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MARINGÁ, SEXTA-FEIRA, 17 DE FEVEREIRO DE 2017 www.metrojornal.com.br

{BRASIL}

ALESSANDRO SHINODA/FOLHAPRESS

06| O esvaziamento aparente da crise carcerária, sem soluções concretas, é um sinal negativo, na avaliação de um integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em entrevista ao Metro Jornal, o analista criminal e doutor em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo) Guaracy Mingardi observa que o quarto Plano Nacional de Segurança repete os demais ao falhar no planejamento de ações de longo prazo e não atacar o que, na avaliação dele, é o maior problema do sistema penitenciário: as cadeias estão sob o controle absoluto dos presos e das facções criminosas. O Brasil assistiu rebeliões ao vivo e contou quase duas centenas de mortes no início do ano. Por que se chegou a esse ponto? A coisa foi muito longe. Deixaram correr por muito tempo. É consequência de erros que vão se acumulando por muitos anos. Então fica cada vez mais difícil, porque são muitas coisas do passado que vão sendo deixadas para o futuro e nada é resolvido. Qual deveria ser o ponto de partida para buscar uma solução? No nosso sistema, quem manda não é o Estado, são os presos. Nosso modelo sempre foi o de deixá-los à vontade lá dentro. Fazerem o que quiserem. A partir disso, fica difícil de montar uma estratégia de repente para resolver isso. É uma coisa que tinha que ser pensada no longo prazo. Não foi feito e não vai ser agora.

GUARACY MINGARDI Especialista critica soluções para a crise carcerária, afirma que Plano Nacional de Segurança mantém os presídios sob o controle das facções criminosas e diz que Judiciário e Congresso têm postura passiva

O RISCO SÓ AUMENTA ção de pena; e também você tem que ter alguma coisa para fazer para passar o tempo.

lá na frente, e sempre mais perigosa. Para evitar, tem que conhecer o problema.

Em Alcaçuz, no RN, a opção foi separar presos. O senhor concorda? Eu sou favorável à separação por tipos de crime, idade… Além disso, tem que fazer as revistas, mas como é agora, não resolve. Dura uns seis meses. Porque tudo que você tirar dos presídios – celular, armas, facas – vai voltar para lá. Se você não controla o sistema, você não tira de vez.

O uso de militares é eficiente? Sou contra o uso do Exército, porque, de vez em quando, acaba implicando em bobagem. Acabam deixando os militares além do que deviam. E aquilo vai criando uma situação de descontrole porque chega uma época em que o Exército já não consegue mais fazer o que deveria porque ele está perdido lá dentro. Tem que fazer a revista. Acredito que com a Força Nacional e com as forças locais, e não com o Exército.

Qual a consequência disso? Nosso sistema faz o quê? Ele pega o sujeito que é medianamente criminoso e transforma num grande criminoso. O número de pessoas que são ressocializadas é muito pequeno. Eu não acredito que você pode ressocializar um grande número de presos. Muita gente que está lá optou por ser um criminoso profissional. Agora, alguns você poderia ajudar. Se cumprissem a lei, direito ao trabalho, ao estudo. Com o trabalho, ele tem um dinheirinho para mandar para a família, tem a possibilidade de redução de pena, cada três dias trabalhado, um de redu-

Onde a política prisional deve agir? Não adianta planejar no vazio. É bobagem atroz. Alguém sabe quantos criminosos têm em cada um dos grupos? Ninguém sabe! É preciso entender o problema. Nós não conhecemos a dimensão do problema: todas as organizações que estão nos presídios, de forma cabal. Tem que começar um trabalho de pesquisa, um levantamento para saber quem é quem, quem é inimigo de quem, Estado por Estado. Porque senão não adianta. Vai ajudar no médio prazo. A crise sempre passa, mas sempre volta

