Holocausto brasileiro vida genocidio e 60 mil mortes no maior hospicio do brasil daniela arbex

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presença de Simões. — É marido e mulher, doutor. Os dois foram diagnosticados com histeria. Se multiplicarmos 300.1 vezes dois, dá 600.2 — explicou o enfermeiro, dando uma gargalhada. O deboche do funcionário em relação ao transtorno de personalidade dos novos pacientes, problema diagnosticado dentro da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), deixou Simões enfurecido. — Realmente, o louco não merece nenhuma consideração. Veja este pátio cimentado. Não há sequer uma árvore ou sombra. Os pacientes não precisam de nada, afinal, no conceito de vocês, eles não são gente. A resposta do psiquiatra fez o enfermeiro emudecer. Episódios como esse foram tornando Simões respeitado no meio médico. Em 1973, ele desfrutava de prestígio na imprensa, embora fosse combatido entre seus pares por suas ideias revolucionárias. Chefe do serviço de saúde mental no Estado, coube a ele ciceronear Foucault durante a estada do filósofo em Minas Gerais. Fã do autor de A história da loucura, livro lançado pelo filósofo em 1961, Simões esteve ao lado do visitante em todas as suas palestras em Belo Horizonte, inclusive na realizada na Casa de Saúde Santa Clara. Além de Simões, Halley Bessa, um dos grandes defensores da humanização na psiquiatria brasileira, e Emilio Grinbaum, pioneiro da medicina psicossomática, estavam na plateia. — O Brasil é um dos poucos lugares do mundo onde eu encontrei, entre os estudantes, tanta seriedade e tanta paixão. O que me encanta mais do que tudo é a avidez absoluta de saber — confidenciou Foucault a Simões, repetindo o que havia declarado, anos antes, para a imprensa da Tunísia. Durante a palestra, Simões rabiscou num papel pardo a caricatura do filósofo que se considerava bastante louco para estudar a razão e ainda mais sensato para pesquisar a loucura. Foucault gostou da homenagem, autografando o desenho. Como se quisesse deixar aquele momento gravado no tempo, o médico pediu que alguns presentes assinassem também, como testemunhas. Assim, no papel aparece o nome de Leila Dias, médica radicada na França, e de Lúcia Maria de Ferrara Barbosa.


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