Pilgrimage to Namaacha, Mozambique

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2013

PÁG.03 História do Santuário PÁG.11 Arautos do Evangelho PÁG.13 Nélcia peregrina e jornalista

© 2013, laboratório de jornalismo multimídia, IREX all rights reserved

02 DADOS RÁPIDOS Sobre a Namaacha

01 QUEM SOMOS 02 PEREGRINAÇÃO À NAMAACHA Peregrinação anual ao Santuário

02 SOL E NEVOEIRO Chuva presente na peregrinação

03 HISTÓRIA DO SANTUÁRIO

Namaacha

O nome de Namaacha deriva de Lomaacha, régulo e chefe da zona que abrangia os Pequenos Libombos no princípio do século XIX, antes da fixação dos portugueses.

Lomaacha pagava tributo ao régulo da etnia mswati, da Suazilândia. Foi morto durante o regime colonial. Depois da sua morte, a esposa Cocomela ocupou o regulado.

O impacto da independência na religião

04 IMPACTO DA INDEPÊNDENCIA Congregações religiosas e a história das aparições da virgem de Fátima

05 PEREGRINAÇÃO TEM SENTIDO QUANDO SE VAI A PÉ Peregrinos rumam à Namaaha a pé

06 PEREGRINAÇÃO SEM POLÍCIA NEM CRUZ VERMELHA Política na peregrinação

07 NÃO BASTA PEREGRINAR FILOMENA vizinha solidária

08 MASSAGENS Alívio da caminhada a recuperação de energia.

11 ARAUTOS DO EVANGELO Grupo de artistas explora o teatro e a música para atrair jovens

13 AINDA NÃO SENTI O CHAMAMENTO PARA SER FREIRA Nélcia peregrina e jornalista

14 VIM FAZER DINHEIRO AQUI O negócio da peregrinação

15 OFÉLIA E AMÉRICO Porquê peregrinamos

16 O CORAL Cânticos e fervor

17 CRÓNICAS O que pensam os autores da reportagem

19 JEREMIAS

Dados rápidos sobre a Namaacha

Localização: Sudoeste da província de Maputo Superfície: 2.192 km² Relevo: Cadeia dos montes Libombos com 600 metros de altitude Clima: Tropical húmido Temperatura média anual: 21º C Chuva: 89 mm por ano Principais rios: Umbeluzi e Maputo População: 45.000 mil habitantes Economia: Agricultura • pecuária • turismo • corte de lenha • fabrico de carvão • captação de água mineral • pedreiras • areeiros • comércio transfronteiriço Ciência: Centro de Investigação e Desenvolvimento em Etnobotânica Mídia: Rádio comunitária Cascatas

Quem somos

Um grupo de jornalistas jovens moçambicanos que vimos no Laboratório de Jornalismo Multimídia da IREX a oportunidade única para aprender novas habilidades e produzir reportagens de qualidade.

Inocêncio Albino Repórter sociocultural do semanário @Verdade.

Benilde Matsinhe Jornalista no portal Sapo.mz André Mulungo Jornalista no semanário Canal de Moçambique Argunaldo Nhampossa Jornalista do semanário SAVANA Arão Nualane Jornalista desportivo no semanário Maratona Mercedes Sayagues Assessora Técnica da IREX, facilitadora do Laboratório Coordenadora: Mercedes Sayagues Design Gráfico: Filipa Botelho Fotos: Mercedes Sayagues e Inocêncio Albino

/ Momento mágico: a igreja embrulhada pela bruma.

SOL E NEVOEIRO / A 800 metros de altura o nevoeiro é frequente.

PEREGRINAÇÃO DE 2013 A peregrinação anual ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima em Namaacha é um evento singular em Moçambique, pela dimensão – mais de 30.000 pessoas participam – e pelo fervor que as une.

Constitui um momento de alta espiritualidade e paz. Independentemente de sermos ou não católicos, a peregrinação merece uma reportagem multimídia.

Agradecemos ao pároco, os sacerdotes, as freiras e os peregrinos de Namaacha, que nos acolheram com o coração aberto e não se incomodaram com as nossas perguntas e câmaras curiosas.

