MANIFESTO FEMINISTA DE CABO VERDE

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FICHA TÉCNICA

Título: Manifesto Feminista de Cabo Verde 2022

Compilação e Edição: Movimento Eco-Feminismo de Cabo Verde (MEFCV)

Coordenação: Mónica Sofia Vieira Rodrigues

Colaboradores: Lúcia Brito, Vladmir Ferreira, Divânia Fortes, Isa Gonçalves, Eloisa Gonçalves, Redy Lima, Giza do Nascimento Gertrudes, Leila Portela, Lenira Querido, Dúnia Tavares, Tatiana Rocha, Ailene Rosa, Graça Sanches, Carmelita Silva, Isa Varela- Associação de Rabidantes, Paulino Vaz Moniz, Wake up Queen, OMCV, Mulher Inspira Mulher e Liga de Associação de Universitários de Santiago.

Membros do MEFCV: Fátima Carvalho, Elsa Fernandes, Gisseila Garcia, Nandy Lima, Oldemisa Monteiro, Mikael Moreira, Leliane Oliveira, Mónica Rodrigues, Cleissi Soares Klapheck e Maria Veiga.

CONTEÚDO

INTRODUÇÃO

Por estar na região inter-Sahel, Cabo Verde foi um dos primeiros países a sofrer os efeitos das alterações climáticas. A desertificação e a redução drástica dos padrões de chuva tornaram as terras agrícolas tradicionais improdutivas, obrigando as pessoas a migrarem das suas aldeias para áreas urbanas e para outros países. No entanto, devido a fraca industrialização do país os registos de poluição de Cabo Verde e a pegada de carbono são quase zero.

As mudanças climáticas também impactaram negativamente o desenvolvimento social de meninas e mulheres. Muitas mulheres emigraram como empregadas domésticas para países como Itália, Portugal ou os EUA e, por outro lado, muitas outras viram os seus parceiros a emigrarem como mão-de-obra mal paga (barata), deixando para trás famílias, muitas vezes filhos pequenos que cresceram sem a presença de um pai e ou de uma mãe.

A gestão dos recursos hídricos tornou-se um desafio global para o século 21, devido a uma demanda crescente que supera a oferta mundial. A crise hídrica contemporânea é o resultado da contínua abstração da água, e os conflitos contemporâneos pela água são resultantes da construção de uma noção de como a água deve ser apropriada e consumida, difundida por meio de políticas de recursos hídricos, mercantilização da água e de investimentos em consumo agrícola e industrial ao redor do mundo, prejudicando os mais pobres e resultando em injustiça ambiental ou territorial. No nosso país, particularmente, o retorno da água tem sido um sério problema, visto que, a falta da chuva por anos seguidos e a seca decorrente tem impactado no funcionamento eficaz do

ciclo da água, afetando meninas e mulheres que se deslocam quilómetros de distância à procura do precioso líquido. Assim, a escassez da água reside, primeiramente, na falta de chuva e pluviosidade, e se associa também a questões sociodemográficas e no acesso e distribuição desigual da água a depender da região de residência e status socioeconómico.

As vulnerabilidades política, social e económica intensificaram com a pandemia da Covid-19 e trouxe à tona as fragilidades da implementação das políticas públicas do país nos diversos sectores chaves da economia cabo-verdiana, como por exemplo: profissionais do sector de hotelaria e turismo e com um choque forte junto das famílias que dependem da informalidade da economia para a sua sobrevivência. Segundo o relatório de impacto do covid-19 na desigualdade de género recentemente publicado pelo ICIEG (2020), as mulheres foram as mais afetadas quanto à questão da redução dos rendimentos. Os cabo-verdianos, particularmente meninas e mulheres, estão sendo impactados pelos efeitos colaterais negativos da crise sanitária, social e do desenvolvimento econômico capitalista.

