Infernus #30

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Júlio Mendes Rodrigo

Saint Julian «The idea of an incarnation of God is absurd: why should the human race think itself so superior to bees, ants, and elephants as to be put in this unique relation to its maker?. . Christians are like a council of frogs in a marsh or a synod of worms on a dung-hill croaking and squeaking for our sakes was the world created. » Flavius Claudius Iulianus

Stigmata Diaboli Ao contrário de muitos outros leitores, a minha introdução aos escritos de Anton Szandor LaVey, não se consumou através da leitura da obra incontornável que é, de facto, a “Bíblia Satânica”. Estávamos em meados da década de 1990, quando um amigo de infância me apresentou aquele, que, na altura, foi o admirável mundo novo da Church of Satan. Adquirido em Amesterdão, por esse meu amigo, e por mim fotocopiado, “The Devil’s Notebook”, tornou-se livro de cabeceira até eu ter, finalmente, adquirido, anos mais tarde, numa pequena livraria de Estocolmo, a obra seminal de LaVey. Foram as leituras destas obras, que me ajudaram a consolidar o meu posicionamento perante o Reino da Quantidade que caracteriza as ruínas sobre as quais assentam os pilares basilares deste Mundo (pós) Moderno. Leituras que me animaram durante os dias cinzentos da Universidade. Não que os escritos de LaVey contenham quaisquer tipos de panaceias para indivíduos de estirpe inquieta, ou mesmo, portadores da bílis negra que caracteriza o melancólico. No meu caso, em particular, permitiram-me consolidar e sistematizar todo um conjunto de preceitos e imperativos morais e éticos que, já na altura, norteavam a minha existência. Creio que uma das principais qualidades dos escritos de LaVey reside no facto de permitir que alguns indivíduos consigam estabelecer uma (re) ligação a si próprios, e à sua verdadeira essência, ao constatarem que existe uma minoria que sente e pensa a Existência, tal e qual como eles próprios. Religare, não é essa a base etimológica da palavra religião? Creio que não existirá palavra que - pela ausência da aplicação do conceito que encerra

- melhor defina o mal do qual padece a Humanidade, nesta que é a Era do Fragmento. γνῶθι σεαυτόν,é o aforismo que se encontrava inscrito no Templo de Apolo em Delfos, mas que, ainda assim, volvidos milénios, tende a ser esquecido. Paradoxalmente, este mesmo aforismo, encontra-se na base de muito daquele que é considerado como “esoterismo de pacotilha” ou de “prateleira de supermercado”, para utilizar a terminologia empregue por um amigo que muito estimo. O facto de levar uma vida dividida entre a introspecção do ser anti-social e as obrigações de cariz profissional contribuíram para a circunstância de só tardiamente ter tomado contacto com aquele que é o órgão oficial de expressão da Associação Portuguesa de Satanismo. Leitor assíduo da Infernus, a partir do seu número XVII, o meu primeiro contributo para esta publicação intitulou-se “GALLAECIA Entre as Brumas do Mito”, e consistiu num texto escrito em colaboração com José de Almeida, publicado na Infernus XIX. Os restantes contributos, em nome próprio, iniciaram-se a partir do número XXII da revista, após convite efectuado por Lurker, e que muito me honrou. Estes contributos tiveram o seu início no Equinócio de Outono de 2011 e.v e consistiram nos seguintes textos: “C.G. Jung e as Coisas Vistas no Céu”; “Moon’s Milk”; “Theologia Theatrica: uma aproximação a Klossovski”; “Acheronta Movebo”; “Evento Violento Desconhecido”; “Nupta Cadavera: um prelúdio à putrefacção”; “Na Corte de Lúcifer” e ainda “Primo Posthuman: de artificialis natura”. Foi sempre com um enorme entusiasmo e sentido de obrigação para comigo mesmo, mas também para com os editores, bem como para com os leitores da Infernus, que ao longo destes

anos fui redigindo os textos supra elencados. A importância que atribuo a estes contributos é incomensurável, pois permitiu-me explorar e aprofundar algumas daquelas que constituem as minhas “pequenas obsessões”: refiro-me à vida e obra de Carl - Gustav Jung; à música dos Coil; à paz de espírito proporcionada pelo contemplar da Lua; ao génio exuberante de Pierre Klossovski; ao cinema de Alfred Hitchcok, espelhado na sua obra-prima que é “Os Pássaros”, ao mysterium tremendum et fascinans que é a Morte; ao maniqueísmo evidente na Heresia Cátara e ainda às temáticas circunscritas aos campos do Tradicionalismo, Pós-humanismo e Tecnognosticismo que, julgo, perpassam, de maneira mais ou menos evidente, os meus escritos. Creio ainda que, de forma mais ou menos explícita, estes textos, a par de um quadro de actividades desenvolvido noutras esferas, espelham os meus posicionamentos e opções estéticas e ideológicas, reflectem a minha mundividência pessoal e, em última instância me caracterizam enquanto Indivíduo. Summum Malum «No dia em que perecer a eloquencia, perecerá a Hellada e perecerá Roma! As pessoas transformar-se-hão em animaes mudos e é exactamente para atingir esse fim que os pregadores christãos empregam o seu bárbaro estylo.» Lampridio em “A Morte dos Deuses, o romance de Juliano Apóstata” de Dmitry Merezhkovsky Foram publicadas, muito recentemente, em Portugal, duas obras, que, quase de certeza, irão passar ao lado de todos quantos não possuem um espírito inquieto. Na verdade, são dois livros que, no meu entendimento, deveriam ser de leitura “obrigatória” para todos aqueles que preferem um lugarzinho confortável na manada. Refiro-me a todos os que passam o tempo a falar da vida alheia, aqueles que não se emancipam da sua condição de espectadores e que esbugalham os olhos perante qualquer manifestação desportiva ou reality-show. A todos quantos se deleitam em visionar, ou então, em participar, em espectáculos degradantes, como “Quem Quer Ser Otário”, ou as “Tardes da Júlia Dinheiro” (Lamento, mas foi-me impossível resistir ao trocadilho). Mas, refiro-me, também, aos ex-ministros deste país que apesar de mentirem acerca das suas habilitações académicas, acabam homenageados pela Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria do Rio de Janeiro (Expresso online, 12/09/13). 39 ~ Infernus XXX


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