Croniquetas da copa

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Croniquetas da Copa Jo達o Vereza e Luter Filho



Apresentação

João Vereza por Luter Filho

Tudo que João Vereza não faz no campo ele faz no texto. A leveza, graça e originalidade que você vai ver aqui, caro leitor, definitivamente não vem daquelas canelas. É um outro jogo, um outro tempo, onde João é artilheiro, técnico, juiz e gandula. É talento que vem de berço. Numa casa de redatores, cineastas e estrategistas de FIFA Soccer no powerpoint, João aprendeu a amar futebol. Daí já não importa mais se vem dos pés ou das mãos. Quando falamos de amor, jogamos com o coração. Agora acrescente o maior torneio do mundo no seu país e você vai entender o que deu nesse menino. 27 crônicas para cada 27 partidas escritas com taquicardia e paixão. João só sai de campo pra descansar em Brasil x Alemanha, quando me tira do banco com um tapinha na bunda e aquela máxima “é sua chance, garoto”. Que jogo difícil esse de escrever, hein. Se você também ama futebol, vai amar ainda mais lembrar dessa Copa do jeito que preparamos pra você. E quantas vezes quiser. E quantas vezes tiver saudade. A propósito, pode fechar o caderno e correr pro pátio. Agora é recreio.



Apresentação

Luter Filho por João Vereza

Luter com esse nome germânico, nome protestante importante, nome do pai nome do filho; Luter nascido dum pai feiticeiro um pai marinheiro, irmão do moleque da Kombi do Forró, na família inteira corre sangue brasileiro; Luter estreou na Bahia, cresceu ginga em Santos, se formou no Rio com alma de Copacabana; Luter catou a gaúcha e pirou na paulista, balançou a braceta pra goiana a italiana a baiana; Luter junta sotaques no balcão do bar e transforma reunião em tarde em Itapuã; Luter teve os macaquinhos como vizinhos e aperta um mundaréu de gente nas festas no apartamento; Luter é um talento, Luter lê o vento. Hoje o Luter está na Europa; Budapeste, Berlim, cadeira de praia na neve e batucada na muralha do castelo. Luter que é arte; pegou estes textos apaixonados descompromissados e pensou e pintou e pilhou; deu lá de longe o toque nacional mais profundo. Porque o Luter vai onde tem Brasil; o Brasil vai com o Luter onde ele vai.


A Espanha começou a apanhar no Brasil na derrota para a seleção na final da Copa das Confederações. Enquanto nego engraxa a chuteira do Messi e tenta invadir o treino do Cristiano Ronaldo, a hostilidade caiu toda para a Espanha. Felipão acertou nesta tática. Diego Costa é vaiado, o hino deles é vaiado. Estão isolados no frio de Curitiba enquanto as outras eleções se entregam ao povo. Cassilas já vinha errando desde a final da Champions, eles não estão bem. Não entra na cabeça de campeões tão asseados como um estádio pode lhes cuspir na cara. O jogo do Chile também merece destaque. Hoje vimos pela primeira vez o poder das torcidas sul-americanas. O hino foi cantado a plenos gritos, exato como do Brasil. E, quando a música cessou, a torcida levou o hino no gogó também como os brasileiros – algo que achávamos que era privilégio nosso. O próximo jogo do grupo é Espanha e Chile, justo no Maracanã onde começou a coça. Daí, digo duas coisas: a Espanha não levanta e esta Copa é dos Sudacas. 13/06/2014




Disseram que não teria um tostão público nos estádios. Disseram que o juiz da estreia do Brasil não era bom sinal. Disseram que ia ter trem-bala e avanços na mobilidade urbana. Disseram que os turistas encontrariam um ambiente tenso. Disseram que a Espanha estava tinindo e a Holanda no bagaço. Disseram que os árbitros da Fifa são impecáveis. Disseram que o Uruguai ressuscitaria o fantasma do maracanazzo. Disseram que os argentinos seriam hostilizados no Rio. Disseram que não dava pra jogar futebol em Manaus. Disseram que no Nordeste não chove e só faz sol. Disseram que os aeroportos seriam todos reformados. Disseram que a Copa era o que faltava pro país deslanchar. Disseram até que não ia ter Copa. Pois a Copa só tem 3 dias. E é melhor ninguém dizer mais nada. 14/06/2014


Não adianta o time mediano achar que vai ganhar porque a torcida se abraça e canta forte o hino. Porque a torcida é tão mediana quanto o time. Os chilenos cantaram seu time à capela, os franceses fizeram o mesmo na final de 98. Não é trademark nenhum. O mérito é incentivar e acreditar pra valer. Os mexicanos atracaram um cruzeiro pra vir torcer. Os argentinos tomaram Copacabana, vieram de traillers, tentaram invadir o Maracanã e cantaram, cantaram do início ao fim. Brasileiro senta pra ver a seleção e acha que está vendo um show de rock. Os caras fazem uma jogada, a torcida delira. Os caras erram, a torcida pega no pé. É obrigação deles nos entreter. Tá errado. Quanto mais a torcida acreditar, mais eles acreditam. 17/06/2014




