Erga Omnes_6ª edição

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ERGA Revista OMNES Ano 2, nº 6, outubro de 2010, Salvador - BA

Arremata por pleitear seja a demandada condenada e obrigada a veicular outra novela de época, mostrando a participação do negro no regime escravocrata como realmente ocorreu, com orientação de historiadores previamente aprovados pelo Ministério Público, bem como a fixação de indenização pelo dano moral sofrido pela comunidade negra de Salvador, a ser revertida ao fundo gerido pelo Conselho Estadual. 3 - A acionada, regularmente citada, contestou a pretensão, o fazendo mediante a peça encartada às fls. 161/186, acompanhadas pelos documentos de fls. 187/199, onde, após proceder ao resumo da lide, arguiu, em sede de preliminar, a ilegitimidade do Ministério Público ao manejo da presente Ação Civil Pública, por entender ausentes o interesse e o direito difuso a justificar o mencionado patrocínio. Sustentou, de igual modo, também em sede de preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido, na medida em que, ao postular a veiculação de outra telenovela de época mostrando a participação do negro no período escravocrata como realmente ocorreu, entende que tal pleito se coaduna como pedido de direito de resposta, somente do Juízo Criminal, e incompatível com o pedido indenizatório. No mérito, sustenta que o inconformismo sedimentado na pretensão deduzida na inicial, sobre estar desamparado em qualquer base jurídica, encontra resistência no direito constitucionalmente edificado no art. 5º, IX da Carta Federal, tratando-se de garantia de liberdade de expressão e criação, da livre manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística e de comunicação. Sustenta que a novela “Sinhá Moça” é uma adaptação feita pelo novelista Benedito Rui Barbosa, tendo por suporte o romance da escritora Maria Dezonne Pacheco Fernandes, sendo que dita obra já fora levada ao ar anteriormente – 1986 – como em 1953, com enredo há tempos já conhecido do 66

público. Assevera mais, que, por se tratar de obra de ficção, não há obrigação de abordagem real dos fatos históricos, caso contrário, tratar-se-ia de documentário.

rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público ao manejo da presente ação civil pública, sob o argumento da ausência de interesse difuso.

Prosseguindo, sustenta a ré a inexistência de ilicitude a justificar a reparação pretendida, uma vez que a telenovela em foco retratou um trabalho artístico, que vem sendo divulgado não só no Brasil, mas em vários outros países, há mais de cinquenta anos, fruto da liberdade de expressão, criação e pensamento. Louva o seminário patrocinado pelo MP, registrando que colaborou na fase do procedimento civil, não logrando êxito na fase de composição por entender que as exigências impostas afrontam princípios constitucionais. No mérito, sustenta inexistir conduta discriminatória, que o evento teve cunho de ficção artística e não documentário histórico e que sua conduta está amparada pelo quanto prevê o art. 5º, IX, e 220, ambos da Carta Federal, não sendo admissível censura ou licença prévia. Registra o disposto no art. 1º da Lei 5.250/67, ao tempo que pondera a ausência de ilicitude, bem assim de dano moral difuso, sendo impossível individualizar os cidadãos supostamente atingidos pelos danos alegados, mas, pautando-se no princípio da eventualidade, caso seja reconhecido, defende que a indenização seja aplicada nos moldes legais e moderados. Arremata por postular o acolhimento das preliminares arguidas, com extinção sem julgamento do mérito e, no mérito, espera a improcedência. 4 - Réplica do autor às fls. 201/204.

É que há, sim, interesse difuso.

A matéria versada nos autos está sedimentada no âmbito exclusivo do direito, estando presentes todos os elementos necessários ao julgamento. É o relatório. Tudo visto e examinado, decido: 5 - Inicialmente, de logo afasto e

Com efeito, é no campo da legislação atinente ao Direito do Consumidor que se encontra a precisa definição do que são os direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. E não existe discussão doutrinária relevante que ponha em dúvida o fato de que são difusos os interesses quando, sendo eles indivisíveis, possuírem a marca da transindividualidade, de modo que seus titulares são pessoas indeterminadas, que se ligam apenas por circunstâncias de fato (Lei 8.078, art. 81, parágrafo único, I). No caso destes autos, o fato que liga os titulares do interesse difuso é, de acordo com a petição inicial, a circunstância de tratarem-se de pessoas afrodescendentes. Com efeito, a inicial é clara ao expor a pretensão, tendo por base fato que entende ilícito, dano que alega haver sofrido a população afrodescendente de Salvador. E, como é função institucional do Ministério Público propor ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III), é inegável a existência da legitimidade ativa do Órgão no caso ora sob julgamento. 6 - De igual modo, rejeito a preliminar, também sustentada pela ré, no que tange a impossibilidade jurídica do pedido. É que, para que um pedido seja considerado juridicamente possível, é bastante que a pretensão, em abstrato, se inclua entre aquelas que são reguladas pelo direito objetivo. A impossibilidade, pois, deve ser absoluta (a pretensão não se inclui entre as reguladas pelo Direito objetivo) e verificável pelo


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