O governo lançou o Plano Nacional de Segurança – o quarto desde 2000. É uma esperança? Estão pensando em construir presídios, né? Vamos continuar pensando no mesmo modelo? Porque você passa a misturar lá: aqueles que deveria estar no semiaberto, criminoso de pequeno porte, um apenado no fim da pena. Deveríamos ter prisões agrícolas. Trabalhar para aumentar o número de presídios médios e segurança máxima para colocar o pessoal da pesada. Mesmo que os presídios federais façam isso, nunca vão ter capacidade para levar todo mundo para lá. Por quê? Você vai construir mais cinco presídios federais. São mais mil, 1,2 mil pessoas. Vamos fazer a coisa correta. Presídios de RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), presídio de segurança máxima nos Estados. É um projeto a médio e longo prazo. Qual é a medida mais urgente? Retomar o controle dos presídios. Como nosso modelo é cercar os caras, deixar eles lá e eles se organizam

lá dentro, o Estado brasileiro tem deixado cada vez mais nas mãos das organizações criminosas. Quando tinha apenas quadrilhas e não organizações criminosas, você mantinha a coisa mais ou menos controlada. Agora não tem jeito. Mesmo que seja mais caro, mesmo que implique em contratar mais gente, tem que controlar. Senão amanhã o PCC ou o Comando Vermelho promovem tudo de novo. Eles já aprenderam, se alguém perde o controle, eles assumem. Tem que ir aos poucos instituindo as regras, que atualmente só existem no papel. Nós queremos que as regras tenham validade. Recuperar o controle é uma coisa que ninguém está pensando em fazer. A ideia é manter tudo igual, manter os problemas atuais, sair dessa crise e depois esquecer o assunto. Durante a crise, muito se falou em descriminalizar a droga. O senhor concorda? Sou favorável à descriminalização. É uma oportunidade de controlar os danos. Não apenas no sistema carcerário. Para os problemas de segurança pública, com certeza. Porque já diminui um pouco o conflito com o Estado. Por exemplo, descriminaliza a maconha. Vai diminuir o número de usuários ilegais

e o mercado ilegal também. Pode ser usando só em determinados locais, em determinadas circunstâncias, vai diminuir o comércio local. Vai diminuir o dinheiro circulando com os traficantes. Um exemplo é o jogo do bicho, não tem um décimo do poder do que já teve. Por causa das loterias legais. É um tema polêmico. Não vai resolver a crise atual, nem as crises futuras simplesmente descriminalizando. Tem gente que joga como panaceia. Não é panaceia. Pode ajudar em algumas coisas, na segurança pública, na questão de saúde pública, mas não vai resolver todos os problemas. O jogo do bicho já foi a grande organização criminosa do país. Embora seja contravenção, o modelo é criminoso: eles matavam gente para manter o ponto, acontecia toda a hora. Vai continuar? Vai. Mas eles perdem poder. Os grandes traficantes de maconha agora perderiam dinheiro e poder. Qual o papel do Judiciário? Fala-se em mutirão carcerário. Não precisa de mutirão. O cara já cumpriu a pena dele, já devia estar com o direito à liberdade assegurado. É o Judiciário atuar nor-

malmente. Tinha que ser automático. O juiz analisa a situação, se tem comportamento, se vai usar tornozeleira eletrônica, vai para albergue. Mutirão implica que você não fez seu trabalho. Tem pessoas que estão presas há meses e não houve denúncia por parte do Ministério Público ou do Poder Judiciário e deixam passar. Imagina. Se as pessoas que não são julgadas em três meses fossem libertadas, teriam que tirar milhares da cadeia. Para ser preso tem que ser julgado. Ter a denúncia. Ele não pode esperar anos para isso. Como o Congresso pode ajudar? Você tem grandes problemas na questão de segurança pública, na área policial, no Judiciário e no sistema prisional. São três áreas que você tem para resolver com legislação que não é mexida. Pode até ter projeto de lei, mas na prática não acontece nada. Quando acontece a crise você aumenta as penas, tornar crime hediondo, para as pessoas ficaram mais tempo presos... e mais nada. É a coisa mais comum. MARCELO FREITAS METRO BRASÍLIA


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