Meio Mundo 02

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Agosto de 2010

Uma experiência surreal FOTO DE EDUARDA MOLOSSI

A esquizofrenia não tem cura. Porém, o doente exige cuidados especiais constantes para estabilizar a doença e permitir uma vida saudável. Eduarda Molossi

te para ela. “É horrível, não aguentava mais. Essa é uma s 8h da manhã de um das piores partes do surto”, dia frio, na sala de conta Mariana. espera do consultório Mas afinal, o que acon­ de uma psicóloga, tece nos chamados “surtos” desenrola­se uma conversa ? Eles são crises, recaídas, corriqueira entre secretária perdas de controle. Mariana e paciente. O paciente an­ descreve o que sentia: “É tecipa o desabafo que fará à tanta coisa que a gente po­ psicóloga dizendo que não deria escrever um livro de pretende continuar o tra­ ficção. Nos surtos eu via ou tamento. A secretária tenta achava que via outros mun­ aconselhar: “Nós queremos dos e coisas inexplicáveis. te ensinar a pescar e não te No primeiro vi cenas do apo­ dar o peixe. Queremos que calipse, vi as pessoas mor­ você volte a ter uma vida rendo,o dia do juízo final. No normal. Tem que tomar os segundo também era uma remédios”. sensação de que o mundo ti­ Viver em um mundo "particular" é uma característica da esquizofrenia O consultório pertence nha mudado, ou evoluído, as ao Centro de atenção psico­social(CAPS) de pessoas estavam estranhas e eu ‘sentia’ o que Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul. A psi­ elas pensavam. Até as coisas voltarem ao nor­ cóloga chama­se Juliana Cerutti Ottodelli e o mal, tudo tinha velocidade diferente da real.” paciente sofre de uma doença chamada esqui­ Essa viagem por mundos estranhos, que zofrenia. Sua única esperança são os medica­ parece algo surreal, pode ocasionar várias re­ mentos; de nada adianta acompanhamento psi­ ações do doente. Às vezes, ele ouve alguém cológico se os remédios forem deixados de incentivando a auto­mutilação ou agressivida­ lado pois a doença só tende a piorar. de. Embora esses casos não aconteçam com Juliana explica que os sintomas não são muita frequência, podem levar o paciente aos bem delimitados e variam em cada caso: exis­ extremos, até mesmo ao suicídio. tem tipos diferentes da doença, cada um com E para ter de volta a vida de antes? Em suas particularidades e de acordo com cada Juliana: além de psicólga, uma amiga qualquer situação o apoio familiar é peça­cha­ pessoa. Muitas vezes, são confundidos com ve. Mariana diz que a maior dificuldade no re­ o uso de drogas e a família pode revoltar­se torno a antiga rotina é ter a certeza de que com o doente por causa disso, piorando a si­ tudo aquilo se viu ou ouviu não aconteceu. Ela tuação. Embora não seja regra, geralmente conta que hoje já consegue ter a vida de an­ É tanta manifestam­se delírios, alucinações e falta tes, mas com algumas exceções. “Sei o meu coisa que de expressão diante de situações emocionais limite, não posso com muito estresse, não a gente poderia escrever fortes. Morre uma pessoa próxima, por ex­ posso beber álcool. Trabalho normalmente, mas um livro de ficção emplo, e o esquizofrênico não demonstra re­ tenho um trabalho que ajuda muito. Sou res­ ação coerente . Além disso, não há exame tauradora de obras de arte”. Mariana que apresente um diagnóstico preciso. Este O esquizofrênico não é um “atrasado men­ fica á mercê dos conhecimentos e da expe­ talmente”. Isso só acontece quando ele deixa riência do médico. de exercitar a mente e fazer coisas que gos­ mular hipóteses sobre ela. ta, mas isso acontece com qualquer um como Mariana Mariana, que não quis identificar o sobre­ explica a psicóloga Juliana. Apesar das dificul­ Sobre as causas, várias teorias já foram nome, 34 anos, descobriu que tem a doença dades, os esquizofrênicos têm a característi­ formuladas e a conclusão é sempre a mesma: há 8 anos. Ela esclarece que nunca ouviu vo­ ca de dedicar­se a algum tipo de arte ou ati­ as causas são múltiplas. Cada esquizofrênico zes, mas os sons normais como o da televisão vidade. “Naquilo que eles se empenham eles é único como uma obra rara de um museu on­ e das pessoas falando a incomodava pois ela fazem muito bem, acima da média” orgulha­se de todos se debruçam para observá­la e for­ achava que tudo era uma ameaça diretamen­ Juliana. dudamolossi@hotmail.com

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