Essa é a Copa dos latino-americanos. Diria dos Sudacas, mas aí não se incluiriam os mexicanos e os costarriquenhos. Lula errou quando desenhou a Copa para os brasileiros. A Copa é para o continente. Eles estão vindo de carro, de ônibus, de trailler, de cruzeiro. Eles estão mostrando nas arquibancadas como se torce e mostrando em campo como se joga pela torcida. Chilenos e argentinos já tomaram o Maracanã, tanto que tentaram invadi-lo, no melhor ou pior espírito latino. Colombianos deram show e ontem os mexicanos calaram Fortaleza. Europeus são muito elegantes e polidos para jogar neste ambiente. Os estádios podem estar no padrão Fifa, mas o cheiro típico de mijo e de bagunça está na memória afetiva. E o Brasil? Nós não nos achamos latinos, não nos achamos primos ou hermanos de nada disso. Quando, no fundo, como diz a música ruim da Copa, somos sim um continente só. Enquanto a torcida não sair da tamanca do hino e dos gritos de vôlei e se entregar à paixão do futebol, enquanto a seleção não deixar de lado essa bobagem de superioridade e ferver mais o sangue e as chuteiras, não vamos chegar domingo ao Maracanã. Nós somos excelentes de Copa. De jogar e torcer. Mas no país dos outros. Em casa, ainda estamos tateando. E o segredo é se entregar, como ensinam nossos irmãos latinos. 18/06/2014


Existe algo de muito histórico nessa Copa. Os corretos dirão que é o clima quente e úmido, que reduz o rendimento das equipes europeias e justifica parte das surpresas. Os mais românticos dirão que é a efervescência dos latinos. Por séculos a Espanha maltratou metade do continente. Inglaterra se aproveitou com os tratados econômicos. Se você pensa que seria diferente se a Holanda nos tivesse colonizado, pergunte pra alguém do Suriname. A sensação de que já nascemos explorados é algo que vive com os latinos – chilenos, colombianos, uruguaios e, principalmente, argentinos. Esta grande lição de história de botequim serve para dizer que não, os europeus já tiraram tudo daqui, mas não vão tirar a taça. Pergunte ao Uruguai ou à Costa Rica. 20/06/2014




Que diabo tem neste país que faz a bola rolar com mais gosto? Que deu nascimento ao melhor jogador do mundo, ao melhor time do mundo, aos melhores artilheiros do mundo, aos melhores dribladores do mundo, aos melhores zagueiros do mundo. Que faz o mundo se ajoelhar num lance de gol, pular e pular com a bola na rede e ajoelhar novamente quando erguem a taça – e foram cinco delas. Que diabo tem neste país que diz para os incontestáveis espanhóis “aqui não”. Que os holandeses tão gente fina se jogam em Ipanema e brincam nos gramados. Que os alemães tão cintura dura se entregam ao sol da Bahia e vão aprendendo que para vencer aqui tem que rebolar. Que os ingleses inventores do esporte voltam para casa com lições para estudar. Que afloram as zebras, que ridiculariza os especialistas, que deixa o mundo rouco de tanto gritar gol. Que recebe os latinos de balizas abertas, aplaudindo os uruguaios, se encantando com a Costa Rica, fazendo coro com os mexicanos, colombianos e até os argentinos. Antes da Copa, sabíamos que o Brasil é o país do futebol. Agora, que o Brasil é o país do futebol para todos os países. 22/06/2014


Gente, tá tudo comprado. Compraram aquele gol magistral de cabeça do holandês, compraram as falhas do goleiro espanhol, o mesmo que levantou a última taça. Compraram toda Costa Rica – o que deve ter sido caro, já que o país traz riqueza no nome – e também os outros trouxas do grupo da morte. Compraram os argelinos e os coreanos, uns perebas históricos, pra fazerem um jogo de seis gols. Compraram o goleiro milagroso do México para que empatassem com o Brasil e pegassem a Holanda nas oitavas. Compraram o Paulinho pra jogar mal e o Fernandinho pra arrebentar. Compraram os 4 gols do Neymar – e olha que isso foi complicado, porque teve que pagar pro Neymar, pro pai, pro Santos, pro Barcelona e ainda pro cara que apresentou o Neymar à bola. Compraram o coreógrafo que ensinou a dancinha aos artilheiros colombianos. Compraram o fisioterapeuta mágico do Luiz Soares. Compraram pra tirar o Ribery da Copa e o time da França voar. Compraram aquele gol do Messi aos 46 do segundo tempo. Compraram a goleada da Alemanha, não gostaram e pediram pra trocar por um empate difícil com Gana. Compraram o gol de barriga dos EUA e o gol ao último minuto de Portugal. Quiéisso, minha gente. Tá tudo comprado, na prateteleira, é só escolher. Quer pagar quanto? 23/06/2014




