinar as minhas crianças a lutar contra adversários tão poderosos. Como as armas, eles mesmos brilham ao sol, por causa da pele branca. Movimentam-se de modo estranhamente uniforme, braço esquerdo, perna direita, braço direito, perna esquerda, de novo, de novo, de novo. Eles não parecem gente. Antes, seriam fantasmas de metal e couro. Ou talvez insetos predadores gigantes. Ou talvez, ainda, quase deuses. Que não respeitam homens, mulheres, muito menos crianças. Que comem a gente no jantar, se gostarem do nosso sabor.
A resistência começa com a bola de meia e mato e areia. Os meus meninos e as minhas meninas jogam com ela entre as árvores e entre as pernas deles. As minhas crianças aprendem a correr, a fugir e a atacar quando menos se espera. Elas aprendem a desorganizar e confundir os fantasmas, insetos ou quase deuses, lá o que sejam esses seres brancos que brilham. Os meus filhos e as minhas filhas aprendem a fazer tudo isso rindo e chorando ao mesmo tempo, mas chorando nas vitórias e rindo nas derrotas. Só assim a nossa alma sobrevive de algum modo, mesmo que obriguem nossos corpos a jogar bola para o deleite deles.
Na época, nem sequer tive consciência de que o relato expedicionário que eu estava estudando levava direto ao coração do país do futebol e que, no fundo, havia uma bela lógica no fato de eu, condenado a mancar por aí por causa desse esporte, em minha fantasia ousava abrir caminhos em meio ao Mato Grosso. De 1935 a 1938, enquanto o Ocidente ia ao encontro de sua pior guerra, o judeu Lévi-Strauss, fundador da etnologia moderna e futuro pai do estruturalismo, viajava ao interior do Brasil em busca do contrário da civilização, do absolutamente intocado. Chegando à pequena tribo dos nambiquaras, que nada preservavam de sua cultura nem mesmo pintavam o rosto, mas ficavam deitados pelo chão, e, de vez em quando, coletavam insetos, Lévi-Strauss foi obrigado a confessar que estava se entediando com os selvagens. Isso eu poderia ter dito a ele desde o princípio, nunca senti vontade de me meter na selva. Sabia de muitos e antigos filmes de Tarzan como era perigoso por lá. Odiava até mesmo a relva um pouco alta demais, porque, pela manhã, sempre estava de pés molhados no meio dela. Afinal de contas, o bonito num campo de futebol é que a grama é cortada bem rente! Aliás, dizem que os brasileiros também preferem jogar futebol na areia, provavelmente porque em seu país a relva cresce muito alta por toda parte. Mas justamente por isso se diz que eles são tão bons. Pois quem se dá bem na areia, onde a bola se comporta de modo completamente imprevisível, haverá de considerar que o jogo em condições físicas normais é um desafio menor.
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
Não resta dúvida de que não vieram para conhecer, conversar ou amar, mas sim para conquistar, ensinar e violar. Não resta dúvida de que têm armas e poderes e organização que nós não temos. Não resta dúvida de que morreremos muitos: pelas armas que brilham, pelas palavras que insinuam, pelas cruzes que angustiam. Não resta dúvida, igualmente, de que resistiremos desde agora, da geração das minhas crianças à geração das crianças das minhas crianças e depois, muito depois, até bem longe no tempo. Resistiremos com nossas armas de madeira, com nossas palavras de rio, com nossas divindades de nuvens.
se constata como os nexos existem e tudo está vinculado a tudo. Eu, por exemplo, pela primeira vez me ocupei do Brasil de modo detalhado porque, ao jogar futsal, torci o pé, que ficou inchado e redondo como a bola que se usa nesse jogo e, durante uma semana, brilhou em todas as cores, encobrindo o tornozelo debaixo do inchaço. Para me distrair das dores, li “Tristes trópicos”, de Claude LéviStrauss, um meio eficaz contra a vontade de viajar que toma conta da gente quando se está preso à cama.
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[JÖRG SCHIEKE]
REI FUTEBOL, MÃE TERRA A arte surge sempre de uma limitação. Foi só porque no passado era proibido aos escravos no Brasil tocar seus senhores brancos ao jogar futebol que eles desenvolveram a arte do drible. Para o “peladeiro de rua”, que aprendeu com uma bola de meia, a de couro é um prêmio; além disso, o “jogador de areia” explode de prazer no jogo, e cada um de seus movimentos se dispõe apenas a deixar impressionadas as belezas de biquíni que veem a partida. Por que ele faria um gol? Para isso, teria de entregar a bola. Mas, quando vai para a Europa, de qualquer modo o brasileiro precisa levar uma penca de amigos e metade de sua família, porque, do contrário, fica tão deprimido por aqui como Lévi-Strauss na tribo dos nambiquaras.
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
Meu coração não se comove com o futebol brasileiro. Me sinto como Salieri em relação a Mozart. Por que Deus do céu desperdiçou tanto gênio numa cabeça infantil? Não consigo me identificar com os favoritos dos deuses, aos quais parece que tudo foi concedido. Estou antes, com os medianos, para os quais uma partida significa trabalho. É bonito de ver como uma roubada de bola limpa e vigorosa reduz a complexidade da situação. Quando se sabe lidar com a bola, o futebol já não é uma arte.
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Quando pude voltar a jogar, na época, um brasileiro de verdade participou por algum tempo dos nossos jogos de futsal. Na condição de brasileiro, ele estava condenado desde o nascimento a jogar melhor do que nós. Chegava a dar pena, nada lhe era dado de graça, todo o mundo queria tomar a bola de um brasileiro uma vez na vida. E isso que ele nem sequer era bom de bola. Havia uma espécie de culpa coletiva que ele tinha de pagar. Os alemães começaram a guerra, os brasileiros ocuparam e dominaram o futebol. Quando estou no exterior, sempre me esforço para não ser pontual, para fazer piadas e, assim, refutar o preconceito que ininterruptamente se mostra comigo, na condição de alemão que sou. Talvez o brasileiro tenha feito o mesmo, simplesmente não queria ser um brasileiro típico, queria que víssemos o ser humano que havia nele. Um brasileiro que não conseguia dominar a bola, ora, isso era realmente algo espetacular.
[CENA I]
[TRÊS CENAS]
Copa do Mundo de Futebol, semifinal. Um alemão precisa de atendimento médico em campo, cinco jogadores espanhóis correm até a lateral do campo para se hidratar. Um deles recebe uma garrafa d’água de um auxiliar; o jogador engole com sofreguidão e joga a garrafa vazia para trás, por cima da cabeça, embora o auxiliar esteja bem ao seu lado. Arrogância? Não. Trata-se da carga dramática do jogo e da irrefreável vontade do próprio jogador que o assolam até em seus gestos mais incomuns. Espírito de luta e de iniciativa. O que aconteceu com a garrafa não foi de propósito e de maneira nenhuma contra o auxiliar, que balança a cabeça, se curva, rasteja em volta das pernas do jogador e procura a garrafa.
[CENA II] “Estúdio Esportivo Atual”, um programa muito popular da televisão alemã nas noites de sábado. O assunto principal é futebol, em ocasiões especiais também pode ser handebol, atletismo ou esportes de inverno. Nessa noite: avaliação das partidas da Bundesliga, depois a presença de um jogador russo de hóquei no gelo. A conversa, por intermédio de intérprete, gira em torno do hóquei russo no gelo, o melhor do mundo nesses anos. No final do programa, o tradicional desafio de acertar o máximo possível de bolas em dois buracos vazados numa barreira de madeira. São seis tentativas, três para o buraco do alto e três para o de baixo. Um jogador de futebol alemão, recém-convocado para a seleção, consegue acertar quatro em suas seis tentativas: duas em cima, duas embaixo. O público aplaude e fica na expectativa. Reina uma atmosfera de Guerra Fria; apesar de toda a hospitalidade, a torcida é para a Alemanha contra a Rússia. Pois o russo, como a atração pitoresca da noite, deve responder à sua maneira – isto é, como jogador de hóquei. Posiciona os seis discos de modo que fiquem três metros mais distantes da barreira do que as bolas anteriores do alemão. O russo parece fazer alguma mira com seu taco apenas na sua primeira tentativa, para então lançar três discos no alto e três embaixo em seus respectivos buracos. Silêncio mortal no “Estúdio Esportivo Atual”. O russo diz em russo que conseguiria acertar até de olhos vendados. Abril de 1975, sou criança na Alemanha Oriental e apenas excepcionalmente tenho permissão para assistir à televisão ocidental. Aprendo russo numa classe especial da língua e, ao contrário da maioria dos espectadores do “Estúdio Esportivo Atual”, não preciso de intérprete. Não apenas por entender o russo; me orgulho dele e estou absolutamente feliz com nossa vitória.
[MARCELO BACKES]
PEQUENO DICIONÁRIO NOSTÁLGICO
[CENA III] Atlético de Madrid contra Chelsea (Londres), semifinal da Champions League europeia. Aos 18 minutos, Peter Czech, goleiro do Chelsea, recebe uma entrada de um jogador do Atlético depois de um escanteio e cai sobre o ombro. Apenas segundos após essa ação, antes ainda de um diagnóstico preciso ter sido definido, o goleiro deitado no chão gira um braço ao redor do outro, querendo dizer: “Não dá mais, preciso ser substituído”. Esse é um dos gestos que transmite toda a experiência de uma longa vida futebolística: os jogadores jovens berram ou se contorcem teatralmente no chão; afastam com um tapa a mão do jogador adversário que quer se desculpar pela sua falta ou, pelo menos, fazer de conta, a fim de impressionar o juiz. Mas o atleta calejado dispensa tais poses; já faz parte daquilo há muito tempo. O jogador experiente sabe, melhor do que qualquer médico, o que significa o ruído de seu corpo (o estouro do ligamento cruzado que se rompe, o estalo da clavícula que se quebra) e a dor correspondente. Consegue traduzir imediatamente a dor em tempo de imobilização e reabilitação e, no pior dos casos, chora, pois sabe que não poderá participar da próxima Copa do Mundo, da Copa Europeia nem da final da Champions League. De qualquer modo, esse seria seu último campeonato, seu último jogo, e deveria coroar sua carreira.
