Revista Libertária nº 3

Page 23

ecologia da liberdade

fazedora de ouro, e obrigaram-na a revelar os seus segredos. E a discórdia desenfreada entre deuses e homens começou. Os deuses quebraram os seus juramentos; a corrupção, a traição, a rivalidade e inveja dominaram o mundo. Com a quebra da unidade primordial, os dias de Asgard e Midgard estavam contados. A violação inexorável da ordem do mundo levava a Ragnarok – a morte dos deuses sob Valhalla. Os deuses caíram numa batalha terrível com os gigantes, o lobo Fenris e a serpente de Midgard. Com a destruição de todos os combatentes a humanidade pereceria também e nada sobraria para além das pedras, oceanos transbordantes num vazio frio e escuro. Tendo pois o mundo se desintegrado no seu princípio, ressurgiria renovado, purgado dos seus males anteriores e da corrupção que o destruiu. O novo mundo que emergiria do vazio não sofreria outro fim catastrófico porque a segunda geração de deuses e deusas aprenderiam dos erros dos seus antecedentes. O profeta que nos conta a história diz-nos que a humanidade daqui para a frente viveria em alegria para sempre. Nesta cosmografia parece estar o tema habitual do eterno

3 23 2

retorno, uma sensação que o tempo anda à roda e se repete perpetuamente em ciclos de nascimento, crescimento, morte e renascimento. O que a lenda explora é uma área muito pouco explorada da mitologia, a mitologia da desintegração. O cristianismo selou definitivamente o conceito de tempo histórico linear e unidimensional, numa orientação irreversível e um fim tendencial pré-determinado, a criação ab initiio e a encarnação como explicação única total e a parúsia do messias no fim dos tempos, com ascensão dos escolhidos e a danação dos restantes. Mais ou menos desfigurado mas mantendo a estrutura inicial este cenário temporal linear haveria de ressurgir em ideologias afirmando a unidirecionalidade do progresso, das luzes, dos ventos e do fim da história, mas a lista está longe de ser completa, há mais exemplos. Não podemos afirmar a existência de um limite no fim na história da humanidade, um absoluto hegeliano ou um comunismo marxista e nem a confiança no progresso inevitável no compromisso do iluminismo dos avanços tecnológicos. O que nos assombra nestes mitos de desintegração não são as histórias que relatam mas as profecias que fazem. Tal como JUL 2020


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.