A Copa vai chegando na metade, esticando o tronco pra fase mata-mata e já vai deixando saudade. Saudade da Corácia e sua camisa mais bonita, do jogo duro que fez com o Brasil, do seu atacante com gestos ultra-direita que entrou no jogo de Camarões e deu esperança que os croatas bateriam o México. Saudade de Camarões e suas trapalhadas, da discussão sobre o bicho, do jogador doido que deixou o hotel para ir comer na lanchonete, da comissão técnica que atrasou o vôo porque esqueceu os documentos. Saudade dos australianos gente fina que chegaram primeiro e fizeram excelentes jogos, principalmente contra a Holanda - se tivessem num grupo mais fácil, com certeza passariam. Saudade de torcer contra a Espanha e ver aquele olhar de cão perdido na cara do Cassillas. Saudade da educação milenar dos torcedores japoneses que limparam os estádios melhor que milhares de Comlurbs. Saudade do batuque exótico da torcida de Costa do Marfim e finalmente aprender como se chama quem nasce lá: marfinenses. Saudade de mais uma tentativa da Inglaterra, e seus torcedores vestidos de cavaleiros neste calorão e do bom humor com que encaram os fracassos contínuos. Saudade da Itália, da elegância do Pirlo, do beijo que o Balotelli deu na noiva e ficou devendo na Rainha, da seleção concentrada no Portobello e daquele jogo magistral com o Fluminense. É; saudade. Meio como aquela hora em que você olha pra festa e nota que não tem jeito: começou a esvaziar e uma hora ela vai acabar. Tá tendo Copa sim. Podia não ter fim. 24/06/2014


É como olhar para o álbum completo e lembrar quando você o folheou pela primeira vez, imaginando o que viria para completar as páginas vazias. Como dar um refil num copo de vodka com gelo e aproveitar um novo drinque misturado ao gelo do drinque antigo. Como calçar um sapato novo pela terceira vez e ele já vai cedendo gostoso, ele e seu pé começando a se entender. Passar uns dias numa cidade nova e perceber que não precisa mais do mapa, mas ainda tem muitas novidades para descobrir. Como decorar espontaneamente o refrão de uma nova música, um prato novo no seu restaurante favorito, mergulhar na mesma praia mas com o mar diferente. Agora estudo emocionado as 16 seleções dos 8 confrontos das oitavas e é nisso que penso. Que ninguém passa duas vezes pelo mesmo rio e ainda tem muito rio para rolar. Vem aí a segunda fase da nossa Copa. 26/06/2014




Mata-mata, amigo. Acabou o amor. Esse México com esse goleiro maldito, com cara de manicure, e da torcida que calou o Castelão. Esses holandeses que já nos tomaram a Copa da África e agora querem levar Ipanema. Os chilenos que quebraram o Maracanã, mas se renderam ao Garrincha na terra deles. Essa Colômbia, coitada, que quando perde mata um jogador e, quando ganha, matam uns aos outros. A Grécia que só ganhou uma Euro e que os locutores não aguentam mais os seus nomes. Esses uruguaios que já nos ganharam aqui e agora vão mostrando que isso que chamam de raça é desequilíbrio. Essa Costa Rica que já deu sorte e ganhou o que tinha que ganhar. Os suíços com esse ferrolhozinho que só serve para trancar os cofres do Maluf. A França que já nos tirou de 3 Copas. Esses argentinos com seus assaltos, suas musiquinhas, seus motor-homes e esse Messi que tira o sono das nossas crianças. A Nigéria, que não fez nada de errado, mas alguém tem que pagar pelos 3 milhões de Gana entrando no país sem nada de receita federal. Os alemães que já andaram de barco, curtiram a Bahia e vestiram a camisa do Flamengo, ou seja, vieram fazer turismo. Esses americanos que precisam enfiar o míssil nuclear no rabo porque no campo de futebol, amigo, eles não ganham. Essa Bélgica que é menos sensação do que vento na batina de freira velha. Esses argelinos que pariram o Zidane. Domingo eu quero o Brasil no Maracanã para acabar com a festa. E expulsar todo mundo de casa usando a taça como vassoura. 26/06/2014


Amanhã, torça. Torça como torce por uma boa notícia. Como torce para fazer sol no fim de semana. Para que consiga alugar o apartamento, que não queime o feijão, que o banheiro esteja livre e limpo. Para que ninguém repare que a meia calça está desfiando ou que o desodorante venceu. Torça como você torce quando quer muito um emprego ou fechar o negócio que muda a vida. Para entrar na faculdade, que venha todo mundo para a festa, para que tenha onda e não tenha trânsito. Para que ele te peça em casamento, para que ela diga sim. Para que seus filhos sejam felizes e tenham saúde, para que seus pais estejam sempre com você. Copa do Mundo não é futebol. Quando o juiz apita o fim do jogo e seu time venceu, o que você ouve são as palavras que torce para ouvir a cada momento: “viu como ficou tudo bem?” Por isso, amanhã, torça. Vai ficar tudo bem. 27/06/2014




A seleção não é como um bife no restaurante. Não dá pra devolver pro garçom e pedir pra passar um pouco mais ou pouco menos. O Fred que temos é esse aí, o Fernandinho que temos é esse aí. É a hora certa, o lugar certo e os homens errados. A oportunidade milenar de uma Copa no Brasil calhou numa seca de craques. Hoje, o time é Neymar e Jesus Cristo. Hoje, a perebice bateu no ventilador. A torcida tentou, é verdade. Mas se a gente fala “eu acredito” em oitavas de final contra o Chile, contra França ou Alemanha vamos fazer o que? Rezar? Com um papa argentino? A seleção está terminal. Desenganada pela tática equivocada do jáganhou do Parreira e do Felipão. O coração ainda bate. Hoje, principalmente, no peito do Júlio Cesar. Mas sexta, contra a sensacional Colômbia, vou deixar um desfibrilador ao lado da cerveja e dos amendoins. 28/06/2014


