Catalogo Mitsp 2018

Page 84

Sobre labirintos e centauros poloneses Pedro Vilela mestrando/UFBA

N

os últimos anos, o principal nome em atividade do teatro polonês, Krystian Lupa, tem se dedicado quase que exclusivamente a adaptações para o palco de grandes romances do cânone ocidental.

Diferentes relatos advindos do próprio encenador possibilitam condensar uma dupla motivação para este fato. A primeira relaciona-se à sua compreensão de que, através dos romances, é possível conseguir uma maior penetração nos problemas da condição humana, aproveitando para alfinetar a superficialidade com que os dramaturgos costumam proceder com sua escrita, amparados por convenções e fórmulas de fácil digestão, preocupados sobretudo em viabilizar seus trabalhos no palco. Como segunda motivação, a crença de que o romance, apesar da capacidade de envolver a realidade em seu discurso, também é permeada por zonas inalcançáveis. Como ele bem define: “quando descubro que existem essas zonas obscuras, tento a adaptação”. (GRUSZCZYNSKI, 1997) Especialmente fascinado pela literatura austríaca, Lupa adaptou em sua trajetória obras de Alfred Kubin, Robert Musil, Rainer Maria Rilke e Hermann Broch. Entretanto, sua maior obsessão está ligada a um outro autor: Thomas Bernhard. 84

Desde 1992, quando realizou a primeira adaptação da obra de Bernhard, o romance Das Kalkwerk, para o Stary Teatr, Lupa tem investido sobre o autor austríaco a partir de diferentes composições cênicas: Ritter, Dene, Voss (Stary Teatr em Cracóvia, 1996), Immanuel Kant (Teatr Polski em Breslávia, 1996) e Auslöschung – Erase (Teatr Dramatyczny em Varsóvia, 2001). Em entrevista para Jean-François Perrier, Lupa nos esclarece sua forte relação com a obra de Bernhard: Ele vem em ondas. Thomas Bernhard habita-me teimosamente, sem relaxamento e age em mim misteriosamente. Quando digo a mim mesmo: “basta, isso é o suficiente!”, e apregoo outro assunto, sua influência continua sempre presente. Sua visão, que desmascara, que expõe os homens e suas relações, condiciona minha forma de ver outras obras literárias. Quando volto para Bernhard, descubro coisas novas. Também é interessante perceber que, no começo, eu era o fervoroso discípulo de sua imaginação, enquanto hoje polemizo com ele, uma polêmica um pouco maliciosa e apaixonada. (PERRIER, 2016)

Em sua última incursão a Bernhard estreou Árvores Abatidas, em 2014, que não por acaso carrega o subtítulo: uma provocação. O romance, que chegou a ser retirado das prateleiras em 1984 mesmo antes de ser posto à venda devido a um processo judicial, aponta-nos como alguns homens e mulheres, em algum momento artistas ambiciosos e radicais, não conseguiram resistir à tentação da estupidez, da busca de uma afirmação social e de um reconhecimento público que passa por uma escravidão ao poder e às instituições. A decrepitude do círculo de intelectuais vienenses, descrita por Bernhard, configura-se então como um retrato perfeito para Lupa discutir a atual situação do teatro estatal polonês, estacionado na encruzilhada da dependência do poder público. Soma-se a isso ainda o fato de que, nos últimos anos, a Polônia tem passado por uma enorme revolução conservadora, pautada por slogans nacionalistas e xenófobos.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Catalogo Mitsp 2018 by MITsp - Issuu