Catálogo O cinema de Trinh T. Minh-ha

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Quando o social é hipoestesiado e venerado como um ideal de transparência, quando ele mesmo torna-se uma mercadoria em forma de pura administração (melhores serviços, melhor controle), o intervalo entre o real e a imagem (ou o imagificado), ou entre o real e o racional, diminui a ponto de tornar-se uma irrealidade. Portanto, abordar a questão das relações de produção que levantei acima é reabrir continuamente a questão de como o real (ou o ideal social da boa representação) é produzido. Portanto, em vez de satisfazê-lo, esforçando-se para capturar e descobrir sua verdade como um objeto oculto ou perdido, também é importante continuar a perguntar: como a verdade está sendo regida? A punição do realismo é que ele é sobre a realidade e deve se preocupar eternamente não em ser “belo”, mas em ser justo.16 Os pais do documentário insistiram inicialmente que ele não era Notícia, mas Arte (uma “forma de arte nova e vital” como proclamou Grierson certa vez). Que sua essência não é informação (como é o caso de “centenas de ‘filmes industriais’ bobalhões ou de filmes educacionais-para-trabalhadores”); não é reportagem; não é cinejornal; mas algo próximo de um “tratamento criativo da atualidade” (a famosa definição de Grierson). Se Joris Ivens fez os documentários mais belos já vistos, é porque seus filmes têm composição, são bem trabalhados e têm um ar de verdade. Claro que a parte documental é verdadeira, mas em torno de todas as seções documentais, há uma interpretação. Então não se pode falar em cinéma-vérité.17 O documentário pode ser antiestético, como alguns ainda afirmam seguindo a linha do precursor inglês, mas é reivindicado como sendo não menos arte, embora uma arte dentro dos limites do factual. (A interpretação, por exemplo, não é vista como constitutiva do processo de documentar e de tornar a informação acessível; ela é tida, ao contrário, como sendo a margem ao redor de um centro dado e intocado, que, segundo Franju, é a “parte documental” ou “seção documental”). Quando, num mundo de reificação, a verdade é amplamente igualada ao fato, qualquer uso explícito de qualidades mágicas, poéticas ou irracionais específicas ao próprio meio cinematográfico teriam que ser a priori GRIERSON, John em HARDY, Forsyth (org.). Grierson On Documentary. Nova Iorque: Praeger, 1966, republicado em 1971, p. 249.

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FRANJU, Georges em LEVIN, G. Roy. Documentary Explorations, p. 119.

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