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Da crónica à vida
Acidade cá está, deslumbrante, de acordo com as crónicas lidas, (especialmente: Antes e depois de Toronto) e com as impressões difusas do pretérito mais que perfeito conjugado em tão vaga lembrança.
ra, lembrando as linhas em espiral dos que ascendem à plenitude sonhada, para além dos limites do horizonte azul do Atlântico e que, por vontade e opção, se tornaram canadianos.
Estranha forma esta de se viajar com passaporte de turista e alma migrante. Na mala, um pequeno computador, uma pen, uma máquina fotográfica, um telemóvel, canetas e um caderno oferecido com a cara e ditos de Pessoa, muito à moda dos atuais circuitos comerciais para turistas em Portugal. Estadia de 10 dias para participar numa Conferência Internacional da Associação de Estudos Lusófonos da Universidade de York, olhar uma cidade que já visitara há 21 anos, sem roteiros, mapas, apenas as crónicas. As “Bicicletas de Toronto” que de um lado se cobrem de neve e de outra de folhas de plátanos tingidas de cores de outono. Nada de verão nesta capa de palavras que abrem a curiosidade aos que vivem lonjuras diversas.
Pouco a pouco se destaparam as imagens encobertas por um véu estranho que nos apaga a visão clara e precisa das emoções dos primeiros encontros. Este descobrir foi um regalo em dupla significação - uma dádiva e um deleite. Uma prenda dada por aqueles que aqui vivem, nossos amigos, que falam português ou inglês num fluir assertivo, sinal de convivência integrada. São eles quem olha e cuida desse pretérito que foi um dia pioneiro no rasgar de caminhos que criaram raízes, construíram casas, guardaram fotografias, objetos, afetos, palavras, olhares, cheiros e ilusões, em que os segredos são os sonhos calados que o trabalho árduo realizou. Agora dão origem a arquivos no mundo académico e a museus de pioneiros, ou jardins, onde um belíssimo Anjo de mármore branco se ergue em altu-
Ruas cheias de casas, umas claramente vitorianas, outras com santos “na lapela”, varandas floridas, jardins que são hortas de couves, salsa e coentros. Hortelões ou hortelãs, poetas de cravos e manjericos, não esqueceram as videiras e o vinho com cheiro a mosto nos “basements desenterrados”. Ruas, “avenues” e “lanes” cheias de garagens que são outras casinhas de encantar, meio escondidas nas traseiras da intimidade. Ruas e ruas cheias de vidas que se sucedem como as nações distantes que as ergueram como “little countries”.
Em 70 anos, portugueses sucederam a italianos e vão cedendo lugar a coreanos, chineses, como se o mundo todo se vertesse numa cidade do mundo inteiro. Mais do que cosmopolita a cidade é feita de diversidade(s) - quer urbanísticas, quer arquitetónicas -, que se entrelaçam como o ROM e as suas geometrias piramidais rasgantes. Construções em malha ortogonal de baixa e nivelada altura começam a conhecer as tendências atuais da inscrição de acrescentos de estruturas cúbicas ou qualquer outra volumetria, que podem transformar-se em coberturas, mansardas, “lofts”, promessa de rendas futuras. Às vezes são gritos de madeira e feios acoplamentos.




Na “baixa”, para além do limite das lindíssimas ruas e casas de Yorkville, os edifícios de betão, aço e vidro projetam para o céu o voo gigante. Gehry volta a ser sonhado em núcleo compacto que, se não parar, encerrará o olhar nas paredes tristes de quem não consegue olhar mais alto. A quem vem com tão pouco tempo para relembrar, falta a vida de quem aqui reside, de quem trabalha ou vive já retirado do universo da dita população ativa.
As sensibilidades, como em todo o lado, ora se chocam, ora se complementam. Nada que negue o que é totalmente evidente a olho nu: Toronto é uma vasta manta de culturas à “Beira do Lago dos Encantos”.
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Aos S Bados 14h30
