OS BAILUNDOS

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88 No fim do recenseamento, em todos os papéis havia apenas dois nomes suspeitos. Mandei que essas pessoas viessem à minha presença para que fossem interrogados. Perguntei a um deles a razão que o tem levado a fazer todo aquele mal às pessoas com a otala. Ele disse-me que não tinha otala nenhuma, e que todas aquelas denúncias eram falsas calúnias. Então dei ordem ao cipaio que me acompanhava para o castigar, para desta maneira o obrigar a confessar. O cipaio, então, usou o seu cinturão e lhe bateu nas costas, até que ela confessasse. Sempre confessou, e pedi-lhe para que ele entregasse o objecto para ser destruído, e assim não houvesse mais vítimas. Como o não queria entregar, obriguei-o a levar-me ao local onde guardava a otala. Pensava que me conduzisse a casa, onde fariamos uma revista, mas conduziu-nos a um alto monte. Quando ali chegamos, levantou uma grande pedra de onde retirou a referida otala, que se encontrava embrulhada numa pele de cabrito. Eram cabeças secas de cobras venenosas, como a vívora, cabeças de maribondos, de abelhas, de lagartixas, de camaleões, etc., as quais torrava com óleo de palma e depois reduzia a pó. Todo aquele que tivesse contacto com esse pó, fosse no caminho ou colocado em qualquer objecto, logo ficava contaminado com os efeitos nefastos dele, vindo depois a sofrer deformações físicas. Muitas vezes era colocado nos guiadores de bicicletas, nos cabos das enxadas, nas maçanetas das portas, etc. Bastava tocar nesse pó, que é difícil de detectar, que a pessoa ficava logo afectada no seu corpo, pois o efeito quimico penetra no corpo até aos ossos. Este era um tempo de grande perturbação para mim, visto que além de estar sempre na mira da PIDE, e ter saído da Missão Evangélica, a tal mulher que me perseguia com as suas feitiçarias, quando por lá andava, passei a sonhar novamente com ela como anteriormente, em que me apresentava, nos sonhos, mulheres nuas, mulheres tão altas como a torre duma igreja, dum Templo SUD ou dum minarete, e me dizia: “Eis aqui uma mulher para ti!” Mas desta vez também me trazia uma serpente venenosa. Isto na feitiçaria africana era a evidência de que aquela mulher só pretendia eliminar-me, pois quando ainda da minha presença na Missão, colocava-me um cazumbi no meu caminho para ser tentado com as mulheres alheias, o que constituia um grande perigo para mim, pois os homens bailundos, quando se tratava das suas mulheres, são muito ciumentos. O ciúme que tem por elas tem um nome terrível, que é “Ukuelume”. Quanto a este ciúme que os bailundos têm pelas suas mulheres, há alguns factos verídicos que gostaria de narrar e presenciados por mim: Quando estive no Mungo tinha um vizinho chamado Katombela, e a sua esposa chamava-se Anastácia. Uma manhã apareceram ali dois irmãos de Katombela, que lhe disseram: “Ontem à noite apanhamos a cunhada Anastácia adulterando com o António”. Katombela ao ouvir isto ficou furioso e disse aos seus irmãos: “Konjupili lonjanga (Vão já buscá-lo) ”. Passado algum tempo os dois irmãos traziam o tal adúltero amarrado e posto na frente de Katombela, que ficou tão furioso que até parecia comê-lo vivo. Ajudado por os seus irmãos, deu-lhe uma carga de pancada até ao desgraçado defecar. Depois estenderam-no no chão, ataram-lhe as pernas com uma corda, suspendendo-o no ramo de uma árvore de cabeça para baixo, e depois de o espancarem com um cacete até se cansarem, desceram o homem da árvore e o estenderam novamente no chão, fazendo-o beber uma composição extraída de raízes de uma planta chamada olondeia, para o tornar impotente sexualmente para toda a vida. Finalmente, estenderam-no novamente no chão, tomaram uma enxada com cabo comprido, foram a uma retrete e de lá tiraram uma porção de excrementos podres e cheios de bichos, abriram a boca do adúltero e lhe meteram todos aqueles excrementos pela garganta a baixo. Um pisava-lhe a garganta com o pé, para o sufocar, enquanto outro metia-lhe as fezes na boca, e quando a boca ficava cheia o outro levantava o pé para que ele ao aspirar o ar que lhe faltava, ao mesmo tempo tinha que engolir o que tivesse na boca. Daí o dito: “Quem mexer em saias alheias comerá os excrementos”. Outro caso foi de dois rapazes que tinham casado no mesmo dia e vizinhos um do outro. Um destes casais tinha filhos e o outro não. Aconteceu que na véspera de um Natal, o que tinha filhos foi à mata apanhar a lenha para a festa, que ficava no outro lado do rio. Quando chegou junto do rio encontrou a mulher do vizinho, que não tinha filhos, em busca de água, à qual lhe disse:


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