As cronicas vampirescas iv a historia do ladrao de corpos anne rice

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que estou ouvindo e que compreendo. Estou ouvindo o que você diz. Não vou deixá-lo. — Doce Gretchen. Irmã Gretchen. — Quero tirar você daqui e levá-lo comigo. — O que foi que disse? — Para a minha casa, comigo. Você está muito melhor agora, a febre baixou bastante. Mas se ficar aqui. . — Confusão no rosto dela. Encostou a xícara nos meus lábios outra vez e tomei vários goles. — Eu compreendo. Sim, por favor, leve-me com você, por favor. — Tentei sentar na cama. — Tenho medo de ficar aqui. — Mas não agora — disse ela, fazendo-me deitar outra vez na maca. Então tirou o esparadrapo do meu braço e a agulhinha da minha veia. Meu Deus, eu precisava urinar! Aquelas necessidades físicas revoltantes nunca acabavam? Que diabo era a mortalidade? Evacuar, urinar, comer e o ciclo se repetia! Será que ver o sol vale isto? Não bastava estar morrendo. Eu precisava urinar. Mas não ia agüentar a comadre outra vez, embora mal lembrasse dela. — Por que você não tem medo de mim? — perguntei. — Pensa que sou louco? — Você só faz mal às pessoas quando é vampiro — disse ela, simplesmente. — Quando está no seu verdadeiro corpo. Não é verdade? — Sim — respondi — é verdade. Mas você é como Claudia. Não tem medo de nada. “Você a está fazendo de boba”, disse Claudia. “Vai magoá-la também.” “Bobagem, ela não acredita.” Sentei no sofá da saleta do pequeno hotel, olhando para o quarto elegante, sentindo-me muito à vontade entre aqueles móveis delicados e dourados. O século dezoito, o meu século. O século do espertalhão e do homem racional. Minha época mais perfeita. Flores em petit point. Brocados. Espadas douradas e o riso dos bêbados nas ruas lá embaixo. David estava de pé na frente da janela, olhando para a cidade colonial, por cima dos telhados baixos. Ele já estivera neste século antes? “Não, nunca”, disse David, deslumbrado e interessado. “Todas as superfícies são trabalhadas a mão, nenhuma medida é regular. Como é tênue o domínio da natureza sobre as coisas criadas, como se pudessem facilmente voltar para a terra.” “Vá embora, David”, disse Louis, “seu lugar não é aqui. Nós temos de ficar. Não podemos fazer nada.” “Você está sendo melodramático”, disse Claudia. “Francamente.” Ela vestia a camisola suja do hospital. Bem, logo eu ia remediar aquilo. Percorreria as lojas de rendas e fitas. Compraria sedas para ela, finos braceletes de prata e anéis com pérolas. Mandaria pintar uma miniatura do seu rosto num medalhão e o levaria no bolso do meu casaco para poder vê-la com a mesma facilidade com que via as horas no meu relógio. Passei o braço sobre os ombros dela. “Ah, como é bom ouvir alguém dizer a verdade”, eu disse. “Um cabelo tão lindo que agora será lindo para sempre.” Tentei sentar outra vez mas não consegui. Um doente grave entrou no corredor com uma enfermeira de cada lado. Alguém bateu na minha maca e a vibração percorreu todo meu corpo. Então tudo ficou quieto e os ponteiros do relógio grande moveram-se com um pequeno espasmo. O homem ao meu lado gemeu e virou a cabeça para mim. Tinha um enorme curativo sobre os olhos. Como sua boca parecia despida de expressão. — Precisamos levar esses doentes para o isolamento — disse alguém. — Vamos agora, vou levá-lo para casa. E Mojo, que fim tinha levado Mojo? E se eles o levassem? Nesse século costumam prender cachorros simplesmente por serem cachorros. Eu precisava explicar isso. Gretchen estava me levantando da maca, ou melhor, tentando me levantar, com o braço em volta do meu ombro. Mojo latindo na casa de James. Teria sido apanhado? Louis estava triste. “A praga chegou na cidade.” “Mas isso não pode afetar você, David”, eu disse. “Tem razão”, concordou ele. “Mas há outras coisas.. ”


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