O Segundo Sexo - Simone de Beauvoir

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não é simplesmente o reflexo disso mas antes sua chave; e a mulher aqui não se distingue da poesia. Eis por que ela é a mediadora necessária, sem a qual toda a terra se cala: "A Natureza só está sujeita a iluminar-se e apagar-se, a me servir e desservir na medida em que se avivam e diminuem em mim as chamas de um fogo que é o amor, o único amor, o de um ser. Conheci, na ausência desse amor, verdadeiros céus vazios. Só faltava um grande íris de fogo saindo de mim para dar valor ao que existe.. . Contemplo até a vertigem tuas mãos abertas em cima de fogueira de cavacos que acabamos de acender e que crepita, tuas mãos encantadoras, tuas mãos transparentes que adejam sobre o fogo de minha vida." Toda mulher amada por Breton é uma maravilha natural: "Uma pequena avenca inesquecível subindo pelo muro interno de um velhíssimo poço". " . . . Não sei que de ofuscante e de tão grave que ela só podia lembrar... a grande necessidade física natural fazendo ao mesmo tempo sonhar com a displicência de certas flores altas que principiam a desabrochar." Mas, inversamente, toda maravilha natural confunde-se com a amada; é ela que exalta quando se comove com uma gruta, uma flor, uma montanha. Entre a mulher que aquece as mãos junto ao Teide e o próprio Teíde toda distância se extingue. O poeta invoca ambos numa mesma prece: "Teide admirável! Toma minha vida! Boca do céu ao mesmo tempo que dos infernos, prefiro-te assim enigmática, assim capaz de elevar às nuvens a beleza natural e de tudo devorar". A beleza é mais ainda do que a beleza; ela confunde-se com a "noite profunda do conhecimento"; é a verdade, a eternidade, o absoluto; não é um aspecto temporal e contingente do mundo que a mulher liberta, é sua essência necessária, não uma essência imota como a imaginava Platão mas "explosívo-fixa". "Não descubro em mim outro tesouro senão a chave que me abre esse prado sem limites desde que te conheci, esse prado feito da repetição de uma só planta sempre mais alta, cujo balancim de amplitude sempre maior me conduzirá até a morte.. . Pois uma mulher e um homem que até o fim dos tempos deverão ser tu e eu, deslizarão por sua vez até a perda do atalho, se nunca retornar, na luz oblíqua, nos confins da vida e do esquecimento da vida... A maior esperança, isto é, a que resume todas as outras, é a esperança que isso aconteça para todos e que para todos dure, que o dom absoluto de um ser a outro, que não pode existir sem reciprocidade, seja aos olhos de todos, a única ponte natural e sobrenatural jogada sobre a vida." 281


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