Revista +Soma #12

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nome de Damo Suzuki está mais associado aos anos setenta, onde se concentraram suas parcerias musicais mais famosas. Mas, enquanto seus olhos deslizam por estas palavras, ele provavelmente está em algum canto do mundo, criando sua música imediata de cada dia, sua arte com rubrica, mas também transferível a quem quiser se apossar dela – como bem entendeu Mark E. Smith na canção “I Am Damo Suzuki”. Além de ser beatificado pelo líder do The Fall, Suzuki é ídolo também de gente como John Lydon (PiL), Pete Shelley (Buzzcocks), Omar Rodriguez Lopes (The Mars Volta) e David Bowie. A quem não faz parte do culto, um breve resumo: Damo foi homem de frente da banda de vanguarda Can, um dos pilares do rock experimental alemão da década de 1970, que ficou conhecido mundo afora como krautrock, termo que prefere não utilizar. Ao lado do Can, gravou quatro álbuns: Soundtracks (1970), Tago Mago (1971), Ege Bamyasi (1972) e Future Days (1973), todos obrigatórios na coleção de quem se interessa por sons com um mínimo de transgressão. Future Days foi o único que saiu em LP no Brasil, pelo selo United Artists, e ficou um tempão jogado em sebos e saldões. Hoje, virou peça de colecionador. O álbum também é constantemente acusado de ser o marco zero da ambient music. Em 1974, Damo se casou com sua namorada alemã, largou tudo e virou testemunha de Jeová. Sobreviveu a um câncer e só voltou aos palcos dez anos depois, com suas jams de música instantânea. Desde então, toca com uma banda de apoio diferente em cada cidade – sua network, como ele prefere.

Suzuki esteve no Brasil em junho e fez shows em Goiânia, Florianópolis, Rio de Janeiro e São Paulo. Pouco antes da apresentação na capital paulista, ele nos recebeu em seu quarto de hotel, exibindo sua calma e educação tipicamente nipônicas. O músico não gosta muito de falar sobre o passado, então começa explicando seu trabalho atual: “Desde 2003 venho fazendo uma espécie de ‘tour que nunca acaba’. Durante todo esse tempo, toquei com músicos de várias partes do mundo, fazendo música instantânea. A forma de comunicação mais usada no meu mundo é a música, e essa é a minha network, minha cadeia de amigos e músicos ao redor do planeta”. Nostalgia, por sinal, é algo que definitivamente não o afeta: “A melhor música está sendo feita exatamente agora, e a música como um todo é muito melhor agora do que antigamente”, define. “Sou privilegiado, porque vivo de música e viajo o mundo todo fazendo música nova e diferente a cada dia e em cada lugar por onde eu passo.” O rótulo “rock progressivo”, que sempre acompanhou o Can, sugere que pelo menos parte do público de Damo seja formada por senhores de meia-idade, mas segundo ele não é bem isso o que tem acontecido. “Muitos jovens vêm aos shows. Recebo e-mails de garotos e garotas de 14 anos de idade, e isso é muito interessante. Na Inglaterra, em especial, meu público é bem jovem; sempre reparo que uma garotada cada vez mais nova e empolgada vem aparecendo. Tem um guitarrista que se apresenta comigo por lá de apenas 15 anos.” Os alemães acolheram Damo Suzuki em finais dos anos 1960, quando era um músico de rua em Munique. Foi ali, em frente a um café, que conheceu Holger Czukay, baixista e cérebro do Can, e o baterista Jaki Liebezeit. “Eles disseram: ‘somos de uma banda de rock experimental e temos um show hoje à noite, você gostaria de tocar conosco?’.” Damo aceitou e fez seu primeiro show com o Can para uma plateia enorme. No palco, ficou um bom tempo murmurando como um monge tibetano em transe. Minutos depois, irrompeu em um ataque de fúria. Muitos, em estado de choque, abandonaram o local. Anos mais tarde, novamente para um grande público, a reação seria bem diferente. Em 3 de fevereiro de 1972, os pioneiros do krautrock se apresentaram no gigantesco Sporthalle, em Colônia, base do grupo na Alemanha. A popularidade crescia imensamente naqueles tempos e com esse show, transmitido em rede nacional para toda a Alemanha, o hype fugiu ainda mais do controle. Ao criar versões estendidas

de temas como “Spoon”, o grupo criou a trilha sonora de uma das maiores viagens transcendentais em massa da história da música pop. Mas, apesar da importância e influência, a fase de Suzuki ao lado do Can não faz muito sua cabeça hoje em dia. “Eu não escuto mais esses discos. Quando eu saí do Can e abandonei a música, em 1974, foi um bom momento. Minha mente estava confusa. Estávamos nos tornando estrelas, e isso nunca me interessou.” Nosso tempo com Damo Suzuki vai chegando ao fim, mas ele faz questão de falar sobre o Brasil. “Na primeira vez que estive por aqui foi uma loucura”, ele lembra. “Fiquei poucas horas no país, porque tinha show marcado em Buenos Aires na sequência, mas desta vez foi maravilhoso. Foram quase duas semanas, e fiquei seis dias no Rio de Janeiro. O lugar de que mais gostei foi Santa Tereza, que tinha ótimo astral, ótima energia e uma bela vista de toda a cidade... Me lembrou muito Portugal. Foi um choque de culturas: andar pendurado naquele bonde sem ter que pagar nada foi demais, assim como ver as garotas quase peladas em Copacabana! Acabei perdendo a praia... Acho que estou um pouco velho demais para isso (risos).”3

8Saiba mais: www.damosuzuki.de

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