“Fim, acabou, foi bom estar aqui, mas agora já é passado”. FIM
[ARCO] - Qualquer coisa que delimitava um espaço qualquer em qualquer lugar do mundo. Jamais tinha a forma determinada pela nomenclatura geométrica e raramente aquela que eu viria a conhecer mais tarde, nas “regras” da vida adulta. Ficava num limbo muito além da tática e do improviso, no potreiro podia ser formado até por dois montes de merda de vaca e é mais conhecido em tua cidade grande como → GOLEIRA, madame. [BOLA] - Qualquer coisa, de forma arredondada ou não, capaz de ser movida através de um impulso oriundo da extremidade unhosa dos membros inferiores. Nos primórdios do meu futebol missioneiro, bola de meia era luxo, limões vinham bem a calhar e um recipiente de Q Boa era um sinônimo perfeito de felicidade.
[CHUTEIRA] - Um sonho, madame. [FALTA] - Não existia. Do pescoço pra baixo, era tudo canela.
[FOIÇADA] - A melhor estratégia pra parar a investida de um ponteiro veloz. Consistia em segurá-lo por cima e puxar a foice por baixo, cortando o pasto... Quando o autor da façanha era o Jacó, o lance recebia o nome de gadanhada, pois a foice, quer dizer, o pé do Jacó com 12 anos já era número 46. Quando a mãe conseguiu cortar as unhas dele um dia antes da crisma, parece que o sapato 43 serviu. Dos piolhos, no entanto, a coitada perdeu a peleia... [GOL] - Na infância o gol ainda valia tanto, no que, aliás, era único, quanto o sorriso de uma menina, madame. O gol de cabeça, vá lá, valia mais. Equivalia, e isso não é uma metáfora, a dois gols com o pé. A glória era chegar livre diante do → ARCO e se atirar de peixinho pra fazer dois gols, enquanto os adversários deixados pra trás cogitavam seriamente o suicídio.
[JOGO] - Entidade esdrúxula no meu interior missioneiro. O número de participantes, por exemplo, era ilimitado e correspondia sempre ao número de interessados. A duração era definida pelo primeiro pai que viesse buscar o filho com o relho na mão pra ajudar a ordenhar as vacas já perto da meia-noite. Era bem mais conhecido por → PARTIDA.
[KICHUTE] - Uma corda estendida entre o abismo que levava da Conga à → CHUTEIRA. Seus longos cadarços podiam ser atados em volta das canelas ou por baixo da sola; muitos garantiam que a segunda alternativa aumentava a potência do chute, além de ser mais máscula. Daí, a expressão: “Mais feliz que guri de Kichute novo”.
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
Em horas festivas, os jogadores jovens imaginam poses exultantes; beijam a aliança no dedo, embalam bebês imaginários, batem no peito e no escudo do time. Nenhum deles, porém, prepara nada para as últimas horas da carreira, mas também não é preciso, pois é espontâneo: um braço gira ao redor do outro, substituição e, em seguida, a mão bate mais algumas vezes na grama, como se, com as últimas forças, dissesse:
DO MEU FUTEBOL MISSIONEIRO UM TIME DE VERBETES AO LÉU
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[NILS STRAATMAN N] A DISCUSSÃO DA TÁTICA
[LATERAL] S.f. - A linha lateral era questão das mais complicadas e gozava de uma existência apenas metafísica. Quer dizer, na largura, o campo terminava onde se tornava impossível disputar uma bola. Cinco ou seis árvores pouco importavam, um riacho de mais de três metros de largura, a fim de que ninguém pudesse pular sem riscos sobre ele, ajudava um bocado, um precipício também! O ideal era um barranco íngreme, impossível de ser escalado sem a ajuda das mãos. O caráter fluido da linha lateral muitas vezes tornava os campos do meu passado três vezes mais largos do que compridos. Sempre interpretei a inexistência das laterais como uma metáfora pro campo aberto dos pampas, que assinalava a nostalgia da distância em que habitas, madame, sentida por mim já na época.
[VOLANTE] - “Sei lá o que é isso”, disse eu quando ouvi pela primeira vez! E pensei: “Deve ser o mesmo que pivô, que eu também não sei o que é”. O pior centromédio que eu conheci foi o Dário, que se tornou famoso na vizinhança abrangente por ceder um escanteio na cobrança de um tiro de meta, sem a ajuda do vento nem das costas de um companheiro.
[W.O.] - Não existia naquela querência de hombres, nem
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
mesmo na época da colheita, ainda que ameaçasse chover no dia seguinte. São Pedro que mostrasse espírito esportivo! O w.o. não dava o ar de sua graça nem em dia de tormenta. Quando o caminhão em cuja carroceria nos deslocávamos pra um jogo em comunidade vizinha estragava, os jogadores que não tinham carro nem carona ou bicicleta confiscavam os cavalos da vizinhança montando em pelo ou iam de a pé mesmo, quando a → PARTIDA era a menos de vinte quilômetros de distância. Não vás fazer uso dele, madame, só porque talvez não gostes do assunto. Garanto que os olhos se me marejam tão-só com a possibilidade de te ver amuada... Também sei falar de amor e dar carinho, podes crer. E o consolo que posso te oferecer depois de cada partida é grande!
N
ós jogamos num 4-3-3, bem adiantados os ponteiros. Dois volantes no meio, o dez criando lances certeiros. Ao atacar, a linha defensiva logo avança, e os laterais também sobem à ponta da lança. Quando o adversário vem, a defesa se fecha, todos em posição, roubar a bola, aproveitar a brecha, marcação em cima, ai, nem respira a equipe adversária, mas, por favor, sem falta, ainda mais perto da área, e no escanteio, Jonas no rebote, beleza pura, primeiro poste, segundo poste, o resto na cobertura, não na linha dos dezesseis, já na dos onze metros de novo, mãos longe da camiseta, pra evitar a gosma amarelo-ovo, não digo isso em vão, vocês são ingênuos demais; o custo de um puxão assim, em geral, são dois ais, pois não é apenas o cartão amarelo de graça; ele quase sempre vem com penalidade máxima. E quando a bola é retomada, John, na frente, já tens de estar e esquecer: “O que importa é dedo no nariz, o cabelo ajeitar”; e não entenda isso como uma brincadeira do bando, pois, numa bola longa, eu quero te ver voando! E Ali, no meio, tu sabes bem o que combinamos, como aquela jogada há semanas já treinamos, pedalada pra esquerda, depois sair pela direita, isso deixa o adversário de bobo, a cara desfeita, enfiada de bola a John, girar correndo no meio, porque então ele pode pegar na pelota em cheio, e, rapazes, se tiverem uma chance, é só aproveitar, meter bronca, que seja de chaleira, chutar, Nils, tu que tens uma bela esquerda, já! Atirar! E se não der pelo alto, por causa do goleiro, manda logo por baixo, bem rasteiro; cara, a grama é rápida, está molhado o chão, e se a bola não entrar, passar de raspão, nada de: “Ah, se eu tivesse, fosse, que pena!” Levante! Comer grama, limpar a boca – e seguir adiante! O jogo só termina no apito do juiz! E agora me deem as mãos, entendam o que se diz: A CORAGEM NÃO GANHA O JOGO DE VERDADE – MAS COMO ELA DÁ DIGNIDADE! – Agora vamos lá, amigos, acabar com eles.
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X
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4-3-3
[RODRIGO VIANA]
[SÉRGIO VAZ]
SOBRE KICHUTES E CHUTEIRAS
DO PRINCÍPIO AO INFINITO [CENA I] As alças do caixão estão frias. Como as mãos de meu pai. A morte não improvisa. “Tão surreal!” É minha irmã, desesperada, como um quadro de Dalí. Gente estranha circunda o salão. Velórios são encontros. Há dois meses ele estava no museu do futebol. Não saía do interior. Andava no ritmo do “mais quieto”. Na capital era alegria: “O livro é do Rodrigo, o do meio”. Esperou por isso. Ritualístico. Os outros irmãos casaram-se, tiveram filhos, e eu escrevi um livro. Pai se matou logo depois. A vida não improvisa.
[CENA II] Adolescência. Encontros. Parceiros. Vida escorrendo. Reencontro um antigo colega de time. No diverso da infância não era má pessoa. Lembro-me de uma partida em que, após a vitória, nos abraçamos e choramos juntos. Foi-se o tempo. Nunca mais o vi. Virei jornalista e, numa dessas andanças, o vi novamente. Dessa vez não nos abraçamos. Eu, de microfone em punho, querendo entrevistar o preso que roubou e matou. Ele, algemado, o policial cuspindo, batendo: “Fala com o repórter, vagabundo!” Não, ele não é vagabundo. O olhar autista dos dois buscava o passado. As lágrimas vieram novamente, como naquela partida de futebol em que vencemos quando meninos. Dois seres encarcerados naquilo que poderia ter sido. Meninos-homens presos na dor que se transformou a vida.
[CENA III]
Escrevia pra viver. Tornara-se um místico. Lia os seres que descobriram seu próprio caminho. E escrever passou a ser ritual. Coisa sagrada. Encontrara caminho nas linhas.