A realidade do sector informal no atual contexto da pandemia e da seca prolongada em Cabo Verde, caracteriza-se como um problema social e sanitário que agudizam ainda mais as desigualdades de género, com discriminação negativa para as mulheres no sector informal, tanto a nível de escolaridade, de rendimento e de acessos aos mecanismos financeiros para alavancar os seus negócios. Ou seja, a desigualdade de gênero, decorrente da crise atual contribui significativamente para o agravamento das desigualdades sociais e apresenta-se como uma das barreiras para a ascensão social e económica das mulheres. Sendo um sector com cara feminina assim como a pobreza e agora o próprio vírus SARS-CoV-2 presente no país, a crise sanitária e social que se vive têm grandes impactos sobre a maior parte das famílias lideradas por mulheres, que dependem de transações diárias do seu próprio negócio. Igualmente, para as empregadas domésticas que encontram-se neste

momento em situação de desemprego e muitas com os seus direitos violados e desprovidas de mecanismo institucional para salvaguardar os seus direitos humanos fundamentais.

Ainda, é importante refletir sobre as abordagens e metodologias que as instituições têm aplicado na interação com as populações em situações de vulnerabilidade. Para isso, o país deve começar a pensar em estratégias e políticas para dar respostas a esta e outras conjunturas futuras.

É neste sentido que o Movimento Eco-feminismo de Cabo Verde (MEFCV) organizou, no dia 27 de fevereiro 2021 o fórum “Mulheres Pela Equidade de Género: Agenda Feminista e Empoderamento das Mulheres em Cabo Verde”, onde saiu como resultado a criação de uma agenda social e política Feminista, comum, de e para Cabo Verde, designado por Manifesto Feminista.

Este Fórum serviu para agregar diferentes agentes sociais, individuais e coletivos que conduzem lutas feministas e têm propagado debates em diferentes espaços, com o objetivo de promover reflexões relacionadas com o ativismo feminista, no sentido de articular uma proposta de um movimento feminista plural, descolonial e interseccional, com agenda própria e em articulação com as agendas de outros movimentos sociais.

O MEFCV tem também como uma das prioridades de agenda o intercâmbio entre os diversos coletivos de empoderamento de mulheres de diferentes ilhas do país e da Diáspora, baseando na tese de que a sustentabilidade social, económica, com foco na equidade de género, passa, fundamentalmente, pelas advocacias para a implementação prática de políticas públicas de igualdade e de equidade de género, que vêm sendo desenhadas sob forte articulação institucional e engajamento de todos os intervenientes que lidam com a questão da violência e abuso sexual, da educação para a igualdade, da saúde e do bem-estar das mulheres e meninas na sociedade, pautado em um conjunto de princípios.

PRINCÍPIOS FEMINISTAS CV

O Movimento Feminista de Cabo Verde define-se como um movimento da sociedade civil que engloba mulheres e homens e outras identidades de géneros não binários. Tem por missão a luta pela igualdade e equidade de género, visando políticas mais equitativas, junto à sociedade e promovendo a mudança de consciência relativamente a categorias de géneros não binários.

Assim, o feminismo em Cabo Verde rege-se pelos seguintes princípios:

A. O feminismo em Cabo Verde pauta-se pela diversidade social do país, tendo em conta a historicidade de políticas públicas patriarcal, que caracteriza as ações implementadas até agora;

B. O Movimento Feminista de Cabo Verde deve estar voltado para as discriminações positivas, visando a redução das desigualdades entre homem e mulheres e adotar a equidade como estratégia para resolução de problemas e de equilíbrio de poder numa perspetiva relacional;

C. A luta pela igualdade e equidade deve ser travada de forma igual para todos os géneros, por forma a não criar situações de fragilização de nenhuma das partes;

D. A socialização do conceito de género deve ser efetivada numa perspetiva que ultrapassa o estereótipo homem e mulher, facilitando a integração de géneros não binários reconhecidos socialmente.

Durante o fórum estiveram sobre a mesa temas diversificados, onde ficaram explícitos um vasto leque de demandas sociais, políticas, económicas e ambientais que afetam o feminismo em Cabo Verde, bem como propostas de articulação de políticas públicas que servirão de base para a melhoria das condições das mulheres e meninas no arquipélago, subscritas por todos os representantes das associações presentes.

