Labor - A morte lenta e silenciosa dos empregados da Eternit

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Caprichoso e Garantido Por Danielle Sena Grandioso e bonito. Assim é o Festival Folclórico de Parintins, no Amazonas. Impressionante espetáculo da cultura popular do país, quem o assiste nem imagina que muitos artistas arriscam a vida e comprometem a saúde do trabalhador para “colocar” a festa na rua. Em meio à beleza, quase ninguém nota que grande número dos trabalhares está sem os equipamentos de proteção individual (EPIs). No alto de quase cinco metros, Ledson Gadelha, 34 anos, finaliza uma alegoria de uma figura típica regional: o seringueiro. Sem cinto de segurança, máscara, capacete ou luvas, é o exemplo corriqueiro entre os trabalhadores das duas agremiações concorrentes, o Caprichoso e o Garantido. A justificativa para a imprudência sempre é a mesma: a pressa. Basta olhar ao redor e ver que a cena se repete. O auxiliar de pintura Elber Azedo, 49 anos, responsável pelo acabamento de alegorias do Boi Garantido, vencedor do festival de 2013, sem luvas, sem botas e, principalmente, sem capacete e máscara, aspira gases exalados da cola de sapateiro. Corre riscos de intoxicação e de ter lesões irreversíveis no cérebro, já que a aspiração repetida e crônica pode levar à destruição dos neurônios. Elber nem ao menos consegue dimensionar o perigo. “Eu prendo a respiração na hora que estou passando a cola, substituo o capacete pelo boné, e a luva acho

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que é mais para quem trabalha com ferro, pois ela dificulta o manuseio do pincel.”

Em cima da hora A pressão sobre os trabalhadores é grande e gera uma corrida contra o tempo. Muitas vezes, na ânsia de verem seus trabalhos finalizados, os artistas acabam se expondo a perigos e se esquecem da própria segurança dentro do ambiente de trabalho. “Em cima da hora, todo mundo acaba esquecendo os equipamentos de segurança”, admite Roberto Reis, 36 anos, artista responsável por uma das alegorias do Boi Garantido e que coordena uma equipe de 12 trabalhadores. Em torno do Festival Folclórico de Parintins é possível encontrar diversas situações irregulares que colocam em risco a integridade física dos trabalhadores e revelam o descaso das agremiações com o cumprimento da legislação trabalhista. De uma brincadeira de rua bem familiar, que, no início do século passado, contagiava os moradores da pacata Parintins, o boi-bumbá se transformou em um espetáculo prestigiado por turistas dos quatro cantos do mundo. Hoje, cerca de 8 mil pessoas, entre voluntários e remunerados, trabalham pesado, durante seis meses por ano, para que o festival

ocorra. É fácil concluir que a brincadeira se transformou numa verdadeira indústria sem a devida profissionalização.

Cláusula social Para mudar essa realidade, o MPT no Amazonas assumiu a missão de encontrar alternativas para coibir as irregularidades e garantir o atendimento aos direitos dos trabalhadores. A atuação teve início em 2006 e foi intensificada a partir de 2011, quando, com intermediação do MPT, Garantido e Caprichoso incluíram no contrato de patrocínio com a Coca-Cola e o Governo do Amazonas cláusula social contendo obrigações referentes a direitos ambientais e trabalhistas como condicionante para a liberação dos recursos para a festa. A partir daquele ano, o MPT passou a atuar de forma efetiva na defesa dos trabalhadores dos bois-bumbás de Parintins, fazendo fiscalizações anuais. “As irregularidades não estão somente relacionadas à segurança no meio ambiente de trabalho dos artistas. O descumprimento quase que total da legislação trabalhista, o não recolhimento ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e a falta de pagamento de salários e rescisões contratuais também fazem parte de nossas preocupações”, explica o procurador do Trabalho Jeibson dos Santos Justiniano, que


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