Piadinha infame. O cabra está no boteco, reclamando da mulher. Que ela não se cuida, tem buço, tem bafo, tem cheiros. Não cozinha, não lava, não presta pra nada. Até que chega um moleque gritando. “Seu coiso! Tua mulher tá na cama com o Amadeu!” O cabra então se vira pra garrafa e confessa baixinho: “Meu Deus, que vergonha do Amadeu...” Pois ótimo. As oitavas começaram comendo soltas. Colômbia botou Uruguai pra bailar e vem bailando com seu craque camisa 10. Costa Rica e Grécia fizeram um duelo homérico, que raça desses gregos em levar o jogo pra prorrogação. Holanda, mais uma vez, assustadora. No sol do nordeste, ficou procurando sombra por 80 minutos e em 10 liquidou os mexicanos. E o Brasil foi aquilo. Sem jogadores, sem jogadas, sem treinamento, sem fundamentos, sem centro avante, sem saída de bola, sem trocas de passe, sem alternativas e absolutamente sem meio campo. Em 58, Nelson Rodrigues mobilizou a nação por um escrete de craques desacreditados. Em 2014, essa enxurrada de jingles nos força a acreditar num time sem brilho. Não sou doido. Não rasgo dinheiro, não taco pedra em avião nem torço contra a seleção. Quero muito que nosso futebol apareça, que o time acorde e encaixe e que domingo a gente levante a taça no Maraca. Ainda assim, vendo o futebol, a torcida e a vontade das outras seleções, penso igual ao cabra corno: que vergonha do Amadeu. 30/06/2014




Eu acredito que nunca vou comer um bolinho de bacalhau como os que minha avó fazia. Acredito que o salário vai salvar meu próximo mês. Acredito que o sinal verde é para seguir e o vermelho para parar. Acredito que a minha certidão de casamento foi o melhor contrato que assinei e irei assinar. Acredito no sol de Ipanema. Acredito que, se não beber um pouquinho de água junto com a cerveja, terei problemas no dia seguinte. Acredito em literatura. Acredito nos dinossauros. Acredito na gravidade. Acredito no poder de uma guitarra. Acredito que o Super-Homem chegará a tempo de salvar a Lois Lane. Acredito em quem não quer papo segunda-feira de manhã. Acredito em futebol e na Copa do Mundo. Acredito que de 4 em 4 anos o mundo entra em sintonia como em nenhum outro momento, que pessoas nascidas em diferentes circunstâncias do planeta se tornam irmãs mesmo em torcidas opostas. Acredito que hoje Copacabana é o lugar para se estar. Acredito que a bola é soberana e até o domingo no Maraca ainda fará muito gato e sapato de todos nós. Mas, desculpe, não acredito nessa seleção. Para a nossa seleção, eu torço. Bato na mesa, soco a cadeira, grito da janela, rezo pela defesa, imploro pelo ataque, comemoro o gol como o entalado roxo cospe fora o pedaço de carne – mas torço. 30/06/2014


Curioso pensar como esses mesmos países que hoje se bicam com chuteiras há um século se matavam com gás mostarda. 2014 contam cem aninhos do início da Primeira Guerra Mundial. O curioso continua quando, depois do assassinato do rapaz Ferdinando lá, pouquíssimos jornais deram destaque ao fato e mais raríssimos ainda foram os que tiveram nariz para perceber o cataclisma da encrenca que viria. Falamos de guerra, falamos de história, falamos de futebol. Outra bola que corre solta na Copa é a de cristal. Nossa ansiedade de torcedor dá emprego a muita gente sem tino e sem assunto. Falamos, é claro, dos nervos da seleção. Nelson Piquet tinha uma crítica maravilhosa ao Galvão Bueno, dizendo que o papudo não tinha nada que ficar adivinhando o que os pilotos estavam tramando. Na falta de certezas e de mais unha para roer, agora todo mundo é especialista em psicologia. Se a reação espontânea da seleção foi para o triunfo ou para a ruína, somente a bola, essa sim a dona absoluta, vai dizer. Como na história com agá maiúsculo, a história de uma Copa só é completa quando terminou. E fim de papo e de papudos. 02/07/2014