Nevoeiro Sábado, Namaacha amanheceu embrulhada em nevoeiro. Impossível ver a mais de 20 metros. As figuras dos peregrinos emergiam da bruma aos poucos. Como o nevoeiro amortece o som, a vila estava estranhamente silenciosa. Parecia um conto de fadas, um romance gótico, a terra dos Hobbits. Por volta das 9hs, o nevoeiro começou a levantar. Foi um momento mágico.

Chuva Sábado a noite, quando a procissão a velas pela vila estava regressando, a 400 metros da igreja, começou a chover como se fosse o dilúvio universal. Embora ensopados, poucos desistiram, embora sem velas acesas. Impertérrita, a Virgem - e seus carregadores continuou o desfile, as rosas e crisântemos refrescadas com a água, até regressar a seu lugar no palco. A chuva não fez desistir aos fiéis que passaram a noite em adoração nas distintas igrejas.

Sol Domingo, sol e céu azul. O sol secou a relva e capulanas. A lama de terra vermelha reflectia os fiéis, as cores das capulanas, a igreja. Ninguém se importava, nem os padres vestidos de branco, nem as senhoras de chinelos enlameados. O céu de um azul intenso compensava pelo matope. A aleluia voava mais alto sob o sol.

Dez anos de peregrinação

20 MOMENTOS Município cobra para parquear

Mercedes Sayagues

/ Cânticos e danças no Ofertorio.

04 | Peregrinação à Namaacha / Santuário de Nossa Senhora de Fátima.

IMPACTO DA INDEPÊNDENCA NA RELIGIÃO

HISTÓRIA DO SANTUÁRIO A fundação da Missão de Nossa Senhora de Fátima de Namaacha data de 25 de Junho de 1918, sob o título de S. Luís Gonzaga. Inicia a sua actividade em 1937, embora as missas eram celebradas no ginásio do Instituto João de Deus, hoje em ruínas.

Em 1942 tem lugar o lançamento e bênção da primeira pedra a 13 de Maio.

O actual Santuário foi inaugurado a 29 de Agosto de 1944, pelo cardeal patriarca de Lisboa, dom Manuel Gonçalves Cereja, a quando das bodas de prata das aparições da Cova de Iria,

em Fátima.

Nos dias 12 e 13 de agosto de 1967, no cinquentenário das aparições e em sintonia com a presença do Papa em Portugal, realizou-se a primeira peregrinação ao Santuário da Namaacha.

O primeiro baptismo foi oficiado pelo padre Abílio de Carvalho em 1938.

Apenas em 1943 aparecem neófitos com nomes africanos. O primeiro sacramento de matrimónio foi realizado em 1945. Em 1946 surgem os primeiros casamentos entre africanos.

Namaacha, vila católica Namaacha tem uma abundância de instituições religiosas engajadas na ajuda social. Gerem orfanatos, escolas e refeitórios.

Chegada das congregações religiosas 1939: Franciscanas Missionárias da Maria 1949: Irmãs Vicentinas 1952: Irmãs Salesianas 1952: Padres Salesianos 1954: Irmãs Vitorianas 1957: Irmãs Missionárias do Precioso Sangue 1998: Mariannhill “A peregrinação é uma busca da renovação. É uma jornada da transformação. O peregrino deve perder seu roteiro diário para encontrar o verdadeiro caminho”.

Na manhã de 24 de Julho de 1975, após o discurso do presidente da República de Moçambique, Samora Machel, que declarava nacionalizados o ensino e saúde, os residentes das casas religiosas de Namaacha ficaram admirados ao encontrar soldados armados em redor.

Todas as casas religiosas foram revistadas por brigadas partidárias que fizeram inventário forçado de todo o material. Desde o cofre ao sacrário, tudo passava a ser propriedade do Estado.

O pároco foi intimidado a fazer desaparecer das faces da torre da igreja as cinco quinas de pedra, não valendo a explicação de que elas simbolizam as chagas de Cristo e não a bandeira de Portugal. O administrador local comunicou ao pároco que devia retirar sem demora da via pública as cruzes “para não ofender a outras religiões”, e descer a estátua da Virgem do pedestal de 12 metros de altura, “porque não tinha sido guerrilheira da luta armada”.