[ATO FINAL] O céu está azul, e a brisa é leve. Os times estão em campo, e os alemães temem os brasileiros. Famoso na Alemanha, Ignácio de Loyola Brandão, conterrâneo, cochicha: “No fundo escrevo, porque sou sedutor e, ao seduzir, sei que não estou só, esquecido; meu leitor está comigo”. Pai era escritor oculto e tinha orgulho da bola no meu pé. O amigo preso reencontrou a vida em nosso encontro. Eu, pai, a cadeia e a liberdade. Sonhos. Jogador de futebol. Seleção Brasileira. Presença na ausência. PINDORAMA.
Sinceramente, não tenho boas lembranças desses dias, na minha casa a roupa sempre foi muito mais importante do que brinquedo; por isso, desde cedo aprendi a brincar só com meus botões. Sem carrinho para dirigir nem bola para chutar, cheguei de Kichute na adolescência com os pés cheios de lama e lágrimas no coração. Um tempo em que era muito difícil entender que existia um dia só para as crianças, mas, ao mesmo tempo, só para algumas delas. Quem será que ensinou aos adultos ser tão cruéis? Somente um adulto é capaz de ensinar uma criancinha a ter raiva e inveja ao mesmo tempo. Raiva, porque as ruas nesses dias eram tomadas de cores e luzes da felicidade alheia, e inveja, porque toda essa luminosidade não brilhava em todos os quintais. De mãos vazias, também aprendi a ter raiva do Playcenter e do Papai Noel. Bom velhinho, sei... No caso das meninas, fico pensando que também não devia ser diferente. Consegue imaginar acalentar a boneca da vizinha que ganhou presente e chamá-la de sua filha ao mesmo tempo? De onde eu vim, eram as bonecas que adotavam as princesas sem castelos. Brincar de babá aos seis deve doer tanto quanto ser motorista sem carrinho aos sete anos de idade. Sorrir com a alegria emprestada... É muito sério ser criança. Descobri com os pés sem meias que somos o país do futebol, porque uma única bola - não importa de quem seja - é capaz de fazer a alegria de um bairro inteiro, e nessa hora não importa quem ganhou presente ou não. Para quem não sabe, o futebol também é um esconderijo de crianças tristes e solitárias. Descalços ou não, uns chutam a bola; outros, a vida. Não estou fazendo propaganda de loja ou supermercado, nem sei se as pessoas se tornam melhores porque na infância ganharam brinquedos ou não, só quis lembrar um tempo em que o algodão não era tão doce e a vida entrava de canela, apesar da magia e da fragilidade dos ossos da infância.
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
Adorava escrever. Tinha mania, ou achava que era. À noite, quando todos dormiam, pegava os teclados e rabiscava algo. Achava engraçada essa coisa de embaralhar teclado de computador com caneta e lápis. Tudo muito estranho. Escrever era falar o que não tinha altura na voz: gritar no papel. Escrevia compulsivamente, como se fosse seu último ofício no mundo. E era.
O
utubro é o mês em que se comemora o dia das crianças. Depois do Natal, esse é o dia mais aguardado para qualquer menino ou menina, pois, teoricamente, é uma data para receber presentes.
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[THOMAS KLUPP]
EU QUERO DE VOLTA A BELEZA DO FUTEBOL BRASILEIRO OFENSIVO E AS SUJAS VITÓRIAS POR 1 X 0 DA SELEÇÃO ALEMÃ Se vão presentear seus filhos, para que não se tornem poetas tristes como eu, não esqueçam: as crianças gostam que os pais venham como acessórios. Ou, quem sabe, o contrário. Hoje em dia, “os pais” que não sabem brincar abandonam filhos no lixo ou os atiram pelas janelas, e, se ninguém fizer nada, haverá um tempo em que a gente não se lembrará mais da falta dos brinquedos, e sim das crianças.
Em 2014, nada mais está em ordem. Em 2014, tudo mudou de lugar, tudo ficou confuso. Em 2014, o torcedor de futebol, que na Alemanha via de regra é torcedor do Bayern de Munique – pelo menos se tem algo na cabeça ele é torcedor do Bayern de Munique, se não tem nada na cabeça é torcedor do Borussia Dortmund ou, ainda pior, do FC Colônia –, em 2014, pois, o torcedor de futebol na Alemanha ouve “Brasil” e pensa nas roubadas de bola duríssimas protagonizadas por um Dante, Bonfim Dante, na capacidade pitt-bulliana de morder de um Rafinha, nos carrinhos brutais e sanguinários de um Luiz Gustavo. Quando, ao contrário, ouve “Alemanha”, sonha com as firulas filigrânicas dos anões talentosos Marco, Mario & Mesut, e vê Schweini e Toni* dar passes de calcanhar, cheios de açúcar, exatamente nas lacunas da defesa adversária.
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ] 38
E
m 2002, o mundo do futebol ainda está em ordem. A seleção alemã vai subindo aos poucos, com três sujas vitórias por 1 X 0, à final da Copa do Mundo em Yokohama. E lá jogará contra o Brasil, com seu mágico tRRRiângulo talentoso RonaldinhoRivaldoRonaldo. O melhor goleiro da copa (naturalmente alemão) encontra o melhor atacante da copa (naturalmente brasileiro). A defesa mais compacta (até a decisão, levou apenas um gol) encontra o ataque mais criativo (16 gols marcados até a decisão). E já que o deus do futebol é justo pelo menos uma vez na vida, ele permite que aos 22 minutos do segundo tempo o melhor goleiro falhe na copa pela primeira vez e o melhor atacante se dê bem, e o Brasil vence por 2 X 0, a beleza vence por 2 X 0, e todos ficam felizes com isso, até mesmo nós, os alemães, pois se tornar campeão do mundo com um jeito sujo de jogar como o nosso é mais ou menos como ganhar a Segunda Guerra Mundial com Hitler ou fazer em Colônia um carnaval do Rio, e isso realmente ninguém quer, a não ser os radicais de direita e os moradores de Colônia, mas os radicais de direita e os moradores de Colônia por sorte não apitam nada, e por isso tudo fica em ordem.
Não tenho a menor ideia de quem seja o responsável por toda essa confusão. Jürgen Klinsmann ou Parreira. Rudi Völler ou Dunga. Ou talvez Deus em pessoa. Seja lá quem for, no entanto: FUCK IT! FUCK ALL OF IT! Eu quero de volta a beleza selvagem do futebol brasileiro ofensivo e as trabalhosas e sujas vitórias por 1 X 0 da seleção alemã. Quero Ronaldo de um lado e Oliver Kahn de outro. Quero Rivaldo e Jens Jeremies. Ronaldinho e Carsten Ramelow. Para mim, basta de decisões eurocêntricas como França e Itália, Espanha e Holanda, e outras do tipo. Quero ver de novo uma decisão transatlântica, quero sentir mentalidades se chocarem umas com as outras, quero a magia sul-americana do ataque e o trabalho defensivo teutônico, quero que as nações, pelo menos no campo de futebol, retornem a suas virtudes originais, mostrando o dedo médio em riste ao sistema futebolístico globalizado e sem identidade.
*Os cinco, pela ordem, Marco Reus, Mario Götze & Mesul Özil, Schweinsteiger e Toni Kroos. (N. T.)
Para isso aceito inclusive um 0 X 2 no Rio de Janeiro, dia 13 de julho. Ou mesmo um 0 X 1. É claro que, de preferência, nessa ordem, e sabendo que o Brasil joga em casa.
[ULI HAN NEMAN N]
PRIMEIRO JOGAR, DEPOIS RIR Ao dividirmos, enquanto nos preparamos para um jogo entre seleções de escritores, o campo com o inimigo – nós aqui, eles lá –, às vezes não consigo me livrar da sensação de que os outros riem um pouco de nós. Eles tocam a bola com desembaraço, fazem embaixadinhas sem a menor dificuldade (isso eles, de fato, sabem fazer) enquanto nos observam (isso eles, de fato, conseguem fazer ao mesmo tempo) e talvez até comam uma maçã (o que não é bom antes do jogo, por causa da acidez) ou então fumem. E, assim, nos observam: em sequências de dois, nos aquecemos, sérios, concentrados, organizados. “Vamos lá”, chama o treinador, e, ao comando, nós saímos correndo. E depois os seguintes. Se nos filmassem de cima enquanto isso, de um assento bem alto, de um helicóptero ou do espaço cósmico (com um telescópio muito bom!), o resultado seriam padrões de movimento límpidos, fluidos, como são conhecidos em cardumes de peixes. Inteligência coletiva, disciplina e o medo do demo chamado “lesão muscular” que, entrementes paralisa as estruturas deterioradas de nossos tecidos quase por tanto tempo quanto uma fratura de fêmur. “Vamos lá”, chama o treinador. Os primeiros suam, expectorações alcatroadas adubam a grama e, mesmo assim, a ausência de queixas engravida o ar sobre o campo de jogo com seu silêncio. Temos alma de robôs, corpo de máquinas de batalha e forma física de escritores. Nenhuma palavra em tom jocoso sai de nossos lábios. Mais do que nunca, o que vale é primeiro jogar, depois rir. Quando tivermos ganhado. Se.