Se zaga não ganha jogo, grandes merdas o Brasil ter a melhor zaga da Copa. O mesmo que dizer que temos a maior democracia do mundo mas o campeão de votos é o Tiririca. Que batemos recorde de safras de soja mas temos umas estradas buraco puro e caminhões tropeiros pra escoar esse troço. Que exportamos novelas de sucesso mas o grande astro é o Toni Ramos. Que nossa música embala o mundo mas na dancinha do Michel Teló. Que São Paulo é um pólo gastronômico mas uma fatia de bolo tem preço insustentável. Que nossa beleza tipo exportação é a Gisele Bündchen, colona europeia do dedinho ao cabelão. Que nossa literatura é world best-seller mas o autor é Paulo Coelho e seus romances cafonas de auto-ajuda. Que a Amazônia é o maior patrimônio do planeta mas o único jeito que encontramos de explorá-la é pondo as árvores abaixo. Que o termo “brazilian” é famosíssimo lá fora, mas como depilação da bacurinha. Que temos futebol nas veias mas a torcida nos estádios é muito melhor em fazer selfie do que incentivar o time pra valer. Que somos o país do futuro dum futuro que nunca chega. Tá certo, tudo isso é verdade. Só retiro a parte da zaga. Thiago Silva e David Luiz são bons de roer, a melhor zaga do mundo. 02/07/2014


Hoje é dia de véspera. Este mal sem jeito que aflige desde que fizeram de amanhã uma data importante. Não tem minuto que ande, não tem relógio que passe. Não tem vento que venha dar um movimento. Hoje é dia de véspera. Que nem o menino antes do Natal, vislumbrando os presentes no espaço vazio da árvore, muitos brinquedos e nada de meia ou pijama. Que nem a noiva insone na noite derradeira, encantada com o vestido branco e vazio, esperando preencher aquilo com a vida feliz. Dia de véspera. Amanhã começa a viagem que se planejou por meses. As malas ainda abertas na sala, cartões dinheiro e passaporte separados, marcou o táxi?, qual livro vai levar?, uma tacinha de vinho para saborear o sono que não vem de jeito nenhum. Generais antigos consultavam seus oráculos e entranhas no dia anterior a batalha, os soldados bebiam e festejavam como imortais. Pescadores perguntam a lua onde os cardumes estarão amanhã, vestibulando preparam as colas miudinhas para esconder na cueca. Dia de véspera, dia maldito sem ultra-som para revelar se o bebê virá menino ou menina. Brasil vai ganhar? Brasil vai perder? Um jornalista diz que não, um parente diz que vai. As buzinas apontam pro bem, os cansados com a bagunça apontam pro mau, as estatísticas ficam pé no meio do muro. E o dia vai esticando lento feito bem-me-quer numa flor sem fim. Dia de véspera. Ansiedade que não passa se você se distrai lendo, muito menos escrevendo. 03/07/2014




Não entendo esse formigueiro de camisas amarelas. As tintas no rosto, as bandeiras na janela, o gorrinho estranho para retrovisores. O buzinaço, os fogos, o povo inteiro trabalhando agora mas não vendo a hora de ir embora. Não gosto dos 700 jornalistas – a meia dúzia de queridinhos e o bando resto de recalcados. Não ouço os comentaristas, os humoristas, os relativistas. Não me emociona esses milhões de torcedores e os bilhões de expectadores. Detesto os flashes ao vivo do Olodum, do Alzirão, da alegria nos telões da Fan Fest e os personagens fantasiados de verde e amarelo. Sabe aquela aldeiazinha no meio da Amazônia que acompanha os jogos numa televisão chuviscada de 1973? Não acho graça nenhuma. Simples: a seleção é paixão minha e ninguém tem nada a ver com isso. São uns intrusos, uns penetras, uns indesejados. Ignorantes. Só eu sei o que a seleção significa, como comove e mexe com o coração. Os outros pensam que sabem. O jogapramim da Sadia tá tentando roubar esse sentimento, mas não vai conseguir. Porque quando o Júlio Cesar pegou o pênalti, fui eu quem falou pra ele pular ali. Quando o Neymar fez o gol, eu que mandei chutar. Quando o David Luiz fez o desarme, eu que avisei que o cara estava avançando. Quando a seleção passar hoje, vou deixar todo mundo fazer festa porque sou bonzinho. Mas que fique claro: o vencedor sou eu. 04/07/2014


Eu vi na borra do café dessa manhã de domingo. Nas nuvens, na formação dos pássaros em vôo, na galinha preta da macumba na esquina. Na gritaria dos bêbados de madrugada aqui na Vila Madalena e nas montanhas de sujeira na manhã seguinte. Li nas placas dos motor-homes argentinos, na pele de camarão tostado dos alemães, no laranja onipotente da torcida holandesa. Na tinta venenosa e desnorteada da imprensa, nas toneladas imbecis do facebook. Garrincha me falou num sonho, a estátua do Belinni ganhou vida, os hermanos trouxas reavivaram o nosso orgulho por Pelé. Está no Erre do Romário, dos Ronaldos, Rivaldo e, vá lá, Roberto Carlos. Vi na soma do número das figurinhas que acabei de abrir; deu treze e ave Zagallo. Está no bigode do Felipão e do Murtosa, na linguinha aflitiva do Parreira. Nos desarmes do Oscar, na segurança do Luiz Gustavo, no retorno do futebol do Paulinho, no chororô do Júlio César e na direita resolvida com o Maicon. Verdade: no Fred não vi nada. Mas vi na monstruosidade do David Luiz, que defende e parte para o ataque, que inflama o time e o país, que faz milagres como o gol de falta e nos fazer acreditar. Vi na radiografia do Neymar. Na fratura que colou as vértebras duma nação. Vi isso tudo, mas vou dizer o que nunca vi. Nunca vi o Brasil tão sólido para levantar a taça. (Enquanto escrevo, para fechar o clima de oráculo, ouço os moleques jogando bola aqui na praça e um deles grita “Juu-liooo Céééésar”.) As semis dessa Copa sensacional são o mais elevado hall dos campeões. Somando os títulos de Agentinha, Alemanha e Holanda, dão os 5 que o Brasil já tem, e eles são os visitantes no nosso clube. Não falta mais nada: uma seleção que estava terminal tem caminho livríssimo para se tornar imortal. 06/07/2014




