Jornal de Amarante 1808

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O JORNAL DE AMARANTE | 11 JULHO 2019 | ENTREVISTA | 13

tive de interiorizar que se não fosse eu a executar tal tarefa, seria um outro camarada sem qualquer limitação. Nem tudo é “um mar de rosas”, nem sempre a capacidade de reagir ao facto de ser “diferente” foi fácil. Todos temos momentos menos bons, eu não sou exceção e, quando esses momentos, dias ou horas são mais fortes que a capacidade de querer, a vida por momentos deixa de fazer sentido. Tive momentos em que não soube lidar comigo próprio, horas de desespero pelo facto de não conseguir lidar com a minha situação. Felizmente, tive a família e amigos sempre ao meu lado, que nessas horas souberam lidar com a situação enigmática em que eu próprio me colocava. Passei por momentos frustrantes e de desespero, mas no final consegui encarar a vida de balcão de atendimento porque os móveis assim forma positiva. não o permitem, algo básico que qualquer mortal devia ter a oportunidade de conseguir. JA - Qual o seu lema de vida? Farto de comentários como: “é difícil estar FC - Para além dos excelentes ensinamen- assim… não consegues fazer nada…”. O “tatos que os meus pais me transmitiram, existem nas” é que não consigo! Sim, estou farto do dois lemas de vida que desde muito jovem, ridículo da sociedade e de idealizarem que quando pela primeira vez entrei na tão nobre pessoas como eu não conseguem. Eu trabalho família paraquedista me foram incutidos, os como qualquer pessoa, conduzo como qualquais nunca esquecerei. Estarão sempre pre- quer pessoa, faço as tarefas domésticas, já vivi sentes na minha forma de encarar a vida. “Que sozinho nas condições em que me encontro e nunca por vencidos se conheçam”, “dos fracos não tive medo. Vivi e sobrevivi da melhor fornão reza a história” - tais frases expressam sem ma possível. Não somos menos que ninguém, qualquer margem para dúvidas os meus ideais apenas o nosso meio de locomoção são quatro de vida. rodas que não deveriam fazer diferença nenhuApesar do infortúnio, nunca me posso dar ma, mas infelizmente fazem diferença quando por vencido, encaro a vida de forma a não ser tens uma mente pequenina. fraco e temer novos rumos. Também a nível laboral tive e tenho impedimentos. Devido à minha condição física já JA - Para além da incapacidade física, até me foram colocadas entraves na minha proque ponto o 04 de fevereiro de 2011 influen- gressão na carreira, pelo simples facto de não ciou a sua vida? ter robustez física, ideologias mesquinhas, sem FC - Após o dia 4 de fevereiro de 2011, tudo qualquer sentido. mudou. A nível amoroso, tudo se alterou. O relacioEste dia influenciou em quase e/ou todos namento que à data do acidente tinha acabou os aspetos da minha vida. A nível pessoal de- por terminar. No entanto, novas portas se abrisencadeou um espírito de revolta, de mágoa ram e, atualmente, tenho uma excelente mulher e tristeza. No entanto, ao mesmo tempo, a de a meu lado, que nunca olhou para mim de maguerreiro para lutar pelos meus ideais, fez-me neira diferente, de forma a causar constrangicrescer enquanto pessoa, fez-me saber não dar mento. Aceitou-me da forma como eu sou, sem tanta importância a coisas sem importância, olhar para a cadeira de rodas como um entrave uma vez que num ápice a vida muda por com- entre nós. Juntos e sem medo damos a conhepleto. Quando olhamos para trás, já é tarde de- cer ao mundo todo o nosso amor, sendo pais mais e não temos tempo nem sequer para um babados de um menino de apenas 5 meses de abraço daquela pessoa que tanta diferença faz. Sem dúvida existiram momentos em que não quis saber de nada nem ninguém, apenas queria estar fechado na minha concha, o que me prejudicou. Sabia que pela minha condição física me viria limitado em fazer certas e determinadas tarefas, mas foi uma questão de me readaptar. No entanto, existem tantos entraves na sociedade que fazem com que a vida de uma pessoa que nas minhas condições se encontra seja muito, muito difícil. O simples facto de ir a um estabelecimento de restauração e não conseguir ir à casa-de-banho, ou até mesmo chegar ao

vida. És formidável Benvinda Silva. JA - Como surgiu a sua história no remo? FC - O remo surge poucos meses após a lesão medular. Ainda em fase de recuperação, internado no Centro de Reabilitação da Região Centro “Rovisco Pais”, foi possível, após o horário de reabilitação, integrar a secção de desporto adaptado daquele centro, o qual se intitula “Associação Amigos do Rovisco Pais”. Tal associação dispunha, à época, de vários desportos adaptados, tais como: remo na vertente indoor, ciclismo, boccia, ténis de mesa, andebol, entre outros. Inicialmente, até por uma questão de ultrapassar o fatídico dia 4 de fevereiro de 2011, iniciei a prática do ciclismo, posteriormente experimentei o remo na vertente indoor, acabando por integrar a equipa de andebol em cadeira de rodas da associação. No entanto, nunca deixei de parte quer o ciclismo, quer o remo indoor. Verdadeiramente, o remo federado surge quase de forma inesperada. No ano de 2014, tive conhecimento que em Viana do Castelo iria decorrer os Campeonatos Nacionais de Remo Indoor, bem como o Open de Remo Indoor. Apesar da forma lúdica que me dedicava ao remo indoor, visto que tais campeonatos iriam integrar atletas não federados, vertente Open de Portugal, decidi contactar a organização, neste caso Viana Remadores do Lima VRL, na possibilidade de me inscrever como individual, o que me foi possível. No mês de abril de 2014, data dos campeonatos, participei no Open de Portugal tendo alcançado o lugar mais alto do pódio. Após a participação, e visto que participei como individual, representantes do VRL dialogaram com a minha pessoa propondo que experimentasse o remo, mas na vertente água. Caso fosse do meu agrado, o clube teria todo o gosto em que eu fizesse parte como atleta de remo adaptado. Dias mais tarde, desloquei-me à cidade de Viana do Castelo, nomeadamente ao centro náutico do VRL, onde tive o privilégio de experimentar o remo na vertente água. Foi amor à primeira vista. Desde tal dia não mais deixei de parte este desporto. O VRL inscreveu-me como atleta do clube e, posteriormente, federado na Federação Portuguesa de Remo, onde me mantenho até aos dias de hoje.


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