O Segundo Sexo - Simone de Beauvoir

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ticidade, ofícios todos de escravos e pagos com salários de fome; até a renda, a roupa branca etc. são açambarcadas pela fábrica; em compensação há oferecimentos maciços de emprego nas indústrias do algodão, da lã e da seda; as mulheres são principalmente utilizadas na fiação e na tecelagem. Os patrões muitas vezes as preferem aos homens. "Trabalham melhor e mais barato." Esta fórmula cínica esclarece o drama do trabalho feminino. Porque é pelo trabalho que a mulher conquista sua dignidade de ser humano; mas foi uma conquista singularmente árdua e lenta. Fiação e tecelagem realizam-se em condições higiênicas lamentáveis. "Em Lião, escreve Blanqui, nas manufaturas de passamanaria, as mulheres são obrigadas a trabalhar quase suspensas a correias, servindo-se dos pés e das mãos ao mesmo tempo." Em 1831, as operárias da seda trabalhavam das três horas da manhã até a noite no verão, e no inverno das cinco horas até às onze da noite, ou seja, dezessete horas por dia, "em locais amiúde malsãos e onde não penetram nunca, diz Norbert Truquin, os raios do sol. Metade dessas moças tornam-se tuberculosas antes de terminar seu aprendizado. Quando se queixam, acusam-nas de fazerem fita" (1) . Além disso, os empregados abusavam das jovens operárias. "Para conseguir o que queriam valiam-se dos meios mais revoltantes, a necessidade e a fome", diz o autor anônimo de La Vérité sur les événements de Lyon. As mulheres acumulam o trabalho agrícola com o da fábrica. Exploram-nas cinicamente. Marx conta em uma nota do O Capital: "O Sr. E., industrial, disse-me que só empregava mulheres nos seus teares mecânicos, que dava preferência às mulheres casadas e, entre elas, às que tinham família em casa, porque mostravam mais atenção e docilidade do que as celibatárias e trabalhavam até o esgotamento de suas forças, a fim de conseguir os meios indispensáveis à subsistência dos seus. Assim é, acrescenta Marx, que as qualidades inerentes à mulher são deturpadas em seu próprio detrimento, e todos os elementos morais e delicados de sua natureza se transformam em meios de escravizá-la e fazê-la sofrer". Resumindo O Capital e comentando Bebel, G. Derville escreve: "Animal de luxo ou animal de carga, eis o que é, hoje, quase exclusivamente a mulher. Mantida pelo homem quando não trabalha é ainda mantida por êle quando se mata no trabalho". A situação da operária

(1) N. Truquin, Mémoires et aventures d''un prolétaire, cit. segundo E. Dolléans, Histoire du Mouvement Ouvrier, t. I.

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