Amigo alemão, se eu fosse você, teria medo de David Luiz. Teria medo por ele não ter medo de mostrar os cabelos e a força que tem. Teria medo da sua boca mastigando as palavras do hino nacional como quem engole cada coração desse país. Teria medo da sua bochecha inflando quando ele corre, e ele corre o tempo todo. Teria medo não das faltas que ele faz, mas das que cobra. Teria medo de um capitão nato - como todo grande líder, ele não cresce nas salas de portas fechadas, mas sim diante dos nossos olhos. Teria medo de como ele tá doido pra agarrar essa taça com os pés. Teria medo do que ele fez no último jogo. Se eu fosse você, amigo alemão, teria medo. Mas não de como David Luiz foi grande de ter ido em pessoa consolar o tal do James, que muitos aclamavam como o maior da Copa e fez merecido o gol mais bonito do torneio. Não teria medo de como David Luiz convocou a torcida a bater palmas pro colombianinho. Eu teria medo, amigo alemão, de como ele trocou a camisa com o menino e a vestiu ao contrário. O nome James na frente, em branco em vermelho, estampado em seu peito. Como um pescador mostra o peixe, um caçador exibe a presa, o xerife apresenta o bandido. Emoldurado para as lentes do mundo. “Essezinho aí, que vocês encheram a bola, agora está empalhado na minha sala. De quem mais irão falar agora?” vEu teria medo, amigo alemão, muito medo. Há literatura em David Luiz. 06/07/2014


Sejamos bonzinhos: a imprensa esportiva está um lixo. No Esporte Espetacular, fizeram a seguinte chamada:“Especialistas analisam a lesão de Neymar e explicam os riscos para o atleta”. Ora, nunca houve risco nenhum e desde o início todos sabiam disso. O tratamento é repouso e analgésico e pronto; em menos de 2 meses ele volta novinho em folha. Então por que esse tom alarmista? Por que a polêmica? Por que a necessidade de deixar sempre os cabelos em pé? Jornalismo mudou nas eras da internet. O público quer notícias novas no tempo de um refresh e simplesmente não tem tanta notícia assim. O jornalismo está tão preocupado em se adaptar ao futuro que seu conteúdo hoje também busca adivinhar o que vai acontecer. Vai ver é isso. Felipão foi categórico na polêmica sobre Oscar: pra comissão técnica, nunca houve dúvida em escalá-lo. Também foi altamente malaco quando chamou os jornalistas para um papo na alcova, formando 796 recalcados e meia dúzia de mal agradecidos. O destrambelho dos jogadores, a tal neymardependência. Tudo criado pela imprensa. Amigos jornalistas: procurem analisar os fatos acontecidos e deixem isso de criar expectativas para nós, publicitários levianos e escritores românticos. Principalmente numa Copa do Mundo e numa Copa como essa, com uma bola que rola soltinha soltinha, rindo de quem acha que a entende e sorrindo pra quem se larga ao seu encanto. 07/07/2014




Não vai ter Copa. Não vai ter hexa. Não vai ter água. Não vai ter luz. Não vai ter legado. Não vai ter pré-sal. Não vai ter diferença o meu voto. Não chego em casa hoje. Não vai chegar o que comprei na internet. Não vai passar das quartas. Não vai ter ninguém pra atender. Não vai gelar a cerveja. Não vai dar a carne. Não vai ter torcida. Não vai ter no meu tamanho. Não vai chegar a resposta. Não vai dar tempo. Não vai ter final contra a Argentina. Não vai dar pra pagar. Não vai crescer o PIB. Não vão baixar os juros. Não vai ter justiça. Não vai dar praia. Não vai fazer sol. Ele não vai ligar. Ela não vai atender. Não vai pegar o pênalti. Não vai ter ingresso. Não vai dar pé. Não vai ter mesa no restaurante. Não tem jeito esse país. Não vou ter fim de semana. Não vai ter prazo. Não vai ter verba. Não vou pegar o trabalho. Não vai mudar o esquema tático. Não vou ter leitores. Não vou ter aumento. Não vai ter lugar pra sentar. Não tem saída. Não vai mudar nada. Não vai mudar nunca. Não dá pra jogar sem o Neymar. Só por um dia, só amanhã, começando as 17h, ali naquele campinho em Minas, ali ali com aqueles malucos de camisa amarela, chega de não. 07/07/2014


