As cronicas vampirescas iv a historia do ladrao de corpos anne rice

Page 158

— Marius! — Fiquei de pé e chamei com voz cada vez mais alta. — Marius, não me deixe aqui. Ajude-me! — Ergui os braços para o céu. — Marius — rugi. Mas era inútil e eu sabia. Fiquei ali parado com a chuva encharcando meu casaco e meus sapatos. Meu cabelo estava molhado, grudado na cabeça, e agora não importava mais que eu estivesse chorando pois a chuva lavaria minhas lágrimas. “Você pensa que estou derrotado”, murmurei. Eu não precisava gritar para ele. “Pensa que já fez seu julgamento e que isso é o fim de tudo. Oh, você pensa que é simples assim? Pois está enganado. Eu jamais me vingarei deste momento. Mas vai me ver outra vez. Vai me ver outra vez.” Abaixei a cabeça. A noite estava cheia de vozes mortais, do som de pés correndo. Um motor barulhento parou na esquina distante. Eu precisava forçar aquelas pernas miseráveis e sair dali. Fiz um sinal para Mojo me seguir e passamos pelas ruínas da pequena casa, que ainda queimava alegremente, saltamos o muro baixo do jardim, seguimos por uma passagem cheia de mato e fomos embora. Só mais tarde compreendi como estivera perto de ser capturado — o incendiário mortal e seu cão ameaçador. Mas como podia me importar com isso? Louis me rejeitara, Marius também — Marius, que podia encontrar meu corpo sobrenatural antes de mim e destruí-lo sumariamente. Marius, que talvez já o tivesse destruído, deixando-me para sempre dentro daquela estrutura mortal. Oh, se algum dia eu havia sofrido tanto na minha juventude mortal, eu não era capaz de lembrar. Mas mesmo que lembrasse, não me serviria de consolo naquele momento. Quanto ao medo que sentia, era indescritível! A razão não podia entender. Minha mente funcionava em círculos, numa confusão de esperanças e de planos. “Preciso encontrar o Ladrão de Corpos, tenho de encontrá-lo e você precisa me dar algum tempo, Marius, se não quer me ajudar, pelo menos me deve isso.” Repeti isso várias vezes como Ave-Marias de um rosário, caminhando na chuva inclemente. Uma ou duas vezes cheguei a gritar minha prece para a noite, debaixo de um grande carvalho, tentando ver a luz do nascer do dia no céu escuro e molhado. Quem no mundo me ajudaria? David era minha única esperança, embora eu nem imaginasse o que ele poderia fazer por mim. David! E se ele também me desse as costas?

DEZENOVE QUANDO O SOL NASCEU, eu estava sentado no Café du Monde, pensando no melhor modo de entrar no meu apartamento de cobertura. Esse pequeno problema impedia que eu enlouquecesse. Seria esse o segredo da sobrevivência dos mortais? Ummm. Como eu poderia arrombar meu luxuoso apartamento? Eu mesmo havia reforçado a entrada pelo jardim do telhado com um portão de ferro intransponível. Eu mesmo instalei várias fechaduras complexas nas portas do apartamento. As janelas tinham barras de ferro para evitar a intrusão de mortais, embora eu nunca tenha pensado em como um mortal chegaria até elas. Ah, muito bem, tenho de passar pela porta. Posso inventar um ardil para os moradores do prédio — todos inquilinos do francês louro Lestat de Lioncourt, que os trata muito bem, devo acrescentar. Preciso convencê-los de que sou um primo francês do proprietário, enviado por ele para tomar conta do apartamento durante sua ausência e que devem me deixar entrar. Nem que tenha de


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.