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O CORPO NO APP
Marshall McLuhan tinha uma intuição na década de 1950 sobre as tecnologias da comunicação funcionarem como uma extensão do corpo. De fato, o Grindr (e as ferramentas possibilitadas pelos celulares) funcionam decerto como uma prótese.
“Esta perspectiva [da prótese], proposta por Paul Preciado (2002), fundamenta-se na compreensão do dildo como um órgão sexual que se acopla ao corpo, compondo assim uma nova configuração de encadeamentos para o desejo, o prazer, o sexo etc. Em relação ao Grindr, entende-se que sua possibilidade de conexão contínua produz um similar acoplamento, a partir do qual a conexão técnica do uso da ferramenta produz uma nova formulação para os sujeitos usuários, seja na busca por parceiros, na relação com outros usuários e também nos modos de nomeação e produção de si mesmo através da ferramenta.”
Com seu “mapa” feito somente com fotos, o aplicativo promove a relevância da aparência como forma de chamar atenção. O mais comum é ver fotos de homens sem camisa, com roupas de praia ou academia sem aparecer o rosto na maioria das vezes. Devido a esses usuários, o Grindr ganhou o carinhoso apelido de açougue. Já que o aplicativo foi criado para tal finalidade, os homens se permitem mostrar seus atributos físicos como forma de atrair outros para encontros.
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Ibid.
Além da grade de fotos, ao selecionar um perfil, você pode visualizar outras informações que os homens disponibilizam como o nome de exibição, uma breve descrição sobre o usuário, idade, peso, altura, preferências sexuais, interesses e a distância exata entre vocês. Uma outra categoria bastante utilizada são as tribos: uma normatização de padrões corporais/comportamentais que descrevem o usuário, como ursos (homens peludos de grande porte), barbies (homens malhados), papai (homens maduros), garotos (homens mais novos), nerd, soropositivo, trans e discretos (homens não assumidos ou que não são heteronormativos). Todos esses campos não são obrigatórios para preencher, e perfis “fantasma”, sem fotos e informações são comuns. A máxima “sem foto sem papo” é quase sempre aplicada, a não ser que as fotos sejam enviadas no primeiro contato. E além da possibilidade de se descrever através dessas informações o aplicativo dispõe de filtros para encontrar homens que estejam dentro das suas preferências.
Essa possibilidade de se editar e criar uma persona on-line é um grande atrativo para os usuários, que se permitem ir “direto ao ponto”, sem a obrigação de precisarem se justificar aos outros. O meio de comunicação é aberto (e quase sempre monossilábico), você pode ir diretamente no perfil e iniciar uma conversar. Devido a essa automatização da busca por encontros, existe um padrão de conversas que se repetem constantemente: “blz?”, “afim de que?”, “o que curte”, “real?”, “local?”, “tem outras fotos?”, etc. E de forma rápida e direta, os usuários manifestam seus desejos e decidem o rumo que conversa terá.
Para quem não tem nenhum pudor, arranjar encontros reais não tem dificuldades, basta a disposição do outro. Porém o aplicativo introduziu uma nova forma de relações sexuais através do virtual, onde muitos encontros acontecem através das próprias conversas, e a troca de fotos íntimas e palavras sexuais já bastam para satisfazer o desejo, liberado pelo auto prazer. O encontro real não é uma finalidade nem uma garantia.
Nesse caso, mais do que um dispositivo de localização, o celular atua como um intermediário entre os homens e também como uma extensão do corpo; é através dele que o corpo do outro se materializa e torna-se presente. O autor Andrés Jacque descreve:
“A textura da tela de vidro alcalino-aluminossilicato de um smartphone é semelhante à pele lisa, então esfregar o polegar na tela das fotos de perfil dos usuários do Grindr, é como tocar na pele jovem e sem pelos de um corpo nu. A tela promove interação: bloquear, favoritar e trocar mensagens são as próximas etapas. Quando a imagem de um usuário é tocada, seu perfil se expande para ocupar a tela inteira.”
16 JAQUE, Andrés. Grindr Archiurbanism. Log 41. Working Queer. 2017. (Traduzido e adaptado)
Estar no Grindr é como conviver em um espaço coletivo onde todo mundo se vê e se conhece visualmente, mas as interações não são visíveis. As funcionalidades de bloquear, favoritar, conversar e chamar atenção de alguém (taps), permanecem próprias aos usuários assim como as interações no espaço real, mas de uma forma mais abrupta, seletiva e indiferente. Cruzar na rua com alguém que você viu/conheceu no Grindr é como cruzar com alguém que você reconhece e não conhece, mas tem uma foto íntima dela em seu celular.