Temos que ganhar, claro que temos, dizia a nação. Da primeira vez perdemos, tal uma noiva roubada na noite de núpcias, então agora temos que ganhar, sim o temos. Mas algo desandou quando o juiz apitou e a bola rolou, o galo real da Copa cantou. Pois não temos Pelé e Garrincha, Bebeto Romário e Ronaldo, nossos craques formados na sala de parto? Não, amigos, dessa vez o time é feito de intercambistas, brasileiros formados em Coimbra, jogadores de futebol desconhecido em nossos estádios da esquina. Ah, mas temos a torcida, apaixonada organizada calejada, como não? Não, meus amigos, dessa vez as arquibancadas recebem um público de shopping center, não há foguetes nem bandeiras, somente auto-retratos e ingressos inflacionados, sequer os cantos nós cantamos. Ah, mas e a camisa, a amarelinha não ganha jogo? Desculpe, senhoras e senhores, na partida de hoje o adversário foi estrategista, um sabotador infiltrado para causar confusão: a camisa que vestirão é a do clube mais querido, tática clara para dividr a nação. Não é possível!, temos que ganhar!, temos Neymar! Tínhamos, meus queridos. A joelhada no craque foi um tapa em cada cara. E assim as camadas foram caindo como a roupa do imperador, tantas certezas ruindo como ruiu o pobre viaduto, nos deixando incrédulos nos levando à nudez. Sim, meus amigos, agora estamos nus. Nus como os índios, a parte mais primitiva do nosso povo, aquele que sempre soube ver nossa terra como realmente era. E nisso a obrigação de ganhar se desfez como ladainha de palanque. Nisso a Copa ficou clara como o sol nascendo em Copacabana. Nós não temos que ganhar nada; quem foi que inventou isso?, quem é que está torcendo por nós? Nós queremos ganhar. A sutileza semântica que muda a História; agora sim, mais do que nunca, nós queremos. Eu quero, você quer, o escrete quer. Acabou a pressão, que se dane a obrigação. Só sobrou a vontade. E com a vontade cresce o tal do gigante. 08/07/2014




Minha avó Lucy, minha única avó viva, estava no Maracanazo. Em 2002, vimos a Copa na saudosa casa de Teresópolis, logo Teresópolis. Na véspera das oitavas contra a Bélgica, fomos a uma pizzaria e eu perguntei: “Lulu, como foi perder pro Uruguai?” Ela disse que foi horrível, um silêncio oceânico. Falou de sua raiva particular contra o artilheiro uruguaio. Quando o jogo acabou, o maldito ainda se ajoelhou e arrancou tufos do gramado, espumando babando, a grama na boca entre os dentes: “Ganhamos aqui!” Não tenho filhos, mais longe ainda de ter netos. Até lá, eu penso como falar com eles sobre o dia de hoje. 08/07/2014


Croniqueta Extra. E então eu fui ali na Alemanha assistir ao jogo da Seleção. O dia começou calorento que nem o Humaitá a pé e chuvoso que nem a Vila Madelena de carro. Tudo muito confuso. O ponto de partida foi numa galeria de arte. Algum excêntrico milionário que ama encontrar sentido onde não há, ou talvez sim, dependendo da abrangência de todas as coisas atuando de uma vez só, ou não, como diria Gil, fez de um de seus lofts, um hobby. Tinha gente mostrando peitinho, gente azul, gente em fotografias, gente enrolada em papel e gente tomando champagne com gelo. Enfim, tudo muito confuso. Não deu pra ficar até o final porque a carona pro jogo já estava saindo. Dentro van - de carga - berliners de todas as nacionalidades possíveis. Todos muito eufóricos com o Brasil e orgulhosos das palavras em português que sabiam e que iam aprendendo ali na hora. Eu, é claaaaaaro, ajudava a afinar o tom perfeito do lêêê-leleôôô-leleô-leleô-leleô (mãozinhas pro alto) Bra-sil! Impecável. Chegamos num galpão gigantesco: 300 alemães, sem exagero, essa meia dúzia de canarinhos paraguaios e nenhum galvão. Banquinho para todos, Paulaner a 3 euros e um telão maravilhoso a espera do apito. Olha, eu não tenho time. Eu não acompanho os campeonatos e eu não sei o nome dos jogadores. Mas eu sei o que é jogar bola. Eu sei o que é pular pra matar a bola no peito e fazer ela viver de novo calmamente na ponta do meu pé esquerdo. Eu sei. Eu sei o que é tirar energia do nada e correr com a garganta seca depois de cercar o adversário por horas, arriscar um bote, e deixar o cara passar. Eu sei como é dar carrinho sem machucar. E machucando também. Eu sei o que é fazer tabela sem olhar. Eu sei o que é voltarpradefenderporra. Eu sei. Sabe aquele menino jogando na rua descalço? Sou eu. Eu sei o que é ser sacanaeado e apanhar dos outros meninos dessa mesma rua por ser “branco” demais e, ainda assim, conti-nuar jogando na semana seguinte. Eu sei onde fica essa rua. Mas você, técnico de Copacabana, você não sabe. E é por isso que Copa do Mundo mexe comigo. E é por isso que eu estou escrevendo agora como se estivesse batendo com a mão no peito. Porque eu amo esta porra de jogar bola. E naqueles 30 minutos de jogo, meu amigo, não tinha ninguém jogando bola. Simples assim. Não me venha dizer que são uns milionários pagodeiros que amam