Peculiaridades culturais, marcas de mentalidade e seu reflexo no modo de jogar podem ser percebidas, pois, não apenas no futebol de ponta de um país, onde se manifestam já na formação de jogadores e chefes de treinamento, também acompanhadas pelas mudanças sociais, ainda que com certo atraso. Podem ser percebidas até mesmo nas seleções de escritores. O que não deixa de representar uma surpresa, pois escritores são individualistas, e, como jogadores de futebol, a maior parte dos escritores peladeiros também não chega a se impor. Exceção feita à seleção sueca, na qual, depois da redação de um manual de instruções para aspiradores de pó, também joga mais ou menos a metade da seleção nacional de futebol. E até mesmo o atraso, aqui mais uma vez em sentido amplo, pode ser adivinhado no estilo micrológico dos escritores alemães, que se sentem mais obrigados a corresponder ao ímpeto severo dos anos 1990 do que ao tra-la-lá de Özil e Götze. E do outro lado percebemos a mesma coisa, desde que a seleção alemã de escritores foi fundada, em 2005: os italianos jogam de modo inteligente; os húngaros jogam bonito; os ingleses são corretos; os finlandeses, melancólicos; os suecos, frios; os brasileiros, cheios de ginga; os argentinos, duros. Pouco típicos são, de todo modo, os noruegueses, que jogam ainda mais duramente do que os argentinos. Se escreverem como jogam, o lápis irá quebrar a cada ponto, o estilo linguístico será grandiosamente cheio de ziguezagues, como as montanhas cársticas, os enredos serão sangrentos, as palavras, ásperas, e não há final feliz. E VAMOS LÁ.
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
Acho que riem de nós porque consideram aquilo que veem como tipicamente alemão. Como gostam de nós, até acham isso esquisito, mas de algum modo também comovente e, ao mesmo tempo, tranquilizador por corresponder ao que talvez já esperassem. A possibilidade de classificar algo sempre dá segurança, confiança, proporciona orientação em nosso mundo tão complexo.
O gato devora o rato, a lua brilha à noite, o alemão se aquece com todo o cuidado. A boa organização continua fluidamente no embate – e pode ser reconhecida até mesmo na desorganização, pois inclusive quem se encontra em pé de guerra por falta de fundamentos táticos de posicionamento está sempre exatamente os mesmos 13 metros e meio distante do lugar em que deveria estar.
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[VLADIR LEMOS] AS TRAVES
[ DRIBLES X TÁTICA: IMPROVISO OU ORGANIZAÇÃO? ]
D
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e todas as coisas que envolvem o futebol, poucas invocam mais a nossa capacidade de improvisar do que a trave. Desde meninos, aprendemos a colocar lá, ao pé de uma linha de fundo muitas vezes invisível, dois pedaços de tijolos, dois chinelos, dois pequenos pedaços de pau, duas latas, duas pedras, seja o que for. E o resto fica por conta da imaginação. A partir daqueles dois pontos, dispostos a uma distância de alguns pés um do outro, tratamos de visualizar todo o resto. A linha reta das traves que vai desaguar no limite das forquilhas. O travessão. As três linhas que formam com o chão um retângulo que desperta infinitas possibilidades. E, por mais que uma hora se descubra que as linhas imaginadas não estavam no mesmo lugar, já que um diz, convicto: “Foi gol!”, enquanto o outro, tão convicto quanto, sentencia: “Foi por fora!”, ainda assim, paira ali naquele ambiente uma suntuosa cumplicidade a respeito dessas linhas imaginárias. Linhas que só acabam deslocadas por puro interesse. E como se sabe, nessas traves improvisadas, quando uma bola não se colocou por cima dela? Ora, não se sabe. O que se sabe é que, ao colocar ali, um tanto distantes, dois pedaços de tijolos, dois chinelos, dois pequenos pedaços de pau, duas pedras, duas latas, seja o que for, se provoca uma imaginação comum, capaz de apontar o quanto uma bola que se desprende do chão em sua trajetória está apta a ser declarada como provocadora de um gol.
Trave mesmo, dessas com toda a estatura e a imponência das profissionais, que decretam os limites de um gol sem deixar o mínimo espaço para a imaginação, foi luxo que demorei a provar.
Ou eu era louco, ou era apenas um menino encantado com o jogo. Mas trago em mim a certeza de que, como todos os outros ali, sabia de cor e salteado, e com precisão pretensamente matemática, cada uma daquelas medidas, cada uma daquelas linhas.
Até hoje, toda vez que passo por uma pelada dessas improvisadas e vejo os gols marcados assim, com dois chinelos, duas pedras, duas latas, dois tijolos, duas pedras, seja como for, algo em mim se renova. O futebol em mim se renova.
Bem antes disso, descobri uma com todos os ângulos e linhas à vista e, ainda assim, nascida do improviso. Fomos morar num prédio simples, de três andares, recémconstruído. Lá, entre o primeiro e o segundo blocos, perto do enorme quadro de luz, alguém deixou à mostra um encanamento que saía do chão e formava uma trave em miniatura. Linhas perfeitas a provocar nossa imaginação. Chumbada no chão, fixa, resistente, parecia um presente, que fez aquele pedaço de garagem diferente de todo o resto. Foi ali que descobri a emoção de fazer um gol com a bola batendo antes no travessão ou o delírio de marcar um gol mandando a bola no ângulo. Loucura! O futebol estava quase todo desvendado, quase. Até hoje não sei que função poderia ter aquele encanamento. Servir para prender bicicletas, talvez! O fato é que jamais encontrei uma atada ao lugar por um cadeado ou coisa que o valha. Aquele encanamento, desde sua descoberta, esteve sempre a serviço da nossa imaginação, assim como os bancos da velha praça em frente ao colégio, cujas linhas víamos como traves perfeitas. E só não via quem não era menino ou quem não andava encantado pelo jogo de bola.
[ ESCALAÇÃO ] [AUTONAMA]
[PINDORAMA]
[ TREINADOR | “Rudi” Gutendorf ]
[ TREINADOR | “Pepe” Macia ]
[ COTREINADOR | “Jimmy” Hartwig ]
[ COTREINADOR | Beto Meireles ]
1 - [ Albert OSTERMAIER ]
1 - [ Júlio LUDEMIR ]
2 - [ Jörg SCHIEKE ]
2 - [ Caco BARCELLOS ]
5 - [ Norbert KRON ]
3 - [ Marcos ALVITO ]
6 - [ Christoph NUSSBAUMEDER ]
4 - [ Rogério PEREIRA ]
7 - [ Jochen SCHMIDT ]
5 - [ Vladir LEMOS ]
9 - [ Moritz RINKE ]
6 - [ Ecio SALLES ]
10 - [ Wolfram EILENBERGER ]
7 - [ Flávio CARNEIRO ]
11 - [ Thomas KLUPP ]
8 - [ José Luiz TAHAN ]
15 - [ Klaus DÖRING ]
9 - [ Celso de CAMPOS JR. ]
18 - [ Gregor SANDER ]
10 - [ Marcelo MOUTINHO ]
19 - [ Florian WERNER ]
11 - [ Custódio ROSA ]
20 - [ Matthias SACHAU ]
12 - [ Wilberth SALGUEIRO | Bith ]
28 - [ Uli HANNEMANN ]
13 - [ Gustavo KRAUSE ]
30 - [ Andreas MERKEL ]
14 - [ Antônio Carlos de PAULA JR. | Junião ]
33 - [ Falko HENNIG ]
15 - [ Otávio César Santiago de SOUZA JR. ]
42 - [ Nils STRAATMANN | Bleu Broode ]
16 - [ Marcelo BACKES ]
50 - [ Frank WILLMANN ]
17 - [ Rodrigo VIANA ]
XX - [ Lucas VOGELSANG ]
18 - [ Edvaldo SANTANA ]
ALEMANHA
BRASIL
19 - [ Sérgio VAZ ] 20 - [ André ARGOLO ]
41
[AUTONAMA]
A SELEÇÃO NACIONAL DE ESCRITORES ALEMÃES
[ TREINADOR | RUDOLF GUTENDORF - “RUDI” ] (30 de agosto de 1926, Koblenz-Moselweiß) Ex-jogador e ex-técnico de futebol alemão, é considerado o técnico com o maior número de atuações internacionais e aparece nessa categoria no Livro Guinness dos recordes. [ COTREINADOR | WILLIAM GEORG HARTWIG - “JIMMY” ] Um dos melhores meio-campistas da Europa nos anos 1980, conquistou, já na década de 1970, o coração dos torcedores, por exemplo, ao levar o TSV 1860 Munique para a Bundesliga ou ao se tornar tricampeão alemão com o HSV. Ao encerrar sua carreira de jogador profissional, iniciou a de apresentador de TV, treinador da nova geração de jogadores, ator e divulgador de cuidados preventivos com a saúde. Além disso, apoia a DFB (Federação Alemã de Futebol) como embaixador, reforçando seu corpo diplomático em questões de integração. Jimmy é pai de três filhos e vive com a família em Munique.
