A hipermassificação e a destruição do indivíduo .

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muito tempo, ela foi remetida a Deus, que constituía o irregular absoluto como regra de incomparabilidade das singularidades. O marketing torna estas últimas comparáveis e categorizáveis, transformando-as em particularidades vazias, reguláveis pela captação ao mesmo tempo hipermassificada e hipersegmentada das energias libidinais. Trata-se de uma economia antilibidinal: só é desejável aquilo que é singular e sob esse aspecto excepcional. Só desejo o que me parece excepcional. Não há desejo da banalidade, mas uma compulsão de repetição que tende à banalidade. A psique é constituída por Eros e por Tanatos, duas tendências que se compõem incessantemente. A indústria cultural e o marketing visam impulsionar o desejo do consumo, mas, de fato, reforçam a pulsão de morte, por provocar e explorar o fenômeno compulsivo da repetição. Contrariam assim a pulsão de vida: quanto a isso, e porque o desejo é essencial ao consumo, esse processo é autodestruidor ou, como diria Jacques Derrida, auto-imunizador. Só posso desejar a singularidade de algo na medida em que esse algo é o espelho da singularidade que eu sou, mas que ainda ignoro, e que este algo me revela. Porém, na medida em que o capital precisa hipermassificar os comportamentos, precisa também hipermassificar os desejos e gregarizar os indivíduos. A partir daí, a exceção é aquilo que deve ser combatido – o que Nietzsche antecipara afirmando que a democracia industrial só podia engendrar uma sociedade-rebanho. Eis uma verdadeira aporia da economia política industrial. Pois o controle das telas de projeção do desejo de exceção induz a tendência dominante tanatológica, isto é, entrópica. Tanatos é a submissão da ordem à desordem. Tanatos tende à equalização de tudo: é a tendência à negação de qualquer exceção. O problema não se limita àquilo que se chama comumente “cultura”: a existência cotidiana, sob todos os seus aspectos, é submetida ao condicionamento hiperindustrial dos modos de vida. Trata-se do mais inquietante problema de ecologia industrial: as capacidades mentais, intelectuais, afetivas e estéticas da humanidade estão massivamente ameaçadas, e no momento mesmo em que os grupos humanos dispõem de meios de destruição sem precedentes. A debandada que a ruína da libido provoca é também política. Na medida em que os responsáveis políticos adotam técnicas de marketing para se transformarem, eles próprios, em produtos, os eleitores sentem o mesmo desgosto por eles que sentem por todos os demais produtos. Já é tempo de os cidadãos e seus representantes despertarem: a questão da singularidade tornou-se crucial e não haverá política futura que não seja uma política das singularidades – sem o que, florescerão os nacionalismos mais extremos e os fundamentalismos de toda espécie.

[1] Gilles Deleuze (1925-1965), filósofo. [2] Pourparlers, Editions de Minuit, Paris, 2003.


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