Mulheres como Vozes Políticas Feministas nas Instituições

Cabo-verdianas

Há mulheres cabo-verdianas ocupando cargos de deputadas, ministras, e sendo figuras visíveis na cena pública. No entanto, é necessário que abracem a agenda feminista, na medida em que estas mulheres são modelos positivos para as meninas, que as vêem como membros ativos do governo, da sociedade e das elites políticas. Contudo, é preciso que se posicionem de forma assertiva na defesa de uma agenda política de combate à discriminação sexual e empoderamento das classes menos favorecidas, à discriminação de género e ao sistema patriarcal, herdada da geração passada, que oprimem a vida das mulheres e haver abertura para diálogo e articulação com organizações/movimentos feministas e de empoderamento das mulheres de base, dando voz aos mais desfavorecidos socialmente. As nossas propostas a este nível são os seguintes:

● Defender e realçar o papel da mulher numa sociedade matrifocal; que sejam guardiãs dos bens coletivos e do Estado;

● Participar ativamente na tomada de decisões fiscalizando as políticas públicas desde a sua elaboração, execução e avaliação, de forma que estas sejam inclusivas, justas e equitativas, bem como na defesa do orçamento sensível ao género;

● Salvaguardar o seu direito à liberdade de expressão para defenderem as causas feministas e, sobretudo, que se posicionem acima das agendas partidárias;

● Desenvolver habilidades diversificadas, que lhes facilite o acesso a todas as esferas sociais, incluindo políticas, de forma livre e espontânea, por forma a que nenhum status social conseguido, seja fator de opressão e de prevaricação das liberdades.

● Desenvolver habilidades pessoais que lhes permita o exercício da liderança pública, mas que não façam da política o seu modo de vida, um trampolim para a ascensão social e na carreira e um mecanismo de acesso a privilégios, perdendo deste modo a liberdade de expressão contra o sistema que lhes dá esses benefícios;

● Criar mecanismos que garantam a qualidade da participação das mulheres na política, tendo em atenção os desequilíbrios de género na gestão do lar e tarefas de cuidados;

● Propor ao ICIEG a criação de um "Guia de equidade para cobrir mulheres e minorias na política";

● Promover campanhas de sensibilização e capacitação de jornalistas a fim de evitar a desinformação e a cobertura jornalística estereotipada e sexista das mulheres na política;

● Desenvolver advocacias com vista a feminizar, humanizar a sociedade e combater o desequilíbrio de género existente

Direito à Educação, Saúde Sexual e Reprodutiva das Mulheres

As meninas e mulheres são as que mais sofrem com as dificuldades de acesso à saúde e educação de qualidade. Embora tenha havido ganhos na obtenção de acesso universal nas últimas décadas, especialmente desde a independência, o sistema educacional ainda desempenha um papel de doutrinação de um regime patriarcal e basicamente reproduz a administração familiar tradicional que coloca as meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade, em relação aos rapazes.

O acesso à saúde de qualidade constitui um grande mecanismo de desigualdade devido aos desequilíbrios financeiros e sociais. Em particular, o acesso à educação sexual e reprodutiva e aos serviços de saúde têm sido deficitárias para as mulheres, sendo piores para as mulheres rurais e imigrantes. As doenças sexualmente transmissíveis ainda são tabus e o abuso sexual com omissão dos pais é uma epidemia social que flagela a vida das meninas e mulheres.

A pedofilia normalizada como cultura da “catorzinha e pikena” também é presente na sociedade cabo-verdiana e deve ser combatida com medidas coersivas e de tolerância zero, como forma de promover a saúde mental das meninas e o seu bem-estar, numa normativa de desenvolvimento social sustentável. Prevenir a parentalidade precoce com discriminação negativa para as adolescentes (meninas de 15 anos engravidam de homens de 20 anos ou mais) é mais um desafio social que interpela a intervenção de todos os atores sociais. Entretanto, discutir a parentalidade precoce na adolescência, engloba dois pontos de vista: sendo o primeiro a sobrecarga de responsabilidade sobre as “meninas - mães” e o segundo a desresponsabilização total do “meninopai” que segue a sua vida como se nada tivesse acontecido, agravando a situação da menina, mãe solteira, mãe adolescente.