[ ALBERT OSTERMAIER ] Vivendo em Munique, o escritor se tornou conhecido principalmente como poeta e dramaturgo. Suas peças foram encenadas por muitos diretores renomados, entre eles Andrea Breth e Martin Kušej. Foi autor-residente no Nationaltheather, em Mannheim (temporada 1996/1997), no Bayerischen Staatsschauspiel (temporada 1999/2000) e no Wiener Burgtheater (temporada 2003/2009). Seu mais novo romance, “Schwarze Sonne scheine” [Brilhe, sol negro], foi publicado em 2011 nas formas de livro e audio-livro. No mesmo ano, duas novas peças foram estreadas: “Aufstand” [Rebelião], no festival do Ruhr, em Recklinghausen, e em Luxemburgo, assim como “Halali”, no Residenztheater, em Munique. O álbum de fotos “Venedig. Die Unsichtbare” [Veneza. A invisível], de Christopher Thomas, com poemas de Albert Ostermaier, é o lançamento atual da editora Prestel. Albert Ostermaier foi agraciado com inúmeros prêmios e distinções, entre eles o Ernst Toller, o Kleist, o Bertolt Brecht e, por fim, o conjunto de sua obra literária recebeu o prêmio de literatura WELT, em 2011. [ ANDREAS MERKEL ] (1970, Rendsburg) Estudou Literatura, Teatro, Cinema e Filosofia. Publicou os romances “Große Ferien” [Férias longas] e “Das perfekte Ende” [O fim perfeito]. Escreve para os jornais TAGESZEITUNG, BERLINER ZEITUNG e DIE ZEIT e é sócio do 1. FC Köln. [ CHRISTOPH NUSSBAUMEDER ] (1978, Eggenfelden) Estudou Direito, Germanística e História em Berlim. Sua estreia como dramaturgo aconteceu em 2005 no festival Ruhrfestspiele, em Recklinghausen. Desde então, suas peças estreiam em teatros como o Berliner Schaubühne, o Schauspielhaus Bochum e o Schauspiel Köln, entre outros. Christoph Nussbaumeder recebeu alguns prêmios e, em 2004, Thomas Bernhard, do Landestheater Linz, entre outras. No verão de 2005, participou do International Residency for Emer ging Playwrights, no renomado Royal Court Theatre, em Londres. Na temporada 2007/2008, foi autor-residente no Nationaltheater Mannheim. Em 2010, recebeu o prêmio de melhor autor do KunstSalon Köln. Suas peças são publicadas pela editora Suhrkamp. 42
[ FALKO HENNIG ] (1969, Berlim) Depois de uma formação como tipógrafo e de encerrar o ensino médio, trabalhou como motorista de táxi, operário da construção civil, porteiro, guia turístico e modelo vivo. Escreve para os jornais BERLINER ZEITUNG e FRANKFURTER ALLGEMEINE SONNTAGSZEITUNG e é membro do grupo Reformbühne Heim & Welt. Publicou os romances “Alles nur geklaut” [Tudo roubado] (1999) e “Trabanten” [Trabants] (2002). A colagem “Ohne Dich ist alles Staub” [Sem você, tudo é pó] (com Robert Weber) foi lançada em 2011. [ FLORIAN WERNER ] (1971, Berlim) Estudou Língua e Literatura Inglesa, Americana e Alemã e doutorou-se em 2007 com uma tese sobre o hip-hop e o apocalipse. Publicações: “Wir sprechen uns noch” [Ainda nos falamos] (dtv, 2005), “Rapocalypse” [Apocalipse do rap] (transcript, 2007), “Die Kuh: Leben, Werk und Wirkung” [A vaca: vida, obra e ação] (Nagel & Kimche, 2009), “Dunkle Materie: Die Geschichte der Scheiße” [Matéria escura: a história da merda] (Nagel & Kimche, 2011), “Schüchtern” [Envergonhado] (Nagel & Kimche, 2012), “Verhalten bei Weltuntergang“ [Como se comportar no fim do mundo] (Nagel & Kimche, 2013). Seus livros foram traduzidos para diversas línguas, entre elas o inglês, o espanhol e o japonês, e receberam diversos prêmios. [ FRANK WILLMANN ] (1963, Weimar) Em 1984, mudou-se para Berlim Ocidental, cidade onde vive até hoje. Além de alguns livros literários, escreveu sobre o Muro de Berlim, a história cultural do futebol alemão e sobre subculturas na antiga RDA. Publicou com sucesso vários livros sobre o tema futebol e, por último, “Stadionpartisanen nachgeladen. Fans und Hooligans in der DDR” (2013) [Guerrilheiros do estádio recarregados. Torcedores e hooligans na RDA], “Zonenfußball. Von Wismut Aue bis Rotes Banner Trinwillershagen” (2011) [Futebol na RDA. De Wismut Aue a Rotes Banner Trinwillershagen], “Der Fluch der Wahrheit – Willmanns Fußballkolumnen” (2013) [A maldição da verdade - as colunas de Willmann sobre futebol]. Atualmente, Frank Willmann é colunista semanal de futebol no jornal alemão TAGESSPIEGEL e escreve periodicamente para a revista de futebol 11 FREUNDE [11 amigos]. Seu último livro, “Mauerkrieger” [Guerreiros do Muro], foi publicado em 2014 pela Links Verlag. [ GREGOR SANDER ] (1968, Schwerin/Mecklenburg) Após um período como aprendiz de serralheiro e uma formação em enfermagem, estudou alguns semestres de Medicina, Germanística e História, concluindo a Escola de Jornalistas de Berlim. Livros: “Ich aber bin hier geboren” [Mas eu nasci aqui] (contos), “Abwesend” [Ausente] (romance), “Winterfisch” [Peixe de inverno] (contos). Prêmios: categoria incentivo do Prêmio Hölderlin, 3Sat (Klagenfurt), Literatour Nord, Deutscher Erzählerpreis. [ JOCHEN SCHMIDT ] (1970, Berlim) estudou Língua e Literatura Românicas. Em 1999, fundou o grupo berlinense de escritores “Chaussee der Enthusiasten”, com o qual faz leituras semanais de novos textos (www.enthusiasten.de).
Publicou inúmeros livros, entre eles “Müller haut uns raus” [Müller vai nos tirar à força] (C. H. Beck, 2002), “Meine wichtigsten Körperfunktionen” [Minhas funções corporais mais importantes] (C. H. Beck, 2007), o diário de leitura “Schmidt liest Proust” [Schmidt lê Proust] (Voland&Quist, 2008) e “Schneckenmühle” [Acampamento Schneckenmühle] (C. H. Beck, 2013). Além disso, escreveu os ensaios de viagem “Gebrauchsanweisung für die Bretagne” [Instruções de uso para a Bretanha] (Piper, 2005) e “Gebrauchsanweisung für Rumänien” [Instruções de uso para a Romênia] (Piper, 2013). Em conjunto com a artista plástica Line Hoven lançou seu último livro, a graphic novel “Schmythologie - Wer nicht Griechisch kann, kann gar nichts” [Schmidtologia – quem não sabe grego não sabe nada] (C. H. Beck, 2013). Em 2004, Jochen Schmidt ganhou a categoria incentivo do Prêmio de Literatura de Humor Grotesco da cidade de Kassel. [ JÖRG SCHIEKE ] (1965, Rostock) Estudou no Deutsches Literaturinstitut de Leipzig. Trabalhou como redator da revista literária EDIT e foi editor de texto na editora Gustav Kiepenheuer. Atualmente vive em Leipzig como jornalista de rádio freelance e escritor. Publicou poesia e prosa; “Count down – ein Reisegedicht” [Contagem regressiva – um poema de viagem] (2007) foi seu último lançamento. Atua como zagueiro na Seleção Nacional dos Autores. [ KLAUS DÖRING ] (1963, Frankfurt am Main) Formou-se em informática. Coordenou o departamento de informática de uma produtora de filmes antes de escrever roteiros para seu empregador. Atualmente trabalha como roteirista freelance para conhecidas séries infantis (entre elas, Benjamin Blümchen, Simsalagrimm, Biene Maja 3D). Ganhou o prêmio alemão de filme infantil “Goldener Spatz” (curta-metragem de animação) e o prêmio de incentivo BKM por sua atual adaptação cinematográfica do bestseller infantil “Rico, Oskar und die Tieferschatten” [Rico e Oskar - mistério e macarrão]. O canhoto mora em Frankfurt am Main. [ LUCAS VOGELSANG ] (1985, Berlim) Formou-se como repórter na escola Zeitenspiegel Reportageschule Günter Dahl, em 2007. Atualmente trabalha como autor para o TAGESSPIEGEL, a PLAYBOY e o jornal ZEIT. Com o artista Rainald Grebe, realizou a peça “Völker schaut auf diese Stadt [Povo, olhe para esta cidade]. Como escritor de gags, em parceria com Thomas Gottschalk, fracassou em um programa vespertino de TV. Em 2010, recebeu o prêmio Henri Nannen pela revista 11 FREUNDE [11 amigos] e, em 2013, levou o prêmio alemão de repórter pela reportagem “Sie nannten sie Titten-Gitty” [Chamavam-na de Titten-Gitty], no TAGESSPIEGEL. Com Dirk Gieselmann e Fabian Jonas publicou, em 2014, o livro “Und nun zum Wetter - 100 Jahre Weltgeschichte im Liveticker” [E agora a previsão do tempo - 100 anos de história universal em liveticker], pela editora Rowohlt. Atualmente, Lucas Vogelsang vive em Berlim. [ MATTHIAS SACHAU ] Depois de enterrar carreiras promissoras como as de arquiteto, músico, jogador de golfe e palhaço da classe, Matthias Sachau começou a escrever.
