História e Estórias do Povoamento e Gentes de Vila Sant'Ana e Itaquera

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Clotilde, a espanhola da Igreja, até a casa do Sálvio, da dona Amélia, do outro lado da margem do rio. Então, o Campo do Santana trouxe uma alegria maior para a Vila e para nós lá de casa, sem falar na família do Geraldo. Meu irmão, Odílio Alves dos Santos, trabalhava na Central do Brasil, depois que desistiu de ser Bombeiro. Depois da Central, ele e uns colegas alugaram um armazém no bairro da Bresser e trabalhavam para a siderúrgica Belgo-Mineira. Eu ia, as vezes quando não tinha aula, com ele até lá e via eles levarem minérios para embarcar e desembarcar na estação de Engenheiro São Paulo. Ele era muito inteligente e trabalhador, comprou caminhões para o trabalho, que era duro. O João Onofre Alves dos Santos, que era do exército e o Laerte Alves dos Santos, já morreram. Meus pais tiveram dez filhos, que foram casando e mudando para vários bairros: Itaquaquecetuba, Cumbica, Poá, Suzano, Jumdiapeba. Minhas irmãs eram muito bonitas e a Elza tinha um admirador, que estava apaixonado por ela. Certa vez, ele mandou fazer uma mandinga134 para ela gostar dele, mas uma amiga que soube disto delatou em segredo, e elas começaram a revirar todas as coisas dela procurando o embrulhinho que a amiga dissera. Como não acharam no colchão e como só sobrava a almofada e o travesseiro, acharam um sapo seco dentro dele. Estas coisas nos fazem pensar em cada coisa que aconteceu. Estas coisas de espírito não se deve brincar, por falar nisso, lembro de uma porteira que tinha do lado de cima do campo. Era do tempo da fazendinha. Saia lá por onde hoje tem a Rua Mariano Mouro e a Rua Catarina Lopes. Era pouco usada, somente carroças e caminhão para fazer entregas ou outras coisas. Bem, nesta porteira tinha uma alma penada de um homem que minha mãe, pai e irmãos viram muitas vezes a noite, por isso evitavam de passar lá. Outras pessoas também contaram a mesma estória e um deles, o sr. Antônio Roldan disse que certo dia, voltando de uma caçada de rãs com seu sobrinho e outros amigos, viu o homem com chapéu, sentado em cima da porteira. Sossegando os outros, disse que não precisavam ter medo, pois ele não fazia mal. Então ele gritou: - “Hei irmão, deixa a gente passar em nome de Deus, somos do bem, fica em paz”! E continuando a andar em direção à porteira, repetiu a mesma frase, mais baixo. Já próximos da porteira, o homem pulou no chão, do outro lado da porteira, era magro e muito alto e, de costas, colocou a mão direita no chapéu e sumiu. Ai o sr. Antonio disse alto: - “Vá em paz! Vá com Deus e obrigado! Dias depois, a porteira tinha sumido, inteirinha. Minha mãe e irmãos disseram que tinham roubado ou a alma penada tinha cumprido a pena. Nós todos nos benzemos, fazendo o sinal da cruz. Minha mãe entendia dessas coisas de fantasmas e espíritos. Não tinha medo e dizia que via e falava com eles, quando eles queriam. Quando ela falava destas coisas, de noite, naquele breu, iluminado por lamparina, só para nós ficarmos com medo, não era só eu o medroso da casa, todo mundo arregalava os olhos e se encostavam uns nos outros. Eu era o mais pequeno e subia na cama, na cadeira ou no colo de alguém. Era fogo! O sr. Antônio Roldan era conhecido por Purruga, e caçava pelo morro e pescava por Itaquera e redondeza. Nós também comemos várias vezes codornas, tatú, preás, rãs e, peixe nem se fala. Pombas, rolinhas e até sabiás, que crime, heim? Hoje em dia a gente vê, mas na época tinha prá caramba. 134

Mandinga era um termo que, no período colonial brasileiro se referia à trechos do alcoorão que negros muçulmanos traziam em cartuchos confeccionados de couro costurados e presos em volta ao pescoço. Os negros de outras etnias referiam-se aquilo por patuás. Mais tarde serviu para referir-se a práticas de feitiçaria.

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