Os católicos guardaram a

estátua num nicho da igreja.

Apesar dos cuidados, a descida do pedestal estragou o nariz e a mão direita.

Vida cristã reduz Com a nacionalização, muitos missionários estrangeiros ficaram sem local de trabalho.

Com o encerramento do seminário, os padres Vicentinos foram-se.

A vida cristã na paróquia foi diminuindo Passou a haver apenas uma missa dominical e uma missa vespertina no sábado.

A assistência reduziu por falta de local de oração, ocupação das capelas por parte do partido, falta de padre na paróquia e perigos de insegurança da guerrilha.

1974 100 baptismos 1977 2 baptismos 1975 33 crismas 1979 8 crismas 1981 1 baptismo 1991 52 baptismos

Em 1983, Ano Santo da Redenção, os bispos de Moçambique vieram ao Santuário de Namaacha em peregrinação nacional.

No momento de saída da procissão de velas, membros da Frelimo avisam que o partido não dava licença de rezar fora da igreja. Fezse a procissão só por volta do Santuário, sem sair dos terrenos da igreja. E assim se procedeu pelos anos seguintes, até o fim da guerra civil, a chegada da democracia e o pluralismo político e religioso em 1992. A estátua ficou na igreja por 17 anos até 1993 quando, por permissão escrita do administrador, os católicos levaram-na para o seu antigo pedestal. Desde 1999, a paróquia e o santuário são geridos pelos padres missionários da Mariannhill.

Aumenta o número de sacramentos de matrimónio e crismas; muita gente voltou às suas práticas de fé. A peregrinação anual reafirma a vocação de paz espiritual de Namaacha.

Arão Nualane

05 | Peregrinação à Namaacha

06 | Peregrinação à Namaacha

PEREGRINAÇÃO TEM SENTIDO QUANDO SE VAI A PÉ

/ Forca! Aqui começa a subida das montanhas dos pequenos Libombos

PEREGRINAÇÃO SEM POLÍCIA NEM CRUZ VERMELHA

/ Bastão, chinelos, terço e muita fé para chegar ao destino.

Sete jovens da paróquia de São Joaquim, no bairro da Munhuana, em Maputo, rumaram na sexta-feira a Namaacha a pé.

De sapatilhas, chinelos, botas, pastas nas costas e terços nas mãos, os jovens dizem que este constitui o melhor momento de diálogo com a Virgem para colocarem as suas súplicas e renovarem a fé.

Henriques Cossa, de 33 anos, já peregrinou nove vezes, das quais cinco a pé. Sente-se mais realizado quando vai a pé, pois durante a caminhada entra em contacto profundo com a Virgem de Fátima e vive novas experiencias de fé com os irmãos das outras paróquias.

Em 1999, Cossa desistiu no meio da caminhada por falta de preparação física.

“Isto me criou rancor para me preparar fisicamente o mais cedo possível,” disse.

Nos dois anos seguintes conseguiu chegar a pé. De 2008 a 2012 observou um intervalo e este ano retoma. No ano passado esteve doente e quer agradecer a Virgem a recuperação.

O grupo sai de carro da paróquia até Matola Rio. Ai começa a derradeira caminhada que chega a durar um dia. Há uma paragem obrigatória na paróquia de Boane para o registo dos peregrinos.

De lá para frente, o número de paragens depende da condição física.

A cada ano o apoio logístico e primeiros socorros melhoram. No primeiro ano, o grupo teve de improvisar uma fogueira a beira da estrada e fazer chá em latas de refrigerantes para aliviarem o frio.

Argunaldo Nhampossa

Polícia pediu gasolina à Igreja “Em 2011 estava desempregado.

Durante a caminhada pedi a Nossa Senhora para me ajudar. Em cinco meses achei emprego. Em 2012 peregrinei para agradecer e pedir uma namorada. A princípio deste ano casei. Agora vou para agradecer todas as maravilhas que a Virgem fez na minha vida.”

