Enviado Especial

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Por seguir autônomo, também tem menos garantias. “Não tenho nada de nada. A única coisa que recebo é o auxílio maternidade, mas isso é tudo”, disse. Antes, Alejandro trabalhava no ramo da construção. Devido à instabilidade dos empregos que conseguia, atualmente combina bicos com o ofício de cartonero. Entretanto, o retorno financeiro diário oscila bastante: “um dia pode ser 200 pesos, outro dia 100 e, em outro, 50”. Ele completa a fala fazendo referência ao que sentiu mudar nos três anos de trabalho: “Melhor e pior, melhor e pior... Sempre igual. Tem dias.”

2003 ele já influenciou iniciativas semelhantes no Paraguai, Bolívia, Brasil, Uruguai, França, Espanha, Moçambique e até China. Porém, Juan González, que participa do trabalho há nove anos, aponta que cada uma das novas organizações opera com dinâmica própria, e que a Eloísa Cartonera vem se profissionalizando no decorrer desses dez anos: “Hoje em dia nós temos mais saída, mais venda. Temos que produzir em grande quantidade, pois recebemos pedidos de livrarias, universidades, de todos os lados”. Os dois últimos trabalhos da editora foram a confecção de 800 livros em seis dias para uma feira na província de Buenos Aires e de mil exemplares em uma semana para um pedido da Noruega. Durante a nossa visita à editora eles estavam terminando uma tiragem de 250 exemplares bilíngues de poesia marginal brasileira, encomendados pela Embaixada do Brasil. Eles chegaram até a publicar livros em “portunhol”, como é o caso do “El Astronauta Paraguayo”, de Douglas Diegues. González calcula que o concurso literário para novos autores, organizado pela editora aproximadamente a cada dois anos desde 2004, recebe cerca de 300 títulos para avaliação, podendo se dar ao luxo de recorrer somente à divulgação boca a boca ou à “publicidade grátis” na imprensa. E que sigam em pauta por mais dez anos – assim como os cartoneros.

Foto: André Silva

A Argentina ainda não se recuperou totalmente do susto da crise. O surgimento em peso dos cartoneros era algo impensável antes da crise de 2001.

Juan González

Foto: Libcom.org - Crisis to Cooperatives : André Silva

Dez anos depois Mesmo com o país em uma situação econômica ainda delicada, de desvalorização gradual da moeda local e de inflação escalando, a situação dos catadores “registrados” parece ter melhorado em relação a 2002. Sergio considera que a situação “avançou muito” em dez anos: “os carros [de lixo] vêm em um caminhão e as pessoas vêm sentadas em uma van, muito mais cômodo. Anos atrás vínhamos todos juntos, apertados. E agora temos um soldo”. Isabelino, por outro lado, lembra que no início os próprios cartoneros eram obrigados a dividir os custos do caminhão do próprio bolso. A Argentina ainda não se recuperou totalmente do susto da crise. O surgimento em peso dos cartoneros era algo impensável antes da crise de 2001. Os anos se passaram, muitos deles conseguiram melhorar de vida e o trabalho agora é encarado com uma certa naturalidade. Porém, apesar de terem diminuído em número, sua origem está atrelada a este passado recente, que ainda não se afastou suficientemente. Nesse contexto, a Eloísa Cartonera mantémse firme do alto de seus dez anos de existência. A popularidade do projeto é tamanha que desde

“Hoje em dia nós temos mais saída, mais venda. Temos que produzir em grande quantidade, pois recebemos pedidos de livrarias, universidades, de todos os lados”.

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