Com romances de humor como “Kaltduscher” [Banho frio], “Schief gewickelt” [Mal-arranjado] e “Wir tun es für Geld” [Fazemos por dinheiro], conseguiu chegar ao sucesso, mas quem o conhece há mais tempo sabe que o fracasso o espera também nessa área. Para os especialistas, o fato de Sachau estar tentando agora trabalhar com os gêneros fantasia e romance de amor (que lhe são estranhos) é sinal de seu fracasso iminente. Matthias Sachau mora em Berlim, assim como em lugares com mar ou neve. [ MORITZ RINKE ] (1967, Worpswede) Estudou Dramaturgia, Teatro e Mídia em Gießen. Suas reportagens, histórias e ensaios foram publicados nos livros “Der Blauwal im Kirschgarten” [A baleia azul no pomar de cerejeiras] e “Das große Stolpern” [O grande tropeço]. Sua peça “Der Mann, der noch keiner Frau Blöße entdeckte” [O homem que ainda não vira a nudez de uma mulher] foi agraciado em 1997 com o prêmio de literatura do PEN-Club e nomeada para o prêmio de dramaturgia da cidade de Mülheim. “Republik Vineta” [República Vineta] também foi eleita a melhor peça em língua alemã de 2001 e levada ao cinema em 2008. Escreveu uma nova versão dos Nibelungos para o festival de teatro Niebelungenfestspiele, em Worms, que, somada à gravação da TV, atingiu um público de milhões. O primeiro trabalho de Rinke no cinema (“September” [Setembro], direção de Max Färberböck), no qual também estreou como ator, foi selecionado para o Festival de Cannes em 2003. Os canais ZDF/ARTE gravaram um filme com e sobre Moritz Rinke. No início de 2010 foi publicado seu primeiro romance, “Der Mann, der durch das Jahrhundert fiel” [O homem que caiu através do século]; em abril de 2012 foi a vez de “Also sprach Metzelder zu Mertesacker” [Assim falou Metzelder para Mertesacker], sua declaração de amor ao futebol. Sua mais nova peça, “Wir lieben und wissen nichts” [Nós amamos e não sabemos de nada], estreou em 2013 no Schauspiel Frankfurt e foi levada a mais de 30 palcos. Rinke vive em Berlim. [ NILS STRAATMANN ] (1989, Geesthacht) Viaja pela Alemanha e pela Europa como o poeta slam “Bleu Broode”. Em 2008 tornou-se campeão da categoria sub-20 na competição de poetry slam em língua alemã, em Zurique. Em 2010 ganhou as competições de poetry slam da Saxônia e de Hessen. Straatmann teve de sacrificar sua carreira futebolística em 2008 por causa da faculdade. Anteriormente, atuando por diversos clubes de Bremen, passou pelas ligas regionais juvenis do Norte. Seu primeiro livro, “Kleinstadtgeschichten” [Histórias de cidades pequenas], foi publicado em 2009 pela Lektora-Verlag; em 2010, participou da antologia Poetry Slam da editora Carlsen. [ NORBERT KRON ] (1965, Munique) Desde 1992, vive em Berlim como escritor, cineasta, jornalista e meio-campista da Seleção Nacional de Autores. Já recebeu inúmeras bolsas, entre as quais a Villa Aurora Los Angeles e a Deutscher Kulturfonds. É autor de reportagens e matérias para a TV e escreve para o programa „Titel Thesen Temperamente“.
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Seus textos são publicados nos jornais FRANKFURTER ALLGEMEINE ZEITUNG, TAGESSPIEGEL e nas revistas ndl e AKZENTE. Depois de “Autopilot” [Piloto automático] (2002), seu segundo romance, “Der Begleiter” [O acompanhante] foi lançado em maio de 2008. Em 2011, foi coorganizador da segunda antologia da Seleção Nacional de Autores, “Fußball ist unser Lieben” [Futebol é nosso amor]. [ THOMAS KLUPP ] (1977, Erlangen) Trabalha no Instituto de Língua e Literatura Alemãs na Universidade Hildesheim. Foi editor da revista BELLA TRISTE e publicou prosa e poesia em revistas literárias. Seu romance de estreia, “Paradiso”, publicado em 2009 pela Berlin Verlag, foi agraciado com o prêmio Nicolas Born na categoria incentivo. [ ULI HANNEMANN ] (1965, Braunschweig) Mora em Berlim, é zagueiro da Seleção Nacional de Autores e membro dos tradicionais grupos de leitura berlinenses “Reformbühne Heim & Welt” e “LSD – Liebe statt Drogen”. Seu último livro, “Wenn der Kuchen schweigt, sprechen die Krümel” [Quando o bolo se cala, falam as migalhas] foi publicado em 2012 pela Ullstein. Em março de 2014, lançou o romance “Hipster wird’s nicht” [Mais hipster impossível], pela Berlin Verlag. [ WOLFRAM EILENBERGER ] (1972) Canhoto, é filósofo e escritor. Redator-chefe da revista PHILOSOPHIE MAGAZIN e autor de inúmeros livros, entre eles “Philosophie für alle, die noch etwas vorhaben“ [Filosofia para todos que ainda têm algo em mente] (Berlin Verlag, 2005), “Lob des Tores - 40 Flanken in Fußballphilosophie” [Elogio do gol – 40 cruzamentos na filosofia do futebol] (Berlin Verlag, 2006) e “Finnen von Sinnen” [Finlandeses fora de si] (Blanvalet, 2010).
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A SELEÇÃO NACIONAL DE ESCRITORES BRASILEIROS [ TREINADOR | JOSÉ MACIA - “PEPE” ] Nasceu em 25 de fevereiro de 1935 e é bicampeão do mundo com a Seleção Brasileira, tendo vencido as Copas de 1958 e 1962. Com 405 gols marcados em 750 partidas, é o segundo maior artilheiro da história do Santos, atrás apenas de Pelé. É considerado um dos maiores pontas-esquerdas da história do futebol. Depois de encerrar a carreira como atleta, tornou-se treinador de sucesso, vencendo o Campeonato Brasileiro de 1986 com o São Paulo F.C. Escreveu um livro contando as histórias que viveu no mundo do futebol, intitulado “Bombas de Alegria”. [ COTREINADOR | BETO MEIRELES ] Vem de família de esportistas. Como atleta, jogou futebol de salão (futsal) e futebol society, disputando torneios metropolitanos e estaduais. Cursou Educação Física, trabalhou como preparador físico em categorias principais e de base de vários clubes e como professor de futebol na escola de Roberto Rivelino. Hoje, além de treinador, gerente esportivo e personal trainer, é especialista em marketing esportivo. [ ANDRÉ ARGOLO ] Nascido em Santos, em 1974. Concluiu o curso de pósgraduação em Formação de Escritores e Especialistas em Textos Literários do Instituto Superior de Educação Vera Cruz. Atualmente se prepara para publicar seu primeiro livro de poesias, “Vento Noroeste”. Jornalista há 20 anos, trabalhou como repórter em veículos como Rede Globo, TV Cultura e ESPN Brasil. Atua profissionalmente no mercado literário, realizando vídeos para promover livros e autores na Global Editora e em parceria com o site Publishnews. [ ANTÔNIO CARLOS DE PAULA JÚNIOR ] Também conhecido como Junião, nasceu em Campinas (SP). Cursou a faculdade de Artes Visuais e, em 1994, transformou o desenho em profissão. Fez ilustrações para diversos livros infantis e infantojuvenis, entre os quais “Mizael” (Coleção Pequenos craques), “Camisa, short e meião”, “O dia em que me tornei Colorado”, “O dia em que me tornei Gremista”, todos com o futebol como tema. Também fez charges esportivas e políticas para jornais e ilustrações para revistas, aplicativos e internet. Publicou no Lance!, na Folha de São Paulo, no Correio Popular e no Diário do Povo (Campinas). [ CLÁUDIO BARCELLOS ] Mais conhecido como Caco Barcellos, nasceu em Porto Alegre (RS), em 1950. Um dos jornalistas mais conhecidos, respeitados e premiados do Brasil, passou pelos principais veículos impressos até chegar à Rede Globo de Televisão. Especializou-se em matérias investigativas, em defesa dos direitos humanos e em coberturas sociais, e comanda o “Profissão Repórter”, um dos programas jornalísticos mais respeitados da TV brasileira, em que acompanha jovens repórteres durante coberturas especiais. Publicou vários livros-reportagens, sendo vencedor do Jabuti, principal prêmio literário brasileiro, em 1993.
