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EDIÇÃO 01 IES 2017
O que é con_ temporâneo?
FOTOGRAFIA: .Olhares_
EDITORIAL O ponto final é uma legítima falácia gramatical quando se trata de época. Qualquer dissertação sobre esse tema feita por, digamos, um aluno aprendiz, um iniciante qualquer, configura um compromisso de se manter presente ao teu tempo. Afinal de contas, enquanto este indivíduo que escreve mantiver sua consciência e respiração, suponho que deva manter esse relato histórico constantemente em produção. É o mais absurdo dos recursos encerrar seu comentário com um legítimo e sarcástico ponto final. O mundo continua girando, e, diz-se, os vacilões rodam. Nesse tempo presente, costuma-se referir a uma época onde as coisas carregam uma presença fugaz e rápida. Esse deve ser o detalhe a partir do qual nosso leitor deve percorrer essas páginas. O que cada artigo, poema e material audiovisual contido dentro deste grita é um retrato íntimo de uma visão daquilo que os dicionários e teóricos chamam de “contemporâneo”. Para seus autores, são obras dentro de nossa época, mas que avançam em nosso passado e futuro, mesmo cada qual carregando seus respectivos pontos finais. Obras de fotógrafos, repórteres, escritores e diretores se misturam nesse compêndio da imagem e texto para produzir uma vívida visão da expressão de seu tempo. Tal qual a foto criminosa de Antonioni - de “Blow Up – depois daquele beijo”, uma magnífica adaptação de Julio Cortázar - cabe ao leitor acreditar nelas ou não. É o nosso contemporâneo, particular a estes vários criadores. Cortázar não é apenas uma citação, nesse caso. Foi uma referência direta para os autores conceberem vários dos trabalhos publicados aqui, tal qual é a atualidade de seus escritos, feitos há mais de cinquenta anos. Dos tipos arquétipos dos cronópios e suas amigas famas, até as babas do diabo, quem pode dizer o contrário, de que o realismo das cidades do interior e de tantos bares temáticos não é, a seu modo, propriamente magico? Quanto o atual não se projeta no passado, e espelha o futuro, nas personalidades tímidas e nos artistas órfãos? E as novas visões sobre o humano, tão esquecidas e hoje tão profundas no solo de nossa consciência? Pisem menos em nós, ó responsabilidades de representar nosso tempo! As mentes criativas por trás desse trabalho sabem o quanto isso é complexo, mas o produto de tantas visões está aqui, para tu, leitor deste tempo. Busque, enquanto folheia estes trechos doces, temperados com limonada rosa, o seu contemporâneo. Veja se nos filmes novos que carregam histórias velhas está aquele sentimento que você carrega quando lê: “estou vivo no agora”. Se na caixa que você mora está o tempo em que você respira, ou se só estou sendo um louco elogiando algo intocável. E, se por acaso você descubra o que é o contemporâneo nessas páginas, posso dizer, com alguma certeza, que fechamos esta revista com um ponto final um pouco menos estático.
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OLHARES
Entre o que sou e o que vejo, nasce a fotografia. Um encontro de olhar e sentidos, uma tradução: indivisivel. O olhar do fotógrafo, metalinguagem (Blow up) e o olhar de quem vê como parte do criar. Na baba parabólica de Cortázar, “se fosse possível dizer: eu viram subiram a lua, ou: em mim nos dói os olhos, e principalmente assim: tu mulher loura eram as nuvens que continuam correndo diante de meus teus seus nossos vossos seus rostos. Que diabo. ”... diante do espelho, todos são reflexo do que o outro vê.
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POESIA
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É AGORA: DESENVOLVIMENTO EM CAIXA
É agora, é a hora, já foi, não tinha que ser. Fui guiado por um nada, fui guiada por um falso querer Sou, fui, tinha, mas não podia ser Fui formada por ideias que nem pude querer. Faço, faça, nunca pude fazer, Fui sempre um reflexo do que era certo fazer. Mude, inove, não seja igual Fui criada em um molde: como deveria sair de tal? Veja, olhe, internalize, reproduza Mas não faça como vê, porque meu método não se usa. Escute sem ouvir, fale o permitido, Dance no meu ciclo, dance comigo. Seja melhor do que eu com as mesmas atitudes. Quero que seja igual, mas apesar de tudo mude. Use a mesma lógica e tenha o resultado diferente. Que ideia é essa? É possível que não pense? Faça uma linha reta, desenvolva essa capacidade Mas saiba que futuramente, são as curvas que importam de verdade. Não existe forma correta, só meu ego em confusão O desejo que você seja feliz, misturado na minha falta de razão. Não entendo e nunca me entendi, Mas espero que me compreendam O pouco sucesso e satisfação Criaram em mim essa pequena ilusão: “O que for diferente não é bom” Como cheguei nessa pobre compreensão? Devo a quem esse mérito, então? Vivo em uma construção, construo ferramentas pesadas Um dia vou jogar elas em certa direção E acabar com toda essa palhaçada. Criada igual, esperada diferente Disseram ser impossível, e prepotente Mas acredito que posso ser sim de um outro recipiente. Aprendi coisas novas em uma mesma lição E embora com muito esforço, Não podem matar a minha vontade A vontade de mudar o ângulo da minha visão. O molde não é desculpa, O molde não tem toda culpa, O que importa mesmo é como você o chuta. Nada foi justo, não pedi aquela caixa Mas como reconhecer logo, quando a inteligência não é inata? Mas apesar de tudo, nada se é em vão. Outros mil saíram do molde e outros mil o destruirão. O medo não vai vencer, Não aqui não. Sou de uma nova geração de poder, Sou da geração da revolução.
Franciele Cristina
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ENSAIO
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Como NÃO falar em público “Fazer o quê, né? A gente vive no mundo dos extrovertidos...” foi o que eu ouvi de uma colega de classe após mais uma aula em que um grupo de alunos teve que apresentar um seminário.Nesse tipo de trabalho, os alunos devem demonstrar oralmente seu conhecimento da matéria. Alguns, mais articulados, até improvisam com facilidade, enquanto outros, visivelmente desconfortáveis, têm mais dificuldade e escutam constantemente aquela frase do professor: “É só isso? Mas você falou tão pouquinho!”. A variedade de personalidades que observamos nos incontáveis trabalhos em grupo, é a mesma que foi estudada pelo psicólogo Carl Jung em 1920, inicialmente definida como extroversão e introversão. Introvertidos são aqueles que preferem ambientes com menos estímulos, precisam de um tempo a sós e pensam muito antes de falar algo. Já os extrovertidos, precisam de ambientes estimulantes, da companhia de outras pessoas e costumam agir com mais rapidez. Atualmente, psicólogos colocam essas definições em um espectro: indivíduos se encaixam numa variação entre a extroversão e introversão e ninguém é cem por cento um ou outro. Porém, estudos feitos nos Estados Unidos indicam que metade da população do país apresenta as características da introversão. É um número expressivo que nem sempre é percebido, pois a maioria aprende desde cedo que deve suprimir sua personalidade. Introvertidos recebem da sociedade a constante mensagem de que a sua maneira de ser é inadequada, e que devem t entar ser diferentes se quiserem ser aceitos. Por quê fazemos pessoas se sentirem tão culpadas por serem quem são? Gostamos de acreditar que valorizamos a individualidade. Porém, na sociedade do culto à personalidade, do “Network” e do best-seller Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, estamos claramente favorecendo um tipo de personalidade em detrimento da outra. Susan Cain, autora do livro O poder dos quietos, diz que essa obsessão pela extroversão começou no início do século 20, quando passamos de uma sociedade movida pela agricultura para uma movida pelo comércio. De repente éramos todos “vendedores da nossa própria persona” e qualidades como magnetismo e carisma, viraram as mais importantes. Todas as nossas instituições, escolas e ambientes de trabalho, são projetadas para extrovertidos, encorajando a interação e o estímulo externo. Crianças aprendem em grupos, ideias são formadas em sessões de “brainstorms”, empregados são contratados por suas habilidades sociais e escritórios são projetados para serem abertos e interativos. Mas seria essa a maneira mais inteligente de organizar uma sociedade? Pesquisas mostram que líderes carismáticos recebem maiores salários, porém, não apresentam a melhor performance. Sessões de “brainstorm” resultam em baixa qualidade de ideias e escritórios abertos causam baixa concentração e menor produtividade. Além disso, a psicologia contemporânea diz que, quando em grupo, o indivíduo acaba reproduzindo o comportamento dos demais. Mesmo quando tratamos de fatores pessoais, acabamos seguindo a opinião do restante do grupo sem perceber. E grupos, comprovadamente, acabam seguindo o indivíduo mais dominante e/ou carismático, mesmo que não exista nenhuma correlação entre ser o melhor orador e ter as melhores ideias. Isso quer dizer que somente com a possibilidade da reflexão solitária é que livramos o indivíduo das distorções da dinâmica de grupo.
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ENSAIO
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Vários de nossos líderes transformativos eram considerados introvertidos, como Rosa Parks, Eleonor Roosevelt e Mahatma Gandhi. Todas essas pessoas eram descritas como quietas e até mesmo tímidas. Mas essa característica acabou aumentando ainda mais o poder de suas mensagens, pois as pessoas podiam sentir que eles estavam lá, não por causa da atenção, mas porque foram levados a fazer o que acreditavam ser o certo. Líderes empresariais como Douglas Conant, CEO da Campbell Soup, e Larry Page, da Google, são descritos por colegas como introvertidos também. Charles Darwin recusava convites sociais e fazia longas caminhadas pelo parque para poder raciocinar sozinho. De Dr. Seuss a Picasso, grandes artistas trabalhavam de maneira solitária. Segundo Cain, a solidão é um dos ingredientes principais para a criatividade e a grande responsável pela verdadeira e profunda reflexão. Não valorizar isso, resulta em um enorme desperdício de talento. Precisamos de introvertidos criando e até liderando. Segundo pesquisas realizadas pelo psicólogo Adam Grant, líderes considerados introvertidos muitas vezes entregam melhores resultados, pois costumam escutar mais e utilizar boas sugestões de outros integrantes. Não é uma boa ideia ignorar a energia criativa de metade da população: descobrimos isso com as mulheres, décadas atrás. Essas pessoas precisam do silêncio para apresentarem seu melhor. Se as negamos isso, privaremos a sociedade de inúmeras novas soluções que poderiam surgir do processo. Esperamos que alunos se desenvolvam em um ambiente que não os favorece. As ideias devem surgir em conjunto e devem ser apresentadas oralmente na frente de todos, o que pode acabar por trazer projetos superficiais que não reflitam o melhor daquele grupo. Além disso, os métodos de avaliação julgam pessoas diferentes utilizando a mesma métrica, o que pode ser considerado injusto e ineficiente para evidenciar o verdadeiro potencial de cada aluno. Quanto a uma melhor atitude em relação ao problema, o psicólogo organizacional Adrian Furnham diz que “se você tem um grupo de pessoas motivadas e talentosas, deve encoraja-las a trabalharem sozinhas se a prioridade for eficiência ou criatividade. [...] Parem com a loucura do constante trabalho em grupo! Precisamos ensinar as crianças a trabalhar em conjunto sim, mas também ensinar a trabalharem sozinhas”, disse Susan Cain em sua palestra do TED Talks, reforçando a importância no aprendizado da reflexão solitária. É claro que isso não significa que devemos parar de cooperar uns com os outros, pelo contrário, nossas conexões aumentaram pela necessidade humana de comunicação e colaboração. Ao mesmo tempo, não devemos ignorar a importância das pessoas extrovertidas, pessoas de ação, pessoas de pessoas. Todavia, devemos buscar um equilíbrio cultural que não possuímos no momento e precisamos admitir a importância de ambientes que propiciem o desenvolvimento de todos. Talvez a solução seja abaixar o volume e organizar os pensamentos para entender como sobreviveremos no mundo dos extrovertidos.
Helen de Fatima Oliveira
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CONTO
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A Rosa, o Universo e Joanas tais
“Não sei dizer quem está mais perto das verdades do universo: nós, contemporâneos, ou os pré-socráticos, que viveram há 2500 anos. Heráclito costumava acreditar que tudo vinha do fogo, tudo nascia do conflito, tudo é construído de opostos. Ele acreditava que tudo muda, a todo o momento, todos mudamos, sem nunca parar. Já Parmênides dizia que nada muda. Que tudo é estático. E que nunca conseguiremos o conhecimento absoluto.” Era nisso que estava Joana a pensar. Nem ela sabia explicar por que motivo ocupava sua mente com questões de tamanha seriedade em uma plena quarta-feira, às duas horas da tarde. Observou uma abelha voar para longe. “Conhecimento. Ciência. Sabedoria. O eterno embate com a religião. Todos tentando explicar os fenômenos da vida e da natureza. Racionalidade ou crença? Ambos ao mesmo tempo?” Não conseguia decidir. A abelha sumiu de seu campo de visão. Resolveu, então, morder uma maçã. Ao desistir da ignorância e morder o fruto proibido, Joana percebeu que teria de ir ao fundo daquela discussão mental. Por mais que soubesse dentro de si que não possuía os conhecimentos necessários para tal discussão ser feita com propriedade, não achou que importasse, afinal, ninguém mais estaria ali para apontar sua incultura. Apenas, talvez, a abelha. Chamaria ela de Rosa. Pois abelhas gostam de flores. Deitada ali naquela grama, naquele momento de paz contagiante sob o sol que esquentava sua pele, Joana pensava nos astros. “Astros”. A palavra nunca falhava em lembrá-la de Hollywood. Essas palavras homônimas são mesmo traiçoeiras. “Seria Hollywood para a terra, o que o céu é para as estrelas?” Dificilmente. Uma vez que até mesmo Carl Sagan já dizia “nós somos, cada um de nós, um pequeno universo”, esse que tentava traduzir para os leigos os segredos do cosmos. Mal sabia ele que Joana utilizaria de suas considerações para ponderar sobre os pequenos universos dentro dos astros de Hollywood. “Será que cada um de seus personagens formaria então um outro astro? A estrela guia desses planetinhas todos seria então a personalidade principal do intérprete?” Mordeu novamente a maçã. O sono começava a dominá-la. Os pensamentos começaram a ficar intensos demais e sua vontade de continuá-los esvaecia... Mas Rosa reapareceu, dando uma pirueta no ar. Ela quase sentiu vontade de dar uma estrela para acompanhá-la. Virou-se de barriga para baixo para acompanhar seu movimento. Quando criança, acreditava que toda vez que dava uma estrela, ela subia aos céus para se juntar com suas amigas. A negação que a astrofísica fazia de sua explicação era tão decepcionante, que as vezes ela preferia ignorá-la. Joana leu, certa vez, que o escuro do céu é na verdade luz se movendo à uma velocidade tão grande que não nos alcança. “Até que a astrofísica não é de todo ruim”. O texto em questão tentava identificar o que era o contemporâneo, e dizia que o contemporâneo seria o que consegue perceber essa luz no escuro. Por isso eles são tão raros. Pensava agora se era contemporânea por perceber os universos intrínsecos nos astros. Se encontrava-se dentro de seu tempo enquanto fora dele. Acho que pode-se dizer que sim. Mas essa contradição seria uma indicação de que ela concordava mais com Heráclito que com Parmênides? Que ela acreditava que o mundo é feito de conflito? Mas e Rosa, a abelha? Ela também muda? Isso que se passava em sua mente era o conhecimento absoluto? “Acho que não”. O redemoinho de pensamentos conflitantes criava um buraco negro em sua consciência. Colocou o antebraço sobre os olhos para que sua visão espelhasse seu âmago. Rosa ainda vagava por perto, ela ouvia seu zunido baixo e insistente. O vento soprava em seu rosto, o calor do sol ainda a banhava. Por mais que fosse a mesma Joana que deitara ali duas horas antes, sentia-se diferente. “O céu nos chama. Se não nos autodestruirmos, um dia vamos nos aventurar pelas estrelas.” (Carl Sagan novamente), ela sentia que acabara de fazer essa viagem pelas estrelas, e que nem ela nem as estrelas eram as mesmas, e que ambas haviam aprendido uma com a outra.
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CONTO
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Conseguiram ser pontuais num compromisso ao qual se pode apenas faltar (parafraseando Agamben), e agora eram experientes itinerantes que continham alguns segredos da vida na mochila. O segredo do anacronismo da contemporaneidade. O segredo da falta de compreensão melhor que a dos pré-socráticos, melhor que a dos astrofísicos. O segredo dos universos dentro dos astros de Hollywood. Com essas constatações (ou divagações), Joana levantou, sorriu para Rosa, sua companheira fiel por toda essa trajetória, jogou o caroço da maçã fora, olhou para o céu e para o sol e sorriu com os dentes, por essa vivacidade temporal que sentia pulsando em suas veias, correu pela grama e deu uma estrela, e foi nela que Joana subiu aos céus, para conversar com suas amigas íntimas.
Beatriz Ximenez
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CRÍTICA
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Blowup, Cortázar e a Ilusão da Contemporaneidade Ao me dar a incumbência de revisitar e reanalisar o filme Blowup – Depois Daquele Beijo (Michelangelo Antonioni, 1966), tarefa que inicialmente parecia simples (fator que, unido à minha indolência, foi exatamente o responsável por fazer com que eu a escolhesse), me deparei com uma desesperadora falta do que falar e pensar. A princípio atribui esse writer’s block à uma falha da minha própria memória quanto ao material de análise, seja ele o próprio filme ou o conto de Julio Cortázar (As Babas do Diabo, em As Armas Secretas) no qual o longa é inspirado, no entanto, após assistir e ler novamente as duas obras instantaneamente conclui que esse não era o problema. No que diz respeito ao legado e impacto das duas obras, é clara a predominância da influência do filme, ao passo que o conto respresenta mais sobre o estilo do próprio Cortázar do que qualquer outra coisa (e por esse motivo se salva da análise mais hostil). É exatamente essa grandeza do legado do filme que fez com que minha própria conclusão me surpreendesse ainda mais, Blowup não é tão bom assim. Mas acalme-se meu caro leitor defensor da premiada filmografia de Antonioni (apesar de duvidar que atualmente se sustente o apreço popular por Blowup que existia na época de seu lançamento e indicação ao Oscar e portanto, provavelmente estou me dirigindo a um público que não existe, sendo esse o caso, mil perdões por tomar seu precioso tempo), não digo que seja um filme ruim, ainda é exemplo primoroso no que diz respeito à linguagem cinemátográfica (a cena em que o protagonista analisa suas revelações e desenvolve sua teoria ainda tem muito a ensinar), nem que seja, no vocabulário dessa juventude pra-frentex, um filme a ser considerado overrated. O que ocorre, na realidade, é que todo o “vanguardismo” ao qual o filme representava na época de seu lançamento não existe mais, e todas as observações feitas pelo filme quanto a uma sociedade permeada por intensas transições culturais (na arte, artistas, sexualidade, padrões estéticos e sociais), ficou há muito abandonada em decorrência da cascata de mudanças iniciadas exatamente por essas que o filme retrata, a ponto do filme se representar como socialmente obsoleto (evidente pela própria imagem da mulher, aparentemente progressiva na época, porém um tanto equivocada e relativamente superada atualmente). Talvez exatamente dessa forma, o filme tenha novamente transicionado para uma posição de contemporaneidade, não mais como uma representação verossímil do progresso e de novos padrões culturais, mas agora como uma representação cômica e ridicularizada (inclusive há duas décadas atrás por Austin Powers) de uma série de tendências culturais antiquadas e cada vez mais distantes, além de uma construção de mistério muito eficiente e uma boa descontrução do artista comercial do período (por mais antiquado que esse artista seja hoje). Não tenha dúvidas, no entanto, de que a análise deste que vos escreve com certeza é intensamente influenciada pela minha indignação com um final desconexo (por mais bonito que seja) e um mistério mal resolvido (alguns acham que é uma escolha artistica, mas na realidade o enredo só é inacabado mesmo). Portanto, recomendo que ignore este muro de palavras que é essa minha rant regada a pretensão e falta do que fazer. Ops! Tarde demais, sorry. ;)
Stephen Moore
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CONTO
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Do gato à coruja e o que estiver no meio Os anos sessenta representam um período de grande efervescência social, cuja magnitude só veio a ser replicada no contexto global, talvez, nos nossos anos dez. Nesse período, toda uma subclasse intelectualizada, com aspirações artísticas e políticas, aparece como parte do que poderiam ser mudanças radicais na estruturação da ordem mundial. No campo do cinema, esse esforço político se manifestou nos países europeus primeiramente, com foco particular na França, com a geração da Nouvelle Vague. Dentre estes jovens que buscavam repensar o fazer cinematográfico num âmbito técnico e temático, alguns se destacaram por sua proficiência em tratar de acontecimentos e ideias de seu tempo de forma politizada, como o próprio Godard, Agnès Varda, Alain Resnais e Chris Marker. Neste contexto, Chris Marker aparece como figura diferenciada. Membro da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial, começou sua carreira como fotojornalista, viajando pelo mundo em busca de registros documentais. Dirige seu primeiro documentário sobre as olimpíadas em 1952 e se engaja nos círculos intelectuais de jovens entusiastas pelo cinema que farão parte da Nouvelle Vague. Em um primeiro momento, sua obra se destaca pela temática política direta, em documentários como ¡Cuba Sí! (1961), que traz imagens de arquivo da revolução cubana e registros da vida urbana no começo do novo sistema de governo e, ainda, uma entrevista exclusiva com Fidel; e Descrição de um combate (1960), sobre a conjuntura do ainda recente Estado de Israel e os conflitos na região. Sua vocação por esses temas nunca vacilou. Viria a fazer pequenos documentários sobre a Guerra do Vietnã, as lutas contra o colonialismo na África e até mesmo um sobre Carlos Marighella, o guerrilheiro urbano morto pela ditadura no Brasil. Em 2007, criaria camisetas e panfletos a favor da eleição de Barack Obama e participou das manifestações em solidariedade ao movimento Occupy em 2011, um ano antes de sua morte. A abordagem política, porém, definitivamente foi posta sob nova perspectiva em seu épico tragicômico que mistura o filme-ensaio com documentário e o cinema experimental acerca dos movimentos sociais de 1968, no qual Marker pondera onde haveria errado a juventude com pretensões revolucionárias da época (ele incluso, claro) e questiona “o espectro da revolução”. Um aspecto em que Chris Marker se destaca de seus iguais, tanto em forma como conteúdo, talvez seja nas suas perambulações sobre a memória humana e a tecnologia. Muitos dos seus filmes, curtas ou longas, tratam não necessariamente de uma estrutura temporal fragmentada, como se tornou marca registrada no então novo cinema francês, mas sim da edição da história no processo de criação da memória, utilizando-se das ferramentas tecnológicas em mãos para se dissociar da própria criação. Tentava, portanto, criar filmes que emulam a criação e a edição de memórias no ser humano enquanto ser histórico; por isso o uso constante de imagens de arquivo, filmagens intimistas (viagens à turismo, registros de festas, manifestações e pessoas comuns) e na utilização de fotografias estáticas para contar histórias. Tudo isso se manifestaria com maior força a partir dos anos oitenta e noventa, com o advento das tecnologias digitais e da internet. Desde então, seus trabalhos viriam a tratar dessas temáticas pensando nas novas tecnologias como instrumentos para a criação de novos mundos, argumento esse já suposto por ele vinte anos antes. Filmes como Level Five (1995), sobre uma programadora francesa, cujo trabalho é criar um jogo de videogame sobre a Batalha de Okinawa na Segunda Guerra, que começa a se questionar sobre o efeito da história e suas representações nas memórias coletivas das pessoas.
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Nos últimos momentos, sua presença era mais vista por suas construções estranhas no Second Life, seus filmetes sobre gatinhos de rua, suas montagens aspecto amador que usava para criar memes e um pequeno canal no Youtube com experimentações de software. Durante toda sua vida, Marker abdicou de ter uma presença pública, se recusando a ser fotografado e concebendo pouquíssimas entrevistas em seus mais de cinquenta anos como artista. Parte do que torna sua obra tão interessante hoje, talvez seja justamente essa forma estranha de “percorrer a história”. Seus filmes-ensaio sobre lugares que visitava e culturas exóticas possuem um toque especialmente ingênuo, casual, curioso e obstinado, tudo ao mesmo tempo. De certa forma, é quase como se ele, muito à frente de seu tempo, falasse na língua dos Youtubers, das celebridades de rede social, das páginas de memes, dos registros de Instagram antes mesmo que essas tecnologias existissem. Pensando sobre a “presenteza” do futuro e a maleabilidade do passado, Chris Marker propôs por toda a sua vida a criação de mundos onde o tempo e o espaço funcionassem de forma análoga, mas diferente; onde aparentes dicotomias como humor e política, crítica e jovialidade, fossem vistas de forma diferente e que nos questionássemos sobre lembrar de esquecer e sempre, sempre escrever para realizar os trabalhos que o nosso tempo demanda.
Gabriel Pacheco
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A igrejinha dos t imbus A verdade é que existiu um mundo caótico, não porque assim fosse em concreto, mas devido aos seus moradores que perderam a cabeça inteiramente. Deixe-me explicar melhor, inadvertido leitor: nesse lugarejo meio encardido, amarelado, perdido no tempo, as pessoas não se compreendiam mais, distorciam a realidade, não havia sequer uma conversa coerente, ocorriam muitas brigas, desavenças, supetões e pontapés. É claro que nem sempre foi dessa forma, dizem que começou quando certa sertaneja foi estudar no exterior e quando retornou, já versada nas letras, vivia falando de Sartre no bar do seu tio avó Afonso. Era uma mulher bonita, ficou mal falada depois que voltou, coitadinha. Não queria nem mesmo casar com o filho do prefeito e dizia que não ia se submeter ao poder de homem nenhum, mesmo rico, como era Antônio, um pouco acanhado de certo e nada espirituoso como era de fato sua prima Alvira de Boa Esperança. Mas não há dúvidas que todos gostavam do cheiro de cerveja, cavalo, sol, “paiero”, tudo misturado com certo perfume adquirido no estrangeiro, que exalava da sertaneja metida a esperta, corajosa e mal falada. As religiosas diziam que tinha pacto com aquele cara lá e não queriam ver seus filhos de forma nenhuma sentados ao lado dela na missa, e olhavam feio quando a moça oferecia para levar suas compras, que apesar de tudo sempre acabava levando de uma forma ou de outra debaixo do sol quente. Mas nunca mais ela pisou na igrejinha pequena, pintada de branco recente, mas já suja pelo barro da última chuva. Mas foi na igrejinha que a Alvira viu a sertaneja. Nem preciso dizer o quanto ela se encantou, sentou logo no banco de trás para sentir o perfume característico de cerveja, cavalo, sol, “paiero”, tudo misturado com certo perfume do estrangeiro. Alguns dizem que foi esse cheiro místico que penetrou nas narinas e deixou as mentes reviradas, mas só o padre Ambrosino sabe que foi o amor de Alvira que desencadeou a epidemia. Ela, moça reclusa e nesses dias quentes em Diamante. Taciturna, sentou do lado da rapariga intelectualizada no banco da praça e dividiram um algodão-doce depois da última missa da sertaneja, que todos chamavam de Nana desde o batizado, que ocorreu naquela mesma igrejinha cercada de terra por um longo perímetro com um pouco de mato baixo, com carrapichos e timbus eventualmente. Desde então ficaram íntimas, andavam no mesmo cavalo, bebiam cerveja à tardinha no barzinho de madeira abafado que vendia salsicha, alho de corda e manteiga de garrafa. Jogavam gamão, xadrez e andavam descalças na terra rachada. Parecia o momento mais feliz da vida de Alvira, leve como o dente de leão que Nana soprava em seu rosto sempre que achava um e sempre de surpresa. Esse momento pleno se equiparava a quando sua tia, mãe de seu primo Antônio, filho do prefeito, sentava na varanda a tecer tão habilmente os lençóis, mantinhas e roupinhas de criança recém-nascida, fazia sem sequer notar a teia que se formava, complexa, sempre a conversar com os vizinhos ou pensar na vida, na janta que tinha que preparar para um batalhão, na roupa que tinha que colocar para quarar e coser e no casamento de seu filho mais velho. A matrona queria manter entre família os bens, então Alvira era a destinada desde o berço, mas tanto se odiavam, ela e o primo rico, que os pais desistiram do noivado depois que Antônio voltou com o rosto vermelho por ter sido esbofeteado na rua central de Diamante, em frente a padaria em que acabava de sair uma fornada de pão fresquinho, já que eram quatro horas; todos da redondeza alarmados pelo cheiro ou pelo relógio para lá se dirigiam e puderam presenciar a cena estupefatos.
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Noivado desfeito, Alvira se sentia livre e encontrou a pessoa que mais assim podia existir naquele lugar, povoado perdido no tempo e de horas vagarosas no entardecer, pode-se dizer que atrasado, com criancinhas peladas correndo na rua, balbuciando ainda sem saber falar e sempre com as carinhas sujas, balançando os bracinhos; cachorros sem donos a perseguir essa ou aquela ave que fazia um estardalhaço - episódio que sempre se repetia quase que de hora em hora -, galinhas de angola em quase toda esquina a enfeitar como peças de porcelana sobre geladeiras a terra quase sempre rachada. Alvira gostava de Nana e ambas sucumbiram ao amor que assolou aqueles corações de meninas, mas Antônio também era apaixonado e quis casar com Nana a todo custo, alguns dizem que para se vingar pela vergonha do rompimento, outros dizem que por amor mesmo, porque Nana era dessas que se pode facilmente sentir paixões tempestuosas. Apesar de tanto choro, o casamento foi marcado na igrejinha onde todos eram batizados e velados com a mesma simplicidade e seriedade, nunca com alegrias ou tristezas demasiadas, mas sempre com um certo pesar. Alvira foi ao encontro de Nana assim que soube da notícia, que Diamante comentava fervorosamente, e encontrou-a em frente a um ninho de galinha d’angola, um pouco chorosa. Alvira pensou que não tinha o que fazer, mas Nana nunca se resignaria. Pediu então que sua amada olhasse para o que tinha em suas mãos e lhe mostrou um ovo azul bem claro, não sei de que animal, era um ovo maior que o da galinha. E, assim, pegou um que estava no chão substituindo pelo azul. Fez tudo isso para contar seu plano de fantasiar sua tão querida amiga com os trajes do noivo e substituir um pelo outro como fez com o ovo azul-celeste. Tinha-se então no buraquinho do chão três ovos da pobre avezinha e um ovo azul, quando a dona do ninho chegou a confusão se estabeleceu. Ela berrou tanto que por alguns minutos houve quem ficou surdo, no minuto seguinte todas as aves se reuniram em torno do ninho, curiosas. A mãe ficou tão nervosa que rodou em círculos para proteger as crias. Foi ai que apareceram os cachorros e a confusão perdurou por meses, mesmo com os baldes de água e quaisquer intervenções para acalmar as galinhas d’angola. Mas no dia primeiro do ano em que Nana ia se casar, nasceu o bichinho. Todos ficaram confusos quando o viram, já que era diferente de tudo que tinham conhecido. E, enquanto Nana ia levando sua vida de casada, Alvira ia sofrendo toda vez que alguma criança pelada e suja soprava um dente de leão na rua e quando sentia o cheiro residual de cerveja, cavalo, sol e “paiero” tudo misturado com certo perfume do estrangeiro. Nesse ínterim a avezinha ia crescendo sendo sempre cuidada por sua mãezinha, galinha d’angola. Mas teve uma fase de crescimento desta criaturinha que ela exalou um odor estranho, amargo como remédio, que com o passar dos dias se tornou insuportável e causou dores de cabeça enlouquecedoras, ninguém mais conseguia se entender depois do surto de cefaleia, foi ai que começou as desavenças entre os homens e mulheres, só as criancinhas sujas não brigavam e continuaram brincando na rua como se nada tivesse acontecido. Nana pulou a janela de Alvira, juntaram suas coisas e partiram para a Colômbia, para viverem isoladas numa vila mais moderna. Não se entendiam mais como antigamente, não conseguiam se comunicar sem se equivocarem, sobre o que deveriam comer, o que deveriam fazer, a que horas deveriam dormir, mas nunca houve tanto risos entre elas. Num dia, porém, desses causticantes, que lembrava a juventude em Diamante, um dente de leão entrou pela janela, soprado pelas criancinhas sujas, e se instalaram nos pulmões das estrangeiras que pararam de falar instantaneamente, ai cessaram as gargalhadas, mas cessaram as confusões também. Nunca cessou, porém, de existir na memória a lembrança da galinha d’angola e sua cria, e a única recordação que possuem do lugarejo atrasado é uma imagem de porcelana dessa avezinha em cima da geladeira.
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Sabrina Leonardi
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Fator nostalgia: a fórmula que salva filmes em Hollywood enquanto condena outros Em 14 de julho chega aos cinemas dos Estados Unidos “Planeta dos Macacos – A Guerra” (2017), terceiro filme da franquia que é, ao mesmo tempo, uma história de origem e um reboot para o original “Planeta dos Macacos” (1968), baseado no livro francês de mesmo nome de Pierre Boulle, publicado em 1963. Esta série de filmes, iniciada em 2011, com o lançamento de “Planeta dos Macacos – A Origem” (2011), segue uma tendência forte que ganha cada vez mais força em Hollywood: refazer ou reimaginar filmes de sucesso, de forma que a marca seja relançada para o público dos dias de hoje. Uma linha em particular se mostra bem-sucedida, consistindo em relançar propriedades de sucesso dos anos 70, 80 e 90, que ainda povoam o imaginário popular das pessoas. Não basta fazer novos filmes dentro destes universos. Ainda é necessário atrair a atenção de um público maior que o americano. Entretanto, esta fórmula não é garantia de sucesso. Alguns filmes, como “Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros” (2015) e “Star Wars – O Despertar da Força (2015), são um grande sucesso, enquanto outros, como “Caça-Fantasmas” (2016) e “Independence Day – O Ressurgimento” (2016), fracassam em sua missão. Já outros, como “Poltergeist – O Fenômeno” (2015), não causam grande impacto, mas também não fazem feio. Importante salientar que um filme bem sucedido, na visão dos estúdios, é um longa que lucre nas bilheterias e tenha uma recepção positiva, principalmente por parte de público, já que isto acaba servindo de termômetro para a eventual realização de sequências, prequels ou spin-offs. Veja abaixo uma análise dos filmes citados no parágrafo anterior. Poltergeist – O Fenômeno —Data de lançamento: 22 de maio de 2015 —Direção: Gil Kenan —Elenco: Sam Rockwell, Rosemarie DeWitt e Kennedi Clements —Orçamento¹: US$ 35,000,000 —Bilheteria²: US$ 95,437,994 —Metascore³: 47/100 —Nota no IMDb4: 5.0/10 —Remake do primeiro filme da franquia Poltergeist, composta de três filmes lançados em 1982, 1986 e 1988 Ao refazer um dos filmes de horror mais populares da década de 80, a opção dos produtores foi manter uma história próxima do original: uma família descobre que a casa em que moram foi construída em cima de um cemitério e a filha mais nova do casal protagonista é sequestrada pelos espíritos que vivem na casa. A publicidade em volta do filme girou em torno da premissa “família se muda para casa assombrada” (um clichê do gênero, cuja repetição apenas prova seu sucesso), o que foi suficiente para atrair o público, além do foco em cenas icônicas do original que aqui são recriadas, como o momento em que a filha caçula conversa com espíritos na televisão ou a sequência em que o irmão dela é atacado por um boneco-palhaço possuído. Esta pode ser a razão para a indiferença com a qual o filme foi encarado. Recriar quase que exatamente algo que já existe sempre gera comparações, e é perigoso quando isso ocorre com um filme como o Poltergeist de 1982, presente na memória afetiva do público e costumeiramente lembrado como um dos grandes filmes de horror de todos os tempos. Apesar da recepção morna de público e crítica, “Poltergeist – O Fenômeno” conseguiu fazer quase o triplo de seu orçamento nas bilheterias. Porém, não há sinais que este remake dê origem a uma nova franquia, ao contrário do original, que gerou duas sequências questionáveis.
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—Data de lançamento: 12 de junho de 2015 —Direção: Colin Trevorrow —Elenco: Chris Pratt, Bryce Dallas Howard e Vincent D’Onofrio —Orçamento: US$ 150,000,000 —Bilheteria: US$ 1,671,713,208 —Metascore: 59/100 —Nota no IMDb: 7.0/10 Sequência standalone da franquia Jurassic Park, composta de filmes lançados em 1993, 1997 e 2001 Em desenvolvimento durante mais de uma década, “Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros” é uma sequência da trilogia original, mas não exige do espectador conhecimento prévio da franquia. Apesar da recepção mista de crítica, foi abraçado pelo público e, na época de seu lançamento, teve a maior abertura da história, arrecadando mais de meio bilhão de dólares no primeiro fim de semana nos cinemas. Atualmente, mantém o quarto lugar na lista de maiores bilheterias mundiais da história. Apesar de manter a mesma fórmula dos filmes anteriores (protagonistas com envolvimento romântico, um alívio cômico, crianças em perigo, um vilão humano e, obviamente, dinossauros), há um grande diferencial: o parque de dinossauros do título, que não estava em funcionamento em Jurassic Park e sequer dá as caras nos outros dois filmes da trilogia, está aberto, o que dá ares de filme desastre a Jurassic World quando o caos começa na metade do longa. O slogan de lançamento, “O parque está aberto”, busca enfatizar este elemento da trama, e foi bem-sucedido em chamar público. As razões para o sucesso de Jurassic World são quase as mesmas justificativas para o sucesso de Jurassic Park: é um filme para família (que criança não vai a loucura com dinossauros?) e funciona quase como uma montanha-russa, repleto de momentos de suspenses e cenas de ação cheias de adrenalina, além de personagens carismáticos com os quais o público se importa independente de seu desenvolvimento. São os ingredientes mais básicos para um filme blockbuster, e aqui são muito bem aplicados, diga-se de passagem. Ganhará uma sequência, Jurassic World: Fallen Kingdom, em 2018. Star Wars – O Despertar da Força —Data de lançamento: 18 de dezembro de 2015 —Direção: J.J. Abrams —Elenco: Daisy Ridley, John Boyega e Harrison Ford —Orçamento: US$ 245,000,000 —Bilheteria: US$ 2,068,223,624 —Metascore: 81/100 —Nota no IMDb: 8.1/10 —Sétimo filme da franquia Star Wars, composta por filmes lançados em 1977, 1980, 1983, 1999, 2002 e 2005 O marketing de “Star Wars – O Despertar da Força” destaca uma história de união dos heróis do passado com uma nova geração. Os fãs da franquia eram um alvo óbvio, mas The Force Awakens conseguiu atrair um público novo, que entrou no universo Star Wars por causa deste sétimo episódio. Talvez seja o exemplar perfeito da nostalgia que move o cinema blockbuster, porque alcançou um público enorme que foi revisitar (ou visitar) os filmes anteriores e voltará para os novos filmes situados no mesmo universo. O lançamento do longa foi um verdadeiro evento cultural, sendo na época a maior abertura de um filme na história, quebrando o recorde que era detido por Jurassic World. A recepção de crítica e público foi ótima, e o longa foi indicado a cinco prêmios Oscar.
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Independence Day – O Ressurgimento —Data de lançamento: 24 de junho de 2016 —Direção: Roland Emmerich —Elenco: Jeff Goldblum, Liam Hemsworth e Bill Pullman —Orçamento: US$ 165,000,000 —Bilheteria: US$ 389,681,935 —Metascore: 32/100 —Nota no IMDb: 5.2/10 —Sequência de Independence Day, lançado em 1996 Lançado 20 anos após o filme original, “O Ressurgimento” foi uma tentativa de iniciar uma nova franquia com base numa trama que expande a invasão alienígena do filme original e insere novos elementos na mitologia da série. O problema é que permeia no longa a sensação de “já vi isso antes e melhor”. Os personagens já não têm o mesmo carisma, e o maior astro de Independence Day, Will Smith, não voltou para esta sequência. Soma-se a estes fatores a trama mal explicada e o resultado é a péssima recepção crítica e uma bilheteria que não justifica mais investimento na franquia. A publicidade enfatizou a destruição causada pela segunda visita dos extraterrestres na Terra, mas não só isto já foi visto no original de 1996 como em diversas produções que se seguiram nos vinte anos que separam os dois filmes. Os atores que voltam do primeiro longa não tem o star power de Will Smith, e não havia um clamor do público por essa sequência como havia para Star Wars e Jurassic World, por exemplo. Caça-Fantasmas —Data de lançamento: 15 de julho de 2016 —Direção: Paul Feig —Elenco: Melissa McCarthy, Kristen Wiig e Leslie Jones —Orçamento: US$ 144,000,000 —Bilheteria: US$ 229,147,509 —Metascore: 60/100 —Nota no IMDb: 5.3/10 —Reboot da franquia Ghostbusters, composta de filmes lançados em 1984 e 1989 “Caça-Fantasmas” foi lançado com a pretensão de reiniciar a série nos cinemas, mas seu retorno financeiro pôs em risco o futuro da franquia. O marketing enfatizou o fato do filme ser um reboot, mas a troca do gênero das protagonistas nesta reimaginação gerou controvérsias em parte do público, resultando num boicote. Isto pode ser notado na disparidade entre as notas atribuídas por críticos e público. Outro exemplo deste boicote é o número de dislikes no trailer oficial do filme no YouTube (1.053.047, contra 298.649 likes). Apesar da recepção crítica razoavelmente boa, Ghostbusters não foi um sucesso no seu mercado alvo, os Estados Unidos, e falhou em popularizar a marca ao redor do mundo. Dos cinco filmes analisados, os maiores sucessos, indubitavelmente, são “Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros” e “Star Wars – O Despertar da Força”. Há algo em comum nestas duas franquias: elas não estavam “mortas” antes de ressurgirem nos cinemas. De “Jurassic Park 3” (2001) até Jurassic World, não houve lançamento de filmes, mas a série ainda persistia em outras mídias: três HQs baseadas nos filmes foram lançadas entre 2010 e 2012, dois games foram lançados em 2003 e 2011 e atrações existentes em parques da Universal Studios mantiveram a franquia na ativa.
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Já no caso de Star Wars, desde o lançamento do Episódio III em 2005 até o Episódio VII em 2015, houve o lançamento nos cinemas de uma animação, Star Wars: The Clone Wars, em 2008, que gerou uma série animada de mesmo nome que foi ao ar até 2014, quando estreou outra série animada, Star Wars Rebels. Diversos livros e HQs foram publicados no período de 10 anos entre os dois filmes. A lém disso, um número muito grande de games relacionados à saga foram lançados. Chama atenção também a compra da Lucasfilm, detentora da marca, pela Disney, que se empenhou em aumentar o número de produtos relacionados. Este esforço em manter as franquias vivas na cabeça do público pode ser enxergado como uma das razões para o sucesso dos filmes que reestabeleceram as séries nos cinemas, mas também pode observado em Ghostbusters. Assim como Star Wars e Jurassic Park, esta franquia também teve lançamento de produtos relacionados como livros, HQs e games, principalmente nos últimos dez anos. O sucesso destes produtos parece deixar claro que o boicote que o reboot sofreu pode ser a causa principal para o seu fracasso. Já a franquia Independence Day teve três livros publicados até 1999 e um game online lançado em 2000 que acabou em 2006, dez anos antes do lançamento do segundo filme. Ou seja, a franquia estava “morta” durante este período, e não manteve o interesse do público. Isso também ocorreu com Poltergeist, porém, diferente das outras franquias, o orçamento deste filme não era astronômico, e filmes de horror costumam-se sair melhor em bilheterias justamente porque não precisam de muito para retornar seu custo. A lição que se tira disso é que, apesar da receita ser simples, estes reboots, remakes e sequências só obterão sucesso se houver um público nostálgico sedento por novos filmes que façam parte da respectiva franquia e também um empenho por parte dos produtores em reestabelecer a marca, de forma que um público novo, que não acompanhou o boom inicial, seja cativado a ir aos cinemas.
¹ - Valores em dólar. O orçamento inclui apenas o valor gasto na produção do filme, sem contar com marketing. Dados de BoxOfficeMojo. ² - Valores em dólar. Bilheteria mundial. Dados de BoxOfficeMojo. ³ - O Metascore é a pontuação atribuída pelo agregador de críticas Metacritic com base na média numérica retirada das críticas reunidas no site. 4 – A nota no IMDb é atribuída por usuários cadastrados no site e aqui é utilizada para medir a recepção de público aos filmes.
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O valor da imagem e do espaço da imagem (um exemplo em São Carlos) O início desse artigo parte de um exercício de imaginação: fixemo-nos, agora, mentalmente, na visão imaginária de um espaço de exposição. Consideremo-lo um museu, um centro cultural, o que o valha. Suas paredes estão brancas, vazias. Não há nenhuma tela, gravura, escultura ou intervenção que o preencha. Fica uma dúvida que cabe ao leitor: a denominação trivial “museu” lhe permanece adequada? Cumpre sua função ainda, esse galpão com o propósito de exibir acervo inexistente? Não que o propósito desse texto seja propor uma análise filosófica da arquitetura de um museu, pois inclusive o cerne deste artigo é o assunto reverso: Um artista sem lugar pra expor seu trabalho. O que é esse ser? Ainda é um artista aquele que não tem onde exibir o que produz? A resposta a essa pergunta é óbvia, inclusive para os que já tiveram um desenho colado na parede ou fixado na geladeira, mas não deixa de ser um convite à reflexão sobre em que condições estão galerias e espaços culturais disponíveis, ou indisponíveis em todo o país, tanto para exposições quanto para o uso de artistas locais, nacionais ou mesmo internacionais, numa cidade qualquer a sua escolha. É nesse assunto que artistas sem paredes ou chão e museus vazios se encontram, cada um com seus problemas, por todo o Brasil. São centros urbanos com centros culturais esquecidos, ou artistas que não possuem apoio, privado ou público, com locais para apresentar e desenvolver seu trabalho. Esses casos não são poucos, e as raras situações de solução estão, muito provavelmente, resumidas às cidades capitais. Talvez nem todas, inclusive. Tomemos a cidade de São Carlos, interior de São Paulo, como exemplo. Centros culturais e oficinas foram fechados pela prefeitura e pelo estado, e resumidos ao fim a somente um único espaço público, ainda em condições lentas de planejamento e organização de montagem. E este espaço que sobrou, não por acaso, não comporta um dos mais preciosos acervos da cidade: obras do pintor Benedito Calixto, realizadas para a velha matriz da cidade, que foram retiradas de um dos museus fechados pela prefeitura, e nunca mais repostos à exibição pública. Atualmente, aguardam na Cúria Diocesana da cidade, embalados em caixas, fora das vistas, escondidos. Em frente a essa questão, uma reunião foi convocada entre os artistas plásticos, professores da área e interessados da cidade, na busca expressiva de uma coordenação para descobrir quais são os interesses desses “artistas sem casa”, e entender como é possível uma articulação em debate sobre transformar, cada um à sua forma, diversos ambientes dessa cidade órfã de artes plásticas, numa reivindicação de mais e novos espaços. E, durante o debate, coincidentemente, surgiu uma conclusão coletiva de que perfil a cidade demonstra ter em relação a apreciação e busca por museus. E eis que a situação atual em termos de infraestrutura se apresentou como muito mais compreensível, pensando nos vários perfis de habitantes desse lugar, a partir do momento que foi concluído pelo grupo que a cultura local não é um interesse coletivo daquela comunidade. Então, para que um Centro Cultural se a cidade não se interessa por ele? Um dos interesses certeiros da reunião foi o avanço desses artistas além de espaços fechados, buscando brechas e possibilidades de ocupar Universidades e bairros. Na busca por identidade de coletivo, conforme o encontro propôs, a questão central voltou-se à reunião dos artistas presentes e suas intenções como figuras capazes de intervir numa cidade desinteressada por aquilo que seus habitantes produzem artisticamente. E preencher espaços online, para divulgação e sistematização das atividades feitas individualmente por artistas de São Carlos.
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Esse tipo de atividade, buscando incentivo ao trabalho de artistas ali não é um fato novo. Projetos de mapeamento e de trabalho coletivo em São Carlos vão muito antes de tal encontro. O exemplo que é visível nessa cidade representa ao mesmo tempo um ímpeto coletivo de artistas para impor sua presença numa cidade chamada de “capital da tecnologia”, quanto recorrer a atenção dos habitantes de que o ambiente urbano é um espaço representativo para o trabalho de artistas exporem seu trabalho. Desde que a arte urbana assumiu seu espaço como legítima expressão cultural, a grande esforço, cabe a artistas aqui e ali dialogarem com suas cidades, expondo suas visões de arte em ambientes inesperados. Em significância de ganho cultural, não há risco, ao menos para a população. O que essa efervescência artística na cidade São Carlos demonstra, no fim, é que uma cidade sem espaços de cultura nunca deixará de ser um ambiente prolífico para artistas. Que permanecem fixos ali, continuando a trabalhar em um ambiente urbano carregado de potencial em seu próprio vazio. Afirmando sua presença como trabalhadores constantemente em criatividade e em movimentação, capazes de no fim combinar espaços vazios com artistas sem espaço.
Felipe Dreilick
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ENTREVISTA
Na contemporaneidade, a busca por um espaço de fala e uma voz representativa tem sido recorrente. Por essa razão a Frame17 entrou em contato com Fabiola Ognibeni (30), produtora musical e musicista que nos contou um pouco sobre seu dia-a-dia transitando entre três bandas e lidando com esse desafio diário que é achar a própria voz. Uma das bandas em que a graduada em Letras (pós em Educação Musical) trabalha se chama “Groove de Bamba” e Fabiola reflete que: “A banda, no trabalho autoral, refletiu sobre questões como igualdade de gênero, diversidade, mulheres no front [...]” Dentro desse contexto de mudanças na sociedade, busca por igualdade e posição de fala, um segundo trabalho da musicista chama atenção: Musadelic é um quarteto só de mulheres. O grupo preza por individualidade e originalidade em trabalhos tanto autorais quanto de cover e trabalha uma sonoridade blues, rock e soul. Sonoridade tão trabalhadas mas extremamente relevantes e ainda atuais. Sobre sua terceira banda, Fabiola comenta: Já a “Ruído Fino”, que é minha banda por onde eu lancei meu primeiro disco e agora estou lançando meu segundo [...] a gente traz sim reflexões de contemporaneidade; como eu busquei construir essa fala, que é totalmente autoral. E (a música) tende um pouco pra tradição porque eu trabalho com a viola nessa banda, e trago a fusão da viola caipira com o rock moderno, o rock indie, o rock folk, digamos que o rock folk indie.” Com isso, o real significado de contemporanieade: o que se faz relevante, e não necessariamente o novo, Fabiola trilha seu caminho assim como ínumeros artistas buscando sua própria voz na atualidade.
ENTREVISTA
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Fabiola Roberto Ognibeni, 30 anos, produtora e musicista, três banda, desenvolve ações dentro da arte educação, formada em letra pela Unesp Araraquara, pós em educação musical, amante de poesia, gosta de ler, gosta de estar em contato com línguas, já trabalhou com tradução. 1 - Para discutir e compreender o conceito de contemporaneidade, é necessário partir de conceitos e ideias base que ditam a sua percepção deste significante. Como você, considerando seu ambiente de vivência, sua socialização e áreas de influência concebe esse conceito e percebe ele na sua vida e na sua produção? Fabiola: Eu acredito que toda pessoa que trabalha com arte, com arte-educação, que tem um processo de fala né, de construção, de voz, (aquele que) é uma voz ativa, aquele artista que escolhe seguir esse caminho, eu acho que ele parte de objetos como política, educação... (O que é) atual né. O que a gente vê atualmente no pais, e como a gente, de maneira artística, põem voz ativa nessa questão. Então eu acredito assim: que o meu ambiente de vivencia, a minha socialização, a influência disso tudo na minha vida é muito relevante. A gente tem que sempre buscar construir uma arte que dialoga com o momento que a gente vive. Por exemplo eu trabalho na Groove de Bamba e a banda, no trabalho autoral, refletiu sobre questões como igualdade de gênero, diversidade, mulheres no front, enfim... Então assim, eu parto pra trazer essa voz de vivencias que eu tenho na própria dinâmica da banda. 2 - Considerando a sua resposta para a pergunta anterior, você se vê como um agente ativo no desenvolvimento e evolução da contemporaneidade? Fabiola: Acho que sim. É complexo dizer que sim né, mas se tratando de uma pessoa que tem três bandas, trabalha com um grupo de teatro, vive e respira arte, e constrói coisas... vozes né. Em reflexo com o que a gente vê na sociedade, eu acredito que sim. Por exemplo, a Musadelic um quarteto só de mulheres, a gente preza por trabalhar uma sonoridade mais blues, rock, soul né... A gente ainda tá no processo de construção de uma fala autoral, mas mesmo não tendo ela construída, o próprio repertorio, a setlist, que a gente escolheu que são canções muito feitas da nossa maneira, a gente não copia né, então eu acho que que a gente sim dialoga com essa contemporaneidade. A groove de bamba, como eu disse, já é uma voz mais de sociedade, uma voz onde a gente discute temas como “pela paz”, que é uma música onde a gente fala bastante sobre “quebrar as correntes”, os preconceitos, as barreiras né. Abrir novas janelas é sempre assim, quebrar essas barreiras. Já a “Ruído Fino”, que é minha banda por onde eu lancei meu primeiro disco e agora estou lançando meu segundo. Tô em fase de produção do show, já gravei algumas músicas né, já foram produzidas e agora estamos na produção do show. A gente traz sim reflexões de contemporaneidade; como eu busquei construir essa fala, que é totalmente autoral. E tende um pouco pra tradição porque eu trabalho com a viola nessa banda, e trago a fusão da viola caipira com o rock moderno, o rock indie, o rock folk, digamos que o rock folk indie.
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Então acredito também que eu estou tentando desenvolver uma fala aí e dessa maneira eu acredito que, eu observo o contemporâneo, observo a situação do mundo, não só o que me inspira, a natureza e etc. Mas como a sociedade interage atualmente. 3 - Para você, quais característica e, de certa maneira, adjetivos, “o contemporâneo” e a sua arte e a sua produção compartilham? (não respondeu) 4 - Como você, enquanto artista e produtor de conteúdo midiático, percebe a fluidez e efemeridade daquilo entende como contemporâneo? Como você e sua arte se adequam e se encaixam (ou não) na contemporaneidade de acordo com suas constantes mudanças e incertezas? Essa questão me gera uma outra pergunta; será que os nossos jovens, a nossa sociedade, o que a gente tá construindo, tá pondo no mundo, é efêmera? Acho que não, acho que não porque pensando em mundo, em sociedade, no próprio Brasil, na construção da nossa educação, da nossa política, da nossa saúde, enfim. Será que isso é efêmero? Acho que não. A arte ela tá aí pra dialogar, eu acredito muito nisso, e pra deixar alguma coisa, pra deixar não, pra mostrar o que a gente vive. Eu entendo a incerteza, a mudança, enfim. Mas a gente precisa dessas mudanças e incertezas, não só na arte, mas a gente precisa olhar a arte, como digamos o filtro, aquilo que filtra aquilo quetá acontecendo em volta do nosso umbigo. (rs) É isso um pouco o que eu penso. 5 - Como você enxerga o efeito das mudanças sobretudo culturais nas pessoas que consomem produtos artísticos e como isso impacta o seu trabalho? (não respondeu)
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Texto retirado da página do Old Navy em um site de recomendações de restaurantes em Paris É sempre bom falar dos sofisticados todos, afinal de conta é Paris, cheio das famas e dos chiques, e dos glamorosos restaurantes de chefs importantes e menu confiance, mas insisto que os melhores lugares são os cantos suspeitos enfiados nas ruas por onde a maioria não passa. Tem mais história. Mais personalidade. E um quê do charme hipster de poder dizer como assim você não conhece? Chama atenção de cara no Old Navy que ele ainda tenha o ar e a trilha sonora da Paris do começo do século XX, daquela cheia de boêmios, dos mais calmos, e artistas que se juntavam na esperança de achar alguém para dividir um dedo de prosa filosófica e um outro de uísque. Sempre aquele silêncio ativo de bar. Sons de copos e pratos uns contra os outros, torneiras de chope, conversas indistinguíveis e risadas alcoólicas, que se juntam num ruído branco e fazem o plano de fundo, alimentando a imaginação ou o ócio que se diz criativo. Em um canto, sempre na mesma mesa, senta um homem com um caderno de anotações. Alto feito uma vassoura, dentro de um casaco preto que faz mais parte dele que a própria pele, é quase uma instituição por ali. Ele bebe num copo baixo cheio de água, não mais que alguns goles de cada vez, e quando a porta do Old Navy se abre — não a da frente, mas a de trás do bar, perto das prateleiras de liquor — ele não faz questão de olhar. Mas as outras cabeças se viram mesmo assim, e com razão, porque é um evento, pela graça, se não por qualquer outra razão, quando chegam os novos. Empurram a portinha emperrada de um metro e meio e olham pela fresta com cara de desconfiados, e a curiosidade vence. Sem falta. Tentam abrir mais pela força, e nada acontece, daí alguém de dentro grita: — Dá uma levantada, com a maçaneta girada, e tenta de novo —, num francês que eles nem sempre entendem, porque não faziam nem ideia de onde estavam indo até chegar ali. Nessas vezes o barman tem que ajudar. Não é bem uma passagem fácil. Mas eles conseguem, independente de idade. Adolescentes, às vezes, ou os mais velhos, e os bem mais velhos, embora nunca ninguém tenha morrido dentro do Old Navy, e não por falta de tentativa — é a madeira, o barman gosta de explicar, sempre que alguma pobre alma engasga e fica roxa sem ar, que jamais vai deixar nada sair ou entrar que não tiver um corpo e ideias muito das firmes dentro dele. Os que entram, por sua vez, se agacham se tiverem altura e passam pelo batente, para dentro do bar. Olham em volta, perdidos. Alguém grita, de novo: — Veio de onde? — em francês primeiro, porque os franceses são assim mesmo. E depois c omeçam a testar outras línguas, porque há uma espécie de aposta por ali. Pagam todos ao barman uma da nota mais baixa que houver em seus bolsos toda vez que aquele que chega lá for de língua hispânica. Duas se o novato for sul-americano. Três se Argentino. Parece que esses têm uma espécie de dom de achar o lugar sem querer. Vez ou outra o novato engasga na resposta e o barman chega mais perto, dá uma fungada, e anuncia os ares de Buenos Aires para o resto dos clientes. “Paris do Sul”, respondem baixinho, cheios de escárnio. Mas como o dinheiro paga uma rodada pra todo mundo, deixam bem quieto. .
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A cerveja vem gelada enquanto a nova companhia escolhe uma mesa pra sentar, e ninguém nunca ficou sem conversa boa enquanto esperava. Tendem todos a se enturmar muito bem, já que o pessoal mais regular é gente boníssima e sempre tem alguém que fala a língua certa. Porque as pessoas gostam mesmo é de se entender quando falam, música não é nem prioridade nem comum por lá, se esse for o seu tipo de coisa, mas volta e meia alguém coloca um vinil na vitrola que fica em cima da mesa do fundo. Vão de jazz a ópera e voltam, e reza a lenda que tocam Caetano por lá, vez ou outra. A pedido de um ou outro dos latinos que aparecem, ou do homem da casaca preta que traz ele mesmo o tal do Bicho. A comida é boa, também. Não muito cheia de frescuras, já aviso. Mas boa. Mais do mundo do que francesa, talvez por conta da clientela que adora pedir por surpresas, e do pessoal da cozinha, que adora uma coisa nova pra inventar. Entre bebidas, comida e companhia, os novatos tendem a ficar por lá o dia inteiro, perdidos em prosa. Quando começa a escurecer, olham em volta, estranhando a falta da luz, e reclamam que têm que voltar pra casa. Levantam, tomam o último gole da cerveja e o resto do bar inteiro reclama junto. Trocam-se os telefones, os e-mails, endereços, e todas as outras formas de comunicação que ninguém vai usar, o que faz parte da graça das companhias semianônimas. Pagam, então, os novatos a conta ao barman, sempre com uma boa gorjeta, e pulam o bar, indo até a prateleira de licor. Puxam a maçaneta com força, dessa vez, já meio lembrados que não vai funcionar muito ser delicado, e passam de volta pra Buenos Aires, Bogotá, Rio, Santiago ou seja lá de onde tiverem vindo. Um pouco mais poetas, escritores, artistas, e humanos talvez, do que eram antes — é a madeira, explica o barman, sempre que alguém que sai de lá publica um livro. No fim, o lugar é agradável. E continua lá ano após ano, diferente dos restaurantes que entram e saem de moda de acordo com a vontade da crítica culinária dos jornais. Vá ao Old Navy, sim. Vá e vá sem pressa de ir embora. Nota Final - 8/10. Eles realmente precisam consertar aquela porta.
Ariel Rodrigues
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Pássaros não bebem limonada rosa Um dia um isqueiro acendeu um fogo rosa Então o tempo que é fluido tomou nova forma. Olhe o leão lendo seu disco favorito Ouviu o cheiro de igreja aos domingos Bebeu do palheiro apagado e deu um suspiro Piadas sem sentido não acalmam rugidos A mesma história toda hora Lembre-se, pássaros não bebem limonada rosa O cinema é a paródia, a nostalgia e o próprio blefe O copo mais cheio deixou mais beija-flores com sede As estrelas possuíam o céu como sempre As formigas queimavam as árvores, descontentes A mesma história toda hora Lembre-se, pássaros não bebem limonada rosa O macaco subiu ao palco sem perceber que era uma gaiola O elefante esperava uma ave, então vaiou e negou esmola “Jaula não é casa”, picharam, as raposas, nas portas “Existência acaba”, pintaram, os lobos, nas lojas A mesma história toda hora Lembre-se, pássaros não bebem limonada rosa Voavam livres e observavam as vidas caóticas Eram anjos que destruíam em troca de misericórdia O fogo rosa queimava suas almas e suas lógicas A destruição própria era cantada por bicos de todas as formas A mesma piada toda hora Decidiram voar sua última volta Enfim os pássaros provaram da bebida rosa Tudo fez sentido pois o tempo é uma roda Em seu último momento de existência em prosa Guardaram consigo o segredo entorpecido da memória E se foram cantando: ria, ria, ria, corra, corra, corra, acorda!
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REDAÇÃO Giovanni Carrilho Helen F. Oliveira Sabrina Leonardi Taís Helena M. B. Almeida Franciele Cristina Beatriz Ximenez Ariel Rodrigues Gabriel Pacheco Lucas Pivatto Sthefano REPORTAGEM Pedro Sandrini Bianca Ladislau Clara Monteiro Gabriela Joris Giulia Godoy
Gabrielly Pascoal Milena Tinen Bruna Camargo Mello Lucas Perossi Isabela Melo Vinicius Miranda Luiza Meneghetti Giovanna Orlandini Thaís Siqueira Vanessa Gerolamo EDITORES Maria Clara Mendonça Ferreira Luiz Fellipe Barros Coutinho Paiva Rafael Cardoso Reis Felipe Dreilick Anaísa Tavares Moreira
DESIGN/DIAGRAMAÇÃO Mayara Tiemi FOTOGRAFIA Helena de Souza Maria Fernanda Souza Lobo Cecília Peixoto Gomes Pereira Eduardo Bento da Silva Matheus J. Luã Ceneviva Giulia Godoy Beatriz Sulato Pietro Mitestainer de Salvi Marina Deliperi Gilberto Varis André Hideaki Wakugawa ORIENTADOR Pedro Varoni OFICINA DE REDAÇÃO ACESSE NOSSO SITE ATRAVÉS DO QR CODE!
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