Para este ponto apresentamos as seguintes propostas:

● Colocar o feminismo na agenda da educação pública, com foco em práticas de educação e prevenção contra o abuso e assédio sexual, incluindo educação sobre a paternidade, mediante um diálogo aberto tripartido que envolve família, escolas e adolescentes;

● Reforçar os mecanismos de combate aos problemas relacionados com o assédio sexual, pedofilia e parentalidade irresponsável;

● Atualizar e reforçar a legislação sobre a pensão alimentícia e promover uma maior divulgação junto das comunidades, para conhecimento e atuação das mulheres, em caso de prevaricação por parte dos pais.

● Implementar ações de tolerância zero contra a pedofilia e o abuso infantil e determinar a erradicação da violência de género como prioridade política.

Prevenção e Tratamento de Saúde Mental das Mulheres

Séculos de opressão, discriminação e vozes silenciadas no desempenho das funções de produção e reprodução e sendo um agente destituído de decisão no espaço público, a figura da mulher na sociedade cabo-verdiana têm arquivado nas suas memórias situações de traumas que impactam negativamente a saúde mental de raparigas e mulheres cabo-verdianas.

Numa análise mais granular, referimo-nos a aspetos como a sua voz não ser ouvida e levada em consideração em decisões importantes para o país, apesar da indispensável contribuição para sociedade nas áreas chaves como a educação, negócios, ainda que sem atenção do Estado, conservação dos recursos naturais, valores culturais e práticas ancestrais.

Face a essas considerações, entende-se que a violência institucional tem sido uma das formas de opressão de meninas e mulheres, traduzindo-se, por exemplo, em mecanismos de combate agressivo contra as vendedeiras ambulantes e ligeireza no tratamento de casos de pedofilia, agressão sexual, VBG, entre outros. Os estigmas na sociedade, por serem vítimas de atos de pedofilia, violência no namoro e abusos no relacionamento conjugal, fazem com que muitas mulheres entrem num círculo vicioso de depressão e narrativa contaminada.

Desta forma propomos que:

● A saúde mental da mulher seja colocada no centro do discurso político, por forma a que se dê uma atenção especial às vítimas do sistema e à elevação da autoestima feminina;

● Criar mecanismos simplificados de melhoria de acesso à saúde mental das mulheres e meninas e eliminar as barreiras que condicionam o acesso aos serviços de saúde mental, quais sejam, a postura clínica dos profissionais, falta de confiança, violência psicológica entre outros;

● Promover a sensibilização sobre a importância da saúde mental das mulheres para o equilíbrio e coesão familiar e social.

● Implementar ações como coaching e serviços de saúde emocional, acessíveis a todas as mulheres, especialmente aquelas das classes mais marginalizadas;

Justiça Climática

A estabilidade política de Cabo Verde assenta no falso mito da sua falta de recursos. Cabo Verde é rico em biodiversidade de paisagens, cultura, praias e um clima agradável que desperta o interesse de muitos investidores extrativistas que não levam em consideração o impacto ambiental e sobretudo social da indústria do turismo.

O uso insustentável de recursos escassos como a água para o benefício de alguns interesses estrangeiros em coligação com as elites políticas locais é frequente em Cabo Verde. Mas é possível outro modelo, em que a economia não se construa sobre dívidas, em investimentos oportunistas, mas sim no desenvolvimento sustentável com perspetivas e abordagens feministas, com base na economia ecológica, que valorize a cultura local, o conhecimento das ilhas e a relação entre as pessoas, e onde Cabo Verde encontre a sua alma de cadinho de culturas e povos.

Um desenvolvimento em que os recursos naturais sejam utilizados de forma sustentável para, em primeiro lugar, melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes, investindo na educação e na qualidade dos recursos humanos, de modo que as mulheres tenham acesso ao emprego digno e à igualdade de salário perante os homens.

