A lógica do destino

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S O L A N G E B E R TÃO

Àquela altura, minha mãe já havia me ligado duas ou três vezes perguntando sobre o resultado dos exames. Eu dizia que não tinha saído ainda. Queria dar a notícia pessoalmente. Quando consegui visitá-la e contei, ela fez um grande desabafo. Parece que foi um alívio para ela, que carregou esse segredo sozinha por tanto tempo. Minha mãe me falou que, já no primeiro mês de casamento, deu-se conta de que não amava o marido. Naquele tempo, as mulheres não tinham a oportunidade de experimentar o sexo antes de se casar. Depois de muitos anos de matrimônio, ela quis viver um grande amor, com paixão e tudo o mais. Aconteceu e eu nasci. Minha mãe pediu que eu não contasse nada ao meu pai afetivo. Como ele não demonstrou interesse pela história, não contei. E seria desnecessário. Ela e eu éramos as pessoas mais envolvidas. Questionei sobre meu pai biológico e minha mãe disse que ele já havia morrido. Em outra visita, insisti na pergunta e ela acabou contando que ele morava numa cidade vizinha. O impulso de querer conhecê-lo foi inevitável. Como ele era conhecido da família, inventei um pretexto para ir visitá-lo e marcamos um café da manhã. Chamei uma prima para me acompanhar e fui até a casa dele dirigindo meu carro. Quando estacionei, a buzina disparou do nada, sem me dar nenhuma chance de voltar atrás. A família inteira saiu para ver o que estava acontecendo. Eu abri o capô e aquele senhor puxou alguns fios, fazendo cessar o barulho. Em seguida, entramos, conversamos, comemos e tiramos fotos. Fomos muito bem recebidos. Não toquei no assunto – achei que iria causar um transtorno muito grande. Na hora de ir embora, o carro não queria dar partida. De novo, precisei de ajuda – todos empurraram até que o veículo pegasse no tranco. Eu e minha prima saímos de lá boquiabertos. Naquela época, esses acontecimentos foram muito estranhos para mim. Mas o fato é que essa revelação fez muito sentido... Foi como uma peça que se encaixou. Quanto mais eu ia na direção dessa história, mais força eu sentia dentro de mim. Foram dez anos assentando esse segredo revelado. Precisei ressignificar muitas coisas – questões profundas e até coisas simples, como quando um médico me perguntou sobre o histórico de doenças na família do meu pai, num checkup de rotina, e eu fiquei sem saber o que responder. A cada

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situação que aparecia, eu pensava: “Eu não sei...” E assim era com muitas questões que eu me fazia. Por um tempo, distanciei-me da minha família. Não sabia mais como olhar para eles. Aos poucos, fui voltando. Partilhei minha história com meu irmão adotivo e com um dos meus irmãos biológicos. Para o outro, mais passional, não contei. Achei que ele poderia julgar minha mãe. Ao fim de tudo, entendi a intimidade que eu sempre tive com o meu irmão adotivo – afinal, eu também era “meio adotivo”. E uma certa tristeza que eu senti durante boa parte da vida simplesmente sumiu depois da conversa que eu tive com a minha mãe. Hoje eu me sinto apropriado de mim, da minha história e do meu lugar. Foi libertador.

**** Estar presente na Constelação de Marcos e acompanhar todo o desdobramento de sua história me deu a convicção de que a Constelação seria muito mais do que um recurso extra para utilizar com meus pacientes, como eu supunha a princípio. Eu soube, a partir dali, que a Constelação seria um divisor de águas. Logo em seguida, iniciei minha formação. Aprendi com terapeutas que trabalhavam ao lado do criador dessa técnica, o alemão Bert Hellinger. Desde então, venho atuando como consteladora familiar, além de psicóloga. Todos os dias, tenho comprovação da eficácia dessa abordagem, que, para mim, tornou-se uma filosofia de vida.


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