mulheres gostosas, carrões e comerciais da Nike. Quando a bola rola, mermão, não existe isso. Deixa eu te explicar: você meio que entra numa espécie de transe coletivo. Seu corpo faz coisas que, se você for pensar muito, acaba não fazendo. Por exemplo, você sente quando o seu parceiro vai passar ali na direita, você premedita o que aquele outro vai fazer, você sente o adversário se aproximando, cria soluções em fração de segundos, é fantástico! Mas tudo isso só acontece quando você está concentrado no jogo. 100% focado na bola. Sacou? Aqueles 30 minutos de 3 x 0 foram uma pedrada nesse mantra. Não só nos jogadores, mas em mim também - provavelmente você também deve ter sentido, né? Agora, imagina lá... imagina levantar... imagina olhar o amarelo ao redor... o silêncio... deve ser muito, mas muito difícil. É aqui que você começa a pensar muito e seu corpo para de fazer o que naturalmente fazia antes. Dúvida. Incerteza. Descrença. Medo. Mente. Falha. E paramos de jogar bola. Pra mim o jogo acabou ali. E mesmo tendo a mesma esperança que você tem e que todos nós, brasileiros, temos e usamos para tudo em nossas vidas, eu tinha entendido o que estava acontecendo. Todo o resto foi consequência. Continuamos não jogando bola e perdemos. E não vi nada fora do comum vindo da Alemanha. Os caras jogaram bola. Tabela, passe, toque, defesa, consciência, mente. Abriu? Deu mole? Chutou é gol. E não tem nada de muito confuso aqui não. Os berliners já tinham sumido. Mais uma Paulaner. E a cada gol que a Alemanha fazia, eu dava os parabéns a um camarada chucrute do meu lado. 4, 5, 6, 7 cumprimentos. Mas chucrute e os outros 299 já não vibravam mais como antes. A intensidade dos gritos foi inversamente proporcional à quantidade de gols. Vai entender esse povo frio... apito. Hoje acordei com meu amigo dizendo que o meio-campo da Alemanha tinha pedido desculpas pelo jogo. Daí entendi os chucrutes: foi humilhante pra eles também. O chucrute e o meio-campo tiveram pena de mim ali sentado. E de você também. PENA. Durante o café, descobrimos que um sheik milionário que ama dinheiro tinha ganhado 2 bilhões de dólares num bolão com seus amigos sheiks milionários que também amam dinheiro. Belo chute. Esse sim deve estar muito feliz. Triste ficamos nós, pobrinhos, que amamos jogar bola descalços na rua. Luter Filho • 09/07/2014


Tá puto com a seleção? Tá triste com a derrota? Tá com vontade de arrancar os bigodes arrogantes do Felipão, essa peça viva de museu? Tá querendo enforcar em praça pública o Marin e toda a corja coronelista que afundou nosso futebol? Tá se sentindo um idiota por ter acreditado num time claramente sem talento e sem preparo? Tá com vergonha da aula de bola e honra que recebemos dos alemães? Tá com raiva da milonguice autêntica dos hermanos? Tá doendo porque outra seleção visitante vai levantar a taça no nosso Maracanã? Tá ardendo porque não foi dessa vez e temos que esperar mais 4 anos? Tá sentindo a melancolia de fim de domingo porque a Copa só tem mais um fim de semana? Tá querendo matar o Fred? Tá com medo que agora o que sobra é falta d’água em São Paulo, PM fascista e o circo corrupto das eleições? Tá de saquinho cheio e trocou sua foto do face de volta por algo que nada lembra o país ou a seleção? Tá cansado de chorar? Tá zoando quem chorou? Tá cansado de quem zoou quem chorou? Tá exausto de pensar que nesse país entra derrota e sai derrota e nada muda? Então muda você, meu amigo. No copo ainda tem três dedinhos e o copo é a saideira. Muda você e torça no sábado. Não por eles. Não pelo terceiro lugar, coisa que nós, brasileiros, torcedores maduríssimos e maravilhosíssimos acostumados ao tudo ou ao nada, desprezamos tanto. Torça pela sua torcida. Torça por quem esteve do seu lado e dividiu com você as alegrias e surpresas dessa Copa eterna. Pode xingar o Felipão, claro, eu vou xingar também. Só não tira a bandeira da janela. Bota mais uma carne nesse fogo. E lembra da Copa na esquina da sua casa não como a que você perdeu, mas como a que você fez. 10/07/2014




João Vereza, 35 anos, é carioca e mora em São Paulo desde 2006. Redator publicitário, foi vencedor do Prêmio Sesc 2012/2013, com o livro de contos Noveleletas (Record), este também finalista do Prêmio Jabuti 2014. facebook.com/Noveleletas Luter Filho, 32 anos, é carioca de nascimento, paulista por ofício e baiano de coração, vive em Berlim desde 2014. Diretor de Arte publicitário, acumula prêmios nacionais e internacionais além de ter representado o Brasil em Cannes, na Young Lions Competition de 2010.



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