Propomos que as políticas públicas foquem em:

● Maior atenção e resiliência por parte das instituições, no sentido de colmatar e melhorar a qualidade de vida dos habitantes através da distribuição equitativa dos bens básicos e de infraestruturas sustentáveis;

● Melhor gestão dos recursos hídricos, tornando a sua distribuição mais igualitária e sustentável;

● Fornecer à população estruturas de combate à seca e de resiliência e de mitigação dos desastres naturais, quer seja calor, cheias, furacões entre outras, tendo em conta a geolocalização do nosso país;

● Criar políticas públicas permanentes de acesso à água potável, que podem passar pela transformação da água salgada do mar em água doce, aumentando assim o acesso ao precioso líquido às pessoas em situações de maior vulnerabilidade;

● Reforçar o controlo e avaliação da qualidade e distribuição da água, numa linguagem que seja acessível às populações com baixo nível de escolaridade e em condições de injustiça climática;

● Elaborar políticas da água e gestão das barragens com uma abordagem e análise participativa das populações, representantes comunitários nas áreas rurais e assentamento urbanos informais;

● Investir na educação ambiental dos líderes comunitários na matéria das alterações climáticas e melhorar as estratégias de comunicação para prevenção e resiliência e sustentabilidade;

● Melhorar a gestão da distribuição dos recursos hídricos, através da melhoria das infraestruturas e saneamento básico nas comunidades (zonas) urbanas mais carentes;

● Investir em infraestruturas de distribuição de água em zonas rurais, como forma de combate ao êxodo rural.

Políticas Sensíveis para Mulheres Rurais

É cada vez mais necessário discutir a dimensão da desigualdade de género no meio rural, que é baseada num mecanismo de hierarquização entre os homens e mulheres, atrelado às condições de ser, ter e estar, assim como, na desvalorização, exploração opressão e subordinação das mulheres. Assim, propomos nesta matéria as seguintes recomendações:

● Estabelecer políticas públicas que valorizem a escolarização e o acesso equitativo às profissões, diminuindo a tendência de exclusão feminina na atividade agrícola e em outras consideradas socialmente exclusivas aos homens;

● Reforçar políticas de combate à exclusão feminina na sucessão da propriedade familiar, formação educacional e profissional dos filhos e filhas.

● Criar condições de habitabilidade local, por forma a evitar a migração das mulheres e meninas para outras regiões rurais ou urbanas;

● Implementar políticas de empoderamento e de destaque para as mulheres agricultoras, abrindo uma agenda de pesquisa sobre as suas modalidades de existência e seus significados;

● Aumentar o investimento na capacitação das mulheres rurais, de forma a evitar o êxodo rural e migração climática;

● Promover incentivos ao investimento no turismo rural, cooperativas, cadeias de valor agropecuária, pesca sustentável e reaproveitamento de resíduos marinhos, como forma de apoio à fixação e permanência da população no local de origem;

● Incentivar a criação e inovação de negócio verde e sustentável, agricultura regenerativa e permacultura, preservando a biodiversidade e naturezas únicas das ilhas de Cabo Verde;

● Promover o acesso à educação com foco na educação financeira, matemática e áreas técnicas como ferramentas para promover o autoemprego e liberdade de escolha das suas profissões.

● Eliminar estigmas a volta do trabalho no sector primário e promover campanhas de sensibilização voltado para o trabalho de campo, como fonte de rendimento e segurança alimentar das famílias

● Incentivar os estudos nas áreas de economia rural e trabalho agrícola através de atribuição de bolsas de estudos e fornecimento de equipamentos que possibilitem o aumento de produção e, por conseguinte, aumento de rendimento;

● Estimular e fortalecer o desenvolvimento da economia verde, como uma via para desenvolvimento socioeconómico.

Justiça Social e Económica

Cabo Verde é uma sociedade matriarcal oprimida pela administração patriarcal com regras herdadas de um regime opressor colonial, que afeta mulheres e meninas no seu desenvolvimento pessoal e social. Uma das dificuldades persistentes é o acesso ao financiamento que lhes possibilitam o empoderamento económico e a independência, apesar de muitas mulheres serem administradoras das finanças domésticas e mais de 52% chefiar as suas famílias. Essas mulheres “empresárias” constituem uma força dinâmica na economia, apesar de não serem socialmente reconhecidas e não terem acesso a educação financeira adequada. Porém é importante realçar a tendência de viragem, no que tange a entrada de mulheres no mercado de trabalho, quer pela via de trabalho por conta de outrem, quer por outras vias alternativas de sobrevivência, nomeadamente a criação dos seus próprios negócios e venda ambulante.

Para que a tendência de contornos não se estagne, propomos:

● Uma atenção especial às meninas e mulheres, principalmente as de zonas rurais, das orlas marítimas e de zonas urbanas que se dedicam ao setor informal, proporcionando-lhes autonomia e capacitação financeira que as inibem de estar dependentes do Estado e/ ou de projetos institucionais com caráter assistencialista;

● Promover a integração da educação financeira no currículo escolar;

● Promover a visibilidade ao papel das mulheres na economia, criando espaços e instrumentos financeiros que atendam às suas necessidades no mercado económico e financeiro, de modo a possibilitar o empoderamento da classe feminina através de exercício de atividade remunerada ou produtora de rendimentos;

● Reforçar os direitos e a dignidade das mulheres no setor informal e em toda a esfera social, com especial atenção para as vulnerabilidades, agravadas pela pandemia;

● Assegurar os direitos à licença de maternidade às mulheres no mercado laboral, sem discriminação, assédio moral e sexual;

● Assegurar o apoio social às mulheres no setor informal, principalmente durante a gestação e três primeiros meses pós-parto;

● Garantir apoio jurídico-legal às meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade, nomeadamente na luta pelo direito à responsabilidade paterna e pensão alimentícia;

● Garantir o cumprimento constitucional dos direitos à habitação condigna às meninas e mulheres;

● Implementar políticas laborais para as mães chefes de família e isenção fiscal nos artigos de primeira necessidade;

● Melhorar o plano nacional de saúde sexual e reprodutiva, a humanização do atendimento na administração e eliminar a violência obstétrica nas infraestruturas de saúde pública;

● Banir todas as formas de atitudes discriminatória, pelas quais as mulheres têm passado a nível da saúde;

● Reforçar as condições legais para o exercício do trabalho doméstico formalizado, por forma a que as empregadas domésticas usufruam de igual forma das condições impostas pela lei laboral cabo-verdiano;

● Reforçar o investimento na comunicação e informação sobre os direitos laborais em Cabo Verde, salientando a importância de as pessoas conhecerem os seus direitos e os benefícios de estarem protegidas pela segurança social;

● Naturalizar a relação entre a empregada doméstica e o empregador, enquanto exercício de uma profissão digna;

● Promover assistência psicológica, às mães chefes de família que se encontrem em situação de vulnerabilidade, nomeadamente com filhos em conflito com a justiça e em grupos na violência urbana;

● Fornecer o apoio jurídico e psicológico às mães com filhas que sofreram abusos e agressão sexual;

● Promover espaços de escuta para jovens rapazes dentro das comunidades, por forma a gerar uma masculinidade positiva;

● Aumentar o investimento na educação e desenvolver políticas públicas para fomentar o acesso a recursos de financiamentos, para a inclusão económica;

● Garantir a autonomia das famílias e identificar os aspetos críticos que requerem mudanças urgentes;

● Promover o setor das microfinanças, reconhecendo o seu importante papel na capacitação e empoderamento económico das mulheres.

Feminismo. VBG e Desigualdades Sociais em Cabo Verde

Em Cabo Verde a violência baseada no género atinge na sua maioria mulheres, na qual representa 89% das vítimas (INE 2017). Por isso, as políticas públicas de VBG estão muito centradas nas mulheres, marginalizando o autor da violência, que apenas representa 11%. Por outro lado, as políticas estão mais voltadas para reação do que para prevenção. As práticas devem ser mudadas e o combate ao machismo e a masculinidade tóxica devem iniciar com a educação dos progenitores e das mulheres, principalmente, aqueles que exercem um papel fulcral na educação familiar e comunitária, pelo que é necessário:

a. Repensar o conceito de género, abarcando toda a diversidade presente em Cabo Verde;

a. Rever o quadro conceitual da Lei de VBG, de modo a introduzir o conceito de PODER. Um conceito fundamental para o enquadramento/tipificação de casos de VBG, que tem ficado ao critério do procurador que atende a vítima;

b. Desmistificar a ideia do crime de VBG, associada apenas à agressão física, focando também em outros tipos de violência (emocional, psicológica, sexual, assédio contra homens e mulheres, violência patrimonial, entre outros);

c. Criar mecanismos de comunicação que permitem denúncias instantâneas e respostas urgentes por parte das instituições;

d. Reforçar o trabalho de prevenção, visando a desnaturalização das desigualdades de género e violência, particularizando a questão no meio rural;

e. Elaborar e executar políticas públicas para VBG de forma desconcentrada e que enquadram a educação para o relacionamento conjugal e sexual, incluindo todos os sexos;

f. Projetar políticas e ações específicas de combate às desigualdades de género/VBG, tendo em consideração o contexto social d@s vítimas e que vão 25

ao encontro das particularidades das mulheres, homens e pessoas não binárias de diferentes classes sociais e geografias;

g. Envolver todas as partes, instituições multidisciplinares, mulheres, homens e pessoas LGBTQ+;

h. Edificar centros de acolhimento de qualidade e com recursos humanos adequados para atendimento das vítimas;

i. Considerar micro-agressões quotidianas e culturais na definição das políticas públicas da VBG, incluindo agressões verbais e físicas contra menores;

j. Promover um ambiente seguro para abrigar mulheres vítimas de violência e os seus filhos, com uma forma temporária de ensino interno para as crianças deslocadas.

k. Criar condições de conforto é um bom mecanismo de financiamento, bem organizado, capaz de fornecer um serviço que vá de encontro às necessidades do cliente;

l. Estabelecer, igualmente, mecanismos que permitam às vítimas reconstruir as suas vidas e delinear estratégias e ações de levantamento de autoestima e de recomeço.;

m. Combater a morosidade dos processos judiciais de VBG que dão entrada nos tribunais, por forma a evitar o arquivamento dos mesmos e o “empoderamento d@ agress@r”;

n. Desconstruir os estereótipos de vitimização das mulheres quando se fala de VBG;

o. Criar mecanismos de denúncia e de tratamento de dados, por forma a que as estatísticas demonstrem a situação real de VBG em Cabo Verde;

p. Rever as Leis de VBG - no sentido da operacionalização de leis entre diferentes atores;

q. Promover uma maior intersetorialidade e maior articulação entre as instituições que trabalham em prol do combate à VBG no país;

r Reforçar o trabalho de prevenção, visando a desnaturalização das desigualdades de género e violência, particularizando a questão no meio rural;

s. Despartidarizar e deselitizar as ONGs Feministas, que trabalham na promoção da igualdade de género;

t. Trabalhar na sensibilização social para declinar a elitização dos movimentos feministas e promover a integração de mulheres de todas as classes sociais, tanto urbanas como rurais.

u. Promover uma Co-Liderança Intergeracional, para que se agreguem novos valores no relacionamento conjugal e se abalem os estereotipados;

v. Promover uma Educação de qualidade, inclusiva e equitativa, conjugada com a justiça Digital.

Educação para Saúde Feminina e Desenvolvimento Sustentável

Nesta temática a discussão gerou-se à volta do papel da mulher na educação para a saúde e para o desenvolvimento, a partir de uma saúde segura e sustentável, e as recomendações foram as seguintes:

a. A mulher como foco da assistência familiar em casos de falta de saúde de algum membro da família, deve ter acesso ao conhecimento dos cuidados primários de saúde e condições financeiras para facilitar a sua intervenção em caso de necessidade;

a. Promover o acesso à saúde e à educação para a saúde das meninas e mulheres, visando assegurar o bem-estar físico e psíquico em todas as fases da vida;

b. Garantir uma saúde sexual e reprodutiva segura, por forma a evitar mortes materno infantis, ainda com alto nível de prevalência em Cabo Verde;

c. Promover a educação para a sexualidade e para o relacionamento “namoral” e conjugal, visando o combate ao abuso sexual infantil, à VBG na adolescência e ao feminicídio;

d. Elaborar um plano de saúde sexual que permita o acompanhamento dos adolescentes e jovens desde a fase da puberdade nas estruturas hospitalares e ou em centros a eles destinados;

e. Promover a abertura para o diálogo e educação sexual no seio familiar e nas escolas, eliminado tabus e mensagens estereotipadas que obstaculizam as campanhas de prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis, ao abuso sexual contra menores intrafamiliar e na vizinhança;

f. Promover a sensibilização e educação para a paternidade responsável e parentalidade amiga das crianças;

g. Reforçar campanhas de sensibilização contra a paternidade precoce e indesejada na adolescência;

h. Promover políticas públicas de alimentação saudável e equilíbrio mental, a partir do empoderamento da mulher como gestora dos géneros e dos medicamentos no seio familiar

Políticas de Saúde Sexual e Reprodutiva em Cabo Verde: Situação, Desafios e Soluções

Neste Tema as discussões centraram-se no historial da violência sexual, reprodutiva e na violência obstétrica do parto a que as parturientes estão sujeitas nas maternidades do país, pelo que as recomendações para a melhoria de serviços de saúde ligados ao parto foram:

a. Desenhar e executar políticas de saúde sexual e reprodutiva de acordo com a realidade e necessidades da população e das diferentes classes sociais existentes;

a. Estabelecer uma análise de género de forma aprofundada, na perspetiva de conhecer melhor e atuar com eficiência e efetividade;

b. Criar condições para a humanização do aborto voluntário, conforme a lei vigente no país;

c. Promover a masculinidade participativa e a inclusão do pai em todo o processo desde o planeamento familiar, integrando questões legais de licença parental no processo de reprodução familiar;

d. Promover a saúde e o acompanhamento das mulheres pós-parto e uma abordagem informal de proximidade comunitária em 3 direções: no paciente; com a população e com os decisores;

e. Introduzir as questões de educação sexual no currículo escolar desde muito cedo e no trabalho comunitário (com os pais);

f. Aumentar ações de educação sexual e reprodutiva, visando o conhecimento e a preparação das mulheres para o parto;

g. Promover a desconstrução de tabus e tradicionalismo ligados ao parto e a conscientização da mulher relativamente ao fenómeno “dar a luz” como sendo natural e de extrema importância para a humanidade;

h. Promover a humanização da assistência à mulher e família em todo o ciclo gravídico puerperal;

i. Implementar medidas de combate à violência institucional em obstetrícia;

j. Promover advocacias que resultem em políticas públicas de proteção social das mulheres em todas as classes sociais, incluindo as mais vulneráveis e sem qualquer rendimento, por exemplo, implementação do subsídio de parentalidade social;

k. Estabelecer agendas de formação visando a humanização dos serviços de obstetrícia em todas maternidades de Cabo Verde;

l. Elaborar planos nacionais de cuidados para a saúde materna, obedecendo às diretrizes internacionais, com vista ao alcance dos objetivos para o desenvolvimento sustentável (ODS) na área sexual e reprodutiva;

m. Estabelecer medidas preventivas e não reativas, com perspetivas de médio e longo prazo e que integrem propostas práticas de educação para a saúde e prevenção de doenças e promoção do parto humanizado.

Todos os Presentes comprometeram-se a serem porta-vozes das mulheres em situação de vulnerabilidade em Cabo Verde, tendo como suporte o presente

Manifesto, Plano de Ação de género aprovado na conferência do clima, a Resolução 1325; Young Women Beijing 25+, orientações para o Orçamento sensível ao género e às mulheres rurais, e outras diretivas nacionais e internacionais sobre a igualdade e equidade de género.

Nesta onda de cidadania e promoção do bem comum, por considerarmos que juntos somos mais fortes, elaboramos o presente documento, designado de manifesto feminista, procurando através da advocacia influenciar a execução de políticas acertadas em prol da igualdade e justiça social e promover ações que propugnam a melhoria da qualidade de vida da classe feminina, bem como a sua participação na vida económica, social e política do país.

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