Nos Dominios da Mediunidade

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Nos Domínios da Mediunidade

André Luiz

Francisco C. Xavier

- Nosso amigo está preso a significativo montante de débitos com o passado e ninguém pode avançar livremente para o amanhã sem solver os compromissos de ontem. Por esse motivo, Pedro traz consigo aflitiva mediunidade de provação. É da Lei que ninguém se emancipe sem pagar o que deve. A rigor, por isso, deve ser encarado como enfermo, requisitando carinho e tratamento. Em seguida, como se quisesse recolher dados informativos para completar a lição, tocou a fronte de Pedro, auscultando-a demoradamente. Decorridos alguns instantes de silêncio, informou: - A luta vem de muito longe. Não dispomos de tempo para incursões no passado, mas, de imediato, podemos reconhecer o verdugo de hoje como vítima de ontem. Na derradeira metade do século findo, Pedro era um médico que abusava da missão de curar. Uma análise mental particularizada identificá-lo-ia em numerosas aventuras menos dignas. O perseguidor que presentemente lhe domina as energias era-lhe irmão consangüíneo, cuja esposa nosso amigo doente de agora procurou seduzir. Para isso, insinuou-se de formas diversas, além de prejudicar o irmão em todos os seus interesses econômicos e sociais, até incliná-lo à internação num hospício, onde estacionou, por muitos anos, aparvalhado e inútil, à espera da morte. Desencarnado e encontrando-o na posse da mulher, desvairou-se no ódio de que passou a nutrir-se. Martelou-lhes, então, a existência e aguardou-o, além-túmulo, onde os três se reuniram em angustioso processo de regeneração. A companheira, menos culpada, foi a primeira a retornar ao mundo, onde mais tarde recebeu o médico delinqüente nos braços maternais, como seu próprio filho, purificando o amor de sua alma. O irmão atraiçoado de outro tempo, todavia, ainda não encontrou forças para modificar-se e continua vampirizando-o, obstinado no ódio a que se rendeu impensadamente. Respondendo com um olhar amigo à nossa expressão de assombro, acrescentou: - Penetramos forçosamente no inferno que criamos para os outros, a fim de experimentarmos, por nossa vez, o fogo com que afligimos o próximo. Ninguém ilude a justiça. As reparações podem ser transferidas no tempo, mas são sempre fatais. O ensinamento era simples, contudo, a terrível situação do enfermo fatigado e triste infundia-nos justificável espanto. Estudando sempre Hilário considerou: - Se Pedro, no entanto, é ainda um médium torturado, que poderá fazer num agrupamento como este? O instrutor sorriu e obtemperou: - O acaso não consta dos desígnios superiores. Não nos aproximamos uns dos outros sem razão. Decerto, nosso amigo possui aqui ligações afetivas do pretérito com o dever de auxilia-lo. Se não pode, desse modo, ser um elemento valioso ao conjunto, de imediato, pode e precisa receber o concurso fraterno, imprescindível ao seu justo soerguimento. - Curar-se-á, contudo, em tempo breve? – indaguei por minha vez. - Quem sabe? – retrucou Áulus, sereno. E, com o grave entono de quem pesa a substância das próprias palavras, prosseguiu:

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