[PINDORAMA]
[ CELSO DE CAMPOS JÚNIOR] Nascido em São Paulo, em 1978, é formado em Jornalismo pela Cásper Líbero e em História pela Universidade de São Paulo. É autor de “Adoniran - uma biografia” (Globo), sobre o famoso compositor de samba de São Paulo, e coautor de “Nada mais que a verdade: a extraordinária história do jornal Notícias Populares”, que recuperou a trajetória do mais conhecido jornal sensacionalista do Brasil. No jornalismo, colabora com diversos veículos da imprensa nacional e internacional. No Brasil, por mais de dez anos foi correspondente da revista inglesa FourFourTwo, especializada em futebol. O esporte, aliás, é uma de suas paixões. Já escreveu dois livros que abordam o futebol: “1942 – O Palestra vai à guerra”, reportagem que tem o panorama esportivo da São Paulo da Segunda Guerra Mundial como cenário, e “São Marcos de Palestra Itália”, biografia do goleiro da Seleção Brasileira, campeã do mundo em 2002. [ CUSTÓDIO ROSA ] É paulistano, tem 46 anos e trabalha como cartunista há 25. Entre 2002 e 2006, pela Agência Estado, publicou charges em 55 jornais brasileiros. É autor de “Manual do sexo virtual”, “Anita Garibaldi”, “Alma, a arena esportiva mais antiga do país” e “Selena” (em impressão). Foi premiado nos Salões de Humor de Volta Redonda, Amazônia e Brasília, e recebeu o Prêmio de Excelência no National Press Club do Canadá (2005), entre outros. Criou a oficina itinerante Caminhos do Traço (2011 e 2012), que percorreu 12 cidades e mais de cinco mil quilômetros pelo interior do Estado de São Paulo. Foi premiado diversas vezes pelo ProAC-SP. [ ECIO SALLES ] Nasceu no bairro de Olaria, subúrbio carioca, às margens do Complexo do Alemão. É escritor, autor de “Poesia revoltada” (um estudo sobre a cultura hip-hop no Brasil) e coautor de “História e memória de Vigário Geral” (Aeroplano), além de curador da coleção “Tramas urbanas”, da mesma editora. Além de consultor do Programa Onda Cidadã (do Itaú Cultural) e conselheiro da Universidade das Quebradas, é um dos criadores e organizadores da FLUPP (Festa Literária das Periferias). É vascaíno, torcedor do Vila Isabel e lateral-direito fora de forma; por isso, hoje assume as funções de atacante ou zagueiro (!). [ EDVALDO SANTANA ] É paulistano da periferia, nascido e criado em São Miguel Paulista, primeiro de oito filhos do piauiense Félix e da pernambucana Judite. É um dos fundadores do Movimento Popular de Arte (MPA), primeiro agrupamento de artistas na periferia. Entre 1980 e 1986, o MPA comandou atividades de música, teatro, poesia e oficinas de cultura, garantindo a ocupação de espaços culturais em praças, favelas, salões de igrejas e até mesmo nas ruas. Músico desde 1974, tem contatos e parcerias musicais com Tom Zé, Paulo Lemisnki, Arnaldo Antunes, Osvaldinho do Acordeon, Bocato, Itamar Assumpção, Zélia Duncan, Lenine, entre outros. Em 2005 gravou o clipe “O Jogador” no campo de futebol da favela São Remo, periferia da zona oeste de São Paulo, com a participação de “Lenine” e das crianças que jogam futebol na comunidade. 45
[PINDORAMA]
A SELEÇÃO NACIONAL DE ESCRITORES BRASILEIROS
Desde 2001 faz a direção musical da Missa Afro-Brasileira, realizada na cidade de Itu (SP) e organizada pela União Negra Ituana (UNEI), entidade representativa da comunidade negra da região da Sorocabana. Tem 15 discos gravados (sete discos solo) e diversas músicas sobre futebol. [ FLÁVIO CARNEIRO ] Nasceu em Goiânia e mora em Teresópolis. É escritor, crítico literário, roteirista e professor de literatura na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Escreveu dois livros sobre futebol: a novela infantojuvenil “Prezado Ronaldo” (SM) e a coletânea de crônicas “Passe de letra: futebol & literatura” (Rocco). Foi curador de diversos projetos, dentre eles o Copa da Cultura, realizado em parceria do Ministério da Cultura do Brasil com o governo da Alemanha, em Berlim, durante o ano de 2006. É autor de 15 livros e dois roteiros para cinema. Alguns de seus contos e romances foram publicados em outros países, como EUA, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Portugal, Colômbia e México. [ GUSTAVO KRAUSE ] Nasceu no Rio de Janeiro, em 1º de novembro de 1955. É mestre em Literatura Brasileira e doutor em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Cumpriu estágio de pós-doutorado em Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais. Professor-associado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com dedicação exclusiva, leciona Teoria da Literatura. Entre seus livros publicados estão o de poemas “Pálpebra” (1975) e os romances “Pedro Pedra” (1982), “Me nina” (1989), “Lúcia” (1999), “A alma do urso” (1999), “Desenho mudo” (2002), “O mágico de verdade” (2006), “Reviravolta” (2007), “A filha do escritor” (2008), “Monte Verità” (2009) e “O gosto do Apfelstrudel” (2010). O romance “Monte Verità” foi traduzido por Dirk Henrich para o alemão e aguarda publicação. [ JOSÉ LUIZ TAHAN ] Atua há 20 anos como empresário no ramo livreiro, sendo proprietário da Realejo Livros, na cidade de Santos. Desenvolveu o campo de produção de eventos ligados à literatura e à música por entender que estimulam o aparecimento de leitores. Produziu dezenas de encontros com autores pela rede Sesc em Santos e no interior paulista. Em 2006, criou a Realejo Editora, que já publicou 50 títulos e teve dois deles como finalistas do prêmio Jabuti. Em 2009 criou o festival Tarrafa Literária, que está na sua quinta edição. Organização, curadoria e mediações são algumas das tarefas desenvolvidas por ele ao longo desses quatro anos do Festival Internacional de Literatura. [ JÚLIO LUDEMIR ] Carioca, é romancista e jornalista. Foi idealizador e é curador da Flupp (Festa Literária Internacional das UPPs). Escreveu, entre outros, “Rim por rim” e “O bandido da chacrete”.
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[ MARCELO BACKES ] É escritor e tradutor. Doutor em Germanística e Romanística pela Universidade de Freiburg, na Alemanha, é autor dos romances “Três traidores e uns outros” (Record, 2010) e “O último minuto” (Companhia das Letras, 2013), entre outras obras. Nos caminhos do futebol, já jogou no âmbito do tema em “Estilhaços” (Record, 2006), em que apresenta o “Pequeno dicionário nostálgico do meu futebol missioneiro”. Em 2014, a editora Companhia das Letras publica seu romance “A casa cai”. [ MARCELO MOUTINHO ] Nasceu no Rio de Janeiro, em 1972. Publicou os livros “A palavra ausente” (Rocco, 2011), “Somos todos iguais nesta noite” (Rocco, 2006), “Memória dos barcos” (7 Letras, 2001) e o infantil “A menina que perdeu as cores” (Pallas, 2013). Além disso, organizou as antologias “Dicionário amoroso da Língua Portuguesa” (Casa da Palavra, 2009), “Contos sobre tela” (Pinakotheke, 2005), “Prosas cariocas - uma nova cartografia do Rio” (Casa da Palavra, 2004), das quais também é coautor; e a revista especial “Bravo! Literatura e Futebol” (Abril, 2011). Escreveu resenhas para o suplemento literário Ideias (Jornal do Brasil) e atualmente colabora com caderno “Prosa & Verso” (Globo) e com a revista “Bravo!”. [ MARCOS ALVITO ] Tem 52 anos e é professor do Departamento de História da UFF há 29 anos. Na UFF, ajudou a fundar o NEPESS (Núcleo de Estudos sobre Esporte e Sociedade), do qual participa desde 2005. Entre 2007-2008, fez um estágio de pós-doutorado na universidade de Leicester e estudou o policiamento de torcidas na Inglaterra. Atualmente, além do futebol, suas áreas de interesse são o samba, a história oral e a literatura como fonte histórica. É autor de “A guerra na Grécia Antiga” (Ática) e, com Victor Andrade de Melo, de “Futebol por todo o mundo: diálogos com o cinema” (FGV). [ OTÁVIO CÉSAR SANTIAGO DE SOUZA JR. ] Otávio Jr. nasceu e mora na zona norte do Rio de Janeiro. Adora o ambiente comunitário e, em seus livros, escreve sobre a infância nas zonas populares. Estreou em 2007, quando iniciou suas pesquisas para a promoção da leitura no projeto “Ler é 10 – Leia Favela”, com o qual ganhou o Prêmio Faz Diferença, em 2008. Para ele, esse projeto é um laboratório de experimentação, a partir do qual pode fazer o que mais gosta: ler e criar brincadeiras para incentivar a leitura. [ ROGÉRIO PEREIRA ] Nasceu em Galvão (SC), em 1973. É jornalista, escritor e editor. Em 2000, fundou em Curitiba o jornal Rascunho, uma das mais importantes publicações sobre literatura no Brasil. Em abril, o Rascunho completou 14 anos em edições mensais. É idealizador do Paiol Literário, projeto que já recebeu cerca de 60 grandes nomes da literatura brasileira para debates literários na capital paranaense. Desde janeiro de 2011, é diretor da Biblioteca Pública do Paraná, onde coordena o Plano Estadual do Livro, Leitura e Literatura, o Sistema de Bibliotecas Públicas Municipais do Paraná e o Núcleo de Edições da Secretaria da Cultura.
É editor e escreve crônicas semanais para o site Vida Breve (www.vidabreve.com.br). Tem contos publicados no Brasil, na Alemanha e na França. É autor do romance “Na escuridão, amanhã”, pela editora Cosac Naify. [ RODRIGO VIANA ] Nasceu em Ilha Solteira (SP), mas adotou Araraquara como cidade natal. Jornalista e mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), é professor de pós-graduação em Jornalismo Esportivo. Foi repórter do SBT e é colunista da revista Imprensa; ministra palestras, oficinas e workshops em parceria com a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Criador do FutCiência, grupo de estudos dentro da Universidade do Futebol, também é membro do Memofut, Grupo de Literatura e Memória do Futebol. Em mais de 15 anos de carreira, rodou o mundo atrás de boas histórias. Em 2012, viajou para o Japão e acompanhou a saga do título mundial do Corinthians. Seguindo a linha investigativa no esporte, denunciou o esquema de venda de ingressos pela segurança da Fifa na Copa das Confederações, ocorrida em junho de 2013 no Brasil. É apaixonado pelo Ferroviária de Araraquara, time em que jogou nas categorias de base. Publicou “A bola e o verbo” e tem portfólio como repórter e apresentador no YouTube. [ SÉRGIO VAZ ] Poeta e autor de sete livros, fundou a Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia) numa fábrica abandonada em Taboão da Serra e participou da fundação do Sarau da Cooperifa, movimento cultural que transformou um bar na periferia de São Paulo em centro cultural e que há 12 anos realiza atividades culturais na zona sul de São Paulo, constituindo um dos estopins da literatura periférica. Recebeu vários prêmios, como o Heróis Invisíveis, o Trip Transformadores, o Governador do Estado e o Cidadão Sustentável.
[ VLADIR LEMOS ] Nasceu em 7 de setembro de 1967. Iniciou sua carreira em 1992, como repórter. Na TV Cultura/SP, é apresentador e editor-chefe do programa Cartão Verde e comenta-rista de esportes no Guia do Dia. É autor dos livros “Dois poetas frente ao espelho” (Folha de poesia, 1988) e de outros títulos inspirados pelo futebol: “A magia da camisa 10” (Verus, 2006), escrito em parceria com André Ribeiro, aborda as histórias de grandes craques de todo o mundo, inspirados pelo símbolo da camisa 10 que Pelé envergou na Copa do Mundo de 1958; e “O dia em que me tornei santista” (Panda Books, 2007) é voltado para o público infantojuvenil. No campo dos documentários, é autor de “Os caminhos do Tri” (TV Cultura, 2000), “A jogada da renúncia” (TV Cultura, 2001), “Diamante Negro - o homem que venceu o tempo” (Bossa Nova Filmes, 2006) e “Gaudí - o visionário” (GNT, 2002). [ WILBERTH SALGUEIRO | BITH ] Publicou os livros de poemas “Personecontos” (2004) e “Digitais” (1990), a narrativa infantojuvenil “O que é que tinha no sótão?” (2013) e os ensaios “Forças & formas: aspectos da poesia brasileira contemporânea [dos anos 70 aos 90]” (2002), “Lira à brasileira: erótica, poética, política” (2007) e “Prosa sobre prosa: Machado de Assis, Guimarães Rosa, Reinaldo Santos Neves e outras ficções” (2013). No momento, está finalizando a obra “O jogo”, cinquenta sonetos que contam uma partida de futebol. Mestre e doutor em Letras pela UFRJ, é professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
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[DICIONÁRIO PORTUGUÊS-ALEMÃO ] PORTUGUÊS
A L EM Ã O A
PORTUGUÊS
A L EM Ã O
campeão, o
Meister, der
campo, o
Spielfeld, das
capitão, o
Kapitän, der
carrinho, o
Grätsche, die
cartão amarelo, o
gelbe Karte, die
cartão vermelho, o
rote Karte, die
Strafraum, der
centroavante, o
Mittelstürmer, der
arena, a
Arena, die
cera, a
Zeitspiel, das
armador, o
Spielmacher, der Mittelfeldregisseur, der
chutar
schiessen
arquibancada, a
Zuschauerränge, die
chuteira, a
Fußballschuh, der
artilheiro, o
Torjäger, der Torschützenkönig, der
cobrança de lateral, a
Einwurf, der
comemorar
feiern
assistência, a
Torvorlage, die
assistente, o
Schiedsrichterassistent, der
Confederação Brasileira de Futebol (=CBF)
Brasilianischer Fußball-Verband
atacante, o
Stürmer, der
contra-atacar
kontern
ataque, o
Angriff, der
contra-ataque, o
Konter, der
atual campeão, o
Titelverteidiger, der
contusão, a; lesão, a
Verletzung, die
autor do gol, o
Torschütze, der
Copa do Mundo, a
Weltmeisterschaft (WM), die
craque, o
Ausnahmespieler, der
cruzamento, o
Flanke, die
acréscimos, os
Nachspielzeit, die
adversário, a
Gegner, der
apito final, o
Schlusspfiff, der Abpfiff, der
árbitro, o
Schiedsrichter, der Schiri, der
área, a
B banco de reservas, o
Reservebank, die Ersatzbank, die
bandeira de escanteio, a
Eckfahne, die
bandeirinha, o
Linienrichter, der
barreira, a
Mauer, die
bicicleta, a
Fallrückzieher, der
bilheteria, a
Kasse, die
bola de futebol, a
Fußball, der
bolão, o
Tippspiel, das
braçadeira, a
Oberarmbinde, die
empatar
ausgleichen
cabecear
köpfen
empate, o (alcançar o empate)
Ausgleich, der
cabine de imprensa, a
Pressekabine, die
empate, o (resultado)
Unentschieden, das
cambista, o
Schwarzhändler, der
escalação, a
Aufstellung, die
camisa 10, o
Regisseur, der
escanteio, o
Eckball, der | Ecke, die
camisa, a
Trikot, das
esgotado
ausverkauft
campeão do mundo, o
Weltmeister, der
estádio, o
Stadion , das
C
48
D decisão por pênaltis, a
Elfmeterschießen, das
defender
verteidigen
defesa, a
Abwehr, die
derrota, a
Niederlage, die
doping, o
Doping, das
driblar
dribbeln E
PORTUGUÊS
A L EM Ã O
expulsão de campo, a
Platzverweis , der F
PORTUGUÊS
A L EM Ã O
linha de impedimento, a
Abseitsfalle, die
lugar, o
Sitz-(platz), der
falta, a
Foul, das
fase de grupos, a
Gruppenphase, die
machucado
verletzt
favorito, o
Favorit, der
mascote, o
Maskottchen, das
Federação Alemã de Futebol
Deutscher Fußball-Bund (DFB)
mata-mata, o
K.O.–System, das
meia, o (jogador)
offensive Mittelfeldspieler, der
final, a
Finale, das
meio-campo, o
Mittelfeld, das
frango, o (falha do goleiro)
Patzer, der (Torwartfehler) G
M
O oitava-de-final , a
Achtelfinale, das
gandula, o
Balljunge, der
gol contra, o
Eigentor, das
país-sede, o
Gastgeberland, das
gol, o
Tor, das | Treffer, der
para fora
ins Aus
goleada, a (derrota)
Kanterniederlage, die
passe errado, o
Fehlpass, der
goleada, a (vitória)
Kantersieg, der
pênalti, o
goleiro, o
Torwart, der
Strafstoß, der Elfmeter, der | Elfer, der
gramado, o
Rasen, der
pentacampeão
fünfmalige (Welt)meister, der
grupo da morte, o
Todesgruppe, die
pequena área, a
Fünfmeterraum, der
placar final, o
Endstand, der | Ergebnis, das
I
P
impedimento, o
Abseits, das
ponto, o
Punkt, der
ingresso, o
Eintrittskarte, die Ticket, das
pontapé inicial, o
Anstoß, der
posse de bola, a
Ballbesitz, der
início do jogo, o
Anstoß, der
primeira fase, a
Vorrunde, die
intervalo, o
Halbzeitpause, die
primeiro do grupo, segundo, o
Gruppenerste, -zweite, der
primeiro tempo, o
erste Halbzeit, die
prorrogação, a
Verlängerung, die
público, o
Zuschauer, die
J jogador adversário, o
Gegenspieler, der
jogador, o
Spieler , der
jogo (disputa) pelo terceiro lugar, o
Spiel um den dritten Platz, das
jogo de abertura, o
Eröffnungspiel , das
quarta-de-final
Viertelfinale, das
jogo, o
Spiel, das
quarto árbitro, o
vierte Schiedsrichter, der
juiz, o
Schiedsrichter, der Schiri, der
rede, a
Netz, das
reserva, o
Ersatzspieler , der
resultado do jogo, o
Spielergebnis, das
L
Q
R
lance de cabeça, o
Kopfball, der
lateral, a (linha)
Seitenlinie, die
lateral, o (jogador)
Aussenverteidiger, der
saldo de gols, o
Tordifferenz, die
linha de fundo, a
Torlinie, die
segundo tempo, o
zweite Halbzeit, die
S
49
[DICIONÁRIO PORTUGUÊS-ALEMÃO] PORTUGUÊS
A L EM Ã O
seleção nacional, a
Nationalmannschaft, die
semifinal, a
Halbfinale, das
ser eliminado, foi eliminado
ausscheiden, ist ausgeschieden
simulação de falta, a
PORTUGUÊS
A L EM Ã O
OS PAÍSES | DIE LÄNDER Alemanha
Deutschland
Argélia
Algerien
Argentina
Argentinien
Schwalbe, die
Austrália
Australien
substituição, a
Ein-, Auswechslung, die
Bélgica
Belgien
superstição, a
Aberglaube, der
Bósnia-Erzegovina
Bosnien-Herzegowina
suspensão, a
Sperre, die
Brasil
Brasilien
suspenso
gesperrt
Camarões
Kamerun
Chile
Chile
Colômbia
Kolumbien
Coreia do Sul
Südkorea
Costa do Marfim
Elfenbeinküste
Costa Rica
Costa Rica
Croácia
Kroatien
T tabela, a
Tabelle, die
taça, a
Pokal, der
tática, a
Taktik, die
time, o
Mannschaft, die | Elf, die
tiro de meta, o
Abstoß, der
tiro livre o cobrança de falta, a
Freistoß, der
Equador
Ecuador
toque de mão, o | (foi) mão
Handspiel, das
Espanha
Spanien
torcedor, o
Fan, der
Estados Unidos
USA
torcer
anfeuern
França
Frankreich
torcer para
für xxx ( Mannschaft) sein
Gana
Ghana
torcida, a
Fans, die (plural)
Grécia
Griechenland
trave, a
Pfosten, der
Holanda
Die Niederlande
travessão, o
Latte, die
Honduras
Honduras
treinador, o | técnico, o
Trainer , der
Inglaterra
England
tribuna de honra, a
Ehrentribüne, die
Irã
Iran
Itália
Italien
V vestiário, o
Umkleidekabine, die
Japão
Japan
virar (o jogo)
(das Spiel) drehen
México
Mexiko
vitória, a
Sieg, der
Nigéria
Nigeria
volante, o
defensive Mittelfeldspieler, der Sechser, der
Portugal
Portugal
Rússia
Russland
Z zagueiro, o
Innenverteidiger, der
Suíça
Schweiz
zebra, a
Auβenseiter, der
Uruguai
Uruguay
50
[FICHA TÉC NICA] [ EDIÇÃO ] Goethe-Institut São Paulo [ REDAÇÃO ] Klaus Döring e Stefanie Kastner [ TRADUÇÃO ALEMÃO-PORTUGUÊS ] Claudia Abeling | S.10 | S.15 | S.22 | S.34 Karina Jannini | S.16 Marcelo Backes | S.6 | S.11 | S.21 | S.28 | S.31 | S.32 | S.33 | S.36 | S.38 | S.39 [ CONCEPÇÃO E LAYOUT ] Nicole Herzog | www.mundografia.com Foto Título | Casa de Lapa [ CRÉDITOS DAS FOTOS ] Seleção alemã | Knut Hildebrandt Seleção brasileira | Bethe Ferreira [ IMPRESSÃO ] Imagine Soluções Gráficas | São Paulo [ DATA DE PUBLICAÇÃO ] 2 de junho de 2014
51
REALIZAÇÃO
APOIO