Ernesto Cumbane

Os fiéis da Igreja Católica peregrinaram sem qualquer tipo de protecção da polícia, nem assistência da Cruz Vermelha, o que não é habitual nestas situações.

cuidados de saúde e água aos peregrinos, os peregrinos mostraramse preocupados, firmes no propósito - chegar ao Santuário. “Não quero mais nada, só quero chegar”, disse um jovem.

Do centro da cidade de Maputo à vila da Namaacha são 80 quilómetros. A peregrinação iniciou na quinta-feira.

Até ao final da sexta-feira, a equipa de reportagem não viu nenhum agente da polícia nem técnicos da Cruz Vermelha. Esta situação deixou à mercê os milhares de crentes que esperavam ter água para beber e casas de banho.

Quando questionados sobre a Cruz Vermelha que habitualmente oferece

Polícia pede gasolina Segundo alguns residentes, a polícia terá pedido dinheiro à igreja alegadamente porque não tinha combustível.

Tardiamente, por volta das 23 horas na última noite da peregrinação, com duas viaturas a polícia fez algumas patrulhas, aquilo que na gíria se diz “para o inglês ver”. A maior parte do tempo, a protecção esteve ausente e, o mais grave, à noite, numa estrada com tráfego de camiões.

Crentes e Cruz Vermelha local unidos A nível da vila, a Comissão Diocesana de Saúde da Igreja Católica e a Cruz Vermelha local uniram esforços.

Segundo Sebastião Wane, responsável pela Comissão, a igreja dispunha de uma viatura para ajudar os peregrinos. Pedro Matsombe, da Cruz Vermelha local, disse que no Santuário atenderam 419 pessoas.

Sobre a ausência da Cruz Vermelha provincial, Matsombe disse que aquela não deu qualquer explicação.

André Mulungo

/ Filomena Mfumo oferecendo uma sessão de massagens.

/ Vizinhos solidários confortam os peregrinos com chá e massagens.

NÃO BASTA PEREGRINAR! Filomena, vizinha solidária

Na comunidade de São Vicente de Paulo, no cruzamento de Impaputo, um canhoeiro frondoso sombreia o seu entorno. Os peregrinos, cansados e com os pés inchados, encontraram um grupo de vizinhos solidários.

A par de outras mulheres, Filomena Mpfumo, de 59 anos e mãe de quatro filhos, ofereceu-lhes uma sessão de massagem e uma xícara de chá.

Os peregrinos que, dada a ausência da Cruz Vermelha de Moçambique, não encontraram assistência parecida, louvaram a Deus.

Filomena explica sua motivação em prestar caridade: “Há muitos jovens, que

se esforçam a fim de se formarem. Findo o curso, eles não encontram emprego, o que é frustrante”.

Em Impaputo, a trabalhar com os bóers nos bananais, os moços que concluíram a 10ª classe ganham apenas dois mil meticais por mês: “acordam às 5 horas para retornarem a casa no fim do dia, mas não ganham nada”. É nesta realidade que Filomena se inspira para ajudar os peregrinos. “Os meninos que peregrinam têm a certeza de que descarregando os seus fardos na mãe de Jesus serão atendidos”.

marcados pelo sacrifício, pela caridade e pelo perdão”.

O fluxo de peregrinos não acaba. Uns chegam, outros continuam a viagem.

Faltam 15 quilómetro para chegar a Namaacha – os mais difíceis, subindo as montanhas dos pequenos Libombos.

Filomena não para de atender peregrinos: “Gostei de ter prestado apoio às pessoas. Se Deus me conservar a saúde, espero que no próximo ano possa dar o mesmo contributo”.

Inocêncio Albino

Mas a resposta não será imediata. “Não basta peregrinar. A mãe Maria mostralhes os passos que se devem seguir,

MASSAGENS QUE ALIVIAM A DOR DA CAMINHADA Quando os peregrinos chegam ao Santuário, fatigados, encurvados e com os pés inchados, têm direito a massagem feita por voluntários da igreja.

Segundo uma fórmula provada em décadas de peregrinação, primeiro colocam os pés numa bacia com água fervida. No início a sensação é de dor, mas uma vez feita a massagem, o sentimento é de puro conforto.

Dia e noite, um grupo de mulheres aquece água em potes enormes na cozinha localizada atrás da igreja. O agradecimento dos peregrinos via-se no rosto distendido, pés desinchados e melhor postura a caminhar.

A peregrinação é uma renovação, uma jornada de transformação.

/ Cada vela é uma esperança

11 | Peregrinação à Namaacha

ARAUTOS DO EVANGELHO: Uma Actuação Além da Música Praticam o celibato e dedicam-se integralmente ao apostolado, vivendo em casas destinadas a rapazes ou a moças, os quais alternam a vida de recolhimento e oração com estudos filosóficos e teológico

Na peregrinação conhecemos um grupo de artistas que explora o teatro e a música para atrair a juventude à Deus.

O grupo nasceu no Brasil em 2001, e está espalhado em 78 países. São jovens e chamam-se Arautos do Evangelho. Em Moçambique, são 16 e vivem no bairro de N’kobe, em Maputo.

Tocam instrumentos musicais como a lira, o batuque, a flauta e o trompete com mestria.

Os Arautos do Evangelho não diferem de uma colectividade artística. Vestem túnicas.

Na cintura usam uma corrente prateada combinada com o terço. Usam botas pretas e largas. São firmes e decididos em relação à obra que cumprem.

“Praticam o celibato e dedicam-se integralmente ao apostolado, vivendo em casas destinadas a rapazes ou a moças, os quais alternam a vida de recolhimento e oração com estudos filosóficos e teológicos”, explica-se na sua página da internet.

Os Arautos do Evangelho foram aprovados pelo Papa João Paulo II em 2001 e pelo Papa Bento XVI em 2007.

“Temos como carisma evangelizar através do belo, levando as pessoas à adoração da Nossa Senhora de Fátima, à devoção da Eucaristia e ao Papa”, explica o arauto Alexandre Schurg.

As suas actividades decorrem nas paróquias, em procissões e nas escolas onde ministram cursos de teatro para difundir a mensagem de Deus.

Preocupados em introduzir instrumentos locais como a timbila, os Arautos aprendem a tocar esta ferramenta musical considerada património histórico da humanidade. As suas actuações são um momento de devoção a Deus.

Inocêncio Albino

/Arautos de Evangelho: as artes ao serviço da fé.

AINDA NÃO SENTI O CHAMAMENTOPARA SER FREIA

13 | Peregrinação à Namaacha

/ Nélcia Tovela Peregrina e jornalista

14 | Peregrinação à Namaacha

Na sexta-feira 11 de Maio, a jornalista Nélcia Tovela, 21 anos, preteriu a escola e o trabalho para peregrinar “Queria provar a mim mesma até onde acredito em Deus”. Dos 80 quilómetros, Nélcia percorreu um pouco mais de 70 até que, destruída pelo cansaço, apanhou uma boleia.

“Desde 2012 planeio peregrinar, mas por causa de problemas de saúde, não pude.

A pretensão moveu-me a preparar-me no início de 2013. Orei a Deus para que me desse força. Deus aumentou a minha fé.

Com o grupo juvenil da Paróquia da Nossa Senhora de Laulane, parti às 8 horas. Mas, ao longo da jornada, percebemos que os nossos passos não eram os mesmos. Por isso, dispersámonos.

Tive quatro paragens para descansar: uma em Boane, onde tomei sopa, outra no cruzamento de Goba, uma em Mandevo, e a última no controlo policial, a 30 minutos a pé da Paróquia de Namaacha, onde apanhei o carro de

apoio. Já não dava mais.

Não me sinto frustrada. Compreendi que a peregrinação não é uma simples maratona, é uma expressão que queremos mudanças no sentido espiritual na vida.

Ao longo da caminhada, nós rezámos o terço e entoámos as canções ligadas à Maria – o que nos fortifica mais – pois se apenas andássemos por andar, rapidamente ficaríamos stressados e agastados.

De vez em quando passavam os carros de apoio, mas faltou-nos água. O mais difícil foi dormir no chão da igreja na sexta-feira a noite. Passei muito frio.

O percurso é muito sofrido, mas na vida, tudo, incluindo o bem-estar, depende da motivação e da força espiritual.

De qualquer modo, ainda não senti o chamamento para ser freira”.

Inocêncio Albino

/ Para os habitantes da Namaacha, a peregrinação é uma oportunidade para fazer negócio.

VIM FAZER DINHEIRO AQUI! Em relação aos stands que vendiam os signos da Igreja Católica – terços, fotos papais, camisetas, chaveiros e canetas entre outros brindes – os organizadores evitam usar o termo feira religiosa.

para preparar refeições. Ocupada a assar frangos, cozinhar xima numa panela gigantesca, e preparar arroz e salada de alface, Maria dos Anjos tem um objectivo claro: “Vim fazer dinheiro aqui”.

está mau. Nos outros anos, até ao meio dia, parte significante dos 200 frangos que ela trouxe teria sido consumida. À noite a demanda é sempre menor porque as pessoas vão à procissão.

A arrumação não escuda a componente económica da peregrinação. Para a pacata vila de Namaacha, esta é uma ocasião única de fazer negócios: hotéis completos, quartos em casas privadas alugados a mil meticais por noite, venda de bebidas e comidas.

Com 44 anos, católica, casada e mãe de três filhos adultos, fabrica e comercializa mobília na sua casa.

Dado que no recinto da paróquia não se aceitam bebidas alcoólicas, os jovens que querem beber ficam distante, o que não é bom para o negócio. “Seja como for, estou feliz com o facto de, ano após ano, o número de crentes crescer”, conclui.

Há dez anos que a vendedeira Maria dos Anjos reserva os dias da peregrinação

“Tem sido uma boa experiência, ainda que muitas vezes cansativa”, conta.

Nos primeiros anos, o negócio era muito rentável porque as pessoas não traziam comida própria. Hoje, sábado, o negócio

Inocêncio Albino

15 | Peregrinação à Namaacha

VÓVÓ OFÉLIA Helena Ofélia, ou simplesmente Vovó Ofélia, 60 anos “Esta é a primeira vez que venho a pé.

Oferecemos o sacrifício da peregrinação à Nossa Senhora de Fátima para que ela interceda por nós. Queremos que a nossa vida seja ajustada. Eu gostaria que a minha família continuasse estável”. / Até o ateu mais céptico ficaria emocionado com o grupo coral de 300 pessoas.

O CORAL QUE DESLUMBROU A NAMAACHA AMÉRICO MARTINS Porquê peregrino..

“Eu não conheci os meus pais mas, ao longo da vida, Deus ajudou-me a tornar-me homem sem incorrer em procederes imorais. Sou casado, tenho filhos e sou feliz. Por essa dádiva, expresso a minha gratidão ao Criador peregrinando. Da mesma forma que, uma vez por ano, os árabes vão a Meca em adoração a Maomé, a minha Meca é a peregrinação à Nossa Senhora de Fátima”.

Inocêncio Albino

Até o ateu mais céptico ficaria emocionado com os cânticos e o fervor do grupo coral que cantou durante as Missas este ano.

Dirigida pelo maestro Paulo Manhique, o coral agrupa 300 pessoas de cinco paróquias de Maputo: Santo António da Polana, Nossa Senhora das Vitórias, São João Evangelista, Santos Mártires de Uganda e a Catedral.

O grupo precisou de dois meses de ensaio para afinar as vozes e órgão, congas e chocalho. Cantam em português e changana. Cada ano, um grupo coral diferente canta na peregrinação de Namaacha.

Arão Nualane / Um toque africano na liturgia: batuques e chocalhos

/ Montagem do palco em frente à igreja da Namaacha que se veste de luz para os peregrinos.

crónicas A fé do Papa Francisco reafirma a devoção dos moçambicanos católicos pela Nossa Senhora. / A fé do Papa Francisco.

São muitos os momentos inesquecíveis nos três dias da peregrinação. Aqui recolhemos algumas impressões da nossa equipa.

Simplicidade O evento mostrou um jeito simples, não ostensivo. O palco, funcional e modesto, foi feito com material local, com paus e cinco, enfeitado com capulanas e flores, em vez de contratar uma empresa da capital para montar um palco industrial de tubos de metal a um preço astronómico.

O palco começou a ser montado na tarde da sexta-feira, ficou pronto a noite, e foi desmontado em quatro horas no domingo por trabalhadores também locais.

Tudo era simples: os fogões para aquecer água para as massagens, a forma como os fiéis esvaziaram a igreja de bancos para tornar-se lugar de dormir de centenas de peregrinos; e, no dia seguinte, em meia hora, a igreja recuperou o aspecto habitual.

O evento esteve bem organizado.

Cinquenta membros da equipa de acolhimento ordenavam o fluxo de pessoas e carros. O espírito geral era de bom humor frente aos problemas.

Fervor Mariano Para alegria dos devotos de Nossa Senhora, o novo papa Francisco partilha o fervor mariano. Surpreendeu quando, na manhã seguinte a sua eleição, Francisco foi orar na igreja da Santa Maria Maior, em Roma. Nenhum papa recente tinha feito algo assim. Na sua visita ao Brasil entre 22-28 de Julho de 2013, para a 28ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, Francisco pediu para extrair seis horas e meia da sua complicada agenda, viajar a Aparecida, cidadezinha no interior de São Paulo, e rezar em frente da imagem de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil.

Outro papa devoto, João Paulo II, escreveu uma encíclica, Redemptoris Mater, Mãe do Redentor, em latim, sobre o papel da Virgem Maria na igreja. A fé de Francisco reafirma a devoção dos moçambicanos católicos pela Nossa Senhora.

“

Convido os jovens para uma caminhada na qual vamos orar pela paz e redução da pobreza no país

” Ernesto Cumbane

20 | Peregrinação à Namaacha

MOMENTOS DO CAMINHO

/ Cantos e velas: à noite, a procissão percorre as ruas da Vila.

/ De forma arbitrária e sem aviso o Municipio cobrou portagem aos carros sem garantir segurança e estacionamento.

Durante o percurso deve haver uma liberdade de pensamento que não se tem

JEREMIAS MANJATE

em casa ou que não se permite em casa.

Dez anos de peregrinação

Com 70 anos de idade e dez peregrinações cumpridas, Jeremias desenvolveu dicas provadas para caminhar os 76 km mortificando o corpo o menos possível. Um bom calçado é fundamental, explica.

Ele usa sandálias abertas com meias grosas para permitir o inchaço próprio da caminhada sem apertar o pé.

Jeremias sai de Maputo ao amanhecer com o grupo da paróquia Nossa Senhora da Misericórdia, na Machava, mas a partir

de Boane continua sozinho a seu ritmo.

Não se importa de dormir ao relento se for necessário. Carrega o mínimo necessário e se ajuda com uma bengala improvisada. “Eu paro para descansar quando preciso, sem atrapalhar os outros,” explica.

“Conheço meu ritmo e sei como fazer para chegar até a Nossa Senhora.”

Conheco o meu ritmo e sei como fazer para chegar até à N. Senhora

“Conhecemos Jeremias no cruzamento de Goba, sozinho, calmo e decidido, iniciando a subida das montanhas dos pequenos Libombos”.

Abuso municipal Pela primeira vez na história da peregrinação ao Santuário Nossa Senhora de Fátima na Namaacha, o Conselho Municipal local cobrou aos peregrinos 25 meticais (quase um dólar) para o estacionamento de cada viatura. A medida indignou a igreja, moradores e os visitantes.

O valor da taxa não beneficiou os proprietários dos carros porque não havia nem espaço acondicionado nem segurança.

No domingo findo, no final do evento, a mestre-de-cerimónias anunciou três vezes, do palco, que a igreja não tem nenhum vinculo com a decisão do município.

Sem muito esforço, o município arrecadou muito dinheiro, já que a

Vila da Namaacha registou a maior entrada de carros na história da peregrinação.

André Mulungo

Religiões em Moçambique Católica 29% Islâmica 17.6% Zion 17.6% Evangélica/Pentescostal 17.6% Anglicana 1% Sem religião 9.4% Outra 2.2% Fonte: Inquérito Demográfico e de Saúde, 2011

Contactos Av. Ho Chi Minh 1174 Maputo, Mocambique +258 21 320 090 + 258 82 308 5215 maputo@irex.org mercedes.sayagues@gmail.com www.namaachaperegrinar.info