Até Você Ser Minha - Samantha Hayes

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Sinto os olhares penetrantes de Miranda e de Tina, como se eu fosse a próxima vítima e não houvesse nada que pudessem fazer para me salvar. — É simplesmente terrível — falo, sem tentar disfarçar o tremor na voz. Miranda acaricia meu ombro ao passar para pegar leite no pequeno frigobar. Sua engomada roupa azul-marinho parece caminhar apressadamente sozinha pela sala, como se não houvesse ninguém dentro dela. Se um pardal fosse um ser humano, ele se pareceria com Miranda. — Ouvi dizer que foi o amante de Sally-Ann que a matou — comenta Tina, com a autoridade de um tabloide. Morde um biscoito wafer cor-de-rosa. — Talvez, nesse outro caso, também tenha sido o amante, e ele fez o mesmo com a grávida. — O boletim de notícias informou que ela foi levada para o hospital e que talvez ainda esteja viva. Miranda distribui as xícaras de chá. — Bem, não sairei sozinha esta noite — declara Tina. — E você também não devia. — Dirige-se a mim. — Claro que não — respondo, desejando que James estivesse em casa. Logo depois, começamos a trabalhar, analisando o prontuário médico de uma menina de seis anos, cuja professora notou hematomas em seus braços e nas costas. Em seguida, há o caso de Jimmy e Annie, gêmeos cujos cuidados nem sequer se enquadram nos padrões mínimos que estabelecemos para eles. Minha vista fica um pouco embaçada, e o primeiro latejo de uma dor de cabeça pulsa no interior da têmpora. Ouço Tina e Miranda discutindo sobre negligência, nutrição e cuidados como se fossem coisas do dia a dia que se pode comprar no supermercado. E quanto a mim?, pergunto-me, enquanto meus ouvidos se fecham para aquela conversa transformadora de vidas. E minhas habilidades maternas? Como elas sabem que serei uma boa mãe? Vou alimentar e adorar minha filhinha o bastante? Vou lhe dar tudo de que precisa? E se o amor não for suficiente? Começo a entrar em pânico. — Claudia? — ouço Tina chamar, como se sua voz voltasse a entrar em foco. — O que você acha disso? — Desculpe — digo. Passo a mão pelo rosto. Estou suando. Subitamente sinto-me exausta. — Desculpe. — Baixo a cabeça. Não escutei uma palavra do que estavam dizendo. — Você não deveria estar aqui — observa Miranda intuitivamente. — Com quantas semanas está agora? Trinta e oito, trinta e nove? — Ela não deveria mesmo — ecoa Tina. — Estou bem. Apenas um pouco... — Não sei como estou exatamente, portanto, não tento dizer. Tudo o que sei com certeza é que quero estar em casa, a salvo entre minhas paredes, com James e os meninos; então, penso em Zoe e em suas idas e vindas pela cozinha, metida num longo e folgado cardigã, e fico imaginando o que há nela que tanto me irrita, embora só tenha mostrado bondade em relação à nossa família até agora. — Acho que preciso tirar o resto do dia de folga. Quando levanto, sinto-me tonta. Tina também se levanta e me segura com cuidado pelo cotovelo. Sua preocupação me agrada. — Podemos fazer isso amanhã, não é, Miranda? Eu levo você para casa, Claudia. Pela expressão de Miranda, sei que isso não é possível. Não podemos pedir aos pais que esperem até eu me sentir melhor para que eles parem de maltratar seus filhos. — Não se preocupe. Vou ligar para alguém. — Tiro o celular da bolsa. — Prometo, ficarei bem. Tina poderá me colocar a par de tudo amanhã bem cedo. — Saio da opressiva sala de Miranda antes que suas pequenas garras de pardal consigam me puxar de volta. Na semiescuridão do estacionamento, sentada numa mureta sob